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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Yvonne do Amaral Pereira

Véspera de Natal de 1900, seis horas da manhã. Na pequena Vila de Santa Tereza de Valença, hoje Rio das Flores, Estado do Rio de Janeiro, renasce em lar espírita Yvonne do Amaral Pereira, primogênita do casal Manoel José Pereira Filho e Elisabeth do Amaral Pereira. Teve cinco irmãos, além de outro mais velho, filho do primeiro casamento de sua mãe.

Seu pai, pequeno comerciante, homem generoso de coração e desprendido dos bens materiais, faliu por três vezes por favorecer a clientela em prejuízo próprio. Tornou-se, pouco depois, funcionário público, de cujos parcos proventos viveu até sua desencarnação, em 1935.

Yvonne viveu em lar pobre e modesto. Aprendeu com os pais a servir os mais necessitados, pois em sua casa eram acolhidos com carinho pobres criaturas sem recursos, inclusive mendigos.

Contam seus biógrafos que, com 29 dias de nascida, depois de um acesso de tosse, sobreveio uma sufocação que a deixou como morta, em estado de catalepsia. Durante 6 horas permaneceu nesse estado. O médico e o farmacêutico atestaram morte por sufocação. O velório foi preparado. A suposta defunta foi vestida com grinalda e vestido branco e azul, e o caixão encomendado. A mãe, que não acreditava que a filha estivesse morta, retirou-se para um aposento, onde orou fervorosamente a Maria de Nazaré, pedindo que a situação fosse definida. Instantes depois, a criança acordou aos prantos.

Sua infância foi povoada de fenômenos espíritas, muitos deles narrados no livro Recordações da Mediunidade. Aos 4 anos já se comunicava com os Espíritos, que considerava pessoas normais, encarnadas. Duas entidades lhe eram particularmente caras. O espírito Charles, que fora seu pai carnal e a quem considerava como tal, devido a lembranças vivas de uma encarnação passada. Foi seu orientador durante toda a sua vida, inclusive nas atividades mediúnicas. O espírito Roberto de Canalejas, que fora médico espanhol em meados do século XIX, era a outra entidade pela qual nutria um profundo afeto e com a qual tinha ligações espirituais de longa data.

Mais tarde, na vida adulta, manteria contatos mediúnicos regulares com outras entidades evoluídas, como o Dr. Bezerra de Menezes, Camilo Castelo Branco e Frédéric Chopin.

Aos 8 anos repetiu-se o fenômeno de catalepsia, associado a desprendimento parcial. Aconteceu à noite e a visão que teve marcou-a pelo resto da vida. Em espírito, foi parar ante uma imagem do \"Senhor dos Passos\", na igreja que freqüentava. Pedia socorro, pois sofria muito. A imagem, então, cobrando vida, dirigiu-lhe as seguintes palavras: \"Vem comigo, minha filha, será o único recurso que terás para suportar os sofrimentos que te esperam\". Aceitou a mão que lhe era estendida, subiu os degraus e não se lembra de mais nada.

De fato, Yvonne Pereira foi uma criança infeliz. Vivia acossada por uma imensa saudade do ambiente familiar que tivera na sua última encarnação na Espanha e que lembrava com extraordinária clareza. Considerava seus familiares, principalmente seu pai e irmãos, como estranhos. Para ela, o pai verdadeiro era o espírito Charles e a casa, a da Espanha. Esses sentimentos desencontrados e o afloramento das faculdades mediúnicas faziam com que tivesse comportamento considerado anormal por seus familiares. Por esse motivo, até os dez anos, passou a maior parte do tempo na casa da avó paterna.

Em ambientação reencarnatória propícia, teve aos 8 anos o primeiro contato com um livro espírita.

Aos 12, o pai deu-lhe de presente \"O Evangelho segundo o Espiritismo\" e \"O Livro dos Espíritos\", que a acompanharam pelo resto da vida, sendo a sua leitura repetida um bálsamo nas horas difíceis. Aos 13 anos começou a freqüentar as sessões práticas de Espiritismo, que muito a encantavam, pois via os espíritos comunicantes. Teve como instrução escolar apenas o curso primário. Não pôde, por motivos
econômicos, fazer outros cursos, o que representou uma grande provação para ela, pois amava o estudo e a boa leitura, tanto que, aos 16 anos, já tinha lido obras de grandes autores como Goethe, Bernardo
Guimarães, José de Alencar, Alexandre Herculano e Arthur Conan Doyle. Desde cedo teve de trabalhar para o seu próprio sustento.

O fenômeno de catalepsia foi comum na sua vida a partir dos 16 anos. A maior parte das reportagens de além-túmulo, dos romances, das crônicas e contos relatados por Yvonne Pereira foram coletados no mundo espiritual através deste processo.

A sua mediunidade, porém, foi diversificada. Foi médium psicógrafa e receitista, assistida por entidades de grande elevação, como Bezerra de Menezes, Charles, Roberto de Canalejas e Bittencourt Sampaio. Possuía mediunidade de efeitos físicos, chegando a realizar algumas sessões de materialização, mas nunca sentiu atração por esta modalidade mediúnica. Os trabalhos que mais gostava de fazer, no campo da mediunidade, eram os de desdobramento, incorporação e receituário homeopático. Nessa última atividade trabalhou em diversos centros espíritas de várias cidades em que morou durante seus 54 anos de labor mediúnico.

Como médium psicofônica, pôde entrar em contato com obsessores, obsidiados e suicidas, aos quais devotava um carinho especial, sendo que muitos deles tornaram-se espíritos amigos. Costumava ler nos periódicos e jornais nomes de suicidas e orava por eles constantemente, catalogando-os num livro de preces criado por ela. Era o que fazia como forma de reparação ao seu suicídio pretérito por afogamento. Passado algum tempo, muitos deles vinham agradecer-lhe as orações e davam-lhe fortes abraços passeando com ela de braços dados pelo casarão em que morava, sem que ela, confusa, soubesse distinguir se o visitante era encarnado ou desencarnado...

Pelo desdobramento noturno Yvonne Pereira visitava o mundo espiritual, amparada por seus orientadores, coletando as crônicas, contos e romances com os quais hoje nos deleitamos. Deixou 20 obras de sua lavra mediúnica, entre as quais Memórias de um Suicida, considerada por Chico Xavier a que melhor retrata a profundeza do Umbral. Este livro, ditado pelo espírito Camilo Castelo Branco, que usou o pseudônimo Camilo Cândido Botelho, foi recebido em 1926, mas editado somente 30 anos depois, em 1956, pela FEB.

São também de sua autoria os seguintes livros: Nas Telas do Infinito, Amor e Ódio, Nas Voragens do Pecado, O Drama da Bretanha, Cavaleiro de Numiers, Ressurreição e Vida, Sublimação, Dramas da Obsessão, Devassando o Invisível e Recordações da Mediunidade, tendo como autores espirituais Bezerra de Menezes, Charles, Leão Tolstoi e Roberto de Canalejas.

Embora conhecesse bem a arte poética, jamais psicografou qualquer poema. Deixou uma série de 10 livros destinados ao público infanto-juvenil, recebidos por intuição e supervisionados por Bezerra de Menezes e Léon Denis, livros que ainda não vieram a lume.

Diz Yvonne, em entrevista a Jorge Rizzini em 1972: \"A formação do meu caráter foi feita pelo Dr. Bezerra. Segui sempre os conselhos dele. Mas houve outros espíritos que me guiaram, como Bittencourt Sampaio e Eurípedes Barsanulpho, com quem trabalhei muito, principalmente em curas de paralíticos.\" A maior parte de sua atividade mediúnica foi exercida em Lavras e outras cidades de Minas Gerais.

Foi esperantista convicta e trabalhou arduamente na sua propaganda e difusão, através de correspondência que mantinha com outros esperantistas, tanto no Brasil quanto no exterior.

Yvonne Pereira serviu como médium de 1926 a 1980, quando um acidente vascular cerebral impossibilitou-a para a atividade mediúnica. Sempre humilde, terna e vivaz, morava num casarão em Piedade, subúrbio do Rio de Janeiro, em companhia de sua irmã casada, Amália Pereira Lourenço, também espírita.

Na noite de 9 de março de 1984, vitimada por trombose, desencarnou durante uma cirurgia a que se submetera no Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro. Seu corpo foi sepultado no Cemitério de Inhaúma. Tinha 83 anos e mantivera-se solteira, cumprindo dignamente o mandato mediúnico exercido com amor e total devotamento ao semelhante.


FONTES: Danilo Vilela e Jorge Rizzini (entrevistas e notas biográficas, Revista Reformador - jan/82 e jornal Macaé Espírita - Nº 289/ 290 – jan/fev. 2000

Publicado no jornal O Espírita Mineiro - 292