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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A Alma é Imortal-Parte 1-Gabriel Delanne

 

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GABRIEL DELANNE - A ALMA E IMORTAL

 

PRIMEIRA PARTE

A OBSERVAÇÃO

CAPITULO I

GOLPE DE VISTA HISTÓRICO

Sumário: Necessidade de um envoltório da alma. - As crenças antigas. - A índia. - O Egito. - A China. - A Pérsia. - A Grécia. - Os primeiros cristãos. - A escola neoplatônica. - Os poetas. - Carlos Bonnet.

CAPITULO II

ESTUDO DA ALMA PELO MAGNETISMO

SUMARIO: A vidente de Prévorst. - A correspondência entre Billot e Deleuze. - Os Espíritos têm um corpo afirmações dos sonâmbulos. - Trazimentos. - As narrações de Chardel. - Outros testemunhos - As experiências de Cahagnet. - Uma evocação. - Primeiras demonstrações positivas.

CAPITULO III

TESTEMUNHOS DOS MÉDIUNS E DOS ESPIRITOS A FAVOR DA EXISTÊNCIA DO PERISPIRITO

SUMARIO: Desprendimento da alma. - Vista espiritual. - O Espiritismo dá certeza absoluta da existência dos Espíritos, pela visão e pela tiptologia simultâneas. - Experiências do Senhor Rossi Pagnoni e do Doutor Moroni. - Uma visão confirmada pelo deslocamento de um objeto material. - O retrato de Vergílio. - O avarento. - A criança que vê sua mãe. - Tiptologia e vidência. - Considerações sobre as formas dos Espíritos.

CAPÍTULO IV

O DESDOBRAMENTO DO SER HUMANO

SUMARIO: A Sociedade de Pesquisas Psíquicas. - Aparição espontânea. - Goethe e seu amigo. - Aparições múltiplas do mesmo paciente. - Desdobramento involuntário, mas consciente. - Aparição tangível de um estudante. - Aparição tangível em momento de perigo. - Duplo materializado. - Aparição falante. - Algumas observações. - O Adivinho de Filadélfia. - Santo Afonso de Liguori

CAPITULO V

O CORPO FLUIDICO DEPOIS DA MORTE

SUMARIO: O perispirito descrito em 1804. - Impressões produzidas pelas aparições sobre os animais. - Aparição depois da morte. - Aparição do Espírito de um Índio. - Aparição a uma criança e a uma sua tia. - Aparição coletiva de três Espíritos. - Aparição coletiva de um morto. - Algumas reflexões.

SEGUNDA PARTE

A EXPERIÊNCIA

CAPITULO I

ESTUDOS EXPERIMENTAIS SOBRE O DESPRENDIMENTO DA ALMA HUMANA

SUMARIO: O Espiritismo é uma ciência. - Aparição voluntária. - Vista a distância e aparição. - Fotografias dos duplos. - Efeitos produzidos por Espíritos de vivos. - Evocação do Espírito de pessoas vivas. - Espíritos de vivos manifestando-se pela mediunidade dita de incorporação. - Como pode o fenômeno produzir-se.

CAP II

AS PESQUISAS DO Sr. DE ROCHAS E DO Dr. LUYS

SUMÁRIO: Pesquisas experimentais sobre as propriedades do perispírito. - Os eflúvios. - A exteriorizarão da sensibilidade. - Hipótese. - Fotografia de uma exteriorização. - Repercussão, sobre o corpo, da ação exercida sobre o perispírito. - Ação dos medicamentos a distancia. - Conseqüências que dai decorrem.

CAPITULO III

FOTOGRAFIAS E MOLDAGENS DE FORMAS DE ESPIRITOS DESENCARNADOS

SUMARIO: A fotografia dos Espíritos. - Fotografias de Espíritos desconhecidos dos assistentes e identificados mais tarde como sendo de pessoas que viveram na Terra. - Espíritos vistos por médiuns e ao mesmo tempo fotografados. - Impressões e moldagens de formas materializadas. - História de Katie King. - As experiências de Crookes. - O caso da Sra. Livermore. - Resumo. - Conclusão. - As conseqüências.

TERCEIRA PARTE

O ESPIRITISMO E A CIÊNCIA

CAPITULO I

ESTUDO DO PERISPIRITO

SUMARIO: De que é formado o perispírito? - Obrigação que tem a ciência de se pronunciar a respeito. - Princípios gerais. - O ensino dos Espíritos. - O que é preciso se estude.

CAPITULO II

O TEMPO, O ESPAÇO, A MATÉRIA PRIMORDIAL.

SUMARIO: Definição do espaço, dada pelos Espíritos. - Justificação dessa teoria. - O tempo. - Justificações astrológicas e geológicas. - A matéria. - O estado molecular. - A isomeria. - As pesquisas de Lockyer.

CAPITULO III

O MUNDO ESPIRITUAL E OS FLUIDOS

SUMARIO: As forças. - Teoria mecânica do calor. - Conservação da energia. - O mundo espiritual. - A energia e os fluidos. - Estudo detalhado sobre os fluidos: estados sólido liquido, gasoso, radiante, ultra-radiante e fluídico. - Lei de continuidade dos estados físicos. - Quadro das relações da matéria e da energia. - Estudo sobre a ponderabilidade.

CAPITULO IV

DISCUSSÃO EM TORNO DOS FENÔMENOS DE MATERIALIZAÇÃO

SUMARIO: Não se pode recorrer à fraude, como meio geral de explicação. - Fotografia simultânea do médium e das materializações. - Hipótese da alucinarão coletiva. - Sua impossibilidade. - Fotografia e modelagens. - As aparições não são desdobramentos do médium ou do seu duplo. - Não são imagens conservadas no espaço. - Não são idéias objetivadas inconscientemente pelo médium. - Discussão sobre as formas diversas que o Espírito pode tomar. - A reprodução do tipo terrestre é uma prova de identidade. - Certezas da imortalidade.

QUARTA PARTE

ENSAIO SOBRE AS CRIAÇOES FUIDICAS DA VONTADE

CAPITULO ÚNICO

ENSAIO SOBRE AS CRIAÇOES FLUIDICAS PELA VONTADE

SUMARIO: À vontade. - Ação da vontade sobre o corpo. - Ação da vontade a distancia. - Ação da vontade sobre os fluidos. - Conclusão.

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Moises

DEMONSTRAÇÃO EXPERIMENTAL DA IMORTALIDADE

INTRODUÇÃO

O Espiritismo projeta luz nova sobre o problema da natureza da alma. Fazendo que a experimentação interviesse na filosofia, isto é, numa ciência que, como instrumento de pesquisa, apenas empregava o senso íntimo, ele facultou que o Espírito seja visto de maneira efetiva e que todos se certifiquem de que até então o mesmo Espírito estivera muito mal conhecido.

O estudo do eu, isto é, do funcionamento da sensibilidade, da inteligência e da vontade, faz se perceba a atividade da alma, no momento em que essa atividade se exerce, porém nada nos diz sobre o lugar onde se passam tais fenômenos, que não parecem guardar entre si outra relação, afora a da continuidade. Entretanto, os recentes progressos da psicologia fisiológica firmaram que íntima dependência existe entre a vida psíquica e as condições orgânicas de suas manifestações. A todo estado da alma corresponde uma modificação molecular da substância cerebral e reciprocamente. Mas, param aí as observações e a ciência se revela incapaz de explicar porque a matéria que substitui a que é destruída pela usura vital conserva as impressões anteriores do espírito.

A ciência espírita se apresenta, justo, para preencher essa lacuna, provando que a alma não é uma entidade ideal, uma substância imaterial sem extensão e sim que é provida de um corpo sutil, onde se registram os fenômenos da vida mental e a que foi dado o nome de perispírito. Assim como, no homem vivo, importa distinguir do espírito a matéria que o incorpora, também não se deve confundir o perispírito com a alma. O eu pensante é inteiramente distinto do seu envoltório e não se poderia identificar com este, do mesmo modo que a veste não se identifica com o corpo físico. Todavia, entre o espírito e o perispírito existem as mais estreitas conexões, porquanto são inseparáveis um do outro, como mais tarde o veremos.

Quererá isto dizer que encontramos a verdadeira natureza da alma? , visto que esta se mantém inacessível, tanto quanto, aliás, a essência da matéria. vemos, no entanto, descoberto uma condição, uma maneira de ser do espírito, que explica grande cópia de fenômenos, até então insolúveis.

Evolveram, com o correr das idades, as concepções sobre a natureza da alma, desde a mais grosseira materialidade, até a espiritualidade absoluta. Os trabalhos dos filósofos, tanto quanto os ensinos religiosos, nos habituaram a considerar a alma como pura essência, como uma chama imaterial. Tão diferentes formas de ver prendem-se à maneira por que se encara a alma. Se estudada objetivamente, fora do organismo humano, durante as aparições, ela às vezes se afigura tão material, quanto o corpo físico. Se observada em si mesma, parece que o pensamento é a sua característica única. Todas as observações da primeira categoria foram atiradas ao rol das superstições populares e prevaleceu a idéia de uma alma sem corpo. Nessas condições, impossível se tornava compreender por que processo podia essa entidade atuar sobre a matéria do corpo ou dele receber as impressões. Como se havia de imaginar que uma substância sem extensão e, conseguintemente, fora da extensão, pudesse atuar sobre a extensão, isto é, sobre corpos materiais?

Ao mesmo tempo em que nos ensinam a espiritualidade da alma, ensinam-nos a sua imortalidade. Como explicar, porém, que essa alma conserve suas lembranças? Neste mundo, temos um corpo definido pela sua forma de envoltório físico, um cérebro que se afigura o arquivo da nossa vida mental; mas, quando esse corpo morre, quando esse substrato físico é destruído, que sucede às lembranças da nossa existência atual? Onde se localizarão as aquisições da nossa atividade física, sem as quais não há possibilidade de vida intelectual? Estará a alma destinada a fundir-se na erraticidade, a se apagar no Grande Todo, perdendo a sua personalidade?

São rigorosas estas conseqüências, porquanto a alma não poderia subsistir sem uma forma que a individualizasse. No oceano, uma gota dágua não se pode distinguir das que a cercam, não se diferencia das outras partes do líquido, a não ser que se ache contida nalguma coisa que a delimite, ou que, isolada, tome a forma esférica, sem o que ela se perde na massa e já não tem existência distinta.

O Espiritismo nos leva a comprovar que a alma é sempre inseparável de uma certa substancialidade material, porém com uma modalidade especial, infinitamente rarificada, cujo estado físico procuraremos definir. Essa matéria possui formas variáveis, segundo o grau de evolução do espírito e conforme ele esteja na Terra ou no espaço. O caso mais geral é o da alma conservar temporariamente, após a morte, o tipo que tinha o corpo físico aqui na Terra. Esse ser invisível e imponderável pode, às vezes, em circunstâncias determinadas, assumir um caráter de objetividade, bastante para afetar os sentidos e impressionar a chapa fotográfica, deixando assim traços duráveis da sua ação, o que põe fora de causa toda tentativa de explicação desse fenômeno, mediante a ilusão ou a alucinação.

O nosso objetivo, neste volume, é apresentar algumas das provas que já se possuem da existência de tal envoltório, a que foi dado o nome de Perispírito (de peri, em torno, e spiritus, espírito).

Para essa demonstração, recorreremos não só aos espíritas propriamente ditos, mas também aos magnetizadores espiritualistas e aos sábios independentes que hão começado a explorar este domínio novo. Ao mesmo tempo, facultado nos será comprovar que a corporeidade da alma não é uma idéia nova, que teve numerosos partidários, desde que a humanidade entrou a preocupar-se com a natureza do princípio pensante.

Veremos, primeiro, que a Antigüidade, quase toda ela, mais ou menos admitiu essa doutrina; eram, porém, vagos e incompletos os conhecimentos de então sobre o corpo etéreo. Depois, à medida que se foi cavando o fosso entre a alma e o corpo, que as duas substâncias mais e mais se diferençavam, uma imensidade de teorias procuraram explicar a ação recíproca que elas entre si exercem. Surgiram as almas mortais de Platão, as almas animais e vegetativas de Aristóteles, o ochema e o eidolon dos gregos, o nephesh dos hebreus, o baí dos egípcios, o corpo espiritual de São Paulo, os espíritos animais de Descartes, o mediador plástico de Cudworth, o organismo sutil de Leibnitz, ou a sua harmonia preestabelecida; o influxo físico de Euler, o arqueu de Van Helmont, o corpo aromal de Fourier, as idéias-força de Fouillée, etc. Todas essas hipóteses, que por alguns de seus lados roçam a realidade, carecem do cunho de certeza que o Espiritismo apresenta, porque não imagina, demonstra.

O espírito humano, pelo só esforço de suas especulações, jamais pode estar certo de haver chegado até aí. É-lhe necessário o auxílio da ciência, isto é, da observação e da experiência, para estabelecer as bases da sua certeza. Não é, pois, guiados por idéias preconcebidas que os espíritas proclamam a existência do perispírito: é, pura e simplesmente, porque essa existência resulta, para eles, da observação.

Os magnetizadores já haviam chegado, por outros métodos, ao mesmo resultado. Pela correspondência que permutaram Billot e Deleuze, bem como pelas pesquisas de Cahagnet, veremos que a alma, após a morte, conserva uma forma corporal que a identifica. Os médiuns, isto é, as pessoas que gozam - no estado normal - da faculdade de ver os Espíritos, confirmam, em absoluto, o testemunho dos sonâmbulos.

Essas narrativas, entretanto, constituem uma série de documentos de grande valor, mas ainda não nos dão uma prova material. Mostraremos, por isso, que os espíritas fizeram todos os esforços por oferecer a prova inatacável e que o conseguiram. As fotografias de Espíritos desencarnados, as impressões por estes deixadas em substâncias moles ou friáveis, as moldagens de formas perispirituais são outras tantas provas autênticas, absolutas, irrecusáveis da existência da alma unida ao perispírito e tão grande é hoje o número dessas provas, que impossível se tornou à dúvida.

Mas, se verdadeiramente a alma possui um envoltório, há de ser possível comprovar-se-lhe a realidade durante a vida terrena.

E com efeito, o que se dá. Abriram-nos o caminho os fenômenos de desdobramento do ser humano, denominados por vezes de bicorporeidade. Sabe-se em que eles consistem. Estando, por exemplo, em Paris um indivíduo, pode a sua imagem, o seu duplo mostrar-se noutra cidade, de maneira a ser ele reconhecido. Há, no atual momento, mais de dois mil fatos, bem verificados, de aparições de vivos. Veremos, no correr do nosso estudo, que não são alucinatórias essas visões e por que caracteres especiais podemos certificar-nos da objetividade de algumas de tão curiosas manifestações psíquicas.

Os pesquisadores não se limitaram, porém, à observação pura e simples de tais fenômenos, senão que também chegaram a reproduzi-los experimentalmente. Verificaremos, com o Sr. De Rochas, que a exteriorização da motricidade constitui, de certa forma, o esboço do que se produz completamente durante o desdobramento do ser humano. Chegaremos, afinal, à demonstração física da distinção existente entre a alma e o corpo: fotografando a alma de um vivo, fora dos limites do seu organismo material.

Para todo pesquisador imparcial, esse formidável conjunto de documentos estabelece solidamente a existência do perispírito. A isso, contudo, não deve limitar-se a nossa aspiração. Temos que perquirir de que matéria é formado esse corpo. Quanto a isso, todavia, estamos reduzidos a hipóteses; veremos, porém, estudando as circunstâncias que acompanham as aparições dos vivos e dos mortos, ser possível encontrarem-se, nas últimas descobertas científicas sobre a matéria radiante e os raios , preciosas analogias que nos permitirão compreender o estado dessa substância imponderável e invisível. Esperamos mostrar que nada se opõe, cientificamente, à concepção de semelhante invólucro da alma. Desde então, esse estudo entra no quadro das ciências ordinárias e não pode merecer a censura de se achar eivado de sobrenatural ou de maravilhoso.

Apoiar-nos-emos longamente na identidade dos fenômenos produzidos peia alma de um vivo, saída momentaneamente do seu corpo, e os que se observam operados pelos Espíritos. Veremos que eles se assemelham de tal sorte, que impossível se torna diferença-los, a não ser por seus caracteres psíquicos. Logo, e é esse um dos pontos mais importantes, há continuidade real, absoluta, nas manifestações do Espírito, encarnado ou não, em um corpo terrestre. Inútil, portanto, atribuir os fatos espíritas a seres fictícios, a demônios, a elementais, cascas astrais, egrégoros, etc. Forçoso será reconhecer que os produzem as cimas que viveram na Terra.

Estudando os altos fenômenos do Espiritismo, fácil se nos tornará demonstrar que o organismo fluídico contém todas as leis organogënicas segundo as quais o corpo se forma. Aqui, o Espiritismo faz surgir uma idéia nova, explicando como a forma típica do indivíduo pode manter-se durante a vida toda, sem embargo da renovação incessante de todas as partes do corpo. Simultaneamente, do ponto de vista psíquico, fácil se torna compreender onde e como se conservam as nossas aquisições intelectuais. Firmamos alhures (1) como concebemos o papel que o perispírito desempenha durante a encarnação; bastar-nos-á dizer agora que, graças à descoberta desse corpo fluídico, podemos explicar, cientificamente, de que maneira a alma conserva a sua identidade na imortalidade.

Possam estes primeiros esboços de uma fisiologia psicológica transcendental incitar os sábios a perscrutar tão maravilhoso domínio/ Se os nossos trabalhos derem em resultado trazer para as nossas fileiras alguns espíritos independentes, não teremos perdido o nosso tempo; mas, qualquer que seja o resultado dos nossos esforços, estamos seguro de que vem próxima a época em que a ciência oficial, levada aos seus últimos redutos, se verá obrigada a ocupar-se com o assunto que faz objeto das nossas pesquisas. Nesse dia, o Espiritismo aparecerá qual realmente é: a Ciência do Futuro.

PRIMEIRA PARTE

A OBSERVAÇÃO

CAPITULO I

GOLPE DE VISTA HISTÓRICO

Sumário: Necessidade de um envoltório da alma. - As crenças antigas. - A índia. - O Egito. - A China. - A Pérsia. - A Grécia. - Os primeiros cristãos. - A escola neoplatônica. - Os poetas. - Carlos Bonnet.

As crenças antigas

E nos desconhecida a natureza íntima da alma. Dizendo-se que ela é imaterial, esta palavra deve ser entendida em sentido relativo e não absoluto, porquanto a imaterialidade completa seria o nada. Ora, a alma ou o espírito (2) é alguma coisa que pensa, sente e quer; tem-se, pois, que entender, quando a qualificamos de imaterial, que a sua essência difere tanto do que conhecemos fisicamente, que nenhuma analogia guarda com a matéria.

Não se pode conceber a alma, senão acompanhada de uma matéria qualquer que a individualize, visto que, sem isso, impossível lhe fora se pôr em relação com o mundo exterior. Na Terra, o corpo humano é o médium que nos põe em contacto com a Natureza; mas, após a morte, destruído que se acha o organismo vivo, mister se faz que a alma tenha outro envoltório para entrar em relações com o novo meio onde vai habitar. Desde todos os tempos, essa indução lógica foi fortemente sentida e tanto mais quanto as aparições de pessoas mortas, que se mostravam com a forma que tiveram na Terra, fundamentavam semelhante crença.

Quase sempre, o corpo espiritual reproduz o tipo que o Espírito tinha na sua última encarnação e, provavelmente, a essa semelhança da alma se devem as primeiras noções acerca da imortalidade.

Se também ponderarmos que, em sonho, muitas pessoas vêem parentes ou amigos que já morreram há longo tempo, que esses parentes e amigos conversam com elas, parecendo vivos como outrora, não nos será talvez difícil encontrar em tais fatos as causas da crença, generalizada entre os nossos ancestrais, numa outra vida.

Verifica-se, com efeito, que os homens da época pré-histórica, a que se deu o nome de megalítica, sepultavam os mortos, colocando-lhes nos túmulos armas e adornos, pois, de supor-se que essas populações primitivas tinham a intuição de uma existência segunda, sucessiva à existência terrena. Ora, se há uma concepção oposta ao testemunho dos sentidos, é precisamente a de uma vida futura. Quando se vê o corpo físico tornado insensível, inerte, malgrado a todos os estímulos que se empreguem; quando se observa que ele esfria, depois se decompõe, torna-se difícil imaginar que alguma coisa sobreviva a essa desagregação total. Se, apesar, porém, dessa destruição, se observa o reaparecimento completo do mesmo ser, se ele demonstra, por atos e palavras, que continua a viver, então, mesmo aos seres mais frustros se impõe, com grande autoridade, a conclusão de que o homem não morreu de todo. Só, provavelmente, após múltiplas observações desse gênero, foi que se estabeleceram o culto prestado aos despojos mortais e a crença numa outra vida em continuação da vida terrestre.

A Índia

Ainda nos dias atuais, as tribos mais selvagens crêem numa certa imortalidade do ser pensante (3) e as narrativas dos viajantes são concordes no atestar que, em todas as partes do globo, a sobrevivência é unanimemente afirmada. Remontando aos mais antigos testemunhos que possuímos, isto é, aos hinos do Rigveda, vemos que os homens que viviam nas faldas do Himalaia, no Sapta Sindhu (país dos sete rios), tinham Intuições claras sobre o além da morte.

Baseando-se provavelmente nas aparições naturais e nas visões em sonho, foi que os sacerdotes, ao cabo de muitos séculos, lograram codificar a vida futura. Como será essa vida? Um poeta ária esboça assim, vigorosamente, o céu védico:

Morada definitiva dos deuses imortais, sede da luz eterna, origem e base de tudo o que é, mansão de constante alegria, de prazeres infindos, onde os desejos se realizam mal surjam, onde o ária fiel viverá de eterna vida.

Desde que o céu védico foi concebido qual morada divina habitável pelo ser humano, posta se achou a questão de saber-se como poderia o homem elevar-se tão alto e como, dotado de faculdades restritas, seria capaz de viver uma vida celeste sem fim. Fora possível que o corpo humano, tão fortemente ligado a terra, levantando vôo, tornado leve como uma nuvem, atravessasse o espaço, para ir ter, por si mesmo, à maravilhosa cidade dos deuses? Necessário seria que um milagre se produzisse. Ora, esse milagre jamais visivelmente se produziu. Dar-se-ia, então, que a morada divina ainda estivesse sem habitantes? A não ser mediante um prodígio, que corpo físico pode perder o seu próprio peso? Desse mistério, desse pensamento vago, nasceu, de certo modo, a preocupação positiva dos destinos da matéria após a morte, da sobrevivência de uma parte do ser. Essa a mais antiga explicação que se conhece daquele misterioso além.

Abatido pela morte, o corpo humano se desfaz por inteiro nos elementos que participaram da sua formação. Os raios do olhar, matéria luminosa, o Sol os reabsorve; a respiração, tomada aos ares, a estes volve; o sangue, seiva universal, vai vivificar as plantas; os músculos e os ossos, reduzidos a pó, tornam-se húmus. O olho volta para o Sol; o respiro volta para Vayú; o céu e a terra recebem o que lhes é devido; as águas e as plantas retomam as partes do corpo humano que lhes pertencem:’ O cadáver do homem se dispersa. As matérias que compunham o corpo vivo, privadas do calor vital, restituídas ao Grande Todo, servirão à formação de outros corpos. Nada se perdeu, nada o céu tomou para si.

Entretanto, o ária que morreu santamente receberá sua recompensa: elevar-se-á às alturas inacessíveis; gozará da sua glorificação. Como será isso? Assim: a pele nada mais é do que o invólucro do corpo e, quando Agni, o deus quente (4), abandona o moribundo, respeita o invólucro corpóreo, pele e músculos. As carnes, debaixo da pele, são apenas matérias espessas, grosseiras, que constituem segundo envoltório destinado ao trabalho, sujeito a funções determinadas. Sob esse duplo envoltório, da pele e do corpo, há o homem verdadeiro, o homem puro, o homem propriamente dito, emanação divina, suscetível de voltar para os deuses, como o raio de luz volta para o Sol, a respiração para o ar, a carne para a terra. Depois da morte, essa alma, revestida de um novo corpo, luminosa névoa resplandecente, de forma brilhante, cujo próprio brilho a furta à fraca visão dos vivos, é transportada à morada divina. (5)

Se o deus ficou satisfeito com as oferendas do ária morto, vem, ele próprio, dar-lhe o invólucro luminoso com que a alma será transportada. Um hino exprime sumariamente a mesma idéia, sob a forma de uma prece:

Desdobra, ó Deus, os teus esplendores e dá assim ao morto o novo corpo em que a alma será transportada, segundo a tua vontade. (6)

Se refletirmos que esses hinos estavam escritos, há cerca de 3.500 anos, na língua mais rica e mais harmoniosa que já existiu, ficamos sem poder calcular a que épocas recuadas remontam essas noções, tão precisas e quase justas, sobre a alma e o seu envoltório. Só mesmo toda a ignorância da nossa época grosseiramente materialista seria capaz de contestar uma verdade velha como o pensamento humano e que se nos depara em todos os povos. As nossas modernas experiências sobre os Espíritos, que se deixam fotografar ou se materializam momentaneamente, como veremos mais adiante, mostram que o perispírito é uma realidade física, tão inegável como o próprio corpo material. Já era essa a crença dos antigos habitantes da margem do Nilo e constitui fato digno de nota que, no alvorecer de todas as civilizações, topamos com crenças fundamentalmente semelhantes, quando quase nenhum meio de comunicação havia entre povos tão distanciados uns dos outros.

O Egito

Tão longe quanto possamos chegar interrogando os egípcios, ouvi-los-emos afirmar a sua fé numa segunda vida do homem, num lugar donde ninguém pode volver, onde habitam os antepassados. Imutável, essa idéia atravessa intacta todas as civilizações egípcias; nada consegue destruí-la. Ao contrário, apenas o que não resiste às influências diversas, vindas de todas as partes, é o como dessa imortalidade. Qual, no homem, a parte durável, que resiste à morte, ou que, revivificada, continua outra existência?

A mais antiga crença, a dos começos (5.000 anos a.C.), considerava a morte uma simples suspensão da vida. Depois de estar imóvel durante certo tempo, o corpo retomava o sopro e ia habitar muito longe, a oeste deste mundo. Em seguida, mas sempre muito remotamente, antes mesmo, talvez, das primeiras dinastias históricas, surgiu a idéia de que somente uma parte do homem Ia viver segunda vida. Não era uma alma, era um corpo, diferente do primeiro, porém, proveniente deste, mais leve, menos material. Esse corpo, quase invisível, saído do primeiro corpo mumificado, estava sujeito a todos os reclamos da existência: era preciso alojá-lo, nutri-lo, vesti-lo. Sua forma, no outro mundo, reproduzia, pela semelhança, o primeiro corpo. E o ka, o duplo, ao qual, no antigo Império, se prestava o culto dos mortos. (5004-3064 a.C.)

Uma primeira modificação fez do duplo - do ka - um corpo menos grosseiro do que o era na concepção primitiva. Não passava o segundo corpo de uma substância - bi - de uma essência - baí - e, afinal, de um claror, de uma parcela de chama, de luz. Essa fórmula se generalizou nos templos e nas escolas. O povo, esse, se atinha à crença simples, original, do homem composto de duas partes: o corpo e a inteligência - khou - separáveis. Houve, pois, um instante, sobretudo nas proximidades da 18.a dinastia, em que coexistiam crenças diversas. Cria-se, ao mesmo tempo: no corpo duplo, ou ka; na substância luminosa, ou baí, ba; na inteligência, ou khou. Eram três almas.

Assim foi, sem nenhum mal, até ao momento em que, formado o corpo sacerdotal, este, sentindo a necessidade de uma doutrina, impondo-se-lhe uma escolha, teve que tomar uma decisão. Então, pelos fins da 18.a dinastia (3064-1703 a.C.), os sacerdotes muito habilmente, para não ferir nenhuma crença, para chamar a si todas as opiniões, conceberam um sistema em que coubessem todas as hipóteses.

A pessoa humana foi tida como composta de quatro partes: o corpo, o duplo (ka), a substância inteligente (khou) e a essência luminosa (ba ou baí). Mas, essas quatro partes se reduziam realmente a duas, no sentido de que o duplo, ou ka, era parte integrante do corpo durante a vida, como a essência luminosa, ou ba, se achava contida na substância inteligente, ou khou. Foi assim que, nos últimos tempos da 18.a dinastia, pela primeira vez, o Egito, embora sem lhe compreender a verdadeira teoria, teve, na realidade, a noção do ser humano composto de uma única alma e de um só corpo. A nova teoria se simplificou ainda mais, com o passarem o corpo e o seu duplo a ser tidos como permanecendo para sempre no túmulo, enquanto que a alma-inteligência, servindo de corpo à essência luminosa, ia viver com os deuses a segunda vida. A imortalidade da alma substituía desse modo à imortalidade do corpo, que fora a primeira concepção egípcia. (7)

A China

Porventura, em nenhum povo o sentimento da sobrevivência foi tão vivo quanto entre os chineses. O culto dos Espíritos se lhes impôs desde a mais remota Antigüidade. Cria-se no Thian ou Chang-si, nomes dados indiferentemente ao céu; mas, sobretudo, prestavam-se honras aos Espíritos e às almas dos antepassados. Confúcio respeitou essas crenças antigas e certo dia, entre os que o cercavam, admirou umas máximas escritas, havia mais de mil e quinhentos anos, sobre uma estátua de ouro, no Templo da Luz, sendo uma delas a seguinte:

Falando ou agindo, não penses, embora te aches só, que não és visto, nem ouvido: os Espíritos são testemunhas de tudo. (8)

Vê-se que, no Celeste Império, os céus são povoados, como a Terra, não somente pelos gênios, mas também pelas almas dos homens que neste mundo viveram. A par do culto dos Espíritos, estava o dos antepassados.

Tinha por objeto, além de conservar a preciosa lembrança dos avós e de os honrar, atrair a atenção deles para os seus descendentes, que lhes pediam conselhos em todas as circunstâncias importantes da vida e sobre os quais supunha-se que eles exerciam influencia decisiva, aprovando-lhes ou lhes censurando o proceder. (9)

Nessas condições, é evidente que a natureza da alma tinha que ser bem conhecida dos chineses. Confúcio não concebia a existência de puros Espíritos; atribuía-lhes um envoltório semimaterial, um corpo aeriforme, como o prova esta citação do grande filósofo:

Como são vastas e profundas as faculdades dos Koúci-Chie (Espíritos diversos) ! A gente procura percebê-los e não os vê; procura ouvi-los e não os ouve. Identificados com a substância dos seres, não podem ser dela separados. Estão por toda parte, acima de nós, à nossa esquerda, à nossa direita; cercam-nos de todos os lados. Entretanto, por mais sutis e imperceptíveis que sejam, eles se manifestam pelas formas corpóreas dos seres; sendo real, verdadeira, a essência deles não pode deixar de manifestar-se sob uma forma qualquer. (10)

O budismo penetrou na China e lhe assimilou as antigas crenças. Continuou as relações estabelecidas com os mortos. Aqui está um exemplo dessas evocações e da aparência que toma a alma para se tornar visível a olhos mortais.

O Sr. Estanislau Julien, que traduziu do chinês a história de Hiuen-Thsang, que viveu pelo ano 650 da nossa era, narra assim a aparição do Buda, devida a uma prece daquela santa personagem.

Tendo penetrado na caverna onde, animado de fé profunda, vivera o grande iniciador, Hiuen-Thsang se acusou de seus pecados, com o coração transbordante de sinceridade. Recitou devotamente suas preces, prosternando-se a cada estrofe. Depois de fazer uma centena dessas reverências, viu surgir uma claridade na parede oriental da caverna.

Tomado de alegria e de dor, recomeçou ele as suas saudações reverentes e viu brilhar e apagar-se qual relâmpago uma luz do tamanho de uma salva. Então, num transporte de júbilo e amor, jurou que não deixaria aquele sítio sem ter visto a sombra augusta do Buda. Continuou a prestar-lhe suas homenagens e, ao cabo de duzentas saudações, teve de súbito inundada de luz toda a gruta e o Buda, em deslumbrante brancura, apareceu, desenhando-se-lhe majestosamente a figura sobre a muralha. Ofuscante fulgor iluminava os contornos da sua face divina. Hiuen-Thsang contemplou em êxtase, durante largo tempo, o objeto sublime e incomparável de sua admiração. Prosternou-se respeitosamente, celebrou os louvores do Buda e espalhou flores e perfumes, depois do que a luz 99 extinguiu. O brâmane que o acompanhara ficou tão encantado quanto maravilhado daquele espetáculo. Mestre, disse ele, sem a sinceridade da tua fé e o fervor dos teus votos, não terias presenciado tal prodígio.

Essa aparição lembra a transfiguração de Jesus, quando se prostraram Moisés e Elias. Os Espíritos superiores têm um corpo de esplendor incomparável, por isso que a sua substância fluídica é mais luminosa do que as mais rápidas vibrações do éter, como poderemos verificar pelo que se segue.

A Pérsia

No antigo Irã, depara-se com uma concepção toda especial acerca da alma. Zoroastro pode reivindicar a paternidade da invenção do que hoje é chamado o eu superior, a consciência subliminal e, doutro ponto de vista, a paternidade da teoria dos anjos guardiões.

É conhecida a doutrina do grande legislador: abaixo do Ser Incriado, eterno, existem duas emanações opostas, tendo cada uma sua missão determinada: Ormuzd tem o encargo de criar e conservar o mundo; Arimã o de combater Ormuzd e destruir o mundo, se puder. Há, igualmente, dois gênios celestes, emanados do Eterno, para ajudar a Ormuzd no trabalho da criação; mas, há também uma série de Espíritos, de gênios, de jerúers, pelos quais pode o homem crer que tem em si algo de divino. O ferúer, inevitável para cada ser, dotado de inteligência, era, ao mesmo tempo, um inspirador e um vigia: inspirador, por insuflar o pensamento de Ormuzd no cérebro do homem; vigia, por ser guardião da criatura amada do deus. Parece que os ferúers imateriais existiam, por vontade divina, antes da criação do homem e que cada um deles sabia, de antemão, qual o corpo humano que lhe era destinado. (11)

A missão desse ferúer consistia em combater os maus gênios produzidos por Arimã, em conservar a humanidade.

Após a morte, o ferúer se conserva unido à alma e à inteligência, para sofrer um julgamento, receber a sua recompensa ou o seu castigo. Todo homem, todo Ized (gênio celeste) e o próprio Ormuzd tinham o seu ferúer, o seu frawaski, que por eles velava, que se devotava à sua conservação. (12)

De certas passagens do Avestá se há podido deduzir que, depois da morte do homem, o ferúer voltava ao céu, para desfrutar ai de um poder independente, mais ou menos extenso, conforme fora mais ou menos pura e virtuosa a criatura que lhe estivera confiada. De todo independente do corpo humano e da alma humana, o ferúer é um gênio imaterial, responsável e imortal. Todo ser teve ou terá o seu ferúer. Em tudo o que existe, há um ferúer certo, isto é, alguma coisa de divino. O Avestá invoca o ferúer dos santos, do fogo, da assembléia dos sacerdotes, de Ormuzd, dos amschaspands (anjos celestes), dos izeds, da palavra excelente, dos seres puros, da água, da terra, das árvores, dos rebanhos, do tourogérmen, de Zoroastro, em quem, primeiro, Ormuzd pensou, a quem instruiu pelo ouvido e ao qual formou com grandeza, em meio das províncias do Irã. (13)

Na Judéia, os hebreus, ao tempo de Moisés, desconheciam inteiramente qualquer idéia de alma (14). Foi preciso o cativeiro de Babilônia, para que esse povo bebesse, entre os seus vencedores, a idéia da imortalidade, ao mesmo tempo em que a da verdadeira composição do homem. Os cabalista, intérpretes do esoterismo judeu, chamam Nephesh ao corpo fluídico do Princípio pensante.

A Grécia

Os gregos, desde a mais alta Antigüidade, estiveram na posse da verdade sobre o mundo espiritual. Em Homero, é freqüente os moribundos profetizarem e a alma de Pátroclo vem visitar Aquiles na sua tenda.

Segundo a doutrina da maioria dos filósofos gregos, cada homem tem por guia um demônio particular (eles davam o nome de dainwn aos Espíritos), que lhe personifica a individualidade moral. (15)

A generalidade dos humanos era guiada por Espíritos vulgares; os doutos mereciam visitados por Espíritos superiores (Id.) . Thales, que viveu seis séculos e meio antes da nossa era, ensinava, tal qual na China, que o Universo era povoado de demônios e de gênios, testemunhas secretas das nossas ações, mesmo dos nossos pensamentos, sendo também nossos guias espirituais (16). Até, desse artigo, fazia um dos pontos capitais da sua moral, confessando que nada havia mais próprio a inspirar a cada homem a necessidade de exercer sobre si mesmo essa espécie de vigilância a que Pitágoras mais tarde chamou o sal da vida. (17)

Epimênides, contemporâneo de Sólon, era guiado pelos Espíritos e freqüentemente recebia inspirações divinas. Sustentava fortemente o dogma da metempsicose e, para convencer o povo, dizia que ressuscitara muitas vezes e que, particularmente, fora naco. (18)

Sócrates (19) e, sobretudo, Platão, como achassem excessivamente grande à distância entre Deus e o homem, enchiam-na de Espíritos, considerando-os gênios tutelares dos povos e dos indivíduos e os inspiradores dos oráculos. A alma preexistia ao corpo e chegava ao mundo dotada do conhecimento das idéias eternas. Semelhante à criança, que no dia seguinte há esquecido as coisas da véspera, esse conhecimento ficava nela amodorrado, pela sua união com o corpo, para despertar pouco a pouco, com o tempo, o trabalho, o uso da razão e dos sentidos. Aprender era lembrar-se; morrer era voltar a ponto de partida e tornar ao primitivo estado: de felicidade, para os bons; de sofrimento, para os maus.

Cada alma possui um demônio, um Espírito familiar, que a inspira, com ela se comunica, lhe fala à consciência e a adverte do que tem que fazer ou que evitar. Firmemente convencido de que, por intermédio desses Espíritos, uma comunicação podia estabelecer-se entre o mundo dos vivos e os a quem chamamos mortos, Sócrates tinha um demônio, um Espírito familiar, que constantemente lhe falava e o guiava em todas as circunstâncias. (20)

Sim, diz Lamartine, ele é inspirado, segundo o afirma e repete. Porque nos negaríamos a crer na palavra do homem que dava a vida por amor da verdade? Haverá muitos testemunhos que tenham o valor da palavra de Sócrates prestes a morrer? Sim, ele era inspirado... A verdade e a sabedoria não emanam de nós; descem do céu aos corações escolhidos, que Deus suscita, de acordo com as necessidades do tempo. (21)

O claro gênio dos gregos percebeu a necessidade de um intermediário entre a alma e o corpo. Para explicar a união da alma imaterial com o corpo terrestre, os filósofos da Hélade reconheceram a existência de uma substância mista, designada pelo nome de Ochema, que lhe servia de envoltório e que os oráculos denominavam o veículo leve, o corpo luminoso, o carro sutil. Falando daquilo que move a matéria, diz Hipócrates que o movimento é devido a uma força imortal, ignis, a que dá o nome de enormon, ou corpo fluídico.

Os primeiros cristãos

Foi à obrigação lógica de explicar a ação da alma sobre o invólucro físico que cederam os primeiros cristãos, acreditando na existência de uma substância mediadora. Aliás, não se compreende que o espírito seja puramente imaterial, porquanto, então, nenhum ponto de contacto o teria com a matéria física e não poderia existir, desde que deixasse de estar individualizado num corpo terrestre.

No conjunto das coisas, o indivíduo é sempre determinado pelas suas relações com outros seres; no espaço, pela forma corpórea; no tempo, pela memória.

O grande apóstolo S. Paulo fala várias vezes de um corpo espiritual (22), imponderável, incorruptível, e Orígenes, em seus Comentários sobre o Novo Testamento, afirma que esse corpo, dotado de uma virtude plástica, acompanha a alma em todas as suas existências e em todas as suas peregrinações, para penetrar e os corpos mais ou menos grosseiros e materiais que ela reveste e que lhe são necessários no exercício de suas diversas vidas.

Eis aqui, segundo Pezzani, as opiniões de alguns Pais da Igreja sobre esta questão. (23)

Orígenes e os Pais alexandrinos, que sustentavam um a certeza, os outros a possibilidade de novas provas após a provação terrena, propunham a si mesmos a questão de saber qual o corpo que ressuscitaria no juízo final. Resolveram-na, atribuindo a ressurreição apenas ao corpo espiritual, como o fizeram S. Paulo e, mais tarde, o próprio Santo Agostinho, figurando como incorruptíveis, finos, tênues e soberanamente ágeis os corpos dos eleitos. (24)

Então, uma vez que esse corpo espiritual, companheiro inseparável da alma, representava, pela sua substância quintessencíada, todos os outros envoltórios grosseiros, que a alma pudera ter revestido temporariamente e que entregara ao apodrecimento e aos vermes nos mundos por onde passara; uma vez que esse corpo havia impregnado de sua energia todas as matérias para um uso limitado e transitório, o dogma da ressurreição da carne substancial recebia, dessa concepção sublime, brilhante confirmação. Concebido desse modo, o corpo espiritual representava todos os outros que somente mereciam o nome de corpo pela sua adjunção ao princípio vivificante da carne real, isto é, ao que os espíritas denominaram perispírito. (25)

Diz Tertullano (26) que os anjos têm um corpo que lhes é próprio e que, como lhes é possível transfigurá-lo em carne humana, eles podem, por um certo tempo, fazer-se visíveis aos homens e comunicar-se com estes visivelmente. Da mesma maneira fala S. Basílio. Se bem haja ele dito algures que os anjos carecem de corpo, no tratado que escreveu sobre o Espírito Santo, avança que os anjos se tornam visíveis pela espécie de corpo que possuem, aparecendo aos que de tal coisa são dignos.

Nada há na criação, ensina Santo Hilário, que não seja corporal, quer se trate de coisas visíveis, quer de coisas invisíveis. As próprias almas, estejam ou não ligadas a um corpo, têm uma substância corpórea inerente à natureza delas, pela razão de que é necessário que toda coisa esteja nalguma coisa. Só Deus sendo incorpóreo, segundo S. Cirino de Alexandria, só ele não pode estar circunscrito, enquanto que todas as criaturas o podem, ainda que seus corpos não se assemelhem aos nossos. Mesmo que os demônios sejam chamados animais aéreos, como lhes chama Apuleio, sê-lo-ão no sentido em que falava o grande bispo de Hipona, porque eles têm natureza corpórea, sendo uns e outros da mesma essência. (27)

S. Gregório, por seu lado, chama ao anjo um animal racional (28) e S. Bernardo nos dirige estas palavras: Unicamente a Deus atribuamos a imortalidade, bem como a imaterialidade, porquanto só a sua natureza não precisa, nem para si mesma, nem para outrem, do auxilio de um instrumento corpóreo (29). Essa era também, de certo modo, a opinião do grande Ambrósio de Milão, que a expunha nestes termos:

Não imaginemos haja algum ser isento de matéria na sua composição, exceto, única e exclusivamente, a substância da adorável Trindade. (30)

O mestre das sentenças, Pedro Lombardo, deixava em aberto a questão; esposava, contudo, esta opinião de Santo Agostinho:

Os anjos devem ter um corpo, ao qual, entretanto, não se acharas sujeitos, corpo que eles, ao contrário, governam, por lhes estar submetido, transformando-o e imprimindo-lhe as formas que lhe queiram dar, para torná-lo apropriado aos atos deles.

A escola neoplatônica

A escola neoplatônica de Alexandria foi notável de mais de um ponto de vista. Tentou a fusão dos filósofos do Oriente com a dos gregos e, dos trabalhos de Proclo, Plotino, Porfirio,Jamblico, idéias novas surgiram sobre grande número de questões. Sem dúvida, a esses pesquisadores se pode reprochar uma tendência por demais excessiva para a misticidade; entretanto, mais do que quaisquer outros eles se aproximaram da verdade que hoje experimentalmente conhecemos.

As vidas sucessivas e o perispírito faziam parte do ensino deles. Em Plotino, como em Platão, à separação da alma e do corpo se achava ligada à idéia da metempsicose, ou metensomatose (pluralidade das vidas corpóreas).

Perguntamos: qual é, nos animais, o princípio que os anima? Se é verdade, como dizem, que os corpos dos animais encerram almas humanas que pecaram, à parte dessas almas suscetível de separar-se não pertence intrinsecamente a tais corpos; assistindo-as, essa parte, a bem dizer, não lhes está presente. Neles, a sensação é comum à imagem da alma e ao corpo, mas, ao corpo, enquanto organizado e modelado pela imagem da alma. Quanto aos animais em cujos corpos não se haja introduzido uma alma humana, esses são engendrados por uma iluminação da alma universal. (31)

A passagem da alma humana pelos corpos dos seres Inferiores é aqui apresentada sob forma dubitativa. Sabemos agora que nenhum recuo é possível na senda eterna do tornar-se, porquanto nenhum progresso seria real, se pudéssemos perder o que tenhamos adquirido pelo nosso esforço pessoal. A alma que chegou a vencer um vício, dele se libertou para sempre; é isso o que assegura a perfectibilidade do espírito e garante a felicidade futura para o ser que soube libertar-se das más paixões inerentes ao seu estado inferior. Plotino afirma claramente a reencarnação, isto é, a passagem da alma de um corpo humano para outros corpos.

E crença universalmente admitida que a alma comete faltas, que as expia, que sofre punição nos infernos e passa em seguida por novos corpos.

Quando nos achamos na multiplicidade que o Universo encerra, somos punidos pelo nosso próprio desvio e pela seqüência de uma sorte menos feliz.

Os deuses dão a cada um a sorte que lhe convém, de harmonia com seus antecedentes, em suas sucessivas existências. (32)

Profundamente justo e verdadeiro é isto, porquanto, em nossas múltiplas vidas, defrontamos com dificuldades que temos de transpor, para chegarmos ao nosso melhoramento moral ou intelectual. Falso, porém, seria esse princípio, se o aplicássemos às condições sociais, porque, então, o rico teria, merecido sê-lo e o pobre se acharia aqui em punição, o que é contrário ao que se observa cotidianamente, pois podemos comprovar que a virtude não constitui apanágio especial de nenhuma classe da sociedade.

Há, para a alma, duas maneiras de ser em um corpo: verifica-se uma delas quando a alma, já se encontrando num corpo celeste, sofre uma metamorfose, isto é, quando passa de um corpo aéreo ou ígneo a um corpo terrestre, migração a que de ordinário se chama metensomatose, porque não se vê donde vem a alma; a outra maneira se verifica quando a alma passa do estado incorpóreo a um corpo, seja qual for, e entra assim, pela primeira vez, em comunhão com o corpo. As almas descem do mundo inteligível ao primeiro céu; aí, tomam um corpo (espiritual) e, em virtude mesmo desse corpo, passam para corpos terrestres, segundo se distanciam mais ou menos do mundo inteligível.

Esta doutrina Porfirio a desenvolveu longamente em sua Teoria dos Inteligíveis , onde assim se exprime:

Quando a alma sai do corpo sólido, não se separa do espírito que recebeu das esferas celestes.

A mesma idéia se nos. depara nos escritos de Proclo, que chama a esse espírito o veículo da alma.

De um estudo atento dessas doutrinas resulta que os neoplatônicos sentiram a necessidade de um invólucro sutil para a alma, em o qual se registram, se incorporam os estados do espírito. É, com efeito, indispensável que o espírito, através de suas vidas sucessivas, conserve os progressos que realizou, sem o que, a cada encarnação, ele se acharia como na primeira e recomeçaria perpetuamente a mesma vida.

Os poetas

A Idade Média herdou essas concepções, como se pode verificar pela seguinte passagem de A Divina Comédia:

Logo que um sitio há sido assinado à alma (após a morte), sua faculdade positiva se lhe irradia em torno, do mesmo modo e tanto quanto o fazia, estando ela em seus membros vivos. Assim como a atmosfera, quando se acha bastante carregada de chuva e os raios vêm nela refletir-se, ornada se mostra de cores diversas, assim também o ar que a cerca toma a forma que a alma lhe imprime virtualmente, desde que nele se detém. Semelhante à chama que por toda parte acompanha o fogo, aonde quer que ele vá, essa forma nova acompanha a alma a todos os lugares. Porque dai tira ela a sua aparência, chamam-lhe sombra e ela, em seguida, organiza todos os sentidos, até o da vista. (33)

Unir o espírito à matéria constitui tanto uma obrigação para a inteligência, que os maiores poetas jamais a isso se furtaram; sempre revestiram de formas corpóreas os seres celestiais, cuja pura essência os órgãos dos sentidos não podem perceber. Milton, na Guerra dos Anjos, não hesitou em atribuir um corpo, ainda que sutis e aéreos, segundos entenderam de descrevê-lo, a esses seres extra-humanos que ele concebia como puramente espirituais por sua própria natureza. Eis como se exprime, em seu poema Paraíso Perdido, acerca dos anjos:

Eles vivem inteiramente pelo coração, pela cabeça, pelo olho, pelo ouvido, pela inteligência, pelos sentidos; dão a si mesmos e a seu bel-prazer membros, e tomam a cor, a forma e a espessura, densa ou delgada, que prefiram.

Também Ossian revestiu de formas sensíveis os espíritos aéreos, que ele cria ver nos vaporem da noite e nos bramidos da tempestade.

Klopstock, em sua Messíada, representou o corpo do Serafim Elohé como formado por um raio da manhã e o do anjo da morte como por uma vaga de chama numa nuvem tenebrosa. Precisou mais essa idéia na dissertação com que encabeçou o sexto livro da sua epopéia. Sustenta: ser muito verossímil que os Espíritos finitos, cuja ocupação habitual consiste em meditar sobre os corpos de que se compõe o mundo físico, são, também eles, revestidos de corpo e que, em particular, se deve crer que os anjos, de que Deus tão amiúde se serve para conduzir à felicidade os mortais, terão recebido qualquer espécie de corpo que corresponda aos dos eleitos, que o mesmo Deus chama a essa suprema felicidade.

O penetrante gênio de Leibnitz não se enganou a esse respeito:

Creio, diz ele, com a maioria dos antigos, que todos os gênios, todas as almas, todas as substâncias simples criadas estão sempre juntas a um corpo e que não há almas destituídas jamais de um corpo... Acrescento que nenhum desarranjo dos órgãos visíveis será capaz de levar as coisas a uma inteira confusão no animal, ou a destruir todos os órgãos e privar a alma de todo o seu corpo orgânico e dos restos impagáveis de todos os traços precedentes. Mas, a facilidade que houve em deixarem-se os corpos sutis com os anjos (que confundiam com a corporalidade dos próprios anjos) e a introdução de pseudo-inteligências separadas nas criaturas (para o que muito contribuíram as que fazem rolar os céus de Aristóteles) e, finalmente, a opinião mal-entendida, segundo a qual não se podiam conservar as almas dos animais, sem cair na metempsicose, fizeram, a meu ver, que se desprezasse o modo natural de explicar a conservação da alma. (34)

Mister se faz chegar até Carlos Bonnet (35) para se ter uma teoria que, conquanto não assente nos fatos, se aproxima singularmente da que o Espiritismo nos permitiu construir, baseada na experiência. Vamos citar livremente as passagens mais importantes de suas obras, relativas ao assunto. E de admirar-se a lógica potente desse pensador profundo que, há mais de cento e cinqüenta anos, encontrou as verdadeiras condições da imortalidade.

Estudando com algum cuidado, diz ele, as faculdades do homem, observando-lhes as mútuas dependências ou a subordinação que as submete umas às outras e a seus objetos, logramos facilmente descobrir por que meios naturais elas se desenvolvem e aperfeiçoam neste mundo. Podemos, pois, conceber meios análogos mais eficazes, que levem essas faculdades a mais alto grau de perfeição.

O grau de perfeição que o homem neste mundo pode atingir está em relação com os meios que lhe são facultados para conhecer e agir. Também esses meios estão em relação direta com o mundo que ele atualmente habita.

Assim, uma vez que o homem era chamado a habitar sucessivamente dois mundos diferentes, sua constituição originária tinha que conter coisas relativas a esses dois mundos. O corpo animal tinha que estar em relação direta com o primeiro mundo, o corpo espiritual com o segundo.

Por dois meios principais poderão aperfeiçoar-se no mundo vindouro todas as faculdades do homem: mediante sentidos mais apurados e sentidos novos. Os sentidos são a fonte primária de todos os conhecimentos. As nossas idéias mais refletivas, mais abstratas derivam sempre das nossas idéias sensíveis.

O espírito nada cria, mas opera incessantemente sobre a multidão quase infinita de percepções diversas que ele adquire pelo ministério dos sentidos.

Dessas operações do espírito, que são sempre comparações, combinações, abstrações, nascem, por geração natural, todas as ciências e todas as artes.

Destinados a transmitir ao espírito as impressões dos objetos, os sentidos se acham em relação com estes. O olho está em relação com a luz, o ouvido com o som, etc. (36)

Quanto mais perfeitas, numerosas, diversas são as relações que os sentidos mantêm com os objetos, tanto mais qualidades destes elas manifestam ao espírito e, ainda, tanto mais claras, vivas e completas são as percepções dessas qualidades.

Quanto mais viva e completa é a idéia sensível que o espírito adquire de um objeto, tanto mais distinta é a idéia refletida que deste ele forma.

Concebemos, sem dificuldade, que os nossos sentidos atuais são suscetíveis de alcançar um grau de perfeição muito superior ao que lhes reconhecemos neste mundo e que nos espanta em certos indivíduos. Podemos mesmo formar idéia nítida desse acréscimo de perfeição, pelos prodigiosos efeitos dos Instrumentos de óptica e de acústica.

Imagine-se Aristóteles a observar o microscópio, ou a contemplar Júpiter e suas luas com um telescópio. Quais não teriam sido a sua surpresa e o seu enlevo! Quais não serão também os nossos, quando, revestidos do nosso corpo espiritual, houver ganhado os nossos sentidos toda a perfeição que podem receber do benfazejo autor do nosso ser!

Poderemos, se quisermos, imaginar que então os nossos olhos reunirão as vantagens do microscópio às do telescópio e que se proporcionarão exatamente a todas as distâncias. Quão superiores serão as lentes dessas novas lunetas às de que a arte se gloria! Aos outros sentidos aplica-se o que acaba de ser dito do da vista. Quais não seriam os rápidos progressos das nossas ciências físico-matemáticas, se dado nos fosse descobrir os princípios primários dos corpos, quer fluidos, quer sólidos! Veríamos, então, por intuição, o que tentamos adivinhar com o auxílio de raciocínios e cálculos, tanto mais incertos, quanto mais imperfeito é o nosso conhecimento direto. Que infinidade de relações nos escapa, precisamente porque não podemos perceber a figura, as proporções, a disposição desses corpúsculos jnfinitamente pequenos sobre os quais, entretanto, repousa o grande edifício da natureza!

Muito difícil igualmente nos é conceber que o gérmen do corpo espiritual pode conter, desde já, os elementos orgânicos de novos sentidos, que somente na ressurreição se hão de desenvolver. (37)

Esses novos sentidos nos manifestarão nos corpos propriedades que neste mundo nos serão sempre desconhecidas. Que de qualidades sensíveis ainda ignoramos e que não descobriremos sem espanto! Não chegamos a conhecer as diferentes forças disseminadas na natureza, a não ser em relação aos diferentes sentidos sobre os quais elas exercem sua ação. Quantas forças, de que não suspeitamos sequer a existência, porque nenhuma relação existe entre as idéias que adquirimos com os nossos cinco sentidos e as que somente com outros sentidos poderemos adquirir! (38)

Ergamos o olhar para a abóbada estrelada; contemplemos essa coleção imensa de sóis e de mundos pulverizados no espaço e admiremos que este vermezinho a que se dá o nome de homem tenha uma razão capaz de penetrar na existência desses mundos e de lançar-se assim até aos extremos da criação!

Insistindo logicamente no que para ele era uma hipótese, mas que para nós é uma certeza experimental, acrescenta aquele autor:

Se o nosso conhecimento refletido deriva essencialmente do nosso conhecimento intuitivo; se as nossas riquezas intelectuais aumentam pelas comparações que estabelecemos entre as nossas idéias sensíveis de todo gênero; se quanto mais comparamos, tanto mais conhecemos; se, finalmente, a nossa inteligência se desenvolve e aperfeiçoa a medida que as nossas comparações se estendem, diversificam, multiplicam, quais não serão o acréscimo e o apuro dos nossos conhecimentos naturais, quando já não estivermos limitados a comparar indivíduos com indivíduos, espécies com espécies, reinos com reinos e nos for dado comparar os mundos com os mundos!.

Se a Inteligência suprema variou neste mundo todas as suas obras; se não criou coisas idênticas; se harmônica progressão reina entre todos os seres terrenos; se uma mesma cadeia os prende a todos, como não há de ser provável que essa mesma cadeia maravilhosa se prolongue por todos os mundos planetários, que os una todos e que eles não sejam mais do que partes consecutivas e infinitesimais da mesma série. (39).

De que sentimento não se verá inundada nossa alma, quando, após haver estudado a fundo a economia de um mundo, voarmos para outro e compararmos entre si essas duas economias! Qual não será então a perfeição da nossa cosmologia! Quais não será a generalização e a fecundidade dos nossos princípios, o encadeamento, a multidão e a justeza das nossas conseqüências. Que luz não se irradiará de tantos objetos diversos sobre os outros ramos dos nossos conhecimentos, sobre a nossa astronomia, sobre as nossas ciências racionais e, principalmente, sobre essa ciência divina, que se ocupa com o Ser dos seres!

Estas induções, tão bem estabelecidas pelo raciocínio, se acham plenamente justificadas em nossa época. Já no organismo humano existe o corpo destinado a uma vida superior; desempenha aí um papel de primeira ordem e é graças a ele que podemos conservar o tesouro das nossas aquisições intelectuais. Mais adiante comprovaremos que o perispírito é uma realidade física tão certa quanto a do organismo material: ele é visto, tocado, fotografado. Numa palavra: o que não passava de teoria filosófica, grandiosa e consoladora, mas sempre negável, é exato, tornou-se uns fatos científicos, que oferece àqueles remédios do espírito a consagração inatacável da experiência.

CAPITULO II

ESTUDO DA ALMA PELO MAGNETISMO

SUMARIO: A vidente de Prévorst. - A correspondência entre Billot e Deleuze. - Os Espíritos têm um corpo afirmações dos sonâmbulos. - Trazimentos. - As narrações de Chardel. - Outros testemunhos - As experiências de Cahagnet. - Uma evocação. - Primeiras demonstrações positivas.

Acabamos de ver, no capitulo precedente, que a idéia de uma certa corporeidade, Inseparável da alma, constituiu crença quase geral da Antigüidade e a de uma multidão de pensadores até à nossa época (40) E evidente que essa concepção resulta da dificuldade que experimentamos em imaginar uma entidade puramente espiritual. Os nossos sentidos só nos dão a conhecer a matéria e mister se torna nos utilizemos a vista interior, para sentirmos que há em nós algo mais do que esse princípio. O Pensamento, por si só, nos faz admitir, dada a sua carência de caracteres físicos, a existência de alguma coisa que difere do que cai sob a apreciação dos sentidos.

Mas, a idéia de um corpo fluídico também resulta das aparições. E manifesto que, quando se vê a alma de uma pessoa morta, forçoso é se lhe reconheça uma certa objetividade, sem o que ela se conservaria invisível. Ora, esse fenômeno se há produzido em todos os tempos e nas histórias religiosas e profanas formigam exemplos dessas manifestações do além.

Não ignoramos que a crítica contemporânea fez tábua rasa desses fatos, atribuindo-os em bloco a ilusões, a alucinações, ou à credulidade supersticiosa dos nossos avós. Strauss, Taíne, Littré, Renan, etc., sistematicamente passam em silêncio todos os casos que poderíamos reivindicar. Semelhante processo não se justifica, porquanto, nos dias atuais, dados nos é comprovar as mesmas aparições e por métodos que permitem submetê-las a uma fiscalização severa. Assim sendo, assiste-nos o direito de concordar em que esses sábios se enganaram e que merecem atenção as narrativas de antanho.

Aliás, é fato positivo que não são novos os fenômenos do Espiritismo. Produziu-se em todos os tempos. Sempre houve casas mal-assombradas e aparições (41). Concebe-se, pois, que a idéia de que a alma não é puramente imaterial, haja podido manter-se, a despeito do ensino em contrário das filosofias e das religiões. (42)

Era, porém, muito vaga, muito indeterminada a noção de um envoltório da alma. Esse corpo fluídico formar-se-ia subitamente, no instante da morte terrena? Seria para sempre, ou por tempo determinado, que a alma se revestia dessa substância sutil? Ou, então, essa aparência vaporosa seria devida apenas a uma ação momentânea, transitória, da alma sobre a atmosfera, ação destinada a cessar com a causa que a produzira? Eram questões essas que permaneceriam insolúveis, enquanto não se pudessem observar à vontade as aparições.

A vidente de Prévorst

O magnetismo foi o primeiro a fornecer meio de penetrar-se no domínio inacessível do amanhã da morte. O sonambulismo, descoberto por de Puységur, constituiu o instrumento de Investigação do mundo novo que se apresentava. Submetidos a esse estado nervoso, puderam os sonâmbulos pôr-se em comunicação com as almas desencarnadas e descrevê-las minuciosamente, de modo a deixar convencidos, os assistentes, de que, na realidade, conversavam com os Espíritos.

O Dr. Kerner, tão reputado pelo seu saber, quanto pela sua perfeita honestidade, escreveu a biografia da Sr.a Hauffe, mais conhecida sob a designação de: A vidente de Prévorst (43). Não precisava ela adormecer, para ver os Espíritos. Sua natureza delicada e refinada pela enfermidade lhe facultava perceber formas que se conservavam invisíveis às outras pessoas presentes. Teve a sua primeira visão na cozinha do castelo de Lowenstein. Era um fantasma de mulher, que ela tornou a ver alguns anos depois.

Dizia, porém só quando a interrogavam com insistência, nunca espontaneamente, ter sempre junto de si, como o tiveram Sócrates, Platão e outros, um anjo ou daimon, que a advertia dos perigos a serem evitados não só por ela, como também por outras pessoas. Era o Espírito de sua avó, a Sr.a Schmidt Gall. Apresentava-se revestida, como, aliás, todos os Espíritos femininos que lhe apareciam, de uma túnica branca com cinto e um grande véu igualmente branco.

Declarava que, após a morte, a alma conserva um espírito fluídico, que é a sua forma. Era esse envoltório que ela possuía a faculdade de ver, sem estar adormecida e muito melhor à claridade do Sol ou da Lua, do que na obscuridade.

As almas, dizia, não produzem sombra. Têm forma acinzentada. Suas vestes são as que usavam na Terra, mas também acinzentadas, quais elas próprias. As melhores trazem apenas grandes túnicas brancas e parecem voejar, enquanto que as más caminham penosamente. São brilhantes os seus olhos. Elas podem, além de falar, produzir sons, tais como suspiros, ruge-ruge de seda ou papel, pancadas nas paredes e nos móveis, ruídos de areia, de seixos, ou de sapatos a roçar o solo. São também capazes de mover os mais pesados objetos e de abrir e fechar as portas.

Eram objetivas essas visões? Quer dizer: verificavam-se algures, que não no cérebro da Sr.a Hauffe? O Dr. Kerner procedeu a muitas investigações para se certificar da realidade desses Espíritos, que só a vidente percebia.

Em Oberstenfald, uma dessas almas, a do conde Weiler, que assassinara seu irmão, apresentou-se à Sr Hauffe, até sete vezes. Somente ela a viu; mas, vários parentes seus ouviram uma explosão, viram ladrilhos, móveis e candelabros se deslocarem, sem que pessoa alguma os tocasse, sempre que o fantasma vinha.

Outra alma de assassino, vestindo um hábito de frade, perseguiu a vidente, durante todo um ano, a lhe pedir, tal qual o fizera o conde Weiler, preces e lições de catecismo. Essa alma abria e fechava violentamente as portas, removia de um lugar para outro a louça, derribava pilhas de lenha, dava fortes pancadas nas paredes e parecia brincar de mudar, a todo o momento, de lugar. Vinte pessoas respeitáveis a ouviram, ora dentro de casa, ora na rua, e atestariam o fato, se fosse preciso.

Um fantasma de mulher, trazendo nos braços uma criança, se mostrou muitas vezes à Sr Hauffe. Como isso se desse com mais freqüência na cozinha, fez que levantassem uma laje e à grande profundidade foi achado o cadáver de uma criança.

Em Weinsperg, a alma de um guarda-livros, que cometera algumas infidelidades durante a vida, lhe apareceu, de sobrecasaca preta surrada, pedindo dissesse à sua viúva que não ocultasse mais os livros em que se encontravam suas escriturações falsas e indicou os lugares onde eles estavam, para que os entregasse à justiça. Ela atendeu ao pedido e com o auxilio daqueles livros foram reparadas algumas fraudes do morto.

Em Lenach, foi a alma de um burgomestre chamado Bellon, morto em 1740 com a idade de 79 anos, quem se lhe apresentou a pedir conselhos para escapar à perseguição de dois órfãos. Ela lhe deu os conselhos solicitados e, ao cabo de seis meses, a alma não mais voltou.

Essa morte está mencionada nos registros da paróquia de Lenach, com uma nota assinalando que o burgomestre causara dano a muitas crianças das quais era tutor.

Acrescenta o Doutor Kerner que poderia citar uma vintena de aparições, cuja autenticidade foi depois verificada. Estando perfeitamente reconhecida a honradez desse doutor e achando-se quase sempre de cama a Sr.a Hauffe, sem poder locomover-se e cercada de membros de sua família, nenhum embuste fora possível é, pois, reais os fatos e, se bem hajam ocorrido muito antes que se falasse de Espiritismo, guardam as maiores analogias com os que presentemente se observam.

A correspondência entre Billot e Deleuze

Ouçamos agora uma segunda testemunha abonada, médica e homem honestíssimo, o venerável Billot, afirmando, na correspondência que manteve com Deleuze (44), sua crença nos Espíritos

Um fenômeno que provasse positivamente a existência dos Espíritos, desses seres imateriais que, segundo os espíritos fortes, não podem de maneira alguma cair ao alcance dos sentidos do homem, seria sem dúvida próprio para excitar a curiosidade pública e, sobretudo, prender a atenção dos sábios de todos os países, quaisquer que fossem as suas opiniões a respeito... Pois bem, tal fenômeno existe. Esta asserção que, à primeira vista, tem visos de paradoxo, para não dizer de extravagância, nem por isso deixa de encerrar uma grande verdade.(45)

Refere o nosso autor que fez parte, durante longo tempo, de uma associação de magnetizadores e pacientes, onde observou fenômenos de comunicação com os Espíritos, o que determinou a sua crença num mundo invisível, povoada pelas almas das pessoas Mortas.

As sessões começavam pela parte mística, isto é, pela atanatofania, ou aparição dos Espíritos, e terminavam pela parte médica, isto é, pelo rafaelismo, ou medicina Angélica. Quando digo aparição não quero significar que os Espíritos se tornassem visíveis aos associados, pois que só o eram para os sonâmbulos. Entretanto, a presença deles era indicada por algum sinal positivo, fato que posso atestar, pela circunstância de ser eu o encarregado de escrever tudo o que se passava naquelas sessões.

As mais das vezes as inteligências que dirigem os sonâmbulos tomam formas de anjos. Vestem túnicas brancas, cintos de prata e freqüentemente asas. Acontece também reconhecerem, os lúcidos, pessoas do lugar, mortas há mais ou menos tempo. Mesmo no estado normal, os pacientes percebem não raro a voz dos guias invisíveis.

Sinto, a principio, diz um deles, ligeiro sopro, como o da passagem de um zéfiro suave, que logo me refresca e esfria o ouvido. A partir dai, perco a audição e entro a perceber um zumbido fraco no ouvido, como o de um mosquito. Prestando então a mais acurada atenção, ouço uma voz que me diz o que em seguida repito.

Alucinação auditiva, dirá o doutor moderno que ler esta narrativa, alucinação provocada, provavelmente, por auto-sugestão, ou por uma sugestão inconsciente do Dr. Billot. Mas, semelhante explicação se tornará inadmissível, desde que se prove que o ser invisível exerce uma ação física sobre o sonâmbulo, sem que este haja pensado no que vai acontecer e que o fato, da primeira vez, ocorra na ausência do doutor.

Com efeito, esses guias espirituais podem atuar sobre o corpo dos pacientes, pois o doutor foi testemunha de uma sangria que por si mesma cessara, logo que o sangue saíra em quantidade suficiente, sem que, em seguida, houvesse necessidade de fazer-se qualquer ligadura. (46)

Nota-se a cada instante, nas cartas desse sábio, que ele, durante muitos anos, assistiu a visões de Espíritos, cuidadosamente descritos pelos sonâmbulos. Com um senso crítico notável, Billot submeteu seus pacientes a numerosas experiências e só se pronunciou categoricamente, depois de haver estudado por longo tempo. Não se trata de um crente que aceita às cegas todas as doutrinas. Ele raciocina friamente e só à evidência se rende. Não lhe falta bom senso para não atribuir a causas sobrenaturais a ação do Espírito sobre a matéria, no que apenas vê o efeito de leis ainda ignoradas, mas que um dia serão descobertas:

Quanto às operações dos Espíritos sobre o corpo, se algumas há que se podem qualificar de prodigiosas, nem por isso são contrárias a Natureza. Ora, havendo ainda muitas coisas ocultas na Natureza, pão é de espantar sejam tidos por sobrenaturais certos fenômenos que, todavia, se incluem na ordem das coisas criadas. E, se algumas leis da Natureza ainda se nos conservam ocultas, é porque o homem ainda não foi estudado como o deve ser, isto é, em todas as suas relações com a Criação.(47)

Nessa correspondência, é digno de observar-se o caráter particular de cada um dos contendores: Deleuze, frio e desconfiado, com dificuldade se rende às prementes objurgações do solitário, conforme Billot se intitula. Entretanto, ele concorda, afinal, em que pôde observar pacientes que se achavam em comunicação com as almas dos mortos.

O magnetismo, diz, demonstra a espiritualidade da alma e a sua imortalidade; ele prova a possibilidade da comunicação das Inteligências separadas da matéria com as que lhe estão ainda ligadas;

E nunca, porém, me apresentou fenômenos que me convencessem de que essa possibilidade se efetiva com freqüência. (48)

Um pouco adiante, torna-se mais afirmativo e escreve ao Dr. Billot:

O único fenômeno que parece estabelecer a comunicação com as Inteligências imateriais são as aparições, das quais há muitos exemplos. Como estou convencido da imortalidade da alma, não vejo razão para negar a possibilidade da aparição das pessoas que, tendo deixado esta vida, se preocupem com os que lhe foram caros e venha apresentar-se-lhes para lhes darem salutares conselhos. Acabo de colher um exemplo. Ei-lo.

Uma moça sonâmbula, que perdera o pai, por duas vezes o viu muito distintamente. Viera dar-lhe conselhos importantes. Depois de lhe elogiar o proceder, anunciou-lhe que um partido se lhe ia apresentar; que esse partido pareceria convir e que o rapaz não lhe desagradaria; mas, que ela não seria feliz desposando-o, que, portanto, o recusasse. Acrescentou que, se ela não aceitasse esse partido, outro logo depois apareceria, devendo achar-se tudo concluído antes do fim do ano. Estava-se no mês de outubro.

O primeiro rapaz foi proposto à mãe da moça; esta, porém, impressionada com o que o pai lhe dissera, o recusou.

Um segundo jovem, que acabava de chegar da província, foi apresentado por amigos; pediu a donzela em casamento, realizando-se este a 30 de dezembro.

Não pretendo dar este fato como prova sem réplica da realidade das aparições; mas, quando nada, ele a torna tanto mais verossímil, quanto se sabe que há outros fatos do mesmo gênero.

A fim de levar seu amigo a uma crença completa, decide-se Billot a lhe narrar os fenômenos de trazimentos de que fora testemunha. Aqui, não se pode duvidar de que uma inteligência estranha aos assistentes esteja em comunicação com a sonâmbula, pois que fica sempre uma prova tangível dessa ação supraterrestre.

Eis como nosso doutor relata o fenômeno:

Tomo a Deus por testemunha da verdade contida nas observações que seguem... a causa ressaltará tão-só das demonstrações materiais e cairá sob a percepção dos sentidos, por virtude da observação e da experiência.

1 - Observação

Uma senhora, atacada, havia algum tempo, de cegueira incompleta, solicitava dos nossos sonâmbulos um auxilio que detivesse os progressos da amaurose que, em breve, não lhe permitiria distinguir das trevas a claridade. Certo dia (a 17 de outubro de 1820), dia de sessão, disse a sonâmbula consultada: Uma donzela me apresenta uma planta... toda coberta de flores... não a conheço absolutamente... não me dizem o nome... Entretanto, ela é necessária à Sr J..

P. - Onde encontrá-la? perguntei, uma vez que nos campos nenhuma planta temos em floração, achando-nos, como nos achamos, na estação fria (49). Será preciso procurá-la longe daqui?

R. - Não se preocupe, responde a sonâmbula, ela nos será trazida, se for preciso.

Como insistíssemos para saber em que lugar a donzela nos quereria indicar a referida planta, a senhora cega, que se achava presente, defronte da sonâmbula, exclamou: Meu Deus! Palpo uma toda florida no meu avental; acabam de depor aí... Veja, Virgínia (era o nome da sonâmbula) ... veja: será a que lhe ela apresentava há pouco? - Sim, senhora, é essa mesma, respondeu Virgínia. Louvemos a Deus, agradecendo-lhe esse favor.

-Examinei então a planta. Era um arbúsculo, quase como um tomilho de tamanho médio. As flores, labiadas e em espigas, exalavam delicioso perfume. Pareceu-me o tomilho de Creta. Donde vinha ela? Do seu pais natal, ou de alguma estufa? Não o soube. O que sei muito bem é que possuo dessa planta uma haste que a donzela me concedeu, depois de muitas instâncias.

A quem, lendo-lhe o livro, se haja convencido da boa-fé e da lealdade do Dr. Billot, não será possível pôr em dúvida a sinceridade dessa narrativa. Diremos, pois, com ele: Não prova, esta primeira observação, de maneira irrecusável, o espiritualismo? Haverá mister comentários? Não põe ela por terra qualquer teoria diferente da que expomos (intervenção dos Espíritos) ? Incorremos em erro dizendo que só esta teoria pode explicar tão extraordinário fenômeno?

Faremos notar que não havia ali possibilidade de fraude, pois que a planta era desconhecida naquela região e, ao demais, com flores, quando a estação absolutamente não se prestava a isso. Não esqueçamos tampouco o delicioso perfume que se espalhou de súbito pelo aposento, quando a planta apareceu. Este pormenor, por si só, bastaria para demonstrar a autenticidade do fenômeno. Citamos este fato, não somente para afirmar a realidade da visão, mas, também, para mostrar o poder que possuem os Espíritos de atuar sobre a matéria, por processos que ainda completamente desconhecemos.

Deleuze não põe em dúvida o fenômeno, porque outros semelhantes lhe foram com freqüência descritos.

Tive esta manhã, escreveu ele ao Dr. Billot, a visita de um médico muito distinto, homem de espírito, que já apresentou várias memórias à Academia das Ciências. Vinha para me falar do magnetismo. Narrei-lhe alguns fatos de que você me deu conhecimento, sem, entretanto, declinar o seu nome. Respondeu-me que disso não se admirava e me citou grande número de fatos análogos, que muitos sonâmbulos lhe apresentaram. Você bem poderá imaginar que fiquei muito surpreendido e que a nossa conversação se revestiu do maior interesse. Entre outros fenômenos, referiu-me ele o de objetos materiais que o sonâmbulo fazia vir d sua presença, fenômeno esse da mesma ordem que o do aparecimento do ramo de tomilho de Creta...

Por esse testemunho se vê que os fenômenos de trazimento já não eram ignorados nos começos do século dezenove, o que mais uma vez demonstra a continuidade das manifestações espíritas que constantemente se hão dado, mas que o público rejeitava como diabólicas, ou considerava apócrifas, se não produzidas por charlatães.

Se nos não faltasse espaço, divulgaríamos como Billot entrava em comunicação com os Espíritos, por intermédio do dedo de seu paciente, então perfeitamente vígil, mediante uma espécie de tiptologia especial. Limitar-nos-emos a recomendar ao leitor essa interessante correspondência, a fim de podermos dar a palavra a outras testemunhas.

As narrações de Chardel

Vamos agora apresentar alguns extratos das narrativas de Chardel, os quais instruem ao mesmo tempo sobre as relações dos sonâmbulos com o mundo dos desencarnados e sobre o estado do sonâmbulo durante o sonambulismo. (50)

Certa vez, estando a ditar algumas prescrições terapêuticas ao seu magnetizador, disse-lhe em tom singular a sonâmbula Lefrey:

- Veja bem que ele me ordens.

- Quem é, pergunta o doutor, que lhe ordena isso?

- Ora! ele; o senhor não o ouve?

- Não, a ninguém ouço, nem vejo.

- Ah! tem razão, replica ela, o senhor dorme, ao passo que eu estou desperta...

- Como você, minha cara, está a sonhar, pretende que eu durmo, se bem me ache com os olhos perfeitamente abertos e a tenha sob a minha influência magnética, dependendo tão-só da minha vontade fazê-la voltar ao estado em que se encontrava ainda há pouco. Você se julga desperta porque me fala e dispõe, até certo ponto, do seu livre-arbítrio, embora não possa levantar as pálpebras.

- O senhor está adormecido, repito-o. Eu, ao contrário, estou quase tão completamente acordada, quanto o estaremos um dia. Explico-me: tudo o que o senhor pode ver, atualmente, é grosseiro, material; de tudo o senhor distingue a forma aparente; as belezas, reais, porém, lhe escapam, enquanto que eu, que estou com as minhas sensações corporais temporariamente suspensas, que tenho a ,ima quase inteiramente liberto de seus entraves habituais, vejo o que lhe é invisível, ouço o que seus ouvidos não podem escutar, compreendo o que lhe é incompreensível.

Por exemplo, o senhor não vê o que sai do seu corpo e vem para mim, quando me magnetiza; eu, entretanto, vejo isso muito bem. A cada passe que o senhor me dá, vejo sair-lhe das extremidades dos dedos como que pequenas colunas de uma poeira ígnea, que se vem incorporar em mim e, quando o senhor me isola, fico por assim dizer envolta numa atmosfera ardente, formada dessa mesma poeira ígnea (51). Ouço, quando o quero, o ruído que se faz ao longe, os sons que partem e se espalham a cem léguas daqui. Numa palavra: não preciso que as coisas venham a mim; posso ir ter com elas, onde quer que estejam, e apreciá-las com muito maior exatidão, do que o poderia qualquer outra pessoa que não se encontre em estado análogo ao meu.

Refere também o autor da Fisiologia do Magnetismo que uma sonâmbula costumava ter, à noite, uma espécie de êxtase, que explicava assim:

Entro, então, num estado semelhante ao em que o magnetizador me põe e, dilatando-se o meu corpo pouco a pouco, vejo-o muito distintamente longe de mim, imóvel e frio, como se estivesse morto. Quanto a mim, assemelho-me a um vapor luminoso e sinto-me a pensar separada do meu corpo. Nesse estado, compreendo e vejo muito mais coisas do que no sonambulismo, quando a faculdade de pensar se exerce sem que eu esteja separada dos meus órgãos. Mas, escoados alguns minutos, um quarto de hora, no máximo, o vapor luminoso de minha alma se aproxima cada vez mais do meu corpo, perco os sentidos, cessa o êxtase.

Acrescenta o autor que, chegando a esse grau de expansão do sistema nervoso, o homem espiritualizado, ou, se o preferirem, fluidificado em todo o seu ser, goza de todas as faculdades dos a quem se chama Espíritos e que somente nesse estado é que se acha, por assim dizer, quebrada e completamente difundida a centralização da sensibilidade nervosa.

Havemos de ver que a narrativa dessa sonâmbula, referente ao estado de vapor luminoso que ela assume desde que sai do seu corpo, tem a confirmá-la experimentalmente os trabalhos de Rochas sobre a exteriorização da sensibilidade. Prossigamos.

Outra sonâmbula que, como essa, tinha, durante a noite, visões que em nada se assemelhavam aos sonhos ordinários e que a deixavam em extrema fadiga, disse um dia ao mesmo doutor:

Parecia que me achava suspensa nos ares, sem forma material, tornada por inteiro vapor e luz, e que lhe mostrava, deitado na cama, qual verdadeiro cadáver, o meu corpo. Veja, dizia-lhe eu, está morto e assim estará dentro de trinta dias. Depois, insensivelmente, aquela luz, que eu sentia ser eu mesma, se aproximou do cadáver, meteu-se nele e recuperei os sentidos, exausta como após longo e penoso sono magnético.

Outros testemunhos

Para os que crêem na imortalidade da alma, indubitável se torna que, sendo possível a comunicação com os Espíritos, quem haja de realizá-la tem que se colocar numa posição tão próxima quanto possível da em que se achará depois da morte.

Ora, com certos pacientes, o sonambulismo parece eminentemente apropriado a dar esse resultado. Momentaneamente desprendido, ao menos em parte, do laço fisiológico, o Espírito se encontra num estado quase idêntico ao em que um dia se achará permanentemente. Ao demais, se admitirmos que as almas desencarnadas se comunicam entre si, o que parece evidente, claro se faz que elas poderão manifestar-se aos sonâmbulos, quando estes se acharem mergulhados no sono magnético.

Isso os magnetizadores, em sua maioria, se viram obrigados a reconhecer. Malgrado ao seu cepticismo, diz o Dr. Bertrand (52), falando de um sonâmbulo muito lúcido:

Essa mulher se exprimia sempre como se um ser distinto, separado dela e cuja voz se fazia ouvir na região do estômago, lhe houvesse transmitido todas as noções extraordinárias que ela manifestava em sonambulismo. Verifiquei o mesmo fenômeno na maior parte dos sonâmbulos que tenho observado. O caso mais vulgar é o em que ao sonâmbulo parece que os acontecimentos que ele anuncia lhe são revelados por uma voz.

O barão du Potet, por longo tempo incrédulo, foi, a seu turno, constrangido a confessar a verdade. Informa ele como encontrou de novo, no magnetismo, a espiritologia antiga e quais os exemplos que o levaram a crer no mundo dos Espíritos, mundo que, diz (53), o sábio rejeita como um dos maiores erros dos tempos idos, mas em o qual o homem profundo é induzido a acreditar por efeito de exame sério dos fatos.

Noutro lugar (54), afirma que se pode entrar em relações com os Espíritos desprendidos da matéria, a ponto de obter-se deles aquilo de que se tenha necessidade.

Poderíamos multiplicar as citações tomadas à rica biblioteca do magnetismo espiritualista e mostrar que Charpignon, Ricard, o padre Loubet, Teste, Aubin, Gauthier, Delage, etc., creram nas comunicações entre vivos e desencarnados. Não devemos, porém, esquecer que o nosso objetivo especial é o estudo do perispírito e, por isso, passamos imediatamente a um pesquisador consciencioso, homem de boa-fé, Cahagnet, que foi quem melhor estudou esses fenômenos.

As experiências de Cahagnet

Até aqui ouvimos muitos magnetizadores afirmando a realidade das relações do nosso com um mundo supranormal. As mais das vezes, os pacientes vêem seus guias ou anjos guardiões, que eles quase sempre descrevem como sendo um belo jovem, vestido de branco. As visões, muito freqüentemente, são místicas: é a Virgem que aparece; recitam preces para afastar os maus Espíritos. Raramente a personagem descrita é um defunto.

Será que sempre os pacientes vêem personagens reais? Não o cremos; a maior parte do tempo, são sugestionados pelo experimentador e também pela própria imaginação. Devemos, pois, preservar-nos cuidadosamente de dar qualquer crédito às suas afirmações, desde que estas não assentem em provas absolutas, do gênero das que reproduzimos, apresentadas pelo Dr. Billot.

Carece de valor positivo a visão de um Espírito, se não há certeza absoluta de que não se trata de uma auto-sugestão do sonâmbulo, ou de uma transmissão de pensamento do operador.

O seguinte fato, que o Dr. Bertrand citou numa de suas conferências e que o general Noizet reproduziu, é prova convincente do que dizemos. (55)

Um magnetizador muito imbuído de idéias místicas tinha um sonâmbulo que durante o sono só via anjos e Espíritos de toda espécie, visões essas que serviam para confirmar cada vez mais a crença religiosa do primeiro. Como ele costumasse mencionar, em apoio do seu sistema, os sonhos desse sonâmbulo, outro magnetizador tomou a si desiludi-lo, mostrando-lhe que o referido sonâmbulo só tinha as visões que ele relatava, porque no seu próprio cérebro existia o tipo de tais visões. Para provar o que avançava, propôs-se a fazer que o mesmo sonâmbulo visse todos os anjos do paraíso reunidos em torno de uma mesa a comer um peru. Adormeceu então o sonâmbulo e, ao cabo de algum tempo, lhe perguntou se não via algo de extraordinário. Respondeu o interrogado que estava vendo uma grande reunião de anjos. - Que fazem eles? Inquire o magnetizador. - Estão ao redor de uma mesa e comem. Não pôde, entretanto, precisar qual o alimento de que se serviam.

Cumpre, portanto, se observe extrema circunspeção em aceitar narrativas de sonâmbulos, pois toda gente sabe que eles às vezes são muito sugestionáveis, mesmo mentalmente. Desconfiemos de descrições do paraíso e do inferno, quais as têm feito pacientes e místicos de todos os países e de todas as épocas.

Com Cahagnet (56) tudo é completamente diverso. Já não são seres angélicos que se mostram, mas Espíritos que viveram entre nós e que se tornam reconhecíveis por se apresentarem com o mesmo aspecto que tiveram neste mundo, com vestuários semelhantes aos que aqui usavam. São nítidas e precisas as suas recordações e dão provas de discernimento e de vontade, como se ainda estivessem na Terra. Não são simples reprodução de imagens dos seres desaparecidos: são individualidades que conversam, se movem, vivem e afirmam categoricamente que a morte não as atingiu. Já há nisso alguma coisa de verdadeiro Espiritismo; daí, aquele tolhe geral, quando apareceram Os Arcanos da vida futura desvendados. Tudo o que a ignorância, o fanatismo, a tolice reeditaram posteriormente contra a nossa doutrina foi então despejado sobre o pobre magnetizador. Ouçamos o seu doloroso lamento.

Nosso adversário, o barão du Potet (57), nos dissera as seguintes palavras, para nós proféticas, quando publicamos o primeiro volume desta obra: O senhor trata destas questões com a excessiva antecipação de vinte anos; o homem ainda não está preparado para as compreender.

Ah! respondemos, porque então banha ele de suas lágrimas as cinzas dos que julga haver perdido para sempre? Em que momento da existência humana poderá chegar mais a propósito, para dizer a esse homem: Consola-te, aquele que supões separado de ti para sempre se acha a teu lado, a te afirmar, por meu intermédio, que está vivo, que se sente mais ditoso do que na Terra e que te aguarda em esferas próximas para continuar em intimidade contigo. Se não queres acreditar no que te digo, atenta na linda cabeça desta criança, que chora porque te vê chorar, porque lhe dizes que ela não tornará a ver sua querida mamãe. Põe-lhe a mão na fronte e, ao cabo de poucos minutos, tu a verás sorrir para aquela que julgas morta e a ouvirás contar-te o que é feito de sua mãe, onde está e o que faz. Não poderás duvidar um instante de que esse mármore que te apavora é a porta do templo da imortalidade, onde viveremos todos eternamente, para eternamente nos amarmos.

Digo isto a esse irmão infortunado e ele, em vez de me apertar à mão em sinal de reconhecimento, me lança um olhar de desprezo, exclamando: Este homem está louco!

Mas, era um lutador soberbo esse trabalhador, que teve a glória de fazer-se o que foi: um dos pioneiros da verdade. Combateu vigorosamente seus contraditores, reduzindo-os ao silêncio. Os dois primeiros volumes dos Arcanos contêm as descrições de experiências realizadas com oito extáticos que possuíam a faculdade de ver os Espíritos desencarnados. O ponto culminante foi atingido com um deles, Adélia Maginot, com quem ele obteve longa série de evocações. Há na obra mais de 150 atas firmadas por testemunhas que declaram haver reconhecido os Espíritos que a sonâmbula descreveu. B esse um fato importantíssimo, para o qual nunca será demais chamar a atenção. Não se pode razoavelmente supor que homens pertencentes a todas as esferas sociais, de indiscutível honradez, se hajam conluiado para atestar mentiras. Há, pois, nessas experiências uma nova estrada, uma mina fértil a ser explorada pelos pesquisadores ávidos de conhecimentos sobre o além. Eis aqui um exemplo que mostra como habitualmente as coisas se passavam. (58)

Uma evocação

O Sr. B.— magnetizador e subscritor dos Arcanos, deseja uma sessão de aparição. Logo que Adélia cai em estado sonambúlico, chamamos o Sr. B... Ernesto, Paulo, morto, irmão do Sr. B... A essa sessão assiste a mãe deste senhor.

Diz Adélia: Ei-lo! Dá-nos alguma indicação? Vejo-lhe os cabelos castanho-claros, fronte bela e ampla, olhos tendendo para o pardo, sobrancelhas bem arqueadas, nariz um tanto pontiagudo, boca média; tez clara, pálida e delicada, queixo redondo, corpulência fraca, se bem deva ter sido forte; a moléstia o enfraqueceu muito; traz um costume de cor escura (azeitona, creio) ; tem ar dolente, calmo e sofredor; provavelmente sofreu do coração e do peito, experimentou fraquezas nas pernas. Não andava isento de pesares, muito se afligia intimamente, sem deixar que o percebessem; ficava às vezes pensativo, absorvido por idéias sombrias; amava a urna pessoa, donde boa parte das suas penas; era muito sensível.

- Que idade ele te parece ter? - Cerca de vinte e cinco anos; seu estomago se fatigou muito com excessos da mocidade.

- Quem o recebeu no céu? - Seu avô. - Teve, de fato, seu pai uma visão em que o viu no céu ao lado de sua avó? - E verídica essa visão, mas quem primeiro o recebeu foi seus avôs paternos, que ele conheceu na Terra; esse avô lhe estendia os braços, nos quais ele se precipitou; sua avó estava entre os outros, não faltava gente a esperá-lo... Não teve agonia. Não acreditava no magnetismo, mas pede que eu diga a seu irmão que agora acredita. - Quem velava o seu cadáver? - Sua família. - Onde foi enterrado? - No Père-Lachaise. - Seus restos ficaram sempre no mesmo túmulo? - Não; foram reunidos-aos de sua avó, desse que primeiro o recebeu no céu. - Quais as pessoas que Iam logo após o seu esquife? - Dentre todos, ele distinguiu melhor seu irmão. - Adélia está fatigada; terminamos.

O Sr. B... ficou encantado com essa experiência; a senhora sua mãe se mostra imersa na mais profunda dor; seu filho lhe manda dizer por Adélia que não chore, que ele é mais feliz do que ela; desejara que ela concluísse o tempo de suas provas; fora visitá-la muitas vezes durante o sono para a consolar, não tendo feito que se lembrasse de suas visitas para lhe não aumentar a amargura dos pesares. Apareceu do mesmo modo ao senhor seu irmão e ainda lhe aparecerá. Agradece-lhe o tê-lo sepultado.

O Sr. B... não descobre uma silaba a suprimir desse acervo de detalhes; a senhora sua mãe apenas alimenta certas dúvidas quanto à cor dos olhos; não pode lembrar-se qual exatamente era. Permitiu Deus que a nossa fé mais se fortalecesse. O Sr. B. . . desejando, por questões de família, ocultar o seu nome, assinou uma segunda via da ata desta sessão, para me garantir, no futuro, contra as reticências que alguns homens desmemoriados e chicanistas Possam opor à realidade do que ouviram e reconheceram verdadeiros. Daqui por diante procederei assim.

No dia seguinte ao dessa sessão, o Sr. B . . . Veio a nossa casa Para dizer que, em conseqüência daquela aparição, ele convocara uma reunião de família, a fim de se certificar da cor exata dos olhos de seu irmão; a generalidade das recordações foi favorável à cor que Adélia descrevera. Grande satisfação me deu essa particularidade, porque, havendo aquele senhor dito a Adélia : - A senhora se engana; minha mãe acha que os olhos eram azuis; persiste a senhora em vê-los castanhos? - ela respondeu: - Ser-me-ia muito fácil concordar com a senhora sua mãe, uma vez que ela os julga tais e que isso confirmaria a verdade de tudo o que por mim foi dito; mas, eu mentiria e não diria o que vejo. Para mim, são castanhos. - Foi em face dessa afirmativa que aquele senhor convocou para uma reunião o membro de sua família e se considerou no dever de me dar ciência do resultado de tal reunião.

A cada passo, encontram-se nesses volumes provas semelhantes. Fora, porém, conhecer mal a nossa época imaginar-se que essas narrativas tiveram o dom de determinar convicções. Ninguém jamais contestou a boa-fé de Cahagnet; seus contemporâneos o reconheceram homem honesto, incapaz de alterar a verdade, mas, pretenderam que aqueles fenômenos podiam explicar-se todos por uma transmissão de pensamento, a se operar entre o consultante e o paciente.

Podemos certificar-nos do nenhum valor dessa objeção, neste caso, desde que atentemos nas circunstâncias que acompanharam a aparição. Ela conversa, manda dizer à sua mãe, por Adélia, que não se atormente. E porque aquela imagem estaria associada à do avô paterno, quando, no pensamento da mãe e do irmão, a avó do morto era quem o devera ter recebido no Além? (59)

Aliás, para responder a semelhante objeção, que foi a arma sempre à mão dos incrédulos, o autor relata certo número de aparições às quais ainda menos aplicáveis é a mencionada explicação. (60)

Aqui está uma, entre muitas outras.

O padre Almignana, já citado, parecendo não mais convencido pelos detalhes que, sobre a aparição de seu irmão, Adélia lhe fornecera e que ele solicitara na segunda sessão, veio comunicar-me suas dúvidas a respeito. No momento Adélia estava adormecida. Ele pie pediu evocasse a irmã de sua criada, que se chamara Antonieta Carré e morrera havia alguns anos (61). Evoquei-a.

-Disse Adélia: - Vejo uma mulher de altura mediana, cabelos castanho-claros, de cerca de 45 anos, não bonita, de pequenos olhos cinzentos, nariz grande um tanto grosso na extremidade, tez amarelada, boca chata; tem o que chamamos papeira; faltam-lhe dentes da frente, sendo os poucos que lhe restam escuros como tocos; suas vestes são as que no campo se denominam trajes caseiros: corpete escuro, saia listrada um tanto curto; avental de chita em torno do corpo; no pescoço um lenço de quadrados; suas mãos denotam trabalhos pesados: trabalhava no campo; tinha um irmão que morreu depois dela; não está, porém, no mesmo plano que ela, porque, sem ser .um mau sujeito, não era muito regrado. Essa mulher me dá a impressão de ter sido muito boa.

O Sr. Almignana levou escritos esses pormenores e me endereçou uma carta donde extraio as passagens seguintes:

Depois de ter lido quatro vezes, para Maria Francisca Rosália Carré, os sinais acima, ela me declarou que eram tão exatos, que não podia deixar de reconhecer sua própria irmã, Antonieta Carré, na mulher que aparecera à sonâmbula. Quanto a seu irmão, confirma que morreu depois da irmã, como o dissera Adélia. Acrescenta uma circunstância que não deixa de ser digna de nota: diz ter sonhado, na noite de 30 para 31 de janeiro (véspera da sessão), que se achava junto do túmulo da irmã e do irmão, mas que sua atenção era mais solicitada pela primeira. (Ela jamais sonhara com a irmã desde que esta morrera.).

Assinado: ALMIGNANA.

Farei notar, a meu turno, que o padre Almignana, como a sua criada, não sabiam, no dia dessa sessão, que chamaríamos aquela mulher. Foi de improviso que lhe dirigi a seguinte pergunta: Conhece algum morto cuja aparição pudesse compense-lo? Ele me respondeu: Chame a irmã de minha criada; assim, nenhuma influência haverá, nem comunicação de pensamento, pois a minha criada não está aqui e nada sabe do que se vai passar. Como se acaba de ver, o êxito foi completo. Aquela mulher, para melhor provar a seu patrão que o que ele ouvira era verdade, disse ter sido ela quem dera à irmã o lenço descrito. A aparição de Antonieta Carré é de molde a destruir a objeção malévola da transmissão de pensamento, ou, então, somos todos loucos, pretendendo provar a asnos a existência da alma.

Mais um pormenor referente a essa aparição:

O Sr. Almignana, alguns dias após aquela sessão, veio a nossa casa e me contou que a sua criada se encontrara na véspera com um homem da sua terra, para o qual lera, pois que os tinha consigo, os sinais da irmã, perguntando-lhe se conhecia a pessoa a quem os mesmos se referiam. O homem lhe respondeu: Mas, é de sua irmã morta o retrato que a senhora me faz; é da gente não se enganar. A criada do Sr. Almignana ponderou ao homem que entre os sinais se mencionava um pequeno botão na face e que ela, entretanto, jamais notara na irmã nenhum sinal desse gênero. Ao que o homem replicou: Está enganada; tinha ela um aqui (e mostrou o lugar). Maria Francisca se recordou e ainda mais convencida ficou, assim como o Sr. Almignana, desejoso dessa exatidão perfeita, que nenhum cabimento deixa à dúvida.

Foi necessária uma terceira pessoa para estabelecer a realidade daquele pormenor que, portanto, não podia ter sido visto no pensamento de pessoa alguma. (Eu esquecera de mencionar esse pequeno, sinal nas indicações que acima se lêem.)

São dessa natureza os fatos que firmam convicção. Reportando-se aos Arcanos, aí encontrará o leitor grande número deles. As narrativas que contêm constituem documentos preciosos, porquanto se acham autenticados; mostram que o Espírito conserva ou pode retomar no espaço a forma que tinha na Terra. Reprodu-la com extraordinária fidelidade, de maneira a ser reconhecido, mesmo por pessoas estranhas. Esses seres, que se apresentam ao vidente, afirmam suas personalidades por meio de uma linguagem idêntica à de que usavam neste mundo e pela revelação de particularidades de suas vidas passadas, que somente eles podiam conhecer.

Um ponto ainda nos deve prender a atenção. Compreende-se que a alma humana seja imortal, pois difere do corpo; que constitua uma unidade indecomponível; menos compreensível é, ao entanto, que ela possa apresentar-se revestida de roupas onde toma tais roupas, que, evidentemente, não são imortais? Estudaremos mais longe esta questão e esperamos deixá-la Inteiramente elucidadas. Vejamos como Cahagnet a explica (62)

No Sr. du Potet, apreciando o primeiro volume desta obra, ridiculizou o que dizemos acerca das vestes com que se apresentam os Espíritos que chamamos às nossas sessões de aparições, exclamando: V# o senhor tal Espírito uniformizado de guarda nacional? Outro critico, insistindo na mesma apreciação, chegou a nos pegar a, possibilidade de conversar com esses Espíritos no patoá que falamos. Em conseqüência, negou-se a admitir que eles usem vestes terrenas.

O número 162 do Jornal do Magnetismo traz uma narrativa muito curiosa sobre as manifestações espirituais que presentemente ai dão na América e pelas quais os Espíritos estabelecem relações com os homens da Terra, conversam com eles e lhes tornam sensível as ousa presenças, por meio de contactos, transportes de móveis e ruídos que todos os espectadores escutam.

O autor desse artigo, caindo nos mesmos erros do Sr. du Potet, parece não admitir que os Espíritos se mostrem envergando roupas que os assistentes afirmam ver.

Perguntaremos a esses escritores se prefeririam que os Espíritos nos aparecessem em trais de Adão?

Perguntar-lhes-emos, ao demais, quem lhes provaria que eles não seres pensantes, se não falassem? Quem lhes provaria que não são simples imagens de trespassados, daguerreotipadas na memória do interrogante, se não respondessem às perguntas deste, no patoá que falamos, está claro, para que os compreendamos?

Se não tivessem uma linguagem tão representativa como a terrestre, dir-se-ia que ninguém os pode interrogar.

Se nos respondessem numa linguagem musical, aromática ou sensitiva, dir-se-ia que são lingüistas orgulhosos, que não querem conspurcar a língua que falam com as frases e os sons de que se serviam na Terra.

Se vêm vestidos como neste mundo, são tidos como extremamente vulgares e fora do progresso das modas terrestres.

Se trajam mais elegantemente, acham que estão muito agarrados ao ideal das Mil e Uma Noites.

Se mostram nus, são considerados impudicos e toda gente quer saber como é que trajavam na Terra.

Com que tecido querem então que eles se cubram? Qualquer tecido, por mais espiritualizado que seja, será sempre um tecido que exigiu um tecelão.

A verdade é que o Espírito cria, voluntariamente ou não, a sua vestidura fluídica, conforme mais tarde o verá.

Em suma, a idéia de um corpo espiritual da alma se libertou duma parte de sua obscuridade. Graças ao sonambulismo, já nos achamos de posse de um meio de ver os Espíritos e de nos certificarmos de que eles se apresentam com uma forma corpórea que reproduz fielmente o corpo físico que tinham na Terra. Isto já não é uma hipótese; é um fato resultante da observação experimental. Mister se torna ler os numerosos atestados que se encontram no fim do seu segundo volume, para se ficar bem persuadido de que os trabalhos de Cahagnet não são isolados. Foram retomados e verificados por grande número de magnetizadores, que afirmaram ter obtido os mesmos resultados. Para nós, portanto, é ponto fora de questão e fácil se nos torna renovarmos esses fenômenos, pois basta nos coloquemos nas condições indicadas pelo autor.

Vamos ver agora, através de experiências feitas em companhia de médiuns, bem como por meio das aparições espontâneas, que é uma lei geral essa em virtude da qual a alma se mostra, após a morte, com aparência idêntica à que tinha quando vivia no corpo.

CAPITULO III

TESTEMUNHOS DOS MÉDIUNS E DOS ESPIRITOS A FAVOR DA EXISTÊNCIA DO PERISPIRITO

SUMARIO: Desprendimento da alma. - Vista espiritual. - O Espiritismo dá certeza absoluta da existência dos Espíritos, pela visão e pela tiptologia simultâneas. - Experiências do Senhor Rossi Pagnoni e do Doutor Moroni. - Uma visão confirmada pelo deslocamento de um objeto material. - O retrato de Vergílio. - O avarento. - A criança que vê sua mãe. - Tiptologia e vidência. - Considerações sobre as formas dos Espíritos.

Verificamos que alguns sonâmbulos, mergulhados em sono magnético, podem ver os Espíritos e descrevê-los fielmente. Mas, essa faculdade possuem-na também pessoas não adormecidas, às quais foi dado o nome de médiuns videntes.

Para bem compreendermos o que então se passa, precisamos não esquecer que, na vida ordinária, quem vê não é o olho, como quem escuta não é o ouvido. O olho não passa de instrumento destinado a recebei as imagens trazidas pela luz; a isso se limita, o seu papel. Por si mesmo, ele é incapaz de fazer que distingamos os objetos. Fácil prová-lo. Se o nervo óptico for cortado ou paralisado, o mundo exterior não deixa, por isso, de se desenhar na retina; o indivíduo, porém, não o vê; tornou-se cego, se bem se lhe conserve Intacto o órgão visual. A vista é, pois, uma faculdade do espírito; pode exercer-se sem o concurso do corpo, tanto que os sonâmbulos naturais ou artificiais vêem a distância, com os olhos fechados (63). Quando esses fenômenos se produzem, é que se tem ensejo de comprovar a existência de um sentido novo, que se pode designar pelo nome de sentido espiritual.

O sonambulismo e a mediunidade são graus diversos da atividade desse sentido. Um e outro apresentam, como se sabe, inúmeros matizes e constituem aptidões especiais. Allan Kardec pôs muito em evidência este fato (64). Ele faz notar que, afora essas duas faculdades, as mais assinaladas por serem mais aparentes, fora erro supor-se que o sentido espiritual só no estado excepcional exista. Como os outros, esse sentido é mais ou menos desenvolvido, mais ou menos sutil, conforme os indivíduos. Toda gente, porém, o possui e não é o que menos serviço presta, pela natureza muito especial das percepções a que dá lugar. Longe de constituir a regra, sua atrofia constitui a exceção e pode ser tida como uma enfermidade, do mesmo modo que a carência da vista ou da audição.

Por meio desse sentido é que percebemos os eflúvios fluídicos (65) dos Espíritos; é que nos inspiramos, sem o sabermos, de seus pensamentos; que nos são dadas às advertências intimas da consciência; que temos o pressentimento ou a intuição das coisas futuras ou ausentes; que se exercem a fascinação, a ação magnética inconsciente e involuntária, a penetração do pensamento, etc. Tais percepções são tão peculiares ao homem, como as da vista, do tato, da audição, do paladar ou do olfato, para sua conservação. Trata-se de fenômenos muito vulgares, que o homem mau nota, pelo hábito em que está de os experimentar, e dos quais não se apercebeu até ao presente, em conseqüência de ignorar as leis do principio espiritual, de negar mesmo, como se dá com muitos sábios, a existência desse princípio: Mas, quem quer que dispense atenção aos efeitos que vimos de indicar e a muitos outros da mesma natureza, reconhecerá unto são eles freqüentes e, ainda mais, que independem completamente das sensações que se percebem pelos órgãos do corpo.

A vista espiritual ou dupla vista

A vista, espiritual vulgarmente chamada dupla vista ou segunda vista, lucidez, clarividência, ou, enfim, telestesia e, agora, criptestesia, é um fenômeno menos raro do que geralmente se imagina. Muitas pessoas são dotadas dessa faculdade, sem o suspeitarem; apenas o que há é que ela se acha mais ou menos desenvolvida. Facilmente se pode verificar que é estranha aos órgãos da visão, pois que se exerce, sem o concurso dos olhos, durante o sonambulismo natural ou provocado. Existe nalgumas pessoas no mais perfeito estado normal, sem o menor vestígio aparente de sono ou de estado extático. Eis o que o respeito diz Allan Kardec (66)

Conhecemos em Paris uma senhora em quem a vista espiritual é permanente e tão natural quanto a vista ordinária. Ela vê sem esforço e sem concentração o caráter, os hábitos, os antecedentes de qualquer pessoa que se lhe aproxime; descreve as enfermidades e prescreve tratamentos eficazes, com mais facilidade do que muitos sonâmbulos ordinários. Basta-lhe pensar numa pessoa ausente, para que a veja e designe. Estávamos um dia em sua casa e vimos passar pela rua alguém das nossas relações e que ela jamais vira. Sem ser provocada por qualquer pergunta, fez dessa pessoa o mais lei retrato moral e nos deu a seu respeito opiniões muito ponderadas.

Contudo, essa senhora não é sonâmbula; fala do que vê, como falaria de qualquer outra coisa, sem se distrair das suas ocupações.

Podemos aditar ao do Mestre o nosso testemunho. Há uma vintena de anos, demo-nos com uma Senhora Bardeau, que gozava dessa faculdade. Descrevia personagens que viviam na província, muito longe, ao Sul, personagens que ela nunca vira e de cujos caracteres, no entanto, apresentava circunstanciados pormenores. Conservava-se, todavia, no estado ordinário, com os olhos bem abertos, conversando sobre outros assuntos, interrompendo-se de quando em quando para acrescentar alguns traços que completavam a fisionomia ou o caráter das pessoas ausentes.

Hoje, ainda conhecemos uma parteira, Sr.a Renardat, que pode ver a distância, sem estar adormecida. Tivemos disso prova inegável, porquanto descreveu com fidelidade um dos nossos tios, residente em Gray, indicou uma enfermidade que ele tinha e que os médicos ignoravam e lhe predisse a morte, sem jamais o haver conhecido. Essa senhora vê os Espíritos, como vê os vivos. Multas ocasiões tiveram de convencer-nos, pelas afirmações dos nossos amigos, de que ela entretinha relações com almas que haviam deixado a Terra, pois fazia delas retratos muito semelhantes e a linguagem que lhes atribuía lembrava a de que usavam durante a vida terrena.

Desde há quinze anos, temos tido numerosas oportunidades de estudar a mediunidade vidente, que nem sempre se manifesta com esse cunho de constância que se nota nas narrativas acima. As mais das vezes, é fugitiva, temporária, mas, mesmo assim, nos faculta a certeza de que a crença na imortalidade não é vã ilusão do nosso espírito prevenido e sim uma realidade grandiosa, consoladora e sobejamente demonstrada. Aliás, vamos citar bom número de experiências que demonstram ser objetiva a visão dos Espíritos, porquanto esta coincide, explicando-as, com fenômenos físicos que nos caem sob a percepção dos sentidos materiais e que toda gente pode verificar.

Quando uma mesa se move e um médium vidente descreve o Espírito que sobre ela atua; quando esse médium chega a anunciar o que o Espírito vai dizer por intermédio do móvel, é despropositado imaginar-se que ele não veja realmente, uma vez que a sua predição se realiza e o Espírito dá testemunho de sua presença, exercendo ação sobre a matéria.

Se quiser refletir que, há cinqüenta anos, no mundo inteiro se procede continuamente a pesquisas espíritas; que elas se processam nos mais diversos meios; que foram fiscalizados milhares de vezes por investigadores pertencentes às classes sociais mais instruídas e, por conseguinte, menos crédulas, forçoso será considerarmos absurdo supor-se não sejam os Espíritos que produzam tais fenômenos, pois, por meio de incessantes comunicações com o mundo invisível, por meio de ininterruptas relações com os habitantes do espaço, que chegamos a adquirir conhecimentos certos sobre as condições da vida de além-túmulo.

Lembremo-nos de que existem mais de duzentos jornais publicados em todas as línguas que se falam no globo, que cada um prossegue isoladamente em seus trabalhos e que, malgrado a essa prodigiosa diversidade quanto às fontes de informações, o ensino geral é o mesmo, em suas partes fundamentais. Há-se de convir em que semelhante acordo é bem de molde a servir de fundamento à convicção que se gerou em cada, experimentador, depois de haver estudado por si mesmo.

Exponhamos, conseguintemente, sem cessar, os resultados obtidos; não nos cansemos de colocar sob as vistas do público os documentos que possuirmos e, talvez lentamente, mas com segurança, chegaremos a conseguir que penetrem nas massas estes conhecimentos indispensáveis ao progresso e à felicidade delas.

O envoltório da alma fez objeto de perseverantes estudos da parte de Allan Kardec. Ele próprio confessa que, antes de conhecer o Espiritismo, não tinha idéias especiais sobre tal assunto. Foram seus colóquios com os Espíritos que lhe deram a conhecer o corpo fluídico e lhe proporcionaram compreender o papel e a utilidade desse corpo. Concitamos os que queiram conhecer a gênese dessa descoberta a ler a Revue Spirite, de 1858 a 1869. Verão como, pouco a pouco, se foram reunindo os ensinamentos a respeito, de maneira a constituir-se uma teoria racional que explica todos os fatos, com impecável lógica.

Não podendo estender-nos demasiado sobre este ponto, limitar-nos a citar uma evocação, que poderá servir de modelo a todos os investigadores que desejem verificar por si mesmos estes ensinamentos.

E médium? Não o sabe, pois, até a bem pouco tempo, nem de nome conhecia o Espiritismo.

Evocação do Doutor Glas (67)

As perguntas eram feitas por Allan Kardec, sendo dadas pelo médium escrevente as respostas.

P. - Fazes alguma distinção entre o teu espírito e o teu perispírito? Que diferença estabelece entre essas duas coisas?.

R. - Penso, pois que sou e tenho uma alma, como disse um filósofo. A tal respeito, nada mais sei do que ele. Quanto ao perispírito, é, como sabes, uma forma fluídica e natural. Procurar, porém, a alma é querer achar o absoluto espiritual.

P. - Crês que a faculdade de pensar reside no perispírito? Numa palavra: que alma e perispírito são uma e mesma coisa?

R. - E exatamente como se me perguntasses se o pensamento reside no nosso corpo. Um é visto, o outro se sente e concebe.

P. - Não és, então, um ser vago e indefinido, mas um ser limitado e circunscrito?

R. - Limitado, sim, porém, rápido como o pensamento.

P. - Peço determines o lugar onde aqui te achas.

R. - A tua esquerda e à direita do médium.

Nota - Allan Kardec se coloca exatamente no lugar indicado pelo Espírito.

P. - Foste obrigado a deixar o teu lugar para mo ceder?

R. - Absolutamente. Nós passamos através de tudo, como tudo passa através de nós; é o corpo espiritual.

P. - Estou, portanto, colocado em ti?

R. - Sim.

P. - Mas, como é que não te sinto?

R. - Porque os fluidos que compõem o perispírito são muito etéreos, não suficientemente materiais para vós outros. Todavia, pela prece, pela vontade, numa palavra, pela fé, podem os fluidos tornar-se mais ponderáveis, mais materiais e sensíveis ao tato, que é o que se dá nas manifestações físicas.

Nota - Suponhamos um raio de luz penetrando num lugar escuro. Podemos atravessá-lo, mergulhar nele, sem lhe alterarmos a forma, nem a natureza. Embora esse raio luminoso seja uma espécie de matéria, tão rarificada se acha esta, que nenhum obstáculo opõe à passagem da matéria mais compacta.

Evidentemente, a melhor maneira de chegar-se, a saber, se os espíritos têm um corpo consistia em perguntara-lo. Ora, nunca, desde que se fazem evocações, alguém comprovou que os desencarnados hajam dado uma resposta negativa. Todos afirmam que o envoltório perispiritico é, para eles, tão real, quanto o nosso corpo físico o é para nós. Tem-se, pois, aí um ponto firmado pelo testemunho unânime de todos os que hão sido interrogados, o que explica e confirma as visões dos sonâmbulos e dos médiuns. Chegamos assim a uma ordem de testemunhos que fazem ressalte das concepções puramente filosóficas o perispírito, atribuindo-lhe existência positiva.

Um avarento no espaço

Desde o começo das manifestações espíritas, organizaram-se grupos de estudo em quase todas as cidades da França. Entregava-se a pesquisas continuadas e os resultados obtidos se registravam quase sempre em atas, cujas súmulas eram enviadas à imprensa.

A nossa doutrina, portanto, não foi imaginada. Constituiu-se lentamente e a obra de Allan Kardec, resumindo essa imensa investigação, mais não é do que a compilação lógica, o aproveitamento de tão vasta documentação.

Aqui a narrativa de um dos fatos então apurados, conforme a publicou um jornal espírita de Bordéus, em 1864 (68)

-Toda gente conheceu em Angoulême um homem de sórdida avareza, não obstante a sua posição de opulência, que todos sabiam magnífica. Chamava-se L... e morava numa água-furtada de sua casa, cujos demais cômodos permaneciam desabitados. Como os vizinhos não o vissem durante vários dias, chamaram a polícia, que mandou abrir a porta do aposento, para saber o que fora feito dele. Acharam-no quase a morrer. Tendo à cabeça um boné de papel meio queimado e encostado a uma mesa, estava o homem como que a contemplar algumas moedas de ouro ali espalhadas. No interesse do Próprio infeliz, que de há muito se afastara de toda a sua família, a justiça mandou arrecadar o dinheiro que ele escondera aqui e ali pela casa, depositou-o num estabelecimento bancário e remeteu o pobre abandonado para um hospital, aonde veio a falecer pouco depois. A uma primeira evocação feita alguns dias após sua morte, ele acudiu e declarou que absolutamente não estava morto e que queria. O dinheiro que lhe haviam subtraído. Transcorridos muitos meses, no mesmo grupo, fez-se, a 25 de setembro de 1863, segunda evocação, com o concurso de dois médiuns, escrevente um, vidente o outro em estado sonambúlico. Este último descreveu a fisionomia e as vestes do Espírito evocado, a quem não conhecera em vida. Conversou com ele ou transmitiu as respostas que lhe eram dadas. Por outro lado, o médium escrevente obtinha, ao mesmo tempo, sob a influência do Espírito presente, a comunicação seguinte, posta em confronto com a que provinha do sonâmbulo, para facilitar a inteligência da simultaneidade do recebimento das duas.

Evocação

Médium escrevente - Sr. Guimberteau

Que é o que ainda querem de mim? Peço que me deixem ir embora. Isto começa a me aborrecer. Melhor fariam, se restituíssem o dinheiro que me roubaram. Acham que irão é abelinável (abominável) ? Eu que trabalhei toda a minha vida para encher uma pequenina bolsa honesta. Pois bem! Senhores, tomaram-me tudo; arruinaram-me; estou atirado à rua, não tenho onde cair morto. Não sei onde descansar a cabeça. Oh! tenham a bondade de me restituir tudo isso. Ficar-lhes-ei reconhecido, se conseguirem que me atendam.

(O evocador pondera ao Espírito que nada de tudo aquilo lhe pode mais fazer falta, uma vez que ele deixara a Terra.)

R. - Você diz que nada me faz falta. E ter topete! Meu dinheiro, então, não é nada?

P. - Onde estás ?

R. - Você bem o vê: a seu lado.

P. - Mas, por que te obstinas em procurar as tuas riquezas terrenas, quando devias antes cuidar de constituir um tesouro no céu ?

R. - Oh! esta agora! Você devia dizer onde está esse tesouro que eu devo achar. Você é um péssimo farsista, sabe?

P. - Não conhece Deus?

R. - Não tenho essa honra. Quero o meu dinheiro.

P. - Foste forçado a vir aqui?

R. - Está claro que sim. Se não me obrigassem a permanecer aqui exposto aos olhares de vocês, já me teria ido há muito tempo

P, - Aborrece-te então a nossa companhia?

R. - Muito. (O lápis bate na mesa com tanta rapidez e tal violência, que se quebra.)

Médium vidente – Sr. B.

Vejo um velho ali a escrever. E bem vil. Mas, como é vil! Não tem apenas dentes na boca. Tem enormes lábios pendentes. Traz um boné sujo de algodão, uma blusa, ou um casaco branco, também sujo. Como ele é vil, meu Deus!

P. - E ele quem está fazendo que o Sr. Guimberteau escreva?

R - E. Ele se encontra ao lado desse senhor. Mostra-se como alguém que é apedrejado é um verdadeiro tigre!

P. - Ele foi obrigado a vir?

R. - Há alguém que o obriga.

P. - Por que não se vai embora, uma vez que tanto o molesta a nossa companhia?

R. - Foi chamado. Isto pode contribuir para que conheça a sua situação.

A sessão prossegue. Adormecido, o sonâmbulo descreve outros Espíritos e nota, em seguida, um padre que vem manifestar-se. Logo, o médium escrevente recebe uma comunicação do padre C. que alguns presentes conheciam. Dita ele: Vejamos. Vou fazer que o médium escreva calmamente algumas linhas, para que o vidente tenha tempo de me examinar em todos os sentidos. E preciso que me reconheçam pelos detalhes que ele fornecer sobre a minha pessoa. Isso vos porá em condições de acreditar que vêm ajudar-vos os Espíritos que evocais.

Aqui, como se verifica, é manifesta a ação do desencarnado, que se empenha e esforça por assinalar bem a sua personalidade. Vê coroada de êxito essa tentativa. Os assistentes reconhecem um eclesiástico da cidade, recentemente falecido, e a diz a um que a interroga: Sim, vi outrora esse homem; é um cura. Gordo, corado. Não lhe sei o nome. Tem pouco cabelo, todo embranquecido.

A visão sonambúlica confirma a autenticidade do agente que faz com que o médium escreva e demonstra o nenhum valor da teoria segundo a qual as comunicações procedem sempre do inconsciente de quem escreve.

A narrativa que segue permite se comprove que o médium vidente é absolutamente incapaz de enganar e que, se a verdade irrompe da boca da inocência, tem aqui aplicação esse provérbio.

Visão de uma criança

O relato que se vai ler fê-lo o professor Morgari, a 20 de outubro de 1863, na Sociedade dos Estudos Espíritas de Turim. (69) O Refere que, achando-se, no mês citado, em Fossano, travou relações com o professor P..., Homens muito instruídos, que vivia imerso em profunda mágoa por haver perdido sua jovem esposa, que lhe deixara três filhinhos. Para lhe minorar a dor, o Sr. Morgari falou-lhe do Espiritismo:

Miser Suole

Dar facile credenza quel che vuole. (70)

Ficou então decidido que se tentaria obter uma comunicação da morta querida. Com dois companheiros de estudos e uma sua irmã, o Sr. Morgari se sentou à mesa, bem como o professor P. . . e uma irmã sua. Obtiveram estes o nome de um de seus parentes, um certo irmão Agostinho. Em seguida, veio outro Espírito, o do pai deles, Luís, o qual, além do nome, disse exatamente a idade com que falecera. Não será ocioso notar que tais nomes o Sr. Morgari e sua irmã, recém-chegados a Fossano, desconheciam completamente.

Cedamos agora a palavra ao autor da narrativa:

Se a experiência houvesse terminado si, observa ele, eu nada vos diria, porquanto nada até então ocorrera que não fosse para nós outros muito vulgar. Mas, neste ponto é que começa o maravilhoso.

O Espírito da pranteada esposa, que viera dirigir tocantes palavras a seu marido, manifesta o desejo de ver os filhos que dormiam em aposentos contíguos e, de repente, a mesa entra a mover-se com uma rapidez qual eu antes nunca vira, deslizando e girando tão vivamente, que apenas dois ou três dentre nós a podiam acompanhar, tocando-a com a ponta dos dedos. Penetrou em seguida no aposento mais próximo, onde uma das crianças, menina de três anos, dormia profundamente no seu berço. Acercando-se a mesa, como se fora dotada de vida e de sentimento, se inclina, no ar, para a criancinha que, sempre a dormir, lhe os bracinhos e exclama com essa tranqüila surpresa que sobremodo nos encanta na meninice: Mamãe! Oh! Mamãe! O pai e a tia, comovidos até às lágrimas, lhe perguntam se realmente está vendo a mãe: Estou, vejo-a.. Como está bonita! Oh! Como está bonita! Perguntada onde a via: Numa grande claridade! Responde. Velo a no Paraíso. Nesse instante, vimos a criança fazer com os s bracinhos um circulo, como se quisesse abraçar-se ao pescoço de sua mãezinha, e, coisa surpreendente, entre os braços e o rosto da menina, havia só o espaço necessário a caber a cabeça da que fora sua mãe. Durante a cena, a menina movia brandamente os lábios, como se estivesse a dar beijos, até que, por fim, a mesa recaiu no chão, conservando-se o anjinho com as mãos juntas e inexprimível sorriso.

Essa as verdades puras, simples e leais, de que me faço fiador, assim em meu nome, como no dos meus companheiros, todos prontos a confirmar com suas assinaturas esta narrativa, conforme eu próprio faço.

Este testemunho de uma criança de três anos reconhecendo sua mãe não poderá ser suspeito, nem mesmo aos mais cépticos.

Ninguém poderá ver aí qualquer sugestão, pois que a criança dormia e era aquela a primeira vez que seu pai e sua tia se ocupavam com o Espiritismo. O que aí há é a confirmação da crença de que a mãe sobrevivia no espaço e continuava a prodigalizar seu amor ao marido e aos filhos.

Aqui vão outros exemplos, que corroboram os que acabamos de citar.

Experiências do Professor Rossi Pagnoni e do Doutor Moroni

Em 1889, foi publicado um volume muito sério (71), relatando as experiências espíritas desses senhores, continuadas em Pezarp (Itália) com grande apuro de observação científica. Dentre muitos fenômenos importantes, vamos referir os casos seguintes, que se enquadram completamente no nosso assunto.

Servia de instrumento ao Dr. Moroni, para descrever os Espíritos que se manifestavam por meio da mesa, uma mulher chamada Isabel Cazetti, ótimo paciente hipnótico. Em muitas ocasiões, foi-lhe dado verificar que eram contrárias às crenças dos assistentes as indicações que a sonâmbula ministrava. Descrevia às vezes um Espírito que absolutamente não era o que se evocava e, com efeito, a mesa deletreava um nome muito diverso do Espírito que fora chamado. Eis aqui um exemplo:

Dois amigos meus se puseram à mesa tiptológica, colocada a alguns metros da hipnotizada, para evocarem o Espírito de uma pessoa que lhes era afeiçoada, de nome Lívia, evocação já conseguida pelo mesmo meio. Enquanto isso, a hipnotizada fazia os sinais que costuma fazer quando vê um Espírito, sinais que lhe são peculiares à faculdade.

Moroni, eu e os outros assistentes, rodeando-a bem de perto, lhe perguntamos baixinho o que estava vendo. Respondeu: Uma senhora, parente da pessoa menos alta das que estão sentadas à mesa. Supusemos que se enganava, porquanto, como sabíamos, aqueles amigos evocavam uma pessoa amiga, não uma parenta. De súbito, porém, a mesa bateu: Sou tua tia Lúcia; venho porque te estimo.

Com efeito, o assistente de menor estatura contava entre os seus mortos uma tia desse nome, na qual, entretanto, não pensava e que o outro assistente não conhecia. Em seguida, o médium murmurou ao ouvido de Moroni que um rapaz, cujo nome começava por R..., estava à mesa. Esta efetivamente bateu R, primeira letra do nome do rapaz, que nos saudou. Depois, ouvimos na biblioteca um grande ruído e o médium, a sorrir, disse que fora aquele Espírito, que nos quisera dar sinal da sua partida.

Chamamos muito particularmente a atenção do leitor para estas experiências, pois provam, de modo evidente, que são mesmo Espíritos os que se manifestam e não entidades quaisquer. Não se pode aplicar aqui nenhuma das pretensas explicações baseadas na transmissão do pensamento do evocador ao médium - uma vez que este anuncia de antemão um nome em que os assistentes não pensam - nem a da intervenção de um ser híbrido, formado dos pensamentos de todos os assistentes, não se podendo tampouco pretender que sejam elementais, elementares, ou influências demoníacas.

São as almas dos mortos que afirmam a sua sobrevivência por ações mecânicas sobre a matéria. Não apresentam uma forma indeterminada, mas as dos corpos terrenos que tiveram durante a encarnação. A inteligência se conservou lúcida e vivaz; revela-se em plena atividade após a morte. Temos em nossa presença o mesmo ser que vivia outrora neste mundo e que apenas mudou de estado físico, sem nada perder da sua personalidade de outrora.

Como nunca será demais insistir em tais fatos, vamos referir alguns outros. Narrativa de uma sessão:

Sentaram-se à mesa da tiptologia dois dos nossos amigos, evocando Lúcia. A primeira letra batida lhes fez crer que conseguiriam o que desejavam; mas, o médium segredou ao ouvido de Moroni (que tomou nota num pedaço de papel, dobrou-o e colocou em cima da mesa) que, em vez de Lúcia, era o Espírito de Lívia que batia, dizendo obrigado. Deu-se como fora anunciado e verificou-se que essa palavra estava realmente escrita.

O médium pediu a Moroni que tomasse o lugar de um daqueles senhores à mesa tiptológica. Ele assim fez e outra pessoa se colocou ao lado do médium e lhe perguntou o que via. O interrogado respondeu de maneira a não ser ouvido pelos demais: E a irmã do doutor. A mesa, com efeito, bateu - Assunta, nome de uma falecida irmã de Moroni e que lhe pediu permanecesse à mesa. Então, disse o médium, ao ouvido do amigo que se lhe pusera ao lado, que o pai do doutor desejava comunicar-se. A mesa bateu estas palavras: Sou teu pai e posso qualificar de ditoso este momento em que me acho contigo.

Eis outro relato, em que não é menor a evidência, do que nos últimos casos reproduzidos.

Após alguns ensaios de tiptologia, declarou o médium que o pai de um Sr. L... desejava falar-lhe:

Fizemos que o Sr. L.. . Se levantasse da mesa e lhe solicitamos que tentasse escrever noutra mesa, visto que um Espírito queria comunicar-se por seu intermédio, e o rodeamos, para auxiliar nessa primeira experiência. Dois de nós nos aproximamos do médium e lhe perguntamos quantos Espíritos via no momento ao nosso derredor. Respondeu que via três: o que já fora indicado e duas senhoras, sendo uma delas tia daquele que o interrogava. Trazendo este consigo um retrato dessa tia, misturou-o com outras fotografias, que pudemos reunir, de senhoras, e as entregou todas ao médium. Este, sem as examinar, o que, aliás, não podia fazer, devido à meia obscuridade reinante no canto onde estávamos da sala, não podendo, tampouco, ser, como dizem, sugestionado pelo interrogante, uma vez que não via as fotografias e não sabia em que ordem o acaso as dispusera, separou uma e a entregou ao referido interrogante. Era a da sua parenta. Ao Sr. L... deu o médium pormenores íntimos sobre seus negócios de família. Como estrangeiro que era, o Sr. L... residia de pouco tempo na nossa cidade. Seu pai morrera havia uns vinte anos.

Para concluir as brevíssimas citações deste importante trabalho, vamos dizer de que modo o Dr. Moroni foi levado a estudar os fenômenos espíritas. Quando ele era ainda simples magnetizador, para quem todas as imagens que o sonâmbulo dizia ver não passavam de alucinações, um dos primeiros- fatos que o fizeram começar a crer foi o seguinte:

Uma noite, estando magneticamente adormecido, o médium exclamou de súbito, agitando um braço: Ai! - Perguntando-lhe Moroni : Que há? ela respondeu: Foi Isidoro que me beliscou. (Isidoro era um irmão de Moroni, falecido havia alguns anos.) - O médico descobriu o braço do médium e lá encontrou, com efeito, uma marca semelhante a que deixa a pressão de dois dedos na epiderme. Até aí, porém, nada de espantar, porquanto o que se dera podia muito bem ser o resultado de uma auto-sugestão da própria senhora. - Disse-lhe então Moroni : Se é verdade que meu irmão se acha presente aqui, dê-me ele uma prova disso. Respondeu o médium, a sorrir: Olhe lá (Apontava com o dedo para uma parede que lhe ficava muito distante.) - O médico olhou e viu um cabide, ali dependurado num prego, mover-se vivamente para a direita e para a esquerda, como se uma mão invisível o empurrasse num e noutro sentido.

Aqui a afirmativa do médium é confirmada, corroborada por uma manifestação material podemos podido certificar-nos, pelos exemplos precedentes, que os fenômenos não se originam de uma exteriorização do médium, pois que o ser que se manifesta revela coisas que aquele ignora.

Não se pode igualmente invocar a transmissão do pensamento:

1 -. Porque os movimentos da mesa se produzem sem que o médium a toque, indicando esses movimentos, previamente anunciados, um nome em que os assistentes não pensam;

2 - Porque a transmissão do pensamento podia efetuar-se entre o magnetizador e o seu paciente, como o relata o Doutor Moroni, que não conseguiu fazê-lo pronunciar o nome Trapani, em que ele pensava energicamente (72). Com mais forte razão, não se pode conceber como haveria o médium de ler o pensamento dos assistentes, que lhe são por completo estranhos e com os quais não se põe em relações magnéticas.

Diante de tais fenômenos, a incredulidade, se é sincera, tem que depor as armas. Há indivíduos, porém, subjugados a tal ponto pelo orgulho, que se envergonhariam de confessar um erro. São retardatários, tanto pior para eles. Restam inúmeros pesquisadores sem idéias preconcebidas, para que tomemos a peito comunicar-lhes as nossas descobertas.

Basta, aliás, a quem quer que seja, prosseguir nestes estudos com o firme desejo de instruir-se, para estar certo de adquirir uma convicção racional, baseada em fatos pessoais. Sobejam os exemplos. Julgamos de bom aviso pôr sob as vistas do leitor caso recente, para mostrar que as manifestações se dão em todos os meios. Tudo está em saber e querer suscitá-las.

Tiptologia e vidência

Caro Senhor,

Ao regressar de Caen (73), fui passar alguns dias na casa de meu irmão em Meurchin, pequenos aldeia do Pas-de-Calais. Como minha família me sabe muito amante do Espiritismo, como me vê ditoso por lhe praticar os preceitos, mil perguntas me dirigem os seus membros constantemente sobre o assunto, perguntas a que respondo de modo a fazer que nasça nos que me ouvem o desejo de levantar uma ponta do véu que nos oculta os esplendores de além-túmulo.

Foi em virtude dessas palestras que meu irmão organizou uma reunião para a qual convidou seus amigos, honestos camponeses, que não se fizeram de rogado para assistir a ela. Havia uma quinzena de pessoas, todas escolhidas entrem a gente bem reputada da aldeia. Aguardando a hora marcada para a evocação, palestra-se um pouco. Cada um narra fatos mais ou menos singulares de que foi testemunha no curso de sua existência e que me permitem deduzir, incidentemente, a conclusão de que as manifestações espíritas são muito mais freqüentes do que se imagina.

Às oito horas, pus-me a ler algumas passagens de O Livro dos Espíritos, procurando atrair os bons Espíritos. Dirijo ao Todo-Poderoso uma curta invocação que os circunstantes ouvem em profundo recolhimento.

Três pessoas têm as mãos pousadas sobre uma mesa pequena, que, ao cabo de dez minutos, entra a mover-se.

P. – E um Espírito? Bata uma pancada para o sim e duas para o não.

R. - Sim.

P. - Queres dizer-nós o teu nome? Vou pronunciar as letras do alfabeto: bate no momento em que eu pronunciar a letra que desejes fique escrita.

R. - Maria José.

E minha mãe, exclama um dos assistentes, o Sr. Sauvage. acabo de ver-lhe o espectro diante de mim; mas, passou apense e logo desapareceu.

P, - Es, de fato, a mãe do Sr. Sauvage?

R. - Sim.

Baixa-se à luz, ficando, porém, bastante claridade para que possamos ver o que se passa. Sauvage declara, ao cabo de alguns minutos de espera, que está vendo muito distintamente sua mãe, falecida a 24 de maio de 1877.

P - Podes, perguntei ao Espírito, fazer que teu filho te ouça?

R. - Ela me acena com o dedo, diz o Sr. Sauvage. Não sei o que quer dizer... Ah! ouço-lhe a voz; ouço-a muito bem.

P. - Que diz ela?

R. - Ditosa; diz que é ditosa.

P. (Ao Espírito) - Não precisas que oremos por ti?

R. - Sim, isso sempre nos dá prazer. Estou fatigada, boa-noite, voltarei doutra vez. Logo depois dessa visão, a mesa se põe de novo em movimento. Dá pulos tão violentos que nos assustam.

Aumentada a luz, oramos em favor do Espírito que assim acusava a sua presença e pedimos a Deus, bem como aos nossos guias invisíveis, que continuassem a dispensar-nos seu amparo, a fim de que outras visões se produzissem.

Outro Espírito se anuncia pela mesa, dizendo-se o da primeira mulher do Sr. Grégoire, presente à sessão.

P. - Poderias mostrar-te ao Sr. Sauvage?

R. - Posso.

Após um instante de expectativa, o médium declara que vê uma mulher, com uma coifa branca e um lenço por cima. E a touca que usou na Bélgica durante a sua enfermidade, informa o Sr. Grégoire.

P. - Tens alguma coisa a dizer a teu marido?

R. - Não.Evidentemente, a presença da segunda esposa do Sr. Gregori vexa o Espírito.

P. - Conhece Sidonia Descatoire, minha mãe? perguntei ao Espírito.

R. - Conheço, ela está aqui a seu lado.

P. - Poderias pedir-lhe que se mostre ao médium? Muito gostaria de conversar com ela.

R. - O Espírito se afasta, diz o Sr. Sauvage, já não o vejo... Ah! Eis agora uma anciã.

P. - Como é ela?

R. - Bastante corpulenta. Rosto redondo, maçãs salientes e vermelhas, olhos pardos, cabelos castanhos, começando a encanecer. Ri, olhando para o senhor.

P. - E isso exatamente. Não lhe nota nenhum sinal no rosto?

R. - Sim, uma espécie do a que se dá o nome de beleza, aqui, diz, indicando a têmpora direita.

(Minha mãe tinha uma pequena mancha escura na têmpora esquerda; mas, como estava de frente para o médium, este via do lado direito a mancha.)

P. - Absolutamente certo. E mesmo minha mãe! Exclamei emocionado. Mãe querida é feliz?

R. - Muito feliz, diz o Sr. Sauvage, que ouve a voz de minha mãe e repete o que dela escuta.

P. - Costumas estar por vezes perto de mim?

R. - Quase sempre.

P. - Vês meu irmão Edmundo, aqui presente?

R. - Sua mãe se volta para o lado do Sr. Edmundo, diz o médium. Sorri. Parece encantada com esta entrevista.

P. - Após a desencarnação, custaste a recobrar a lucidez?

R. - Dois dias.

P. - Costumas ver Emília (minha falecida mulher) ?

R. - Vejo-a, sim. Ela, porém, não está aqui; acha-se mais longe.

P. - Posso contar que também ela venha comunicar-se?

R. - Virá, mais tarde.

P. - E meu pai?

R. - Está aqui.

Vejo um vulto por detrás de sua mãe, diz o médium, mas não o distingo bem. E um vulto gordo e alto.. . Ei-lo ao lado de sua mãe. Bastante corpulento. São dois bons velhos bem adequados um ao outro.

Um colóquio intimo se estabelece entre meus pais e mim. Comovemo-nos até às lágrimas meu irmão e eu. Não duvidamos da presença deles. O Sr. Sauvage não conhecia, não podia conhecer os nossos caros defuntos, que sempre viveram no Norte. Além disso, a sessão fora improvisada e realizada na mesma noite e o médium, que um momento antes ignorava possuísse a faculdade de que é dotado, de maneira nenhuma poderia prever quais as pessoas que se evocariam, nem a natureza das perguntas que lhes iam ser dirigidas. As expressões empregadas por meus pais, certas frases que lhes eram habituais, tudo constituía, para nós, outras tantas provas de identidade. Aliás, outros Espíritos se manifestaram, revelando coisas que só eles conheciam e algumas das pessoas presentes. Assim marido se apresentou e lembrou à esposa palavras que lhe dissera ao morrer e que a interessada declarou exatas.

Os Espíritos nos prometeram novos fenômenos, entre os quais um trazimento, que esperam poder mais tarde produzir.

Aquelas tocantes manifestações terminaram por unânimes agradecimentos ao Pai celestial que, logo numa primeira reunião, nos dera tão grande demonstração da sua bondade, prometendo todos praticar a filosofia espírita.

Foi considerável o efeito produzido sobre os assistentes. Sentia-se que uma revolução se produzira no íntimo de cada um. Homens, que até então nenhuma fé depositava no futuro do além-túmulo, se achavam presas de remorso e faziam em voz alta reflexões que uma hora antes teriam feito corassem, acusando-se de não haverem empregado o tempo em beneficio da Humanidade. Que acontecerá, quando toda gente se ocupar com esse gênero de estudo a quando todas as faculdades mediúnicas, agora latentes, estiverem em ação ?

Meurchin, 10 de outubro de 1896.

Luis Delatre

Telegrafista

A maioria dos assistentes fez questão de assinar este relato, em testemunho de ser a expressão da verdade:

Sauvage – Sr Avransart - Lohez Etienne - Sauvage - Rigolé - H. Avransart - E. Delattre - T. Sugo – Sr Grégoíre - Ernest Grégoire - C. Sauvage - C. Hoea.

Um belo caso de identificação

Há manifestações que não apresentam um caráter físico, material, mas que, nem por isso, são menos convincentes para quem as observa. A esse respeito, é muito instrutivo o caso seguinte. (74)

O Sr. Al. Delanne se achava em Cìmiez, perto de Nice, e lá se encontrou com o Sr. Fleurot (75), professor, e sua mulher, com os quais travara ele relações numa viagem anterior. A conversação cai sobre o Espiritismo e a Sr.a Fleurot narra o que se segue:

Pouco tempo depois de haverdes passado pela nossa cidade, meu marido e eu, ainda sob a impressão das narrativas que nos tínheis feito acerca das manifestações espíritas de que foi testemunha, compramos os livros de Allan Kardec. Eu ardia nó desejo de me tornar médium, mas a minha convicção se firmou, com exclusão dos processos da mesa ou da escrita.

Vai para perto de seis meses, vi em sonho diferentes personagens de destaque, a discutirem questões de alto alcance filosófico. Aproximo-me receosa e muito emocionada. Dirijo-me ao que me pareceu mais simpático.

- Consentiria, pergunto-lhe, em me esclarecer sobre um assunto importante, cuja solução ignoro? Que é feito da alma após a morte?

Ele, com bondoso sorriso, respondeu:

- A alma é imortal, não pode aniquilar-se nunca. A tua, neste instante, se acha no espaço, liberta momentaneamente dos entraves da matéria, gozando, por antecipação, da sua liberdade. Assim será sempre, desde que deixes definitivamente o teu corpo de carne, para viveres da nossa própria vida espiritual.

- Custa-me a crê-lo, repliquei, porquanto, se fósseis habitantes da erraticidade, já não teríeis o tipo humano, nem estaríeis vestidos semelhantemente aos homens.

Retrucou-me ele

- Se a ti nos apresentássemos sob uma forma inteiramente espiritualizada, tido terias apercebido da nossa presença, tampouco nos houveras reconhecido.

- Reconhecer-vos, dizeis? Nada, porém, me faz lembrar as vossas fisionomias e nenhuma recordação guarda de já vos ter visto alguma vez.

- Estás bem certa disso?

Então, que maravilha! aquele que me respondia foi de súbito banhado de claridade por uma intensa luz fluídica e, em pérolas elétricas, um nome se lhe formou por cima da cabeça e eu li, deslumbrada e encantada, o nome venerado de - Blaise Pascal.

De tal modo gravado se acha em mim o seu semblante, que jamais se me apagará da memória, enquanto eu viva. Como nunca, em parte alguma, me fora dado ver a fotografia do ilustre sábio, cuidei, ao despertar, de correr, juntamente com meu marido, a quem logo referi o meu singular sonho, às casas dos vendedores de estampas. Fomos à de Visconti, o mais afamado livreiro de Nice, para comprar o retrato de Blaise Pascal. Ele nos mostrou diversas gravuras representando o grande homem, porém, nenhuma reproduzia os traços do desconhecido que me falara. Ali estavam, com efeito, a sua figura cheia de nobreza, seus grandes olhos, o nariz aquilino, a cabeça coberta por soberba peruca ondulada; mas, em nenhuma daquelas imagens descobria eu a pequenina deformidade do lábio inferior, para a qual a minha atenção fora particularmente atraída durante a visão. O lábio era um pouco arregaçado, tal como se o defeito fosse conseqüência de um acidente qualquer, na mocidade.

O livreiro, experto, afirmou que já apreciara muitas gravuras com a fisionomia de Pascal e viram retratos seus pintados a óleo ou a aquarela, porém, jamais notara em nenhum o defeito que eu persistentemente assinalava.

Regressando a casa, eis que me reaparece o sorrisinho céptico do Sr. Fleurot. Isso me enraivecia a mim, que rejubilava a idéia de fazé-lo partilhar da minha convicção, oferecendo-lhe uma prova da identidade da personagem vista em sonho.

Repetidamente tornei a ver, durante o sono, o meu protetor, que me prometeu velar por mim durante o meu cativeiro terrestre e me explicar mais tarde à causa da afeição que votava à minha família. Ousei mesmo falar-lhe da pequena deformidade do lábio e lhe perguntei se, em vida, ela fora reproduzida nalgum de seus retratos.

- Foi, respondeu-me, nas primeiras fotografias minhas, publicadas pouco tempo após a minha morte.

- Ainda existe alguma? Dizei-me, eu vo-lo exoro. - Procura e acharás! ...

Refere a Sr.a Fleurot que, aproveitando as férias de seu marido, os dois vasculharam, em Marselha e Lião, todas as casas de negócio onde poderiam achar o que desejavam, sem que em nenhuma encontrassem o retrato revelador. Teve então o Sr. Fleurot a inspiração de ir a Clermont-Ferrand, onde viram coroada de êxito a perseverança que vinham demonstrando. Encontraram, em casa de um negociante de antiguidades, o verdadeiro retrato de seu ilustre amigo, com a real deformação do lábio inferior, tal qual a Sr.a Fleurot vira em sonho.

Por muitos títulos, é bastante instrutivo este relato. Em Primeiro lugar, firma a identidade do Espírito, pois que nenhum dos retratos existentes na cidade de Nice acusava o sinal característico que se encontrava no original, na terra de nascimento do autor das Provinciais. Em segundo lugar, há uma frase do Espírito digna de nota, a que intencionalmente sublinhamos: Se nos houvéramos apresentado a ti sob uma forma inteiramente espiritualizada, não nos terias visto, nem, ainda menos, reconhecido.

Comprova-se assim que tanto mais sutil e etéreo é o perispírito, quanto mais depurada está a alma. Com efeito, diz Allan Kardec que os Espíritos adiantados são invisíveis para os que lhes estão muito inferiores quanto ao moral; mas, essa elevação não obsta a que o Espírito retome o aspecto que tinha na Terra, aspecto que ele pode reproduzir com perfeita fidelidade, até nas mínimas particularidades. Assim como, no domínio intelectual, nada se perde, também nada desaparece do que há constituído a forma plástica, o tipo de um Espírito. Eis outro exemplo desse notável fenômeno.

O retrato de Vergílio

A Sra Lúcia Grange, diretora do jornal La Lumière (A Luz), extraordinário médium vidente no estado normal, viu o célebre poeta Vergílio tão distintamente, que pôde publicar-lhe o retrato em o número de 25 de setembro de 1884 da sua revista, onde o descreveu exatamente assim:

VERGILIO - Coroado de louros. Rosto forte, um tanto longo; nariz saliente, com uma bossa do lado; olhos azul-cinza-escuros; cabelos Castanhos-escuros. Revestido de longa túnica, tem todas as aparências de um homem robusto e sadio. Disse-me, quando se me apresentou, este verso latino que o lembra: Tu Marcellus eris.

Qualificaram de fantástico esse retrato. Tacharam de suspeito o Espírito, porquanto, diziam, muito provavelmente haviam de ser delicados os traços do meigo Vergílio, visto ter sido ele muito feminil, mais mulher do que uma mulher.

Que responder a tais críticas? Nada. Aconteceu, no entanto, que uma inesperada descoberta, veio dar razão à Sr.a Grange.

Recentemente, nuns trabalhos de reparação que se faziam em Sousse, encontrou-se um afresco do primeiro século, onde se vê o poeta em atitude de compor a Eneida. O que lhe revelou a identidade foi o poder-se ler, no rolo de papel aberto diante dele o oitavo verso do poema: Musa mihi causas memora. A gettue Encyclolédique de Larousse reproduziu esse trecho autêntico, pelo qual se reconhece que a descrição feita pelo médium se aplica exatamente ao grande homem, que nada em absoluto tinira de efeminado.

Este fato confirma o precedente, estabelecendo, pela observação, que o perispírito contém todas as formas que haja tido neste mundo.

Uma aparição

No caso que segue, é impossível atribuir-se a aparição a uma idéia preconcebida, pois o Espírito que se manifestou era Completamente desconhecido da senhora que o viu. Em virtude de circunstâncias diversas foi que se pôde saber quem era ele e verificar-lhe a identidade. Damos a palavra ao autor da narrativa (76)

Eích, 19 de junho de 1862.

Senhor,

Minha mulher absolutamente não acreditava nos Espíritos e eu não me preocupava com essa questão. Dizia ela, às vezes: Temo os vivos, mas de maneira alguma me receio dos mortos. Se eu soubesse que há Espíritos, desejaria vê-los, pois que nenhum mal me poderiam fazer e essa aparição me proporcionaria a confirmação do dogma cristão segundo o qual nem tudo se extingue conosco.

Vivíamos no campo. Em nosso quarto, situado ao norte, desde que o ocupáramos se tinham com freqüência produzido rumores estranhos, que nos esforçávamos por atribuir a causas naturais. Certa noite do mês de fevereiro do ano passado, a Sr` Mahon foi despertada por um contacto muito sensível em seus pés, como se, disse ela, lhe houvessem dado pequenas palmadas. E acrescentou Há alguém aqui. Depois, tendo-se virado para o lado esquerdo, entreviu, num canto escuro do quarto, qualquer coisa informe a se mover, o que a fez repetir: Afirmo-te que aqui está alguém.

Eu me achava deitado numa cama próxima da sua e lhe respondi: E impossível. Tudo está bem fechado e posso assegurar-te que não há pessoa alguma, porque, há uns dez minutos, estou acordado e sei que reina profundo silêncio. Enganas-te.

Entretanto, voltando-se para o lado oposto, ela viu distintamente, entre a cama e a janela, um homem alto, delgado, vestindo uma espécie de gibão justo, listrado, e com a mão direita erguida, em atitude de ameaça. Seu vulto se destacava bem, na meia obscuridade reinante. Diante dessa aparição, ela experimentou certo sobressalto, crente de que um ladrão se introduzira na casa, e me repetiu pela terceira vez: Há, sim, há alguém aqui. Ao mesmo tempo, sem perder de vista um só instante a aparição, que se conservava imóvel, cuidou de acender a vela.

Devo dizê-lo: era tal em mim a convicção de que minha mulher se achava sob o império de uma ilusão, em conseqüência de algum sonho; estava tão persuadido de que nenhuma pessoa estranha podia ter penetrado no nosso apartamento, no qual, aliás, o meu cão de guarda fizera a sua costumada ronda, após o jantar dos criados; era tão profundo o silêncio desde que eu despertara, que, embalado por essas idéias, não pensei em abrir os olhos. Se minha mulher me houvera dito: Vejo alguém, seria diverso, eu teria olhado imediatamente. Tal, porém, não se deu. Provavelmente, as coisas deviam passar-se do modo por que se passaram.

Seja como for, durante todo o tempo que ela gastou para acender a vela, a aparição lhe esteve presente. Desvaneceu-se com a luz. Ao ouvir-lhe a narrativa pormenorizada do que ocorrera, levantei-me. Percorri o apartamento inteiro. Nada. Consultei o relógio, eram quatro horas.

A partir de então, diversos fatos singulares se têm dado no apartamento: ruídos inexplicáveis, luzes vistam de fora, por mim, através das janelas do primeiro andar, quando todos se acham no andar térreo; desaparição súbita de moedas das minhas próprias mãos; pancadas, etc., etc. Mas, a aparição não se repetiu. Convém dizer que à noite conservávamos acesa uma lampadazinha.

Ultimamente, estando em Paris, a Sra Mahon perguntou à sonâmbula do Sr. Cahagnet se poderia dizer-lhe qual o Espírito que se lhe manifestara. A resposta foi esta:

Vejo-o... É um homem revestido da toga de juiz com amplas mangas. Objetou minha mulher não ter sido assim que ele se lhe apresentara. Pouco importa. Digo-lhe que é a ele que eu vejo. Tomou as vestes que mais lhe convinham. Quando vivo, foi juiz, muito demandista por natureza. Ao morrer, achava-se com a razão perturbada por motivo de um processo injusto que via quase perdida. Suicidou-se então nas cercanias de sua casa. Está errante. A senhora costumava dizer que tinha vontade de ver um Espírito ... Ele veio.

Essa explicação não satisfez bastante à Sra Mahon, para quem eram novos todos aqueles pormenores. Poucos dias depois do seu regresso ao Luxemburgo, encontrando-se na casa de umas pessoas às quais repetia a resposta que lhe dera a sonâmbula, todos os que a ouviam exclamaram: Mas, é o Sr. N..., que se afogou há muitos anos no lago ali perto. Era juiz... de caráter rabugento. Estava a pique de perder um processo contra um de seus sobrinhos... Tratava-se de prestar contas de tutela... Perdeu a cabeça... suicidou-se.

Exatamente o que dissera a sonâmbula.

Não lhe oculto que foi profunda a impressão em todos os presentes... Também não devo deixar de dizer-lhe que a Srs Mahon ignorava, como eu, essa história do juiz N... E, conseguintemente, a sonâmbula não poderia ler-lhe no espírito as particularidades precisas que revelou.

Entrego-lhe o fato e o autorizo a publicá-lo. Pelo que concerne à exatidão, afirmo-a sob a garantia da minha palavra.

EUGÊNIO MAHON Vice-Cônsul da França

Algumas reflexões

Eis, pois, levados, pouco a pouco, a comprovar que aquele corpo fluídico, entrevista na Antigüidade como uma necessidade lógica, é positiva realidade, atestada pelas aparições, tanto quanto pela visão dos sonâmbulos e dos médiuns.

Esses seres que vivem no espaço, isto é, ao nosso derredor, têm uma forma perfeitamente determinada, que permite sejam descritos com exatidão. Já não é lícita hoje qualquer dúvida acerca desse ponto, visto serem por demais numerosos os testemunhos de experimentadores sérios, para que se admita, numa discussão sincera, a negação pura e simples.

Resta inquirir se esse envoltório se constitui depois da morte, ou, o que é mais provável, se está sempre ligado à alma. É verdadeira esta última suposição, possível há de ser comprovar-se-lhe a existência durante a vida. E o que vamos fazer imediatamente, apelando, não mais para magnetizadores ou espíritas, e sim para investigadores inteiramente estranhos aos nossos estudos, para sábios imparciais, cujas verificações tanto mais valor terão, quanto nenhuma ligação guardem com qualquer teoria filosófica.

CAPÍTULO IV

O DESDOBRAMENTO DO SER HUMANO

SUMARIO: A Sociedade de Pesquisas Psíquicas. - Aparição espontânea. - Goethe e seu amigo. - Aparições múltiplas do mesmo paciente. - Desdobramento involuntário, mas consciente. - Aparição tangível de um estudante. - Aparição tangível em momento de perigo. - Duplo materializado. - Aparição falante. - Algumas observações. - O Adivinho de Filadélfia. - Santo Afonso de Liguori

.

Todas as teorias, por muito sedutoras que sejam, precisam apoiar-se em fenômenos físicos, sem o que não podem ser tidas senão como produtos brilhantes da imaginação, sem valor positivo.

Quando os espíritas proclamam que a alma está sempre revestida de um envoltório fluídico, tanto no curso da vida, como depois da morte, ficam no dever de provar que suas asserções têm fundamento. É por sentirmos imperiosamente essa necessidade que vamos expor certo número de casos de desdobramento do ser humano, extraídos do grande acervo que já eles constituem, mas que não podemos apresentar todo, dentro do quadro restrito que nos traçamos.

Em livro anterior a este (77), citamos alguns casos de bícorporeidade, mas, nessa matéria, não há que temer a multiplicação dos exemplos, a fim de impor a convicção. Ao demais, nessas narrativas, circunstâncias características se nos depararão, que evidenciam a imortalidade da alma e as propriedades desse corpo imponderável cujo estudo empreendemos.

A Sociedade de Pesquisas Psíquicas

O cepticismo contemporâneo foi violentamente abalado pela conversão dos mais consideráveis sábios da nossa época ao Espiritismo. A invasão do mundo terrestre pelos Espíritos se produziu mediante manifestações tão espantosas, realmente, para os incrédulos, que homens sérios se puseram a refletir e resolveram estudar por si mesmos os fatos anormais, como: a transmissão do pensamento a distância e sem contacto entre os operadores, a dupla vista, as aparições de vivos ou de mortos, fatos estes lançados, até então, ao rol das superstições populares.'

Sob o influxo dessas idéias, fundou-se na Inglaterra uma Sociedade de Pesquisas Psíquicas (78), cujos trabalhos conquistaram para logo grande autoridade, justamente pela precisão, pelo escrúpulo e pelo método com que os pesquisadores se entregaram a essa grande investigação. Os principais resultados, obtidos desde há dez anos, foram consubstanciados pelos Srs. Myers, Gurney e Podmore em dois volumes intitulados: Phantasms of the living (Fantasmas dos vivos) e as observações diariamente feitas são relatadas em resenhas que se publicam todos os meses, sob o nome de Proceedings.

Da Sociedade britânica brotaram um ramo americano e um francês. Na França, foram membros seus, correspondentes, notoriamente, os Senhores Baunis, Bernheim, Ferré, Pierre Janet, Liébault, Ribot e Richet. O Sr. Marillier, mestre de conferencias na Escola de Altos Estudos, fez uma tradução resumida dos Phantasms of the living, sob o titulo impróprio de - As alucinações telepáticas. É a esse livro que vamos tomar a maior parte dos novos testemunhos que apresentaremos e que tornam evidente a dualidade do ser humano. (79)

Grande reconhecimento devem os espíritas aos membros da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, porquanto longos anos os passaram a colecionar observações, bem comprovadas, de aparições de todos os gêneros. Os casos todos foram submetidos a severos exames, tão completos quanto possível, certificados ou pelas testemunhas efetivas, ou pelos que deles se inteiravam por intermédio dessas testemunhas. Dados o alto valor dos Investigadores, as precauções que tomaram para eliminar as causas de erros, achamo-nos em presença de considerável coletânea de documentos autênticos, sobre os quais podemos assentar os nossos estudos.

As experiências tiveram por objeto, primeiramente, verificar a possibilidade de duas inteligências transmitirem uma à outra seus pensamentos, sem qualquer sinal exterior. Obtiveram-se resultados notáveis (80) e essa ação de um espírito sobre outro, sem contacto perceptível, foi denominada Telepatia. Mas, de pronto, o fenômeno assumiu outro aspecto: desenvolveu-se a tal ponto, que alguns operadores, em vez de apenas transmitirem seus pensamentos, se mostraram aos que tinham de recebê-los, havendo, pois, verdadeiras aparições.

Como poderiam tais fatos ser explicado? Não sendo espíritas, não admitindo a existência da alma qual a define o Espiritismo, viram-se constrangidos os experimentadores a formular uma hipótese. Adotaram esta: o paciente impressionado não tem uma visão real, mas, apenas, uma alucinação, isto é, imagina ver uma aparição, como se visse uma pessoa comum, não sendo exterior o fantasma, não existindo senão no cérebro do aludido paciente. A visão é subjetiva, ou seja, interna e não objetiva. Entretanto, essa ilusão psíquica coincide com um fato verdadeiro: a ação voluntária do operador. Daí o lhe chamarem alucinação verídica ou telepática.

Como se multiplicassem as observações, notaram em seguida que a vontade consciente do agente (81) não era necessária e que um indivíduo podia aparecer a outro, sem desígnio previamente determinado. São essas coincidências, entre uma visão e um acontecimento verídico ligado à mesma visão, que constituem a maioria dos depoimentos registrados nos Phantasms of the living.

Se nos fosse possível passar em revista todos os fenômenos de ações telepáticas referidas nos dois livros citados e nos Proceedings, fácil nos seria demonstrar que a hipótese da alucinação não é absolutamente de molde a explicar todos os fatos. Podemos, com o grande naturalista Alfred Russel Wallace (82), destacar dessas narrativas cinco provas da objetividade de algumas de tais aparições:

1 - A simultaneidade da percepção do fantasma por muitas pessoas;

2.- Ser, a aparição, vista por diversas testemunhas, como se ocupasse diferentes lugares, por efeito de um movimento aparente; ou, então, ser vista no mesmo lugar, sem embargo do deslocamento do observador;

3 - As impressões que os fantasmas produzem nos animais;

4 - Os efeitos físicos que a visão produz;

5 - Poderem as aparições ser fotografada, ou terem-no sido, quer fossem visíveis, quer não, às pessoas presentes.

A teoria da alucinação telepática, provocada ou espontânea, só foi imaginada, cremos, para não chocar muito de frente as idéias preconcebidas do público, ainda pouco familiarizado coro estes fenômenos naturais, mas que apresentam um lado misterioso, devido a se produzirem de improviso e às circunstâncias graves em que geralmente se dão. Vejamos, com efeito, as reflexões do Sr. Gurney, redator dos Phantasms. (83)

Perguntar-se-á, porventura, se nos assiste o direito de estabelecer qualquer ligação entre os resultados experimentais que temos discutido (transmissão de pensamento) nos precedentes capítulos e os fenômenos que acabamos de descrever (aparições de experimentadores). Já eu disse que eram fenômenos de transição, capazes de permitir se passe dos de transmissão experimental do pensamento aos casos de telepatia espontânea. Mas, poder-se-ia objetar que há um abismo intransponível entre os fenômenos ordinários de transmissão de pensamento e essas aparições do agente (84). A diferença radical consiste em que o objeto que aparece não é aquele sobre o qual se concentrara o pensamento do operador. Nos casos que vimos de estudar, o agente não pensava em si próprio, no seu contorno visível. O aspecto exterior de uma pessoa ocupa lugar relativamente pequeno na idéia que ela faz de si mesma; entretanto, o que o paciente percebe é somente esse aspecto exterior. Com essa mesma dificuldade. Esbarraremos. Nos casos de telepatia espontânea; enquanto a impressão produzida no espírito do paciente for apenas a reprodução de uma imagem ou de uma idéia que exista no espírito do agente, pode-se conceber um fundamento fisiológico para os fenômenos de transmissão de pensamento. Mas, a interpretação dos fatos se torna muito mais difícil, quando o que aparece ao paciente já não é a imagem que o agente tem diante dos olhos.

A... morre e aparece a B... que se acha a grande distância dele. Não podemos descobrir nenhuma ligação entre esses dois fenômenos, pelo menos no domínio da consciência clara. Poderíamos, entretanto, conceber a ação do agente sobre o paciente, fazendo intervir os fenômenos inconscientes. Mas, talvez seja melhor reconhecer a dificuldade e dizer que, na aproximação que tentamos entre a transmissão experimental do pensamento e a telepatia espontânea, unicamente levam em conta o aspecto fisiológico dos fenômenos.

São de todo legítimos os escrúpulos do Sr. Gurney; a leitura dos Proceedings amplamente os justifica. A transmissão do pensamento, aliás, difícil de produzir-se, é um fato relativamente simples, em face do com que nos ocupamos. Pode-se, com efeito, verificar, em se procedendo a uma série longa de experiências, que, quase sempre, o número de vezes em que se obtém a adivinhação exata de um algarismo, pouco acima fica do que é indicado pelo cálculo das probabilidades. Uma figura geométrica ainda mais difícil é de ser percebida pelo paciente e, para que ordens mentais se cumpram, é preciso, as mais das vezes, que, como quando se trata da transmissão de sensações, as pessoas submetidas à experiência se achem mergulhadas em sono hipnótico.

Vê-se, pois, que há um abismo entre essas modalidades rudimentares de uma inteligência influenciada por outra e as aparições, fenômeno este complexo, que põe em jogo as faculdades do espírito.

Todavia, em certos casos, pode sustentar-se que a aparição é uma alucinação pura e simples, produzida pelo pensamento do agente. As circunstâncias que acompanham a visão é que devem servir de critério para julgar-se da objetividade da aparição.

Aliás, examinando os fatos, apreciaremos o fundamento da explicação alucinatória. Na impossibilidade de citar todos os casos, tomaremos um exemplo em cada classe de fenômenos, recomendando ao leitor, para mais amplas informações, os documentos originais.

Aparição espontânea

A Sra Pole Carew, de Antony, Torpoínt, Devonport, nos enviou o relato seguinte (85)

31 de dezembro de 1883

Em outubro de 1880, lorde e lady Waldgrave vieram com a sua criada de quarto, a escocesa Helena Alexander, passar alguns dias em nossa casa. (A narrativa diz como descobriram que Helena fora atacada de febre tifóide.) Ela, contudo, não parecia muito doente e, como ninguém julgasse haver qualquer perigo e lorde e lady Waldgrave tinham de partir no dia seguinte (quinta-feira) para uma longa viagem resolveram deixá-la aos cuidados da amiga que os hospedara.

A enfermidade seguiu seu curso habitual e Helena parecia ir muito bem, até ao domingo da semana seguinte. O médico me disse então que a febre a deixara, mas que o seu estado de fraqueza o inquietava muito. Mandei vir imediatamente uma enfermeira, não obstante haver em casa a minha criada de quarto Reddell, que, muito dedicada a Helena, cuidara dela durante toda a enfermidade. Entretanto, como a enfermeira não pudesse vir no dia imediato, eu disse a Reddell que ainda por aquela noite tomasse conta de Helena, a fim de lhe administrar o remédio e os alimentos. Com efeito, era necessário alimentá-la freqüentemente.

Por volta das 4 horas e meia dessa noite, ou, antes, na madrugada de segunda-feira, Reddell consultou o relógio, deitou a poção num cálice e se debruçava sobre a cama de Helena para lhe dar o remédio, quando a campainha da porta de entrada tocou. Disse ela para consigo: Lá está essa aborrecida campainha com os fios baralhados. (Ao que parece, a campainha já tocara algumas vezes desse modo, sozinha.) No mesmo instante, porém, ouviu abrir-se a porta e, como lançasse o olhar em torno de si, viu entrar uma velha muito gorda, vestindo uma camisola de dormir e uma saia de flanela vermelha e trazendo na mão um castiçal de cobre, de modelo antigo, com uma vela acesa. Havia um buraco na saia da mulher. Esta entrou no quarto e fez menção de encaminhar-se para o toucador, a fim de colocar ali o castiçal. Era inteiramente desconhecida de Reddell que, todavia, pensou imediatamente fosse a mãe de Helena que vinha visitá-la. Notou que a velha tinha um ar de enfado, talvez porque não na houvessem prevenido mais cedo. Reddell deu a poção a Helena e, quando se voltou, a aparição se sumira, estando fechada à porta. Nesse meio tempo, o estado de Helena piorara muito e Reddell me foi chamar. Mandei buscar o médico e, enquanto o esperávamos, aplicamos cataplasmas quentes na enferma; mas... esta morreu, pouco antes de chegar o doutor. Meia hora antes de falecer, estava perfeitamente lúcida. Morta, parecia apenas adormecida.

Logo em começo da sua enfermidade, Helena escrevera a uma de suas irmãs. Dizia na carta não se sentir bem, mas sem insistir nisso. Como nunca falara senão de sua mãe, todos da nossa casa, para quem ela era inteiramente estranha, supunham que não tivesse outros parentes vivos. Reddell se lhe oferecia sempre para escrever em seu lugar; respondia que não precisava, que dentro de um ou dois dias escreveria com sua própria mão. Ninguém, pois, da sua família a sabia tão doente, pelo que é muito de notar-se que sua mãe, nada nervosa, haja dito aquela noite, quando se ia deitar: Tenho a certeza de que Helena está muito doente.

Reddell me falou da aparição, assim como à minha filha, cerca de uma hora após a morte de Helena. Não sou supersticiosa, nem nervosa, disse-nos, ao principiar a narrativa do caso, e não me assustei nem um pouquinho. O certo, porém, é que sua mãe veio aqui à noite passada. E contou, então, toda a história, descrevendo com precisão a figura que vira.

Os parentes foram avisados, para que pudessem assistir aos funerais. Vieram a mãe e o pai, bem como a irmã, e Reddell reconheceram naquela a velha que lá estivera. Eu, a meu turno, a reconheci, tão exata fora à descrição feita, com a mesma expressão fisionômica que Reddell indicara, devida, não à inquietação, mas à surdez. Acharam todos que não se lhe devia falar do fato; mas, à irmã, Reddell referiu tudo, dizendo-lhe aquela que a sua descrição correspondia com muita exatidão às vestes que sua mãe teria posto, se levantasse durante a noite; que na sua casa havia um castiçal em tudo semelhante ao da aparição; que existia um buraco na saia de sua mãe, buraco esse devido à maneira por que ela punha aquela peça do vestuário. E curioso que nem Helena, nem sua mãe parecem ter-se apercebido da visita. Em todo caso, nenhuma jamais disse haver uma aparecida à outra, nem sequer em sonho.

F. A. POLÉ CAREW.

Francis Reddell, cuja narrativa confirma a da Sra Pole Carew, declara que jamais vira outra aparição. A Sra a Lyttleton, do Colégio Selwyn, Cambridge, que a conhece, diz que ela parece uma pessoa muito positiva (matter of fact) e que o que acima de tudo a impressionara fora o ter visto, na saía de flanela da mãe de Helena, um buraco feito pela barbatana do espartilho, buraco que notara na sala da aparição.

Aqui de novo se nos depara um caráter comum a todas as aparições de pessoas vivas e que temos assinalado nas descrições que de Espíritos os pacientes de Cahagnet hão feito, o de trazerem sempre um vestuário. Em face da dualidade do ser humano, pode-se admitir que a alma se desprende e atua longe do seu envoltório, mas não é evidente que as vestes tenham um forro fluídico e que se possam deslocar como o fantasma do vivo. Outro tanto ocorre dizer dos objetos que se apresentam ao mesmo tempo em que a aparição

No relato acima, vemos a mãe de Helena vestida com uma saia vermelha, semelhante à que costumava usar e, ainda mais, trazendo na mão um castiçal de forma particular, cuja descrição a irmã da morta reconhece exata. Tem-se que procurar saber como é que o duplo humano opera para se mostrar e para fabricar suas vestes, bem como os utensílios de que se serve. Isto constituirá objeto de estudo especial, que faremos quando houvermos apreciado todos os casos.

A narração precedente nos coloca diante de um exemplo bem positivo de desdobramento. Reddell se acha completamente acordada; ouve tocar a campainha da entrada e a porta abrir-se; vê a mãe de Helena andar no quarto, dirigindo-se para o toucador. São fatos demonstrativos de que ela se encontra no seu estado normal, de que todos os seus sentidos funcionam como de ordinário e que não há cabimento, no caso, para uma alucinação. A aparição é tão real que a criada de quarto faz dela à sua ama uma descrição minuciosa, reconhecendo ambas, mais tarde, a mãe de Helena, a quem, antes, nunca tinham visto.

Que dizem de tal caso os redatores de Fantasmas? Como se sabe, segundo a tese que eles adotaram, não há aparição, mas apenas visão interior, produzida pela sugestão de um ser vivo (chamado agente) sobre outra pessoa que experimenta a alucinação. Qual aqui o agente? Na edição francesa há a seguinte nota:

Pode-se perguntar qual foi o agente verdadeiro. A mãe de Helena? Seu estado, porém, nada tinha de anormal; ela apenas sentia certa inquietação pela filha; não conhecia a Sr# Reddell. A única condição favorável é que os espíritos de ambas se preocupavam então com a mesma coisa. E também possível que o verdadeiro agente fosse Helena e que, durante a sua agonia, tenha tido diante dos olhos uma imagem viva de sua mãe.

Afigura-se-nos que estas reflexões de maneira nenhuma se casam com as circunstâncias da narrativa. Para que uma alucinação se produza, necessário é que certa relação se estabeleça entre o agente e o percipiente, ou seja, aqui, entre Reddell e a mãe de Helena. Ora, afirma-se que elas absolutamente não se conhecem. Logo, a segunda não é o agente. Será Helena? Não, pois que a Sr.a Pole Carew diz formalmente que a enferma não viu sua mãe. Aliás, como a imagem desta última teria podido abrir a porta da casa, fazendo tilintar à campainha, e abrir também a do quarto onde se achava a doente? As sensações auditivas não são mais alucinatórias do que as sensações visuais. Ora, a absoluta veracidade destas é reconhecida pela descrição exata da fisionomia da velha, pela da saia, com o buraco devido à barbatana, e pela do castiçal de forma singular. Não houve, pois, alucinação, mas aparição verdadeira.

Entende o redator que, para dar-se o desprendimento da alma, é necessário um acontecimento anormal. É uma opinião arriscada, porquanto, nos casos seguintes, veremos que o sono ordinário basta às vezes para permitir o desprendimento da alma.

Comprovaremos que o duplo é a reprodução exata do ser vivo; também notaremos que o corpo físico do agente se acha imerso em sono, durante a manifestação. Veremos que esse é o caso mais geral. A edição inglesa contém oitenta e três observações análogas.

Goethe e seu amigo

Wolfgang Von Goethe, que por uma tarde chuvosa de verão saíra a passeio com seu amigo K..., voltava com ele do Belvedere, em Weimar. De repente, o poeta pára, como se estivesse diante de uma aparição, e se dispõe a falar-lhe. K... de nada se apercebera. Súbito, exclama o poeta: Meu Deus! Se eu não tivesse a certeza de que neste momento o meu amigo Frederico está em Frankfurt, juraria que é ele!...Em seguida, solta uma gargalhada: - Mas, é ele mesmo... o meu amigo Frederico!. Tu, aqui em Weimar?. Por Deus, meu caro, em que trajes te vejo... com o meu chambre... meu boné de dormir... calçando minhas chinelas... aqui em plena rua? ... K..., Como ficou dito acima, nada absolutamente via de tudo aquilo e se espantou, crente de que o poeta fora atacado de repentina loucura. Goethe, porém, preocupado tão-só com a sua visão, exclama, abrindo os braços: Frederico! Onde te meteste?... Grande Deus! Meu querido K... não viste onde se meteu a pessoa que acabamos de encontrar? - K. . . Estupefato, não respondeu. Então, o poeta, depois de dirigir o olhar para todos os lados, diz em tom de quem divaga: Ah! Sim, compreendo... foi uma visão... Qual, no entanto, será a significação de tudo isto?....

Teria o meu amigo morrido repentinamente? ... Seria seu Espírito o que vi?...

Dentro em pouco Goethe chegava a casa e lá encontrou Frederico... Os cabelos se lhe eriçaram: Afasta-te, fantasma! bradou, recuando, pálido como um cadáver. - Então, meu caro, é esse o acolhimento que dispensas ao teu mais fiel amigo?...— Ah! Exclamou o poeta a rir e a chorar ao mesmo tempo, agora, sim, não é um Espírito, mas um ser de carne e osso.E os dois se abraçaram efusivamente.

Frederico chegara todo molhado da chuva a casa de Goethe e vestira as roupas do amigo. A seguir, adormecera numa poltrona e sonhara que fora ao encontro do poeta e que este o interpelara assim: Tu, aqui em Weimar?... Quê!... com o meu chambre... meu boné de dormir... e minhas chinelas, em plena rua?... - Desde esse dia, o grande poeta acreditou noutra vida após a terrena. (86)

Estamos aqui em presença de uma espécie de alucinação telepática, pois que somente Goethe vê o fantasma. Aquela imagem, porém, é exterior, não se lhe alojou no cérebro, como aconteceria, se tratara de uma verdadeira alucinação, dado que, pelo testemunho de Frederico, este fora em sonho ao encontro do amigo. O que atesta que a sua exteriorização foi objetiva é que as palavras por ele ouvidas eram exatamente as que o Ilustre escritor pronunciou. Vemos que o que Frederico toma por um sonho é a lembrança de um fato real, ocorrido durante o seu sono; sua alma se desprendeu, enquanto seu corpo repousava, ouviu e guardou as palavras de Goethe.

Façamos, a propósito, uma observação muito importante. Se Frederico não se lembrasse do que ocorrera enquanto ele dormitava, os membros da Sociedade de Pesquisas Psíquicas teriam concedido que houvera uma ação da consciência subliminal do mesmo Frederico, isto é, a intervenção de uma personalidade segunda desse paciente. Ora, parece evidente, aqui, que quem age é sempre a mesma personalidade, pois tem consciência do que se passou. Pode acontecer, entretanto, que nem sempre o agente se lembre do que fez, enquanto seu corpo repousava. Esta perda da lembrança não basta, porém, para autorizar os psicólogos, ingleses e franceses, que hão tratado destas questões (87), a concluir que há em nós duas personalidades que coexistem, ignorando-se mutuamente.

A única indução que se nos afigura logicamente licita é a de admitir-se que a nossa personalidade ordinária - a do estado de vigília - é distinta da personalidade durante o sono, por uma certa categoria de lembranças que, ao despertar, deixam de ser conscientes. Não há duas individualidades no mesmo ser, mas apenas dois estados diferentes de uma mesma individualidade.

As narrativas que se seguem - extraídas do depoimento dado a 15 de maio de 1869 pelo Sr. Cromwel Varley, engenheiro-chefe das linhas telegráficas da Inglaterra, perante a Comissão da Sociedade Dialética de Londres - são típicas no máximo grau. Mostram as relações exatas que existem entre uma individualidade quando a dormir e quando desperta.

Depoimento de Cromwel Varley

Engenheiro-chefe das linhas telegráficas da Inglaterra

Aqui está um quarto caso em que sou o ator principal (88). Tinha eu feito algumas experiências sobre a fabricação da faiança, e os vapores de ácido fluoridrico, empregado em larga escala, me haviam causado uma enfermidade da garganta. Fiquei seriamente doente, sucedendo-me amiúde ser despertado por espasmos da glote. Fora-me recomendado ter sempre à mão éter sulfúrico para aspirá-lo e obter alivio pronto. Seis ou oito vezes me vali desse recurso, mas, o odor dessa substância me era tão desagradável, que acabei por preferir o clorofórmio. Colocava-o ao lado da cama e, quando precisava servir-me dele, tomava no leito uma posição tal que, em sobrevindo à insensibilidade, eu caia para trás, enquanto a esponja rolava para o chão. Uma noite, porém, tombei de costas na cama, retendo a esponja, que se me conservou aplicada à boca.

A Sr Varley estava noutro quarto por cima do meu, dando alimento a um filho enfermo. Ao cabo de alguns instantes, percebi a situação em que me achava: via minha mulher no aposento superior e me via a mim mesmo deitado de costas com a esponja sobre a boca e impossibilitado de fazer qualquer movimento. Empreguei toda a minha vontade em lhe fazer penetrar no espírito urra clara noção do perigo em que me encontrava. Ela despertou, desceu, afastou a esponja e ficou aterrada. Fiz os maiores esforços para lhe falar e disse: Vou esquecer tudo isto e ignorarei o que se passou, se não mo recordares pela manhã. Não deixes, porém, de me dizer o que foi que te fez descer e, então, serei capaz de me lembrar de todos os pormenores. Na manhã seguinte, ela fez o que lhe eu recomendara, mas, no primeiro momento, de nada me pude recordar. Entretanto, pelo dia todo empreguei os maiores esforços e cheguei, afinal, a me lembrar de uma parte do ocorrido e, mais tarde, da totalidade dos fatos. Meu Espírito se achava no quarto superior perto da Sr Varley, quando a tornei consciente do perigo em que me via.

Este caso me facilitou compreender os meios de comunicação dos Espíritos. A Sr Varley viu o que meu Espírito pedia e teve as mesmas impressões. Um dia, havendo caído em transe, disse-me ela: Atualmente, não são os Espíritos que te falam: sou eu mesma e me sirvo do meu corpo de maneira idêntica à que os Espíritos empregam, quando falam pela minha boca.

Em 1860, observei outro fato. Acabava eu de estender o primeiro cabo atlântico. Chegando a Halifax, meu nome foi telegrafado para Nova York. O Sr. Cyrus Fied transmite a noticia para St. John e para o Havre, de sorte que por toda parte fui cordialmente recebido e no Havre encontrei preparado um banquete. Pronunciaram-se muitos discursos, de modo que a festa se prolongou bastante. Eu tinha que tomar o vapor que partia na manhã seguinte e estava preocupado com a possibilidade de não despertar a tempo. Empreguei então um meio que sempre me dera bom resultado: o de formular energicamente, para comigo mesmo, à vontade de acordar com a necessária antecedência. Chegou à manhã e eu me via profundamente adormecido na cama.

Tentei despertar-me, mas não pude. Ao cabo de alguns instantes, estando a procurar os meios mais enérgicos de conseguir o que queria, dei com um pátio onde havia uma pilha de madeiras, da qual dois homens se aproximavam. Subiram na pilha e retiraram uma prancha pesada. Ocorreu-me então a idéia de provocar em mim mesmo o sonho de que uma bomba me fora lançada, a qual, depois de sibilar ao sair do canhão, estourava e me feria na face, no momento preciso em que os homens, de cima da pilha, atiravam ao chão a prancha que haviam apanhado. Isso me despertou, deixando me a lembrança nítida dos dois atos, o primeiro dos quais consistindo na ação do meu ser intelectual a ordenar ao meu cérebro que acreditasse na realidade de ilusões ridículas, provocadas pelo poder da vontade da inteligência. Quanto ao outro ato, não perdi um segundo em saltar da cama, abrir a janela e verificar que o pátio, a pilha de madeiras e os dois homens eram tais quais o meu espírito os vira. Antes, nenhum conhecimento eu tinha do local; era noite quando, na véspera, cheguei àquela cidade e não sabia absolutamente que havia ali um pátio. E inegável que meu Espírito viu tudo isso, enquanto meu corpo jazia adormecido. Era-me impossível ver a pilha de madeiras sem abrir a janela. (89)

Em a narrativa a que passamos, temos uma mesma pessoa a se desdobrar em várias ocasiões, sem nenhuma participação sua consciente nos fatos.

Aparições múltiplas do mesmo paciente

Sra Stone, Shute Haye, Waldich, Brídport. (90)

X... 1883.

Fui vista três vezes, quando em realidade não me achava presente, e de cada vez por pessoas diversas. Da primeira, foi minha cunhada quem me viu. Ela me velava o sono, após o nascimento de meu primeiro filho. Dirigindo o olhar para a cama onde eu dormia, viu-me distintamente e, ao mesmo tempo, o meu duplo. Viu, de um lado, o meu corpo natural e, de outro, a minha imagem espiritualizada e tênue. Fechou várias vezes os olhos; mas, reabrindo-os via sempre a mesma aparição. Ao cabo de algum tempo, dissipou-se a visão. Pensou fosse um sinal de minha morte próxima, pelo que só muitos meses depois vim, a saber, do fato.

A segunda visão teve-a uma sobrinha, que morava conosco em Dorchester. Era uma manhã de primavera. Abrindo a porta de seu quarto, ela me viu subindo a escada que lhe ficava em frente, com um vestido preto, de luto, uma gola branca e um gorro também branco. Era esse o meu traje habitual, por estar de luto de minha sogra. Ela não me falou, mas me viu e julgou que eu fosse ao quarto de meu filho. Ao almoço, disse ao tio: Minha tia se levantou hoje muito cedo; eu a vi no quarto do filho. - Oh! Não, Jane, respondeu meu marido; ela não se sentia muito bem, tanto que vai almoçar no quarto, antes de descer.

O terceiro caso foi o mais notável. Tínhamos uma casinha em Weymouth, aonde íamos de tempos a tempos gozar da vizinhança do mar. Quando lá estávamos, éramos servidos por uma certa Sr Samways que, quando não estávamos, tomava conta da casa. Mulheres agradáveis e calmas, dignas de toda confiança, era tia da nossa estimada e antiga criada Kitty Balston, então conosco em Dorchester. Kitty escrevera à tia na véspera da visão, comunicando-lhe o nascimento do meu filho mais moço e dizendo que eu ia bem.

Na noite seguinte, a Sra Balston foi a uma reunião de preces, próximas a Clarence Buildings. Ela era batista. Antes de partir, fechou umas portas interiores, que dava para uma pequena área atrás da casa; fechou também a porta da rua e levou no bolso as chaves. Ao regressar, abrindo a porta da rua, percebeu uma luz no extremo do corredor. Aproximando-se, viu que a porta da área estava aberta. A luz clareava todos os recantos da área e eu me achava no centro desta. Ela me reconheceu distintamente: estava eu vestida de branco, muito pálida e com semblante fatigado. Apavorada, deitou a correr para a casa de um vizinho (a do capitão Court) e desmaiou em caminho. Quando voltou a si, o capitão Court a acompanhou até a nossa casa, que se encontrava tal qual ela a deixara, com a porta da área hermeticamente fechada. Nessa ocasião, eu me achava muito fraca e passei várias semanas entre a vida e a morte.

Da narrativa desta senhora, deduz-se que a sua saúde deixava muito a desejar e que era quando ela se achava de cama que sua alma se desprendia. Para que a hipótese da alucinação pudesse explicar essas aparições a três pessoas que se não conheciam umas às outras e em épocas diferentes, fora mister supor na Sra. Stone um poder alucinatório que ela exercia a seu mau grado; mas, ainda assim, não se compreenderia como a Sra a Balston, muito distante, pudera ser por ela influenciada. Parece-nos que o desdobramento explica mais claramente os fatos, pois que, noutra circunstância, sua cunhada lhe via muito distinta e simultaneamente o corpo material e o corpo fluídico.

Notemos também que a visão do duplo pela cunhada não é subjetiva, porquanto ela fecha os olhos repetida vezes, desaparecendo a visão nesses momentos, para se tornar de novo perceptível, logo que de novo os reabre.

Uma imagem alucinatória constituída no cérebro não lhe geria invisível quando estivesse com os olhos fechados.

Essas mesmas observações se aplicam às aparições daquela senhora: semelhança completa entre a forma física e o fantasma e repouso do organismo durante a manifestação.

Desdobramento involuntário, mas consciente

O paciente é um moço de cerca de trinta anos, talentoso artista gravador. (91)

Há poucos dias, diz ele, entrava eu em casa, à noite, por volta das l0 horas, quando me senti presa de estranha lassidão, que não sabia explicar. Resolvido, entretanto, a não me deitar imediatamente, acendi o lampião e coloquei-o sobre a mesa-de-cabeceira, perto da cama. Tomei de um charuto, cheguei-lhe a chama do meu isqueiro e tirei algumas baforadas. Depois, estendi-me num canapé.

No momento em que, negligentemente, me deitava, procurando apoiar a cabeça na almofada do sofá, notei que os objetos em volta giravam. Experimentei um como atordoamento, um vazio. Em seguida, bruscamente, achei-me transportado ao meio do aposento. Surpreso com esse deslocamento, de que não tivera consciência, olhei ao meu derredor e o meu espanto então chegou ao auge.

Para logo, vi-me estendido no sofá, molemente, sem rigidez, apenas com a mão esquerda erguida acima de mim, com o cotovelo apoiado e segurando o charuto aceso, cuja claridade se percebia na penumbra produzida pelo quebra-luz da minha lâmpada. A primeira idéia que me veio foi a de que, sem dúvida, eu adormecera e que experimentava a sensação de um sonho. Contudo, reconhecia que nunca tivera sonho semelhante e que me parecesse tão intensivamente uma realidade. Direi mais: tinha a impressão de que jamais estivera tanto na realidade. Por isso, ao verificar que não podia tratar-se de um sonho, o segundo pensamento que se me apresentou de súbito à imaginação foi a de que morrera. Ao mesmo tempo, lembrei-me de ter ouvido dizer que há Espíritos e acudiu-me a idéia de que me tornara Espírito. Tudo o que eu pudera aprender a esse respeito longamente se desenrolou, diante da minha visão interior, mas em menos tempo do que é preciso para pensá-lo. Lembro-me muito bem de haver sido tomado de uma como angústia e de pesar pela falta de acabamento de algumas coisas. Minha vida se me apresentou como uma fórmula.

Aproximei-me de mim, ou, antes, do meu corpo, ou daquilo que eu supunha fosse o meu cadáver. Chamou-me de pronto a atenção um espetáculo que não compreendi: vi-me a respirar e, ainda mais, vi o interior do meu peito e o meu coração a pulsar lento, com pancadas fracas, mas com regularidade. Nesse momento, compreendi que devera ter tido uma sincope de gênero especial, a menos que os que têm sincopes, pensei de mim para mim, não se recordem, durante o desmaio, do que lhes sucedeu. Temi, então, não mais me lembrar de nada, quando recobrasse os sentidos...

Um pouco tranqüilizado, lancei o olhar ao meu derredor, procurando saber quanto tempo ia aquilo durar. Depois, não mais me ocupei com o meu corpo, com o outro eu que continuava em repouso. Atentei no lampião, que se mantinha aceso silenciosamente e fiz a reflexão de que, estando muito perto da cama, poderia incendiar os meus cortinados. Peguei a cabeça do parafuso da mecha, para apagá-la; porém, nova surpresa me esperava! Eu sentia perfeitamente o disco do parafuso, percebia-lhe, por assim dizer, todas as moléculas, mas, de nada servia torcê-lo com os dedos: somente estes executavam o movimento. Em vão me esforçava por atuar sobre o disco.

Examinei-me então e vi que, conquanto minha mão pudesse passar através de mim mesmo, eu sentia bem o meu corpo, que me pareceu, se não me falha a memória, vestido de branco. Coloquei-me em seguida diante do espelho defronte do fogão. Em vez de distinguir no vidro a minha imagem, verifiquei que meu olhar se distendia à minha vontade, de tal sorte que se me tornaram visíveis, primeiro, a parede, depois, a parte posterior dos quadros e dos móveis existentes no aposento do meu vizinho e, por fim, o interior desse apartamento todo. Percebi que não havia luz naquelas peças onde, entretanto, a minha visão distinguia tudo. Dei, então, com um raio luminoso que, partindo do meu epigástrio, clareava os objetos.

Veio-me a idéia de penetrar na casa do vizinho, a quem eu, aliás, não conhecia e que no momento se achava ausente de Paris. Mal se formou em mim o desejo de visitar a primeira sala, achei-me nela. Como? Não sei, mas, parece-me que atravessei a parede com tanta facilidade quanta tivera o meu olhar para transpô-la. Em suma, pela primeira vez na minha vida, achei-me na casa do meu vizinho. Inspecionei os quartos, gravei na memória o aspecto que apresentavam e me encaminhei para uma biblioteca, onde notei muito particularmente os títulos de diversas obras alinhadas numa das prateleiras à altura dos meus olhos.

Para mudar de lugar, não me era preciso mais do que querer ia imediatamente onde desejara ir.

A partir desse momento, muito confusas são as minhas lembranças. Sei que fui longe, muito longe, à Itália, creio, mas não me seria possível dizer como empreguei o meu tempo. Foi como se, não tendo mais o domínio de mim mesmo, não sendo mais senhor dos meus pensamentos, andasse levado para aqui e para ali, para onde estes se dirigiam. Ainda não os tendo submetido à minha vontade, eles como que me dispersavam, antes que eu houvesse podido prendé-los. A imaginação, naqueles instantes, carregava consigo, para onde entendia, a sua sede.

Por concluir, o que posso acrescentar é que despertei às cinco horas da madrugada, rígido, frio, no meu sofá, e conservando ainda entre os dedos o charuto não consumido. O lampião se apagara, depois de enfumaçar a manga de vidro. Atirei-me na cama e aí fiquei sem poder dormir e com um frêmito por todo o corpo. Afinal, peguei no sono. Era dia alto, quando acordei.

Por meio de inocente estratagema, induzi o encarregado da habitação a ir verificar se no apartamento do meu vizinho não haveria alguma coisa de anormal e, subindo com ele, dei com os quadros, os móveis que vira na noite precedente, assim como os livros de cujos títulos guardava lembrança.

Tive o cuidado de não falar de tudo isto a quem quer que fosse, temendo passar por louco ou alucinado.

E eminentemente instrutivo este relato. Prova, primeiramente, que essa exteriorização da alma não resultou de uma alucinação, nem foi apenas um sonho, porquanto é inteiramente real a visão do apartamento vizinho, que o gravador não conhecia e no qual penetrara pela primeira vez enquanto estivera naquele estado particular. Em segundo lugar, faculta-nos comprovar que a alma, quando desprendida do corpo, possui uma forma definida e tem o poder de passar através dos obstáculos materiais, sem experimentar resistência, bastando a sua vontade para transportá-la ao sitio onde deseje achar-se. Em terceiro, demonstra que a alma, assim desprendida, tem uma vista mais penetrante do que no estado normal, pois que o moço via o seu próprio coração a bater, dentro do peito. (92)

A conservação da lembrança dos acontecimentos ocorridos durante o desdobramento é, neste caso, muito nítida; mas, pode, noutros, ser menos viva, de sorte que o agente, ao despertar, fique sem saber se sonhou, ou se, com efeito, sua alma abandonou temporariamente o envoltório físico. Enfim, as mais das vezes, o Espírito, voltando ao corpo, esquece o que ocorreu no curso do desprendimento. Devemos precatar-nos de concluir - como amiúde o fazem - que essas saídas são uma manifestação inconsciente da alma. A verdade é que apenas desaparece a memória do fenômeno, do qual, porém, a alma tinha conhecimento perfeito, enquanto ele se produzia.

Façamos uma última observação acerca da impossibilidade, em que se encontrou o moço gravador, para mover o disco do parafuso do seu lampião, a fim de abaixar a mecha e apagá-la, embora ele lhe percebesse a estrutura íntima. Essa impossibilidade, peculiar a todos os Espíritos no espaço, decorre da rarefação do perispírito. Entretanto, pode dar-se também que, graças a um afluxo de energia tomada ao corpo material, o envoltório fluídico adquira o poder de objetivação em grau suficiente para atuar sobre objetos materiais. A aparição da mãe de Helena (página 91) evidenciava essa substancialidade.

Até aqui, as aparições, qualificadas de telepáticas, de que acabamos de falar, nada revelaram sobre a natureza íntima que lhes é própria. Não fossem os movimentos que executam, o abrirem e fecharem portas, como parece que o fazem, e elas poderiam ser tomadas por projeções do pensamento, por imagens, por simples aparências. Eis, porém, muitos casos em que a tangibilidade ainda mais se positiva.

Aparição tangível de um estudante

Diz o reverendo P. H. Newnham, Vicariato de Devonport: (93)

No mês de março de 1856, estava eu em Oxford, fazendo o último ano do meu curso, e ocupava um quarto mobilado. Era sujeito a violentas dores de cabeça nevrálgicas, sobretudo enquanto dormia. Uma noite, por volta das nove horas, a dor se tornou insuportável; atirei-me na cama sem me despir e logo peguei no sono

Tive então um sonho de nitidez e intensidade notáveis. Guardo ainda na memória, tão vivos como quando o estava tendo, todos os pormenores desse sonho. Sonhei que me achava em casa da família daquela que mais tarde se tornou minha mulher. Todos os rapazes e raparigas tinham ido deitar-se e eu ficara a conversar, de pé, junto ao fogão; depois, dei boa-noite aos que comigo conversavam, tomei da minha vela e fui também me deitar. Chegando ao vestíbulo, verifiquei que minha noiva ainda estava subindo para o andar superior e que no momento chegava ao topo da escada. Subi quatro a quatro a escada e, alcançando-a no último degrau, passei-lhe o braço pela cintura. Ao subir a escada, levava eu na mão esquerda o meu castiçal, o que, entretanto, no sonho, não me atrapalhava. Despertei então e quase de seguida um relógio da casa deu dez horas.

Foi tão forte a impressão em mim produzida por esse sonho, que no dia seguinte, pela manhã, escrevi à minha noiva, fazendo dele minuciosa narração. Recebi dela uma carta, porém não em resposta à minha, pois que as duas se cruzaram no caminho. Dizia assim: Dar-se-á que você haja pensado em mim, de modo particular, ontem à noite, cerca das dez horas? Quando subia a escada para me ir deitar, ouvi distintamente seus passos atrás de mim e senti que você me passava o braço pela cintura.

As duas cartas estão atualmente destruídas. Alguns anos, porém, depois dos fatos, recordamo-los, ao reler cartas antigas, antes de as destruirmos. Reconhecemos nessa ocasião que se conservavam muito fiéis as nossas lembranças pessoais. Esta narrativa pode, Portanto, ser aceita como perfeitamente exata.

P. H. NEWNHAM.

E evidente, neste caso, a relação de causa e efeito. O sonho do moço estudante é reprodução da realidade. Durante o sono, a alma se lhe desprendeu do corpo e se transportou para junto de sua noiva. Foi tão intenso o desejo que experimentou de abraçá-la, que determinou a materialização parcial do perispírito, isto é, do seu duplo. O fato é positivo, pois a moça diz ter ouvido distintamente passos que subiam a escada e a sensação de um braço que a envolvia pela cintura é também positivamente afirmada. Estes pormenores, referidos de modo idêntico pelos dois protagonistas da cena, sem que tenha havido qualquer combinação entre eles ou qualquer previsão, afastam, evidentemente, toda idéia de alucinação.

Aparição objetiva em momento de perigo

Sr.a Randolph Lichfield, Cross Deep, Twickenham (94) (Abreviamos um pouco a narração, suprimindo o que não era indispensável.)

Achava-me eu, uma tarde, antes de me casar, no meu quarto, sentada perto de uma mesa-toucadora, sobre a qual depusera um livro que estava lendo. A mesa ficava a um canto do quarto e o grande espelho que lhe estava sobreposto chegava quase ao teto, de sorte que a imagem de qualquer pessoa que se encontrasse no quarto podia nele refletir-se inteira. O livro que eu lia não era de natureza a me afetar de modo algum os nervos, nem de me excitar a imaginação. Sentia-me de perfeita saúde, de bom humor e nada me acontecera, desde a hora em que, pela manhã, recebera minha correspondência, que me pudesse fazer pensar na pessoa a quem se refere a singular impressão, cuja narrativa me pedis.

Tinha os olhos no livro. De súbito, senti, mas sem o ver, que alguém entrava no meu quarto. Dirigi o olhar para o espelho, a fim de saber quem era, porém, não vi pessoa alguma. Supus então que o visitante, ao dar comigo absorvida na leitura, tornara a sair, quando, com vivo espanto, senti na fronte um beijo, longo e terno. Ergui a cabeça, sem nenhum terror, e vi meu noivo de pé por trás da minha cadeira, e inclinado, como para me beijar de novo. Trazia muito pálido o semblante e infinitamente triste. Muito surpreendida, levantei-me, mas, antes que houvesse articulado uma palavra, ele desapareceu, não sei como. De uma coisa apenas sei: que, por um instante, vi muito nitidamente todos os traços da sua fisionomia, seu porte alto, suas largas espáduas, como sempre as vira e que, um momento após, deixei de ver.

A princípio, fiquei apenas surpreendida, ou melhor, perplexa. Nenhum temor me assaltou. Nem por momentos imaginei que houvesse visto um Espírito. A sensação que em seguida experimentei foi a de ter qualquer coisa no cérebro e satisfeita me achava por não me haver isso acarretado uma visão terrível, em vez da que tivera e que me fora muito agradável.

Diz depois à narradora que passou três dias sem noticias do noivo. Uma noite, julgou sentir-lhe a influência, mas não o viu, apesar da expectativa em que se encontrava. Afinal, veio a saber que ele fora vítima de um acidente, quando amestrava um cavalo fogoso. Seu pensamento voou imediatamente para a noiva, tendo dito, no momento em que perdia os sentidos: May, minha Mayzinha, que eu não morra sem tornar a ver-te. Foi na noite que se seguiu ao acidente que ele se debruçou sobre a moça e a osculou.

Também aqui, temos a aparição assemelhando-se, traço por traço, ao vivo, deslocando-se a grande distância e provando, de maneira positiva, a sua corporeidade, com o beijar a noiva. Qualquer que seja o papel que se queira atribuir à alucinação, parece-nos que ela se mostra incapaz de explicar o que se produziu.

Eis agora outro caso de materialização do envoltório fluídico:

Um duplo materializado

Os Anais Psíquicos, de setembro-outubro de 1896, sob o título: Formação 'de um duplo, página 263, narram o fato seguinte, traduzido do Borderland de abril de 1896.

O Sr. Stead refere que se dá muito com a Sr.a A..., cujo estado de saúde, naquela época, lhe causava sérias inquietações. Conversando com ela, o Sr. Stead lhe recomendara que no domingo fosse assistir aos ofícios religiosos. A Sra. A..., porém, muito céptica, nada lhe respondera. Nesse ínterim, caiu ela seriamente enferma e se viu obrigada a não abandonar o leito.

No domingo seguinte, 13 de outubro, à noite, teve o Sr. Stead a surpresa de ver entrar no templo a Sr.a A. . . e instalar-se num dos bancos. Havia luz bastante para que lhe fosse possível reconhecê-la bem. Um dos membros da congregação lhe ofereceu Um livro de preces, que ela aceitou, mas não abriu. Então, uma vigilante lhe deu outro livro, que ela igualmente tomou com ar distraído e colocou sobre o banco. Conservou-se sentada durante todo o serviço até ao último hino, que ouviu de pé. Durante o segundo e terceiro hinos, ergueu por vezes o livro, mas, ao que parecia, sem cantar. Após o último atirou bruscamente o livro para o lado e, descendo rápido a nave, desapareceu.

Numerosas testemunhas afirmam ter visto a Sr.a A... e tê-la perfeitamente reconhecido como sendo a pessoa que anteriormente ali fora. Seu vestuário elegante, mas excêntrico, chamava a atenção. No dia imediato, o Sr. Stead foi à casa da Sr? A..., que, ainda doente, se achava recostada num sofá. Afirmou-lhe ela que não saíra na véspera, afirmativa que o doutor, a criada de quarto e duas amigas corroboraram em absoluto. A distância que medeia entre a residência da Sr.a A. . . e o templo é bastante considerável. Ora, confrontando-se o momento em que ela apareceu ali e o em que com ela estavam o médico e as amigas, verifica-se ter sido de todo impossível que a senhora houvesse feito aquele percurso em estado de sonambulismo, o que, aliás, a sua saúde não permitia.

Tem-se aí mais uma prova manifesta da ação tangível do corpo fluídico materializado. Um ponto a assinalar é a grande duração do fenômeno, de hora e meia.

Aparição falante

Desta vez, independentemente de outras circunstâncias típicas, temos o próprio duplo fluídico a falar:

Srta. Paget, 130, Fulham Road, S. W. Londres. (95)

17 de julho de 1885.

Dou aqui a narração fiel de uma aparição curiosa, que tive, de um irmão. Estávamos em 1874 ou 1875. Meu irmão era terceiro oficial de um grande navio da Sociedade Wigram. Eu o sabia nas costas da Austrália; mas, que me lembre, não pensava nele no momento a que me refiro. Entretanto, como era o único irmão que eu tinha e fôssemos muito amigos um do outro, havia entre nós laços muito estreitos. Meu pai residia no campo. Uma noite, desci g cozinha, por volta das dez horas, em busca de água quente. Havia ali acesa uma grande lâmpada dúplex, de sorte que viva era a claridade. Achando-se já recolhidos os criados, coube-me a mim apagar a lâmpada. Enquanto apanhava a água quente, levantei os olhos e com grande surpresa vi meu irmão entrar na cozinha pela porta que abria para o exterior e encaminhar-se para o meu lado. Não reparei se a porta estava aberta, porque ficava num recanto e meu irmão já se encontrava no meio da cozinha. Separava-nos a mesa existente nessa dependência da casa e ele se sentou à cabeceira mais afastada de mim.

Notei que vestia o seu uniforme de marinheiro com uma blusa e que tanto esta como o boné estavam molhados. Exclamei: Miles! donde vens? Ele respondeu com o seu habitual tom de voz: Pelo amor de Deus, não digas que estou aqui. Isto se passou em breves segundos e, quando me lancei para abraçá-lo, desapareceu. Fiquei assustada, pois acreditava ter visto meu irmão em pessoa e só após o seu desaparecimento compreendi que apenas vira a sua sombra. Subi para o meu quarto e tomei nota da data numa folha de papel, que guardei na minha secretária, sem falar do incidente a pessoa alguma.

Cerca de três meses depois, meu irmão regressou a casa e, à noite, sentei-me ao seu lado na cozinha, estando ele ali a fumar. Perguntei-lhe, como por acaso, se não tivera alguma aventura. Disse em resposta: Quase me afoguei em Melbourne. E me contou que, tendo desembarcado sem licença, subia para bordo depois de meia-noite, quando escorregou do passadiço e caiu entre o cais e o navio. Sendo muito estreito o espaço, se não o houvessem retirado sem demora, infalivelmente se teria afogado.

Lembra-se de haver pensado que ia afogar-se e perdera os sentidos. Ninguém soube que descera a terra sem licença, de sorte que não incorreu na punição que esperava. Narrei-lhe então como ele me aparecera na cozinha e perguntei-lhe em que data se dera o fato de que me falava. Fácil lhe foi precisá-la, porque o navio deixara Melbourne na manhã seguinte. Era isso o que o fazia temer um castigo, visto que toda a equipagem tinha de pernoitar a bordo. As duas datas coincidiam, mas havia uma diferença quanto à hora: eu o vira pouco depois das dez horas da noite e o seu acidente ocorrera pouco depois da meia-noite. Não se recordava de haver pensado em mim naquele momento, mas ficou impressionado com a coincidência, da qual freqüentemente falava.

Sempre o fantasma como sósia do vivo. Nenhuma alucinação aqui, porquanto a Srta. Paget vê a alma de seu irmão a mover-se na cozinha e verifica que as vestes da aparição estavam molhadas, circunstância que coincide de modo exato com o acidente sobrevindo ao marinheiro, que quase se afogara. A distância enorme entre Melbourne e a Inglaterra em nada influi sobre a intensidade do fenômeno de desdobramento, pois que o irmão fala à irmã, o que até então não havíamos comprovado.

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