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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O Espiritismo Perante a Ciência-Parte 2-Gabriel Delanne

 

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Sir Robert Dale-Owen era embaixador dos Estados Unidos, em Nápoles. Em 1845, conta esse diplomata, exis­tia na Livônia o colégio de Neuwelke, a doze léguas de Riga e a meia légua de Wolmar. Aí se encontravam 42 pensionistas, a maior parte de famílias nobres, e entre as inspetoras figurava Emilie Sagée, francesa de origem, com 32 anos de idade, de boa saúde, mas nervosa, e com um procedimento digno dos maiores elogios.

Poucas semanas depois de sua chegada, notou-se que, quando uma aluna dizia tê-la visto num lugar, outra, muitas vezes, afirmava que ela estava em lugar diferente. Um dia, as moças perceberam, de repente, duas Emilie Sagée, exatamente semelhantes, e fazendo os mesmos gestos: uma, entretanto, tinha na mão um lápis de giz e a outra não tinha nada.

Pouco tempo depois, Emilie abotoava, nas costas, Antoinette de Wrangel, que se estava vestindo. A moça notou, pelo espelho, ao voltar, duas Emilies que abotoa­vam suas vestes, e desmaiou de susto.

Algumas vezes, às refeições, a figura dupla aparecia em pé, por trás da cadeira da inspetora e imitava os movi­mentos que ela fazia para comer, mas as mãos não seguram­vam nem o garfo nem a faca. Entretanto, a pessoa desdo­brada não parecia imitar senão acidentalmente a pessoa real, e, algumas vezes, quando Emilie se levantava da cadeira, o duplo continuava sentado.

Certa vez, Emilie estava adoentada e de cama; a senhorita Wrangel lia para ela ouvir. De repente, a inspe­tora ficou hirta, pálida, e dir-se-ia que iria desfalecer. A jovem aluna perguntou-lhe se sentia mal; ela respon­deu negativamente, mas com voz fraca. Alguns segundos depois, a senhorita Wrangel viu, muito distintamente, o duplo de Emilie andando aqui e ali, em todo o quarto.

Mas eis aqui o mais notável exemplo de bicorpo­reidade que se observou na maravilhosa inspetora. Um dia, as quarenta e duas pensionistas bordavam em uma mesma sala, no pavimento térreo; quatro portas envidra­çadas da sala davam para o jardim. Elas viam nesse jardim Emilie colhendo flores, quando de repente sua figura apare­ce numa poltrona vazia. As alunas olharam imediatamente para o jardim e continuaram a ver Emilie ali, mas notaram a lentidão dos seus movimentos e seu ar de sofrimento; estava como que adormecida e esgotada.

Duas das mais intrépidas aproximaram-se do duplo e tentaram tocá-lo; sentiram uma ligeira resistência, que compararam à de um objeto de musselina ou crepe. Uma delas passou através de parte da figura; esta conservou a mesma aparência, alguns instantes, até que foi desapare­cendo gradualmente.

O fenômeno se produziu de diversas maneiras, durante o tempo em que Emilie ali esteve empregada, isto é, de 1845 a 1846, no espaço de ano e meio; houve intermi­tências de uma há muitas semanas. Verificou-se que quanto mais distinto e de aparência material era o duplo, tanto mais sofredora, mortificada e abatida estava a persona­lidade real; ao contrário, quando o duplo esmaecia, via-se a paciente readquirir suas forças. Emilie, entretanto, não tinha nenhuma consciência desse desdobramento, e só o conhecia por ouvir dizer; nunca vira o duplo, nunca suspei­tara do estado em que ficava. Tendo o fenômeno inquietado os pais, estes retiraram as filhas e a instituição faliu.

Evidencia-se um fato desta narrativa, a relação íntima que existe entre o estado do corpo e o duplo. Quando o perispírito se torna menos vaporoso, mais sólido, o corpo enfraquece, quando se toma fluídico, o organismo material retoma forças. Isto indica que existe um laço entre o corpo e o duplo. Dassier denomina-o tecido vascular invisível. Kardec ensina há muito tempo que, durante o sono, a alma se desprende do corpo, mas que lhe fica sempre ligada por um cordão fluídico e que, se ele se rompesse, a morte do paciente seria instantânea.

Emilie Sagée, de constituição muito nervosa, era su­jeita ao desprendimento da alma, mas o fato é notável porque o desdobramento se dava, mesmo durante a vigília, enquanto que, de ordinário, ele só se opera quando o corpo está mergulhado no sono.

Se nos reportarmos aos casos de sonambulismo lúcido, narrados por Charpignon, compreenderemos a série as­cendente que se manifesta nesses diferentes fenômenos. No sonambulismo, natural ou provocado, a alma se des­prende do corpo, porque este, mergulhado no sono, tem uma vida menos ativa, o que permite ao Espírito escapar­-se, por momentos, do seu invólucro e ver o que se passa a distância.

No caso de desdobramento, a alma separa-se, no sono, da mesma maneira, mas, ora se materializa de forma imper­feita, como vimos com a alsaciana, ora toma um aspecto inteiramente material, pode escrever e falar. Se o fenômeno é ainda mais acentuado, a bicorporeidade se manifesta sem que o paciente esteja adormecido, como o prova a história precedente, mas, então, quanto mais o duplo ad­quire tangibilidade, mais a inspetora se toma fraca e enlan­guecida.

Estas observações confirmam plenamente o ensino de Allan Kardec. Encontramos, com efeito, em O Livro dos Espíritos, a explicação racional de todos esses casos singulares. A alma é retida ao corpo por seu perispírito, que tem por condutor o sistema nervoso; segue-se que todas as modificações trazidas a esse sistema, que tenham por fim paralisar sua ação, favorecerão o desprendimento da alma.

Eis, com efeito o que lemos na Revue de 1859, pági­na 137:

A Sra. Schultz, uma de nossas amigas, que é perfeitamente deste mundo e não parecia dever deixá-lo tão cedo, tendo sido evocada durante o sono, deu, mais de uma vez, a prova da perspicácia de seu espírito nesse estado. Uma noite, depois de uma conversa, ela disse:

- Estou fatigada, durmo, tenho necessidade de repouso.

Mas, replicamos-lhes:

- Seu corpo pode repousar; falando-lhe, não o perturbo. É seu Espírito que está aqui e não seu corpo, pode, pois, entreter—se comigo, sem que este sofra por isso.

Ela respondeu:

- Faz mal em acreditar nisso; meu Espírito se desprende um pouco de meu corpo, mas ele é como um balão cativo, retido por cordas. Quando o balão recebe as sacudidelas ocasionadas pelo vento, o poste que o prende ressente-se desses abalos, transmitidos pelas cordas. Meu corpo serve de poste para o meu Espírito, com a diferença de que experimenta sensações desconhecidas ao poste, e que muito fatigam o cérebro; eis por que meu corpo como meu Espírito têm necessidade de repouso.

Esta explicação, na qual ela nos declarou que, durante a vigília, não havia jamais imaginado, mostra perfeitamente as relações que existem entre o corpo e o Espírito, durante o tempo em que este ultimo goza de uma parte de sua liberdade.

Isto, entretanto, não nos parecia senão engenhosa comparação, quando logo depois esta figura tomou as proporções da realidade.

M. R., antigo ministro dos Estados Unidos junto ao Rei de Nápoles, disse conhecer homem muito esclarecido sobre o Espiritismo, tendo vindo visitar-nos, perguntou-nos se, nos fenômenos das aparições, nunca tínhamos observado qualquer particularidade distintiva entre o Espírito de uma pessoa viva e o de uma pessoa morta; numa palavra, se, quando um Espírito aparece espontaneamente seja durante a vigília, seja durante o sono, temos um meio de reconhecer se a pessoa é morta ou viva. Após nossa resposta, que nós não conhecemos outro meio senão perguntar ao Espírito, ele nos disse conhecer na Inglaterra um médium vidente, dotado de grande poder que, cada vez que lhe aparecia um Espírito de uma pessoa viva, notava que um fio luminoso partia de seu peito, atravessava o espaço, sem se interromper com os objetos materiais, e ia terminar no corpo, espécie de cordão umbilical que unia as duas partes momentaneamente separadas do ser vivo. Nunca ele o notou quando a vida corporal não existia mais e por este sinal é que reconhecia se o Espírito era de uma pessoa morta ou de uma ainda viva.

A existência deste cordão fluídico foi constatada com muita freqüência depois dessa época. É, pois, um fato adquirido.

A comparação, tão justa, do balão cativo mostra a íntima união do corpo e do perispírito, de tal sorte que toda modificação de um repercute no outro. Veremos mais adiante as conseqüências desta observação.

Nas narrativas que temos reproduzido, uma coisa, sobretudo, parece estranha, é a facilidade com que o duplo fluídico passa através dos corpos materiais. Sem dúvida, há aí um fenômeno extraordinário, mas não sem analogia na natureza. A luz e o calor se propagam através de certas substâncias, a eletricidade caminha ao longo de um condu­to e sabemos, pelas experiências de Cailletet e de Sainte­-Claire Deville, que os gases passam facilmente através das paredes de um tubo fortemente aquecido.

Todos os corpos são porosos; não se tocando, suas moléculas podem dar passagem a um corpo estranho. Os Acadêmicos de Florença tinham demonstrado este ponto, fazendo violenta pressão sobre a água encerrada em uma esfera de ouro; ao fim de pouco tempo via-se o líquido transudar por pequenas gotas, na superfície da esfera.

Verificamos, por esses diferentes exemplos, que a matéria pode atravessar a matéria. Nos casos que acabamos de citar, é preciso empregar a pressão ou o calor para dilatar as substâncias que se quer fazer atravessar por outras. Isto é necessário, porque as moléculas do corpo que atravessa, não adquirindo o grau suficiente de dila­tação, ficam cerradas umas contra as outras. Mas, se supusemos um estado da matéria em que as moléculas sejam muito menos aproximadas e eminentemente tênues, poderá ela atravessar todas as substâncias, sem necessidade de manipulação. É o que se dá com o perispírito que, formado de moléculas menos condensadas que a matéria que conhe­cemos, não pode ser detido por nenhum obstáculo.

Uma segunda propriedade do perispírito parece inex­plicável. Dificilmente se compreende que um vapor muito rarefeito, um fluido imponderável possa, apesar de sua tenuidade, conservar determinada forma. Quando a fumaça se escapa da fornalha, não tarda a espalhar-se na atmosfera, tornando-se aos poucos invisível. Como pode o perispírito, que é formado de matéria infinitamente mais rarefeita, apresentar-se no entanto com um aspecto nitidamente de­terminado?

Uma experiência curiosa vai elucidar-nos:

Admitindo a idéia da matéria, William Thompson, para explicar o retorno de uma substância a seu estado primitivo quando ela se desprende de uma combinação, assemelha os movimentos do meio elástico, a que ele chama matéria, ao dos turbilhões de fumo, em forma de rolos, que se vêem produzir na combustão do hidrogênio fosfora­do, ou algumas vezes escapar-se da chaminé de um loco­motiva, quando ela parte.

Imaginou-se um aparelho que permite obter esses rolos à vontade e, dando-se-lhes grandes dimensões, foi possível estudar-lhes a forma. Uma caixa de madeira, perfurada na parte anterior com uma abertura circular, encerra dois vasos, um dos quais contém uma solução de álcali volátil, e o outro, ácido lorídrico do comércio. Os gases que se escapam dessas soluções produzem, combinando-se, abundantes fumaças que enchem a caixa. Uma pancada seca, aplicada sobre a armação que forma a parede oposta à abertura, impele a fumaça, que se escapa produzindo uma bela coroa que se propaga em linha reta.

Helmholtz, que observou os turbilhões, mostrou que as partículas de fumo rolam sobre si mesmas e executam movimentos de rotação, que vão do interior ao exterior, no sentido da propagação, e em torno de um eixo circular que forma, por assim dizer, o núcleo dos turbilhões. Daí, Helmholtz passa ao caso de um meio em que não houvesse atrito algum; mostra que os rolos se deslocarão e mudarão de forma, sem que nada venha destruir as ligações que existem entre as partes constituintes.

Deduzimos daí que existem estados da matéria em que uma dada forma se conserva indefinidamente, com a condição de que esta matéria seja submetida a uma força constante e não experimente nenhum atrito. É o que acon­tece com o perispírito, cuja matéria rarefeita pode ser encarada, por sua natureza etérea, como desprovida de atrito; podemos, pois, conceber que ela conserva um tipo determinado, em virtude de sua constituição molecular.

Podemos levar mais longe a analogia.

Experiências efetuadas na Inglaterra mostraram que, se deformarem esses rolos, eles tenderão a retomar a forma circular; se lhes colocar no trajeto uma lâmina, eles contorna-lo, sem se deixarem cortar, oferecendo, assim, a imagem material de alguma coisa invisível e inse­cável. Demais, dois rolos, movendo-se na mesma linha, podem atravessar-se sem perderem a individualidade que lhes é própria; o rolo atrasado contrai-se, quando sua velo­cidade aumenta; atravessa o que o precede, depois se dilata por sua vez e assim por diante.

Assim, esses anéis se penetram mutuamente, passam através um do outro, sem nada perder de sua autonomia, sem serem mesmo deformados. A matéria, nesse estada pouco rarefeita, que está longe de atingir a extrema tenui­dade do perispírito, goza, pois, de propriedades que nos revelam as leis ainda pouco conhecidas que dirigem as evoluções do duplo fluídico; compreenderemos sem dificul­dade, por analogia, que o perispírito possa atravessar todos os corpos, como a luz passa através dos corpos transpa­rentes.(16)

Nos exemplos citados até aqui, vemos a alma e seu envoltorio, mas não podemos ainda determinar todas as propriedades deste corpo fluídico, porque ele está ligado ao organismo material e não goza inteiramente de sua liberdade de ação. Para conhecer a sua composição e seu funcionamento é preciso estudar a alma quando, desemba­raçada de seu invólucro grosseiro, ela se move livremente no espaço. É o que nos propomos fazer no capítulo seguinte e ali explicaremos como o duplo fluídico pode tornar-se visível e material.

O conhecimento do perispírito lança luz nova sobre muitos fenômenos da fisiologia. Não se pode estudar o homem sem se encontrar um primeiro motor, invisível e intangível: a vida. Essa força desenvolve o ser, segundo um plano determinado.

Geoffroy Saint-Hilaire dizia: - O tipo segundo o qual a vida forma o corpo desde a origem é também aquele segundo o qual ela o entretém e repara. A vida é, ao mesmo tempo, formadora, conservadora e reparadora, sem­pre conforme esse modelo ideal, regra invariável de todos os seus atos.

Esse modelo ideal está contido no ser material que se transforma sem cessar? Não, evidentemente; ele lhe é exterior, ou antes, é nele que se vêm incorporar as moléculas materiais; ele é esboço fluídico do ser. Se refle­tirmos, com efeito, nas transformações múltiplas, incessan­tes, às quais está o corpo submetido, compreenderemos a necessidade dessa força diretriz que indica aos átomos materiais o lugar que eles devem ocupar. Como conceber que o cérebro, instrumento tão frágil, tão complicado, cuja substância se renova continuamente, possa funcionar de maneira constante, se não existisse um modelo fluídico no qual as moléculas materiais se vêm incorporar?

Com a morte do corpo, não mais existindo este duplo, tudo sucumbe, se degrada e destrói, em curto lapso de tempo. É este esboço fluídico que, diferindo segundo os indivíduos, conserva a estrutura particular de cada um, as formas gerais do corpo e da fisionomia que o fazem reconhecer durante o curso de sua existência.

Vimos na primeira parte que os materialistas não po­dem explicar a transformação da sensação em percepção. Pois bem, com a noção do perispírito tudo se torna simples e compreensível.

Sabemos que os nervos sensitivos terminam em uma parte do cérebro chamado tálamos óticos; aí, cada aparelho sensorial possui um núcleo de células ganglionares, que está ligado à periferia cortical por fibras brancas. Lembra­do isto, vejamos como as excitações exteriores penetram e se encaminham no organismo quando se trata de um fenômeno auditivo ou visual, que põe em atividade as células da retina ou do nervo auditivo. Que se passa, então, na intimidade dos condutores nervosos?

Estas excitações, seguidamente transmitidas, põem logo em jogo as atividades específicas, isto é, as proprie­dades especiais das diversas células que compõem os nú­cleos dos tálamos óticos. As células do centro ótico, en­trando em vibração, as transmitem à camada cortical pelas fibras radiantes, e, aí chegadas, essas vibrações, que são, até esse momento, simples movimentos moleculares, en­contram o duplo fluídico e lhe comunicam a impressão. Desde então, este movimento ondulatório se propaga até a alma que tem dele consciência. É a esse conhecimento que se chama percepção; ele não poderia efetuar-se se o intermediário fluídico não existisse.

É preciso não esquecer que o perispírito não é um corpo homogêneo; ele possui partes quase materiais, que dizem com o organismo, e partes quase imateriais, que se referem à alma. Comparemo-lo a um vapor contido num tubo, para melhor compreensão. Esse vapor, muito condensado na base, se vai rarefazendo a medida que se eleva. Existe, assim, uma série de estados intermediários, desde a materialidade até a espiritualidade. É uma espécie de cor que vai do negro, que representaria o corpo, até o branco que seria a alma.

Em resumo, o perispírito é formado de fluidos, em diferentes graus de condensação, desde os fluidos mate­riais, que aderem ao cérebro, até os espirituais, que se aproximam da natureza da alma.

De sorte que, se uma vibração impressiona um nervo sensitivo, este a transmite aos tálamos óticos, que a refle­tem para o sensorium; aí chegada essa vibração, age sobre o fluido perispiritual, que aos poucos adverte o espírito.

Assim, como pensam os fisiologistas de que já fala­mos, são as ondulações do fluido perispiritual que transmi­tem as sensações à alma e, reciprocamente, à vontade da alma se manifesta aos órgãos por ondulações em sentido inverso das primeiras, que vão da parte mais depurada à parte mais material. Chegadas à superfície das camadas corticais, as ondulações impressionam as células do senso­rium e põe em ação a energia nervosa que aí está contida; esta, sob forma de descarga nervosa, atravessa os núcleos do corpo estriado, onde adquire uma força maior e se distribui em seguida pelos nervos motores, conforme as vontades da alma.

Se nossa teoria é justa, isto é, se uma sensação leva certo tempo para percorrer os nervos e outro tempo para ir do cérebro à alma, deve-se poder medir o tempo desse trajeto. É o que foi feito, como vamos mostrar.

Eis o princípio do método:

Em uma câmara escura encontra-se um observador que é encarregado de fazer certo sinal, quando vir uma luz. Nota-se, com extrema precisão, o momento exato da aparição da luz e o em que o observador faz o sinal convencionado. Como a distância do observador ao foco luminoso é muito curta e a luz percorre 75.000 léguas por segundo, o tempo empregado pelo raio luminoso para atingir o olho é insignificante, de sorte que se admite que logo que a luz se produz fere a retina.

O tempo que decorre entre o momento em que o observador viu a luz e o em que faz o sinal é pois a medida do tempo que a excitação gastou para ir da retina à camada cortical do cérebro, do cérebro à alma e para voltar da alma aos órgãos do corpo que fazem o sinal.

Segundo os trabalhos de Helmholtz, a sensação per­corre os filamentos nervosos com uma rapidez de 30 metros por segundo; basta, pois, subtrair do tempo total inscrito: 1:, o tempo empregado pela sensação para ir da retina à periferia do cérebro; 2:, o tempo empregado pela vontade para partir da periferia do cérebro e agir sobre o membro que faz o sinal, a fim de se obter o tempo empregado pela sensação para atravessar duas vezes o órgão peris­piritual.

São as seguintes às cifras publicadas por Hirsch de Neufchatel:

Para a visão ......... 01974 a 02083

Para a audição ....... 0194

Para o tato .......... 01733

Tomando a metade desses números, temos o tempo empregado para que a sensação atravesse o perispírito, isto é, seja transformada em percepção. Estas medidas não têm, apenas, um interesse teórico, senão ainda grande valor prático para o astrônomo observador. Quando ele estuda, por exemplo, a passagem de um astro pelo meridia­no e calcula a duração dessa passagem, vista no telescópio, por meio das oscilações do pêndulo de segundos, comete sempre um pequeno erro, proveniente do tempo necessário para fazer perceber cada uma das impressões visuais.

Este erro não é exatamente o mesmo para dois experi­mentadores diferentes; se quiserem comparar as observa­ções dos diversos astrônomos, é preciso conhecer esta diferença, isto é, a equação pessoal de cada um deles.

Se não existisse o perispírito, não haveria essas dife­renças, e a percepção se faria com igual rapidez para todos; sendo, porém, o duplo fluídico, mais ou menos purificado, isto é, mais ou menos radiante, as sensações aí se encami­nham com rapidez variável.

Perguntar-se-á como é que a alma atua de maneira assaz eficaz sobre o perispírito, para determinar movi­mentos do corpo que revelam, por vezes, uma grande força mecânica, que a alma seria impotente para produzir. Não é espantoso verificar que o Espírito, pela vontade, pode fazer o corpo executar os mais rudes trabalhos, que um Hércules levante com o braço retesado os mais pesados pesos?

Se, como o indicamos, o ponto de partida dessa ener­gia está na alma, poder-se-ia acreditar que esta é muito fraca para produzir tais efeitos. Responderemos com Luys:

Os processos da motricidade voluntária começam por uma incitação puramente psíquica e se tomam, insensivelmente, pelo jogo natural das engrenagens do organismo, uma incitação física. Transformando se, assim, em sua evolução sucessiva, oferecem o quadro empolgante que vemos apresentar-se, incessantemente, a nossos olhos, de uma máquina a vapor. Vemos, nesse caso, uma força, mínima, a princípio, transformar-se e tomar--se, pela série de aparelhos que põe em jogo, causa do desenvolvi­mento de gigantesca potência mecânica.

No momento, com efeito, de pôr a máquina em atividade, não basta um movimento fraco, a simples intervenção da mão do mecânico que ergue a alavanca e deixa passar o vapor para a face superior do pistão? Esta força viva, em liberdade, desenvolve imediatamente sua potência, que é proporcional à superfície sobre a qual ela se espalha, o pistão se abaixa, sua haste arrasta o balancim; a sacudidela se desenvolve com os volantes e o movimento inicial, tão fraco no começo, se amplia e aumenta sem cessar, à medida que o volume e a potência dos aparelhos postos à sua disposição tomam-se mais consideráveis e mais possantes.

A alma é a mão do mecânico, a força é a energia vital ou fluido nervoso contido nos diferentes aparelhos do cérebro, da medula espinal e dos nervos.

Assim, a experiência nos mostra que existe no homem um órgão fluídico, que é o esboço sobre o qual se modela o corpo. Em certas circunstâncias, o perispírito pode desprender-se do invólucro, ao qual está ligado du­rante a vida, e se materializar a ponto de tornar-se visível e agir à distância.

Tais fenômenos não eram desconhecidos dos antigos. Lemos, com efeito, nas histórias de Tácito, capítulos 81 e 82:

Durante os meses que Vespasiano passou em Alexandria, esperando a volta periódica dos ventos do estio e a estação em que o mar é calmo, houve muitos prodígios pelos quais se manifestou o favor do céu e o interesse que tomavam os deuses por esse príncipe.

Os prodígios redobraram o desejo de Vespasiano de visitar a morada sagrada dos deuses, a fim de os consultar a respeito do Império. Orde­na que fechem o templo para todos. Entra sozinho e muito aten­to ao que ia dizer o oráculo, quando percebe atrás dele um dos principais egípcios, de nome Basilide, que ele sabia estar retido doente, distante muito dia de Alexandria. Informa-se dos sacerdotes se Basilide veio nesse dia ao templo, e dos transeuntes se o viram na cidade; manda, enfim, homens a cavalo e se certifica de que, naquele momento, ele estava a 800 milhas de distância. Não duvidou mais da realidade da visão e o nome de Basilide lhe serviu de oráculo.

Os Anais católicos narram muitos fatos de desdobra­mento, que se produziram em pessoas piedosas. Afonso de Liguori foi canonizado, antes do tempo requerido, por se haver mostrado em dois lugares diferentes, o que passou por um milagre. É verdade que, pelos mesmos fatos, pobres mulheres, tidas por feiticeiras, foram queimadas pelo Santo Oficio.

Santo Antônio de Pádua pregava na Espanha, no mo­mento em que seu pai, residente em Pádua, na Itália, era conduzido ao suplício, sob a acusação de homicídio. Nessa ocasião, aparece Santo Antônio, demonstra a ino­cência de seu pai e aponta o verdadeiro culpado, que foi castigado mais tarde. Antônio, nesse mesmo instante, pregava em Espanha.

Dassier cita o caso de S. Francisco Xavier, que se achava, ao mesmo tempo, em duas embarcações, durante uma tempestade, e encorajava os companheiros, em perigo. Eis como seus biógrafos referem o prodígio:

Ia S. Francisco Xavier, em novembro de 1571, do Japão para a China, quando, sete dias depois da partida, assaltou o navio que o levava violenta tempestade. Temendo que uma chalupa fosse arrastada pelas vagas, o piloto ordenou a quinze homens da tripulação que a amarrassem ao navio. Caíra à noite, enquanto se trabalhava nessa faina, e os marinheiros se viram surpreendidos por uma vaga e desapareceram com a chalupa. O santo ficou em preces, desde o começo da tempestade, que redobrava sempre de furor. Os que ficaram, entretanto, no navio, lembravam-se dos companheiros da chalupa e os julgaram perdidos.

Passado o perigo, Xavier exortou-os a que tivessem coragem, assegu­rando que os encontrariam dentro de três dias.

No dia seguinte, fez alguém subir ao mastro, sem que nada se descobrisse. O santo entrou, então, em seu camarote, e pós-se a orar. Depois de ter passado, assim, grande parte do dia, subiu ao tombadilho, cheio de confiança, e anunciou que a chalupa estava salva. Entretanto, como nada ainda se visse, no dia seguinte, a tripulação, sentindo-se sempre em perigo, recusou esperar por mais tempo companheiros que considerava como perdidos. Mas Xavier Ihes reanimou a coragem, concitan­do-os, pela morte do Cristo, há um pouco mais de paciência. Reentrou depois em seu camarote e redobrou de fervor na prece.

Enfim, após três longas horas de espera, vâ se aparecer a chalupa e, em breve, os quinze marinheiros, que supunham perdidos, alcançaram o navio.

Segundo o testemunho de Mendes Pinto, produz-se, então, um fato dos mais singulares. Quando os homens da chalupa subiram ao convés e o piloto quis largá-la, eles gritaram, dizendo que era preciso deixar, primeiro, sair Xavier, que estava com eles. Em vão procuram persuade-los de que ninguém ficara na chalupa, mas os marinheiros afirmavam que Xavier os acompanhara durante a tempestade, reanimando-lhes a coragem, e que conduzira a embarcação ao navio.

Diante de tal prodígio, todos se convenceram de que às preces de Xavier é que deveram o ter escapado à tempestade.

É mais racional atribuir a salvação do navio às manobras e aos esforços da equipagem. Tudo, porém, faz presumir que a chalupa não teria podido alcançar o navio se ela não tivesse por piloto o próprio santo, ou antes, o seu duplo.

Não reproduziremos os numerosos exemplos de bicor­poreidade que encontramos nos livros especiais, bastando os que temos citado para estabelecer, de maneira peremptória, a existência do perispírito. A fisiologia, como vimos, une-se à observação e à filosofia, para demonstrar a exis­tência, no homem, de um duplo fluídico, que é o molde do corpo, seu tipo, e que, sem variar como a matéria, conserva, seguindo as evoluções do ser, a fisionomia da individualidade.

É no perispírito que se gravam a lembrança, é nele que os conhecimentos se incorporam, e porque é imutável, conservamos, apesar das incessantes transformações de que o corpo é objeto, a recordação do que se passou em tempo longínquo.

É ele que constitui a identidade do ser, é com ele que se vive, que se pensa, que se ama, que se ora. É enfim com ele que nos encontramos depois da morte, desprendidos somente da matéria terrena, mas conservando nossos hábitos, nossos gostos, nossa maneira de ver; idên­ticos, enfim, com exceção do corpo que tínhamos na terra.

Isso prova que o mundo dos Espíritos é tal como o nosso, que contém seres em todos os graus da escala intelectual, desde os selvagens ignorantes até os homens versados no estudo das ciências. Explicamos, também, pela imortalidade desse invólucro os surtos do progresso. É evidente que quanto mais depurado é o perispírito, tanto mais vivas são as sensações. A alma atua no envoltório fluídico pela vontade, que é uma força muito poderosa, como verificamos com Claude Bernard. O cérebro humano, reprodução material dessa parte do fluido perispiritual, é, de alguma sorte, um instrumento sobre o qual o Espírito atua; quanto mais perfeito é o aparelho, mais belo é o resultado obtido; assim, um artista que possui um bom violino, mais agradáveis melodias fará ouvir.

Pela instrução desenvolvemos certos compartimentos do cérebro, nos quais se vêm registrar as aquisições intelec­tuais; ora, essas modificações são reproduzidas pelo peris­pírito. Segue-se que levamos para a morte nossa bagagem científica e moral, e, quando voltamos a reencarnar, temos em gérmen no cérebro tudo que havíamos fixado anteriormente. Eis por que as crianças, às vezes, nos maravilham com a precocidade de sua inteligência e pela aptidão com que assimilam todas as ciências. Nesse caso, para essa criança, aprender é recordar, como dizia Platão.

Assim como trazemos, para a terra, as qualidades precedentemente conquistadas, temos também os vícios que não nos deixam e contra os quais precisamos lutar energicamente para deixá-los. É este conjunto de virtudes e de paixões que constitui a individualidade de cada ho­mem; pela nossa doutrina, compreende-se a diversidade das inteligências desde o berço, ao passo que as demais filosofias emudecem nesse ponto. A alma desde a concep­ção forma o seu invólucro, não talvez de maneira conscien­te, mas efetiva, entretanto.

É durante a gestação que o espírito fluidifica a genito­ra; que, aos poucos, incorpora os elementos que lhe devem formar o corpo humano, e que o cérebro material se modela pelo cérebro do perispírito. Os defeitos físicos de uma encarnação anterior podem, por vezes, influenciar o duplo fluídico de tal forma, que as modificações orgânicas se reproduzem, ainda, na encarnação seguinte. Daí as crianças enfermas, disformes, apesar de boa saúde e excelente constituição dos pais.

Um dos mais curiosos fenômenos da biologia é o atavismo, isto é, a reprodução em uma raça, de certos caracteres pertencentes aos antepassados, mas desapare­cidos em seus descendentes. Darwin cita notáveis casos e confessa não poder explicar essa singularidade. Se esten­dermos aos animais as mesmas teorias, se os supusermos com um princípio inteligente, também revestidos de um duplo fluídico, que lhes reproduz exatamente a forma do corpo, compreenderemos facilmente que o animal, reencar­nado ao fim de certo tempo, pode trazer os caracteres físicos que tivera durante sua passagem anterior na tema; como, porém, seus congêneres progrediram, ele surge como uma anomalia.

Os homens apresentam, no ponto de vista moral e mesmo físico, casos semelhantes. Os Espíritos rotineiros e atrasados, sempre opostos a qualquer idéia de progresso, são almas que não se adiantaram suficientemente e que dão exemplos de atavismo intelectual.

Em suma, diremos com Allan Kardec, que o indivíduo que se mostra, simultaneamente, em dois lugares diferen­tes, tem dois corpos; mas, desses dois corpos, um só é permanente, o outro é apenas temporário; pode-se dizer que o primeiro tem a vida orgânica e o segundo a da alma. Ao despertar, os dois corpos se reúnem e a vida da alma reaparece no corpo material.

Não pareceria possível que pudessem dois corpos, em estado de separação, gozar simultaneamente, e no mes­mo grau, a vida ativa e inteligente. Entretanto, dir-se-ia contradizerem esta lei os exemplos de Antônio de Pádua e de Xavier.

Deve-se, talvez, atribuir essa divergência aos cronis­tas, que, impressionados por fatos tão estranhos, quiseram torná-los ainda mais misteriosos, atribuindo-lhes uma si­multaneidade absoluta.

Deduz-se mais desses fenômenos, que o corpo real não poderia morrer, enquanto o corpo aparente se mostras­se visível, pois que a aproximação da morte atrairia o Espírito para o corpo, ainda que por um instante. Resulta disso igualmente que o corpo aparente não poderia ser morto, pois que não é formado, assim como o corpo mate­rial, de carne e ossos.

Charles Bonnet, discípulo de Leibnitz, tinha já entre­visto a existência do perispírito e sua necessidade. Eis o que ele escrevia em diferentes livros que publicou:(17)

Estudando-se, com algum cuidado, as faculdades do homem, obser­vando-se-lhes a mutua dependência, ou a subordinação de umas para com as outras, e a ação de suas finalidades, descobriremos, facilmente, quais os meios naturais por que se desenvolvem e aperfeiçoam. Podemos, pois, conceber meios análogos e mais eficazes que levariam essas faculdades o mais alto grau de perfeição.

O grau de perfeição a que o homem pode atingir na Terra está em rela­ção direta com os meios que lhe são dados e com o mundo que ele habita. Um estado mais adiantado das faculdades humanas não poderia estar em relação com o mundo em que o homem deve passar os primeiros momentos de sua existência. Essas faculdades são infinitamente perceptíveis, e percebemos que algum dos processos naturais que as aperfeiçoarão um dia podem existir desde já no homem.

Sendo o homem chamado a habitar, sucessivamente, dois mundos diferentes, sua constituição original deve encerrar coisas relativas a esses dois mundos.

Dois meios principais poderão aperfeiçoar, no mundo futuro, todas as faculdades do homem: sentidos mais apurados e sentidos novos.

Os sentidos são a primeira fonte de nossos conhecimentos. As nossas mais abstratas idéias derivam sempre das idéias sensíveis. O espírito não cria nada, mas opera, quase sem cessar, sobre a multidão de sensações diversas que adquire pelos sentidos.

Dessas operações do espírito, que são sempre comparações, combinações, abstrações, nascem, por uma geração natural, as ciências e as artes.

Os sentidos destinados a transmitir ao espírito as impressões dos objetos estão em relação com esses objetos. O olho está em relação com a luz, o ouvido com o som.

Quanto mais perfeitas, numerosas e diversas são as relações entre os sentidos e seus objetos, tanto mais eles manifestam ao espírito as qualidades desses objetos, e quanto mais claras, vivas e completas as percepções dessas qualidades, mais o espírito formará delas uma idéia distinta.

Vemos que nossos sentidos atuais são suscetíveis de um grau de aperfeiçoamento muito superior ao que lhe conhecemos e que nos espantam em certos indivíduos. Podemos, mesmo, fazer idéia nítida desse acréscimo de perfeição, pelos efeitos prodigiosos dos instrumentos de ótica e de acústica.

Imagine Aristóteles observando uma larva com os nossos microscó­pios ou contemplando com os nossos telescópios Júpiter e suas luas. Qual não seriam sua surpresa e seu enlevo!

Quais não serão também os nossos, quando, revestidos do corpo espiritual, tiverem nossos sentidos adquirido toda a perfeição que podiam receber do benfazejo Autor do nosso ser!

Essas deduções são tanto mais justificadas quanto iremos ver que o Espírito, desprendido do corpo, tem percepções de que não podemos fazer idéia. O involucro perispiritual lhe permite perceber vibrações que nos são desconhecidas e que lhe proporcionam outros conhecimen­tos e em maior número que nos homens.

Está claro que falamos sempre dos Espíritos adianta­dos, já libertos das peias grosseiras do perispírito material. Quanto aos outros, eles são, como veremos, ignorantes do que se passa em torno de si e conhecem menos sobre o Universo e suas leis que muitos sábios do nosso mundo.

CAPÍTULO III

O PERISPÍRITO DURANTE A DESENCARNAÇÃO - SUA COMPOSIÇÃO

Há dois meios para verificar a existência do perispírito nos desencarnados. Podemos, em primeiro lugar, obser­vá-lo quando se produzem as manifestações da alma, como o fizemos quanto ao duplo fluídico do homem; depois, assegurar-nos de sua existência pelos médiuns videntes e pelo testemunho dos Espíritos.

Fiel ao método positivo, vamos primeiro que tudo narrar certo número de fatos que estabelecem que a perso­nalidade póstuma é inegável. É, pois, a demonstração ao mesmo tempo da imortalidade da alma e do seu invólucro, o que se depreenderá deste estudo.

Conta Allan Kardec na Revue, de abril de 1860:

O seguinte fato de manifestação espontânea foi transmitido ao nosso colega Krotzoff, de São Petersburgo, pelo seu compatriota, o barão Tcherkasoff, morador em Cannes, que lhe garante a autenticidade. Parece que o fato é muito conhecido e causou grande sensação na época em que se produziu.

No começo deste século, havia em S. Petersburgo um artífice que mantinha grande número de operários em suas oficinas; não me lembro do seu nome, mas creio que era um inglês. Homem probo, humano e metódico, ocupava-se não só com o bom fabrico dos seus produtos como muito mais ainda com o bem-estar físico e moral de seus operários, os quais ofereciam, por isso, o exemplo do bom procedimento e de uma concórdia quase fraterna. Segundo costume observado na Rússia até os nossos dias o patrão lhes dava casa e comida, ocupando eles os andares superiores e os sótãos do mesmo edifício que ele.

Certa manhã, muitos operários, ao acordar, não en­contraram mais suas roupas, que haviam posto junto a si ao se deitarem. Não se podia supor um roubo. Fizeram-se indagações inúteis e acreditou-se que os mais maliciosos tivessem querido pregar uma peça a seus camaradas; enfim, à custa de pesquisas, encontraram-se todos os objetos desa­parecidos, no celeiro, nas chaminés e até no teto. O patrão fez uma admoestação geral, visto que ninguém se confes­sava culpado e, ao contrário, todos protestavam inocência.

Pouco tempo depois, o fato começou a repetir-se; novas admoestações, novos protestos. Pouco a pouco isso começou a repetirem-se todas as noites e o patrão previu como conseqüência disso vivas inquietudes, porque, além do prejuízo no trabalho, via-se ameaçado com a emigração dos operários, receosos de ficar numa casa onde se passa­vam - diziam eles - coisas sobrenaturais.

A conselho do patrão, organizou-se uma vigilância noturna escolhida pelos próprios anciãos para surpreender o culpado; mas nada se conseguiu; as coisas, pelo contrario, pioraram. Os operários, para irem a seus aposentos, deviam subir escadas, que não eram alumiadas; ora, suce­deu que muitos recebiam pancadas e bofetões; quando procuravam defender-se, batiam no vazio, entretanto, a força das pancadas recebidas fazia supor que se haviam com pessoa robusta.

Aconselhou-os, então, o patrão, a que se dividissem em dois grupos; um deveria ficar em cima da escada, e outro embaixo; seria, assim, apanhado o mal gracejados, que receberia o merecido corretivo. Mas, falhou a previ­dência; os dois grupos foram batidos, sem misericórdia, e cada qual acusou o outro. As recriminações tornaram-se cruentas e a desinteligência chegou a tais extremos, que o pobre patrão já pensava em fechar as oficinas ou mu­dar-se.

Uma tarde, estava ele sentado, triste e pensativo, rodeado da família; todos se sentiam abatidos, quando um grande ruído se fez ouvir no quarto ao lado, que lhe servia de gabinete de trabalho. Ele se levantou precipitada­mente e foi reconhecer a causa do ruído. A primeira coisa que viu, abrindo a porta, foi sua secretária escancarada, e a vela acesa; ora, ele acabara, pouco antes, de fechar a secretária e extinguir a luz. Aproximando-se, notou, na escrivaninha, um tinteiro de vidro, uma pena que não lhe pertenciam e uma folha de papel, onde estavam escritas estas palavras: Mande demolir a parede em tal lugar (era na escada); aí encontrará ossos humanos que fará sepultar em terra santa. O patrão apanhou o papel e correu a avisar a polícia.

No dia seguinte, procuraram saber donde provinham o papel e a pena. Mostrando-os aos habitantes da mesma casa, chegaram a um negociante de legumes e gêneros coloniais, que tinha sua loja no pavimento térreo, e este reconheceu um e outra como seus. Interrogado a respeito da pessoa a quem os havia dado, ele respondeu: Ontem, à noite, tinha já fechado a porta, quando ouvi um pequeno ruído na corrediça da janela; abri-a, e um homem, cujos traços não pude distinguir, disse-me: - peço-lhe que me dê tinta e pena, que pagarei. Tendo-lhe entregue esses objetos, ele me atirou uma grossa moeda de cobre, que vi cair no assoalho, mas que não pude encontrar.

Demoliu-se a parede no local indicado e aí acharam ossos humanos, que foram enterrados, e tudo entrou em ordem. Jamais se pôde saber a quem tinham pertencido.

Vemos nesta história todos os traços distintivos que encontraremos nas seguintes. 1:, o Espírito é invisível, impalpável, porém manifesta uma presença por efeitos físi­cos que provam estar materializado; 2:, pede para ser sepultado em terra santa. Vamos ver que, na maioria dos casos, é assim que as coisas se passam.

As aparições tangíveis são menos raras do que se poderia supor. Eis uma narrada também por Allan Kardec:

A 14 de janeiro último, o Senhor Lecomte, cultivador na comuna de Brix, distrito de Valogne, foi visitado por um indivíduo, que se disse um antigo camarada, que com ele havia trabalhado no porto de Cherburgo e cuja morte remontava a dois anos e meio. Esta aparição vinha pedir a Lecomte que lhe mandasse rezar uma missa. Ela voltou a 15. Lecomte, menos assustado, reconheceu, efetivamen­te, seu antigo camarada, mas, ainda perturbado, não soube que lhe responder. O mesmo sucedeu a 17 e 18 de janeiro. A 19 lhe disse Lecomte: Já que desejas uma missa, onde queres que seja dita, e a assistirás?

- Desejo, respondeu o Espírito, que seja dita na Capela do São Salvador, nestes 8 dias, e eu aí me acharei. - E acrescentou: - Não te via há muito tempo, e estou muito longe para vir ver-te. Dito o que, deixou-o, apertan­do-lhe a mão.

Lecomte não faltou à promessa. A missa foi dita a 27 de janeiro, em S. Salvador, e ele viu o antigo camarada ajoelhado nos degraus do altar. Desde esse dia Lecomte não foi mais visitado e voltou à tranqüilidade habitual.

Dissemos que, morrendo, o Espírito leva consigo suas crenças e seus preconceitos. Provam-no as duas histórias precedentes, visto que o Espírito de S. Petersburgo pe­de que seus ossos repousem em terra santa, e o segundo, que se mande rezar uma missa por ele. Não é demais repetir que isso é devido a achar-se a alma, depois da morte, em condições idênticas às que tinha na Terra.

O Espírito possui um corpo, o perispírito, que lhe parece material; ele vai e vem, conforme seus hábitos e admira-se por não lhe responderem. Sua situação é análo­ga à em que nos encontramos no sonho. Temos consciência de que vivemos, praticamos certos atos, vemos as pessoas e os objetos, mas tudo de modo especial. Nunca refletimos em nosso estado, durante esse tempo; sucedem-se os acon­tecimentos, neles tomamos parte, mas, quer exista, algu­mas vezes, felicidade ou sofrimento, e ainda que sintamos estas sensações, elas não produzem em nós as mesmas impressões da vigília. Parece que o raciocínio e a sensibi­lidade são desviados da atividade normal.

No sonho, o Espírito quer, pensa, age; acha-se em contato com outras personagens, conhecidas ou desconhe­cidas, mas não tira deduções desses encontros, ou do que vê; em uma palavra, não goza da plenitude de suas fa­culdades.

Na morte, reproduz-se o mesmo fenômeno. O Espírito entra em perturbação; ele sabe que está vivo, está certo de que existe, mas ninguém o acolhe: parentes e amigos nunca lhe dirigem a palavra. Vai às ocupações ordinárias, como durante a vida, e esta situação se prolonga até que reconheça seu estado.

Tais fatos não se produzem somente nos homens des­providos de inteligência; pode dar-se com espíritos culti­vados, mas que ou em nada tem, ou têm idéias falsas sobre o futuro da alma. É natural que o materialista, ainda o mais instruído, não se julgue morto, pois que, para ele, morte é sinônimo de nada. Por seu turno, os espíritos religiosos que crêem firmemente no julgamento de Deus, no paraíso, no inferno, se persuadem que não estão mortos, visto que possuem um corpo e nada sucede do que espe­ravam.

Eis aqui fatos que apóiam o nosso raciocínio.

O primeiro está narrado nos Anais da Academia de Medicina de Leipzig, foi discutido publicamente por esta sábia corporação, e apresenta, pois, todos os caracteres da certeza.

Em 1659 morreu em Crossen, na Silésia, um jovem boticário, chamado Cristóvão Monig. Alguns dias depois, viram um fantasma na farmácia. Todos reconheceram nele Cristóvão Monig. O fantasma senta-se, levanta-se, vai às prateleiras, apanha os potes, os frascos, muda-os de lugar. Examina e prova os medicamentos, pesa-os, mói as drogas com ruído, serve as pessoas que lhe apresentam receitas, recebe dinheiro e o coloca na gaveta. Ninguém ousa, entre­tanto, dirigir-lhe a palavra.

Tendo, sem dúvida, ressentimentos contra o patrão, que estava, então, seriamente enfermo, faz-lhe toda a sorte de pirraças. Um dia, apanha uma capa, na farmácia, abre a porta e sai. Atravessa as ruas sem olhar para ninguém, entra em casa de muitas pessoas de suas relações, contem­pla-as um instante, sem proferir palavra e retira-se. encon­trando no cemitério uma criada, diz-lhe: Vai à casa do teu patrão e cava no quarto térreo; aí encontrarás um tesouro inestimável. A pobre rapariga, espantada, perdeu os sentidos e caiu. Ele se abaixa e a apanha, mas lhe deixa um sinal, por muito tempo visível.

Voltando a casa e se bem que ainda muito assustada, ela conta o que lhe sucedeu. Cava-se no lugar designado e descobre-se, num velho pote, uma bela hematite. Sabe­-se que os alquimistas atribuem a essa pedra propriedades ocultas.

Tendo o ruído desses prodígios chegado aos ouvidos da princesa Elisabeth Charlotte, ordenou ela que se exu­masse o corpo de Monig. Pensavam tratar-se de um vampi­ro, mas só encontraram um cadáver em putrefação bem adiantada. Aconselharam, então, ao boticário, que se des­fizesse de todos os objetos que pertenceram a Monig. O espectro não mais apareceu a partir desse momento.

Aqui, o estado de que falamos é bem caracterizado. A alma do aprendiz volta e se entrega às ocupações habi­tuais; é o que acontece muitas vezes; mas a raridade dessas aparições se explica, porque nem sempre se apresentam as condições necessárias à materialização do perispírito.

Veremos daqui a pouco quais são estas condições.

Tomemos a Dassier outro caso em que a individua­lidade póstuma é também muito acentuada. O autor deve a narrativa à gentileza do Sr. Augé, antigo preceptor em Sentenac, Ariège, paróquia do padre Peytou.

Sentenac-de-Sérou, 8 de maio de 1879.

Senhor. - Pediste para contar, a fim de serem discutidos cientificamente, os fatos sobre as almas, geralmente admitidos pelas pessoas mais conceituadas de Sentenac, e que estejam cercados de tudo que os possa tornar incontestáveis. Vou citar tais como se produziram e os referem testemunhas dignas de fé.

Primeiro - Quando, há cerca de 45 anos, morreu o cura de Sentenac, Peytou, ouvia-se, todas as noites, a partir do anoitecer, alguém mover as cadeiras nos aposentos do presbitério, passear, abrir e fechar uma caixa de rapé, e produzir-se o ruído de quem toma uma pitada. O fato, que se reproduziu por muito tempo, foi, como acontece sempre, logo admitido pelos mais simples e mais medrosos. Os que queriam parecer o que me permitireis chamar os espíritos fortes da comuna, não lhe quiseram dar nenhuma fé. Contentavam-se em rir dos que pareciam ou, melhor dizendo, estavam persuadidos de que o Sr. Peytou, o cura morto, aparecia.

Antonio Eycheinne, maire da comuna, nessa época, falecido há 5 anos, e Batista Galy, que ainda vive, os dois bicos indivíduos um tanto instruídos do lugar, e, portanto, os mais incrédulos, quiseram certificar-se por si mesmos se todos os ruídos noturnos que - dizia-se - ouviam-se no presbitério, tinham algum fundamento ou se eram somente o efeito de imaginações fracas, que muito facilmente se assustam. Uma noite, armados com um fuzil e um machado, resolveram ficar na casa presbiterial, decididos, se ouvissem alguma coisa, a saber se eram vivos ou mortos, os que faziam o ruído.

Instalaram-se na cozinha, perto de um bom lume, e começaram a conversar sobre a simplicidade dos habitantes, declarando que não ouviam nada, e poderiam perfeitamente repousar no colchão de palha, que tiveram o cuidado de levar. Foi quando, no quarto, em cima, perceberam um ruído, depois cadeiras que se moviam e alguém que caminhava, depois descia as escadas, e dirigia-se paia a cozinha. Eles se levantaram. Eycheinne vai até à porta, com o machado na mão, pronto a ferir quem ousasse entrar, enquanto Galy prepara a espingarda.

Aquele que parecia caminhar, chegado em frente à porta da cozinha, toma uma pitada, isto é, os nossos homens ouviram o ruído que se faz ao tomar uma pitada, e, em lugar de abrir a porta da cozinha, o fantasma foi para o salão, onde parecia passear.

Eycheinne e Galy, sempre armados, saem da cozinha, passam para o salte, e não vêem absolutamente nada. Sobem aos quartos, percorrem a casa toda, perscrutam todos os cantos e acham tudo em seus lugares. Eycheinne, que era o mais incrédulo, disse, então, ao companheiro: - Amigo, não são os vivos que fazem o barulho, são realmente os mortos; é o cura Peytou; o que ouvimos foi seu andar e sua maneira de tomar pitadas. Podemos dormir tranqüilos.

Segundo - Maria Calvet, criada de Ferré, sucessor de Peytou, mulher tão corajosa quanto existir pudesse, que não se deixava impressionar por coisa alguma e em nada que se lhe contasse acreditava, que sem temor teria dormido numa igreja, como se diz vulgarmente de uma mulher que não tem medo; esta criada, digo, limpava certa tarde, ao cair da noite, no corredor do celeiro, os utensílios da cozinha. Ferré, seu patrão, que tinha ido visitar o cura Desplas, seu vizinho, não devia voltar naquele momento. Enquanto Calvet limpava os utensílios, um padre passou diante dela, sem lhe dirigir a palavra.

- Ó! o senhor não me faz medo senhor Cura - disse ela -, eu não sou tão tola para acreditar que o Senhor Peytou possa voltar.

Vendo que o padre, a quem tomava pelo patrão, havia passado sem lhe dizer nada, Maria Calvet levanta a cabeça, vira-se e não vê ninguém.

Começou, então, a assustar-se, desceu rapidamente a procurar os vizinhos, para dizer-lhes o que lhe sucedera e pedir à mulher de Galy que viesse dormir com ela.

Terceiro - Ana Maurette, esposa de Raymond Ferraud, ainda viva, dirigia-se ao morro, ao amanhecer, pata buscar, com seu burro, uma carga de lenha. Passando diante do jardim presbiterial, vê um padre, que passeava na alameda, com um breviário na mão. Quando lhe ia dizer - Bom dia, senhor padre, levantou-se muito cedo -, o padre voltou-se e continuou a ler o breviário.

Não o querendo interromper, a mulher retomou seu caminho, sem que lhe viesse à idéia pensamento de almas.

Ao voltar do morro, com o burro carregado de lenha, encontrou o cura de Sentenac diante da igreja.

- Levantou-se hoje muito cedo, Sr. Cura - disse ela - pensei que ia fazer uma viagem, pois, ao passar, vi-o rezando no jardim.

- Não, boa mulher - respondeu o vigário -, não há muito que saí da cama, e acabo de dizer missa.

- Então - replicou a mulher, tomada de medo - quem era esse padre que lia o breviário, ao amanhecer, na aléia do jardim, e voltou-se no momento em que eu lhe ia dirigir a palavra? Foi bom que eu acreditasse que era o senhor. Teria morrido de medo se pudesse pensar que era o cura, que já não existe. Meu Deus! Eu não teria mais coragem pata voltar de manhã.

Eis ai, senhor, três fatos, que não são o produto de uma imaginação fraca e assustada, e duvido que a Ciência possa explicá-los. Serão os mortos? Não o afirmarei, mas há ai alguma coisa que não é natural.

Seu, muito dedicado.

J. AUGÉ.

Todas as circunstâncias desta narrativa mostram a personalidade póstuma do cura Peytou, continuando no outro mundo a vida terrestre. Ela anda de um lado pa­ra outro no seu apartamento, passeia, lendo o breviário; é, pois, impossível negar a persistência da individualidade nestas condições.

Para não fatigar o leitor, limitar-nos-emos a citar a seguinte história contada pelo cavalheiro Mosseaux, que assim se exprime, falando da aparição dos Espíritos:

Estes fatos são confirmados em nossos dias por obras anglo-ame­ricanas modernas, publicadas por sábios como o grande juiz Edmonds, presidente do Senado, Roger, Bavie, Grégory, professor da Universidade de Edimburgo. Entre os inumeráveis fatos desta ordem, eis o que contava, a quem queria ouvi-lo, o homem menos católico e mais cético do mundo, Lord Byron:

Disse-me o Capitão Kidd: - Acordei uma bela noite na minha rede e senti sobre mim alguma coisa pesada; abri os olhos, era meu irmão, uniformizado, e deitado em minha cama. Quis supor que a visão não passava de um sonho, e fechei os olhos para dormir. Mas fez-se sentir o mesmo peso e revi meu irmão, deitado na mesma posição. Estendi a mão e toquei seu uniforme, ele estava molhado! Chamei, veio alguém, e a forma humana desapareceu. Soube depois, que nessa mesma noite, meu irmão se afogara no Oceano Índico.

São abundantes os fatos que demonstram a sobrevi­vência e a manifestação dos Espíritos.

Não continuaremos nossa enumeração e referindo-nos ao livro de Dassier, tomaremos suas notas principais, dedu­zidas de milhares de observações. O ser póstumo possui, como o duplo fluídico do homem, uma forma nitidamente definida, que reproduz a fisionomia e o conjunto físico do defunto. O Espírito, nestas condições, passa através dos obstáculos materiais que se lhe quisesse opor, sem nenhum incômodo. Temo-lo visto entregar-se, habitual­mente, às mesmas ocupações que tinha em vida e cessar, repentinamente, suas manifestações.

Dassier, positivista, negava, a princípio que a sobrevi­vência fosse possível; depois, vencido pela evidência, reco­nheceu o erro e proclamou a existência do ser póstumo. Mas, o mais curioso é que ele não a admite indefini­damente.

Crê, no fantasma, uma existência momentânea, devida ao pouco de força vital que lhe resta no corpo, depois da morte. Julga que, destruído o cérebro, não pode o morto fazer ato de inteligência, ir, vir, falar... Ensina-nos que o fantasma se dissocia lentamente para entrar no gran­de todo. Em que se baseia sua apreciação? Em não se reproduzirem sempre às manifestações.

A razão é especiosa, porque as manifestações cessam, em geral, quando se faz à vontade do ser manifestante e desde então ele não tem mais motivo algum para conti­nuar o seu alvoroço; aliás, as comunicações que recebemos, todos os dias, nos afirmam que a alma é imortal, e que, em vez de se dissolver lentamente, vai, pelo contrário, aumentando moral e intelectualmente. Sim, mas Dassier não acredita nas comunicações; ele imagina que elas são produzidas pelo duplo fluídico da pessoa evocadora, por aquilo que ele chama o éter mesmérico.

Basta, para combater esta infeliz teoria, chamar a atenção para o fato de que os médiuns estão absolutamente em seu estado normal quando obtêm comunicações. Se só houvesse relações com o mundo dos espíritos por meio de sonâmbulos, poderíamos admitir a intervenção da dupla personalidade, mas nossos médiuns permanecem perfeita­mente acordados e, além disso, a hipótese de Dassier não explicaria mesmo todos os casos de mediunidade.

Admitamos por um instante que a personalidade mes­meriana do médium esteja agindo; esta personalidade, su­pondo que ela reproduza exatamente o físico e intelectual do médium, não pode adquirir, pelo só fato de sua mudan­ça, qualidades que ela antes não possuía. Após isto, como explicar as comunicações recebidas em línguas estrangei­ras, o hebraico-siríaco de Des Mousseaux, e as faculdades do caixeiro de que fala Cox, o qual tratava dos mais altos assuntos da filosofia? Não, uma doutrina como a de Dassier não é aceitável e longe de destruir, como ele pretende, as enervantes alucinações do Espiritismo, vem confirmar ainda mais a nossa fé, pelos numerosos argumen­tos que seu livro nos traz.

Assinalemos, ainda, dois caracteres do ser póstumo. Ele se desloca com tanta rapidez como o fantasma vivo. O irmão do capitão Kidd, morto no Oceano Índico, vem encontrá-lo no Atlântico, na mesma noite em que se deu a morte.

Em segundo lugar, o ser póstumo parece recear a luz; evita-a com extrema prontidão. Todas as suas manifes­tações se dão à noite, e raramente durante o dia, e, neste caso, à aproximação dos crepúsculos.

Dassier atribui à luz uma ação desorganizadora, devi­da à extrema rapidez das vibrações luminosas. Somos desta opinião, veremos agora mesmo por que e em que condições.

Verificamos, até agora, a existência da alma depois da morte, notamos que ela é revestida de um invólucro, e isto, baseando-nos na observação de fatos, cuja autenti­cidade nos parece bem estabelecida. Mas, os incrédulos porão à conta de alucinação a maior parte desses fatos. Em vão se lhes objetará que semelhante concordância, entre os casos extraídos de fontes diferentes, lhes pro­va a realidade; eles continuarão a negá-los e a atribuí-los a uma atração doentia que o vulgo sente pelo maravilhoso. Do alto de seu ceticismo ignorante não deixarão de sorrir dessas superstições populares.

Talvez possamos, porém, abalar esta segurança zom­beteira, se lhes pusermos sob os olhos, não mais descrições apanhadas aqui ou ali, o que é possível sempre recusar, mas experiências precisas, feitas por homens de ciência, em seus laboratórios.

Os fatos de materialização dos Espíritos, assinalados em todos os tempos, não se realizavam de modo regular, e a singularidade das circunstâncias em que se produziam, o medo de que se viam tomadas às testemunhas, eram razões para que fossem mal observados.

Graças ao Espiritismo, podemos experimentar hoje, com alguma certeza; conhecemos, teoricamente, a causa desses fenômenos, e se não podemos ainda explicar, cientificamente, como se produzem, já achamos na Ciência os mais firmes pontos de apoio. Vamos recorrer ao trabalho de Crookes - Pesquisas sobre o Espiritismo -, que é a reprodução de artigos que ele publicou no Quartely Review, reunidos em volume pela livraria de ciências psicológicas.

Quando esses notáveis trabalhos apareceram na Ingla­terra, excitaram pasmo geral. Como ousava um homem daquele valor pronunciar-se afirmativamente sobre tão con­trovertido assunto e apoiá-lo com experiências científicas? O fato era verdadeiramente incrível e de todos os lados se fizeram ouvir as vociferações dos materialistas.

Crookes desdenhou esses ataques, que não tinham base, mas uma vez por todas ele responde aos que o acusa­vam de não ter suficiente competência para pronunciar-se a respeito dessas questões: Parece que o meu maior crime é o de ser um especialista entre os especialistas! Eu, um especialista! é verdadeiramente novidade para mim, que eu tenha limitado a minha atenção a um só assunto especial.

O meu cronista seria bastante capaz para dizer-me qual é este assunto? É a Química Geral, de que tenho feito relatórios desde a criação da Chimical New em 1859? É o thallium a respeito do qual o público provavelmente ouviu dizer tudo o que lhe podia interessar? É a análise química sobre o qual publiquei recentemente um tratado dos métodos escolhidos, o qual é o resultado do trabalho de doze anos? É a desinfecção, a prevenção e a cura da peste bovina sobre a qual publiquei um relato que pode se dizer, popularizou o ácido carbônico? É a fotogra­fia, sobre a qual escrevi numerosos artigos, tanto sobre a teoria quanto sobre a prática? É a metalurgia do ouro e da prata, na qual minha descoberta do valor do sódio para o processo de amalgamação é presentemente de largo emprego na Austrália, na Califórnia e na América do Sul? É a ótica, ramo para o qual só me compete enviar às minhas memórias sobre alguns fenômenos da luz polariza­da, publicadas antes que eu tivesse vinte e um anos; a minha descrição detalhada do espectroscópio e meus traba­lhos com este instrumento numa época em que ele era quase desconhecido na Inglaterra; e a meus artigos sobre os espectros solares e terrestres; a meus estudos so­bre os fenômenos óticos das opalas e a construção do microscópio espectral; a minhas memórias sobre a medida da intensidade da luz e à descrição de meu fotômetro de polarização? Ou bem é a Astronomia e a Meteorologia a minha especialidade, pois que durante um ano estive no Observatório Radcliffe em Oxford, onde, além de minha função especial de superintender a meteorologia, partilhara meus lazeres entre Homero e os matemáticos em Magdalen Hall, à procura dos planetas e à fixação de sua passagem com M. Pogson, agora diretor do Observatório de Madras, e a fotografia celeste executada com o magnífico heliôme­tro vinculado ao observatório. As fotografias da lua, toma­das por mim em 1855, no Observatório de M. Hartnup, em Liverpool, foram durante alguns anos as melhores exis­tentes, e a Sociedade Real me honrou com uma gratificação em dinheiro para prosseguir meus trabalhos sobre este as­sunto. Estes fatos, juntos à minha viagem a Oran, no ano passado, na qualidade de membro.da expedição enviada pelo governo para ali estudar o eclipse, e ao convite que recebi recentemente para ir ao Ceilão com o mesmo objetivo, pareceriam mostrar que a Astronomia é a minha espe­cialidade.

Para falar a verdade, poucos homens de ciência pres­tam-se menos do que eu à acusação de ser um especialista entre os especialistas.

Juntemos a este magnífico conjunto de descobertas a da matéria radiante, e poderemos ousadamente caminhar atrás de um tal homem, sem temer os sarcasmos dos igno­rantes, que não nos poderiam atingir.

Foi estudando com Home que Crookes obteve as pri­meiras manifestações visíveis e tangíveis. Já referimos que ele vira mão luminosa escrever rapidamente, elevar-se e desaparecer. Prosseguindo nas experiências, teve ocasião de verificar formas e figuras de fantasmas. Esses fenôme­nos - disse ele - foram os mais raros que testemunhei. As condições necessárias para sua produção parecem tão delicadas, basta tão pouca coisa para contrariar a manifes­tação, que raras foram às ocasiões de os ver nas condições de verificação suficiente. Mencionarei dois casos:

Ao declinar do dia, durante uma sessão de Home em minha casa, vi agitarem-se as cortinas de uma janela, que distava cerca de 8 pés de Home. Uma forma sombria, obscura, semitransparente, semelhante a uma forma humana, foi vista por todos os assistentes, de pé, perto da janela, e agitava a cortina com a mão. Enquanto a olhávamos, desvaneceu-se, e a cortina deixou de agitar-se.

O caso que se segue é ainda mais interessante. Como no caso precedente, Home era o médium.

Uma forma de fantasma adiantou-se do canto do aposento, apanhou um acordeon, e, tocando esse instrumento, deslizou pelo quarto. Essa forma foi, durante muitos minutas, vista por todas as pessoas presentes, percebendo—se, também, ao mesmo tempo, o médium Home.

O fantasma, em seguida, aproximou-se de uma senhora, que estava sentada a certa distancia dos demais assistentes; a senhora deu um pequeno grito, e o fantasma desapareceu.

Já não é contestável, aqui, a narrativa da aparição; não é ela verificada por campônios ignorantes e supersti­ciosos, não se produziu em época afastada, ou diante de pessoas incompetentes para julgar. Não é possível o embus­te, visto que a aparição se mostra na própria casa de Crookes. Este fato justifica a possibilidade e, mais que isso, diremos, a certeza de que os outros realmente ocor­reram.

Outras provas se vêm juntar às precedentes e estabele­cem, de modo irrecusável, a existência e materialização dos Espíritos, dadas certas condições.

Como dissemos, houve lutas apaixonadas, polêmicas violentas nos jornais ingleses, e foi, por essas dissensões, que tivemos a felicidade de ver Crookes intervir no debate, com uma série de cartas, onde expõe os resultados a que chegou, em companhia de Miss Florence Cook.

Digamos como se procede, comumente, para se obte­rem as materializações de Espíritos, e assim poderá o leitor acompanhar a discussão.

Em um quarto qualquer, suspende-se, em diagonal, num dos cantos, uma cortina, que se pode mover sobre varões. Nesse reduto se coloca o médium, depois de exa­minado dos pés à cabeça; os presentes assentam-se em círculo, com as mãos unidas; fecham-se todas as portas. Ao fim de certo tempo, aparece o Espírito, vindo do gabi­nete, e passeia no espaço deixado pelos assistentes. Dito isto, voltemos a Crookes. Eis sua primeira carta:

Senhor. Esforcei-me o quanto pude, para evitar a controvérsia em assunto tão inflamável como os chamados fenômenos espiritistas. Exceto pequeno número de casos em que a eminente posição de meus adversários poderia dar a meu silêncio outros motivos que não os verdadei­ros, nunca repliquei aos, ataques e falsas interpreta~ que minha ligação com essa causa fizeram dirigir contra mim.

O caso, porém, muda de figura, desde que algumas linhas de minha parte possam afastar injustas suspeitas, lançadas sobre alguém. E quando esse alguém é uma mulher jovem, sensível e inocente, julgo especialmente um dever trazer o peso do meu testemunho em favor daquela que creio injustamente acusada.

Entre todos os argumentos apresentados de uma parte e outra, com referência aos fenômenos obtidos pela mediunidade da senhorita Cook, vejo estabelecidos poucos fatos que possam levar o leitor a dizer, admitin­do-se que ele possa ter confiança no juízo e na veracidade do narrador: Enfim, eis uma prova absoluta!

Vejo muitas falsas asserções, muitos exageros não intencionais, conje­turas e suposições sem fim, insinuações de fraude, facécias vulgares; mas não vejo ninguém apresentar-se com a afirmação positiva, baseada na evidência dos próprios sentidos, de que, quando a forma que dá pelo nome de Katie está no quarto, o corpo da senhorita Cook está ou não, no mesmo tempo, no gabinete.

Parece que toda a questão se encerra nestes estreitos limites.

Prove-se como um fato uma ou outra das duas alternativas precedentes, e todas as outras questões subsidiárias serão afastadas.

A sessão se fazia em casa do Sr. Luxmore e o gabinete (espaço reservado ao médium), era uma sala separada por uma cortina do aposento da frente, no qual se achava a assistência.

Inspecionada a sala e examinadas as fechaduras, a senhorita Cook penetrou no gabinete.

Ao fim de pouco tempo, apareceu a forma de Katie, ao lado da cortina, donde logo se retirou, dizendo que sua médium não se achava bem, nem podia ser posta em profundo sono, de maneira a poder afastar-se dela sem perigo.

Eu estava colocado a alguns pés da cortina, atrás da qual Miss Cook se sentara; e podia ouvir-lhe, freqüentemente, os gemidos e suspiros, como se ela sofresse. Esse continuou por intervalos, durante quase todo o tempo da sessão, e, em certo momento, quando a forma de Katie estava diante de mim, no quarto, ouvi distintamente o som de um soluço dolente, idêntico aos que Miss Cook fazia ouvir, por intervalos, no curso da sessão, e que vinha de trás da cortina onde ela estava assentada.

Declaro que a figura era cheia de vida e tinha a aparência da realidade, e tanto quanto pude ver à luz um pouco indecisa, seus traços assemelhavam-se aos da Srta. Cook; mas a prova positiva dada por um dos meus sentidos, de que o suspiro provinha da senhorita Cook, no gabinete, quando a figura estava fora, essa prova é bastante forte para ser desfeita por uma simples suposição contrária, ainda que bem sustentada.

O testemunho de Crookes é uma garantia da exatidão dos fatos; vamos ainda ver que essas manifestações, um tanto vagas, se foram acentuando, até levar Crookes a dizer, numa carta seguinte: Sou feliz por haver obtido, enfim, a prova absoluta de que falava na carta precedente. Demos a palavra ao eminente químico: Por enquanto não falarei da maior parte das provas que Katie me deu nas numerosas ocasiões em que a senhorita Cook me favo­receu com sessões em minha casa, e não descreverei senão uma ou duas das que tiveram lugar recentemente.

Desde alguns anos, experimentava com uma lâmpada de fósforo, consistindo numa garrafa de 6 ou 8 onças que continha um pouco de óleo fosforado e permanecia solidamente arrolhada. Eu tinha razões para esperar que a luz desta lâmpada, alguns dos misteriosos fenômenos do gabinete pudessem tornar-se visíveis e a própria Katie esperava obter o mesmo resultado.

A 12 de março, durante uma sessão em minha casa, e depois de ter Katie passeado por entre nós e nos haver falado, durante algum tempo, retirou-sé para trás da cortina, que separava meu laboratório, onde estava a assistência, de minha biblioteca, que temporariamente, fazia as vezes de gabinete. Pouco depois, ela me chamou e disse: - 'Entre no quarto e levante a cabeça da médium, que escorregou para o chão.

Katie estava, então, diante de mim, vestida com sua roupa branca habitual e toucada com seu turbante. Dirigi-me imediatamente para a biblioteca, a fim de levantar Miss Cook, e Katie deu alguns passos de lado para que eu passasse. Com efeito, Miss Cook tinha escorregado, em parte, de cima do canapé, e sua cabeça estava em penosa posição. Pô-la no canapé e tive, apesar da obscuridade, a viva satisfação de verificar que Miss Cook não estava vestida com a roupa de Katie, mas trazia seu trajo ordinário de veludo preto e se encontrava em profunda letargia. Não haviam decorrido cinco minutos, entre o momento em que vi Katie, de vestuário branco, diante de mim, e o em que levantei Miss Cook para o canapé, retirando-a da posição em que se encontrava.

Voltei a meu posto de observação; Katie apareceu de novo e me declarou que supunha poder mostrar-se ao mesmo tempo que a médium. Abaixou-se o gás e ela pediu-me a lâmpada fosforescente. Depois de se ter apresentado sob essa luz, durante alguns segundos, devolveu-ma, dizendo: - Agora, entre e venha ver a médium.

Segui-a de perto à biblioteca e, à luz da lâmpada, vi Miss Cook repousando no sofá, exatamente como a tinha deixado. Olhei em torno de mim para ver Katie; ela, porém, tinha desaparecido; chamei-a, mas não recebi resposta. Retomei meu lugar e logo Katie reapareceu e me disse que durante todo o tempo havia permanecido de pé, ao lado da senhorita Cook. Perguntou-me então se ela própria não poderia tentar uma experiência, e tomando-me das mãos a lâmpada de fósforo, passou para trás da cortina, pedindo-me que não olhasse por enquanto atrás dela. No fim de alguns momentos ela me entregou a lâmpada, dizendo que não pudera ter êxito, que ela havia esgotado todo o fluido do médium, mas que tentaria numa outra vez.

Meu filho mais velho, um rapaz de 14 anos, que estava sentado defronte de mim, numa posição tal que ele podia ver atrás da cortina, disse-me que havia visto distintamente a lâmpada de fósforo parecendo flutuar no espaço acima da senhorita Cook e iluminando-a enquanto ela permanecia estendida imóvel sobre o sofá, mas ninguém pudera ver segurando a lâmpada.

Passo, agora, à sessão realizada ontem, à noite em Hackney. Katie nunca me apareceu com tanta perfeição; durante perto de duas ho­ras passeou pelo aposento, conversando familiarmente com os presentes. Muitas vezes, ao passar, tomou meu braço, e a impressão por mim sentida era a de que uma mulher viva estava a meu lado, e não uma visitante do outro mundo; esta impressão, afirmo, foi tão forte que quase não resisti à tentativa de repetir uma recente e curiosa experiência.

Pensando que, se não tinha junto a mim um Espírito, havia, pelo menos, uma senhora, pedi-lhe permissão para segurá-la, a fim de verificar as interessantes observações que experimentador ousado fizera conhecer recentemente, de maneira prolixa. A permissão me foi dada graciosamente, e usei-a, como o faria qualquer homem educado, nessas circunstâncias.

O Sr. Volckman ficará satisfeito de saber que eu pude corroborar sua asserção de que o fantasma (que; de resto, não fez nenhuma resistência) era um ser tão material como a própria senhorita Cook.

Katie disse, então, que, desta vez, julgava poder mostrar-se ao mesmo tempo que a Srta. Cook. Diminuí o gás, e, em seguida, com uma lâmpada fosforescente, penetrei no gabinete. Tinha anteriormente pedido a um dos meus amigos, hábil estenógrafo, anotasse qualquer observação que eu pudesse fazer, enquanto estivesse no gabinete, pois, conhecendo a importância das primeiras impressões, não queria confiar à memória mais do que era necessário. Estas notas estão, neste momento, diante de mim.

Entrei na câmara com precaução; estava escura e foi tateando que procurei Miss Cook; encontrei-a encolhida, no chão.

Ajoelhando-me, deixei entrar o ar na lâmpada, e, à sua claridade, vi esta moça, vestida de veludo preto, como no principio da sessão, e com a completa aparência de insensibilidade. Não se moveu quando lhe tomei a mão e lhe cheguei a lâmpada ao rosto, mas continuou a respirar tranqüilamente.

Levantando a lâmpada, olhei em torno de mim e vi Katie, em pé, perto e atrás da Srta. Cook, Vestia uma roupagem curta e flutuante, como já lhe tínhamos visto, durante a sessão. Com uma das mãos da Srta. Cook nas minhas, ajoelhei-me ainda, suspendi e abaixei a lâmpada, tanto para iluminar o corpo inteiro de Katie, como para conven­cer-me plenamente de que via, de fato, a verdadeira Katie, que tinha apertado em meus braços alguns minutos antes, e não o fantasma de um cérebro enfermo. Ela não falou mais, porém meneou a cabeça em sinal de reconhecimento. Por três vezes examinei, com cuidado, a Srta. Cook, encolhida diante de mim, para certificar-me de que a mão que segurava era bem a de uma mulher viva, e por três vezes virei a lâmpada para Katie, a fim de examiná-la com atenção firme, de modo que não tivesse a menor dávida de que ela ali estava, diante de mim:

No fim a senhorita Cook fez um leve movimento e logo Katie me fez sinal para que eu saísse; retirei-me para outra parte do gabinete e então deixava de ver Katie, mas não deixei o aposento até que a senhorita Cook tivesse despertado e que dois assistentes tivessem penetra­do com a luz.

Poder-se-ia supor, pelos conhecimentos que temos das propriedades do perispírito, que se opera simplesmente um desdobramento da personalidade da médium, mas as notas de Crookes vão mostrar-nos que o duplo fluídico não exerce aqui nenhum papel e que a ação é devida a um ser espiritual, momentaneamente materializado.

Antes de terminar este artigo, desejo que se conheçam algumas das diferenças que observei entre a Srta. Cook e Katie. A estatura de Katie é variável; vi-a, em minha casa, com mais seis polegadas que a Srta. Cook. Ontem, à noite, com os pés nus e na ponta dos pés, tinha 41/2 polegadas mais que Miss Cook. Estava com o pescoço descoberto, a pele era perfeitamente suave ao tato e à vista, enquanto Miss Cook possui uma cicatriz no pescoço, que, em circunstâncias seme­lhantes, se vá distintamente e é áspera. As orelhas de Katie não são furadas, ao passo que as da senhorita Cook trazem brincos, comumente. A cor de Katie é muito branca e a da Srta. Cook muito morena. Os dedos de Katie são muito mais compridos que os da Srta. Cook e seu rosto também maior. Nos modos e na forma de se exprimirem há diferenças notáveis.

Eis aí os fatos e acreditamos que se acham pormenori­zados e cercados das mais minuciosas precauções.

A boa fé do ilustre sábio não pode ser posta em dúvida; não poderia ele ser o joguete de uma ilusão, de uma alucinação, tomando fantasias como verdades. Esta explicação, que agradaria a Jules Soury, não pode, mesmo, ser invocada, porque a carta seguinte vai dizer-nos que se pôde fotografar o Espírito Katie. Ora, se é possível conceber um homem de gênio, alucinado, é inteiramente ridículo pretender que se possam fotografar alucinações.

Deixemos falar os fatos. Eis uma terceira e última carta de Crookes:

Tendo tomado parte muito ativa nas ultimas sessões de Miss Cook, e tendo conseguido obter numerosas fotografias de Katie King, à luz elétrica, pensei que a publicação de alguns pormenores seria interessante para os espiritistas.

Durante a semana que precedeu a partida de Katie, ela deu sessões em minha casa, quase todas as noites, a fim de que a pudesse fotografar a luz artificial. Com aparelhos completos de fotografia foram preparados para esse efeito. Eles consistiam em cinco câmaras escuras, uma do tamanho de uma placa inteira, uma de meia placa, uma de um quarto e duas câmaras binoculares estereoscopicas, que deviam ser dirigidas todas sobre Katie ao mesmo tempo, cada vez que ela posasse para obter o ser retrato. Cinco banhos sensibilizadores e fixadores foram empregados, e numerosas placas de vidro foram limpas previamente, prontas para servir a fim de que não houvesse hesitações nem atrasos durante as operações fotográficas, que eu próprio executava assistido por um auxiliar.

Minha biblioteca serviu de camara escura; ela tinha uma porta de dois batentes que se abria sobre o laboratório; um destes batentes foi retirado de seus gonzos, uma cortina foi suspensa em seu lugar para permitir a Katie entrar e sair facilmente. Os nossos amigos que estavam presentes achavam-se sentados no laboratório diante da cortina, e as máquinas fotográficas estavam colocadas um pouco atrás deles, prontas para fotografar Katie quando ela saísse, e a tocar fotografias igualmente do interior do gabinete, toda vez que a cortina fosse afastada com essa finalidade. Cada noite havia quatro ou cinco exposições de chapas, o que dava, pelo menos, quinze provas por sessão. Algumas se estragaram no desenvolvimento, outras, ao graduar a luz. Apesar de tudo, tenho 44 negativos, alguns medíocres, outros nem bons nem maus, e outros excelentes. Eis aqui dois certificados sob juramento, de que estas experiências foram realizadas nas melhores condições; eles foram publicados em 1875, numa brochura intitulada- Procès der Spi­rites''.

Villa chancer Road Hern Hill, Londres.

Declaro solene e sinceramente que sempre fiz meus estudos científicos e que estudei com grande cuidado os fenômenos espíritas durante alguns anos; sei que eles são reais. Em alguns casos descobri e desmascarei a impostura publicamente. Assisti a experiências em que Cromwell Warley, o criador do cabo submarino Atlântico, e William Crookes, membro da Sociedade Real de Londres, obtiveram, com absoluta evidência, formas espirituais materializadas e que, em diversas ocasiões, eram fenômenos verdadeiros, sem qualquer impostura. Nas experiências de Crookes, vi ser dada a prova destes fenômenos por instrumentos científicos destes sábios; nas de Warley, não vi o resultado sobre os instrumentos, porque eu estava ocupado em anotar as indicações desses mesmos instrumen­tos, enquanto uma corrente elétrica, passando sobre o corpo do médium no gabinete onde este último se encontrava, permitimos constatar que ele se achava sempre no mesmo lugar e impossibilitado de agir corro um espírito materializado.

Eu vi várias vezes mãos materializadas, que o médium não podia imitar de maneira alguma. Um dia, na casa da senhora Makdugall Grégory (21, Green-Street, Grosvenor Square, em Londres), vi clara e distintamente uma mão viva, materializada, que não era de qualquer uma das pessoas presentes; esta mão se agitava acima do assoalho a cerca de cinco pés de mim, enquanto o médium estava sentado numa cadeira.

Esta mão tocava sobre um instrumento de música, enquanto eu a observava.

Declaro que tudo isto é verdadeiro, e em virtude de um ato do parlamento, etc., etc.

Assinado por William Henry Harisson

Perante M. Leth do Conselho da rainha, administrador dos juramen­tos, e verificado pelo cônsul francês.

Eu, abaixo-assinado Edwards Dawson Rogers, da cidade de Londres, jornalista, certifico ter visto freqüentemente o fenômeno do espiritualismo chamado materialização e o aparecimento de uma segunda forma humana, que não a do médium, sair de uma pequena câmara ou gabinete, na qual o médium havia sido preso.

Vi isto mais de uma vez em condições rigorosas de experimentação impostas pelo professor Crookes, o ilustre químico e membro da Sociedade Real da Grã-Bretanha, em que era impossível praticar qualquer engano. A aparição passeava no meio dos experimentadores sentados diante do gabinete, com eles e sendo tocados por eles. Certa vez, estando desse modo ocupada à aparição, o professor Crookes entrou no gabinete e afastou a cortina que mantinha o médium c culto da assistência, vimos, então, ao mesmo tempo, o médium e a aparição materializada.

Assinado: E. Dawson Roger.

Rose Ville Fmchley (London W.).

Katie pediu aos assistentes que ficassem sentados; so eu não fui incluído nesta medida, porque, já havia algum tempo, me tinha ela dado a permissão de fazer o que quisesse, tocá-la, entrar e sair do gabinete, quando entendesse.

Segui-a ao gabinete e vi, em algumas ocasiões, a ela e à médium, ao mesmo tempo, porém, as mais das vezes, só encontrava a mé­dium, em letargia, repousando no chão; Katie e seu costume branco haviam instantaneamente desaparecido.

Durante os ultimos meses, a Srta. Cook fez-me numerosas visitas em casa, eai ficava semanas inteiras. Ela só trazia consigo uma pequena bolsa, que não fechava à chave; durante o dia estava constantemente em companhia da Sra. Crookes e de mim, ou de qualquer outro membro de minha família; não dormia só; faltava-lhe, absolutamente, a oportunidade de preparar, mesmo em caráter ligeiro, algo que se prestasse a representar o papel de Katie King. Preparei e dispus, eu mesmo, a minha biblioteca e o gabinete escuro, e, de hábito, depois que a Srta. Cook jantava e conversava conosco um pouco, dirigia-se diretamente para o gabinete; a seu pedido, eu fechava à chave a segunda porta e guardava a chave comigo durante toda a sessão: abaixava-se, então, o gás e deixava Miss Cook na obscuridade.

Entrando no gabinete, Miss Cook estendia no chão, com a cabeça numa almofada e caia logo em letargia. Durante as sessões fotográficas, Katie envolvia a cabeça da médium em um chale, para impedir que a luz lhe caísse no rosto. Eu levantava, freqüentemente, uma ponta da cortina, quando Katie estava perto e em pé. As sete ou oito pessoas que se achavam no laboratório podiam ver, ao mesmo tempo, Miss Cook e Katie, ao clarão da luz elétrica. Nós, no momento, não divisávamos o rosto da médium, por causa do chalé, mas lhe percebíamos as mãos e os pés, notávamos que ela se agitava, penosamente, sob a influência dessa luz intensa e, por instantes, ouvíamos-lhe os gemidos.

Tenho uma chapa em que Katie e a médium estão fotografadas juntas, mas Katie está colocada diante da cabeça de Miss Cook. Enquanto eu tomava parte ativa nessas sessões, a confiança que Katie tinha em mim aumentava gradualmente, a ponto de só querer dar sessões quando eu me encarregava dos dispositivos a tomar, dizendo que me desejava sempre perto dela e do gabinete. Estabelecida a confiança, e, estando ela convencida de que eu cumpriria minhas promessas, os fenômenos aumentaram de intensidade e tive provas, impossíveis de obter se me houvesse aproximado da sensitiva de modo diferente. Ela me interrogava freqüentemente a respeito das pessoas presentes às sessões e sabia a maneira como elas seriam colocadas, porque nos últimos tempos se tornara muito nervosa em conseqüência de certas sugestões mal-avisadas que aconselhavam empregar a força para proceder com maneiras mais científicas de pesquisar.

Uma das fotografias mais interessantes é aquela em que eu estou em pé, ao lado de Katie, tendo ela o pé nu em determinado ponto do assoalho. Fiz, em seguida, que Miss Cook se vestisse como Katie; ela e eu nos colocamos, precisamente, na mesma posição e fomos fotogra­fados pelas mesmas objetivas, colocadas absolutamente como na outra experiência, e clareadas pela mesma luz. Colocando uma sobre outra as duas fotografias, vê,-se que os meus retratos coincidem perfeitamente quanto à estatura, etc„ mas Katie é mais alta meia cabeça que Miss Cook, e perto desta parece uma mulher corpulenta. Em muitas provas, a largura do seu rosto e o tamanho de seu corpo diferem essencialmente da médium e as fotografias fazem ver muitos outros pontos de diferença.

Mas a fotografia é tão impotente para pintar a beleza perfeita do rosto de Katie, como são as palavras para descrever-lhe o encanto das maneiras. A fotografia pode, é verdade, desenhar-lhe a atitude, mas como poderia reproduzir-lhe a pureza brilhante da cor, a expressão, sem cessar variável, dos traços, ora velados de tristeza, ao narrar algum acontecimento de sua vida passada, ora risonhos, cheios da inocência de uma jovem, divertindo meus filhos, ao contar-lhes os episódios de suas aventuras na Índia?

Eu vi Katie tão bem, quando iluminada pela luz elétrica, que me é fácil acrescentar alguns traços às diferenças já estabelecidas num prece­dente artigo, entre ela e a médium.

Tenho certeza absoluta que a Srta. Cook e Katie são duas individua­lidades distintas, pelo menos no que concerne ao corpo. Muitos pequenos sinais, que se encontram no rosto da Srta. Cook, não existem no de Katie. A cabeleira da Srta. Cook é de um castanho tão escuro que parece preto. Um cacho de Katie, que aqui está sob meus olhos, e que ela me havia permitido cortar, em meio de suas luxuriantes tranças, e que segui com o dedo até a cabeça para certificar-me de que ele ai havia nascido, é de um rico castanho dourado.

Uma noite contei as pulsações de Katie: seu pulso batia regularmente 75, enquanto o de Miss Cook, poucos instantes depois, atingia a 90, sua cifra habitual. Apoiando o ouvido ao peito de Katie, pude escutar um coração bater no interior e suas pulsações eram ainda mais regulares que as do coração de Miss Cook, quando, depois da sessão, ela me permitiu a mesma experiência.

Examinados, do mesmo modo, os pulmões de Katie se mostraram mais sãos que os da médium, porque, no momento, Miss Cook seguia um tratamento médico, em virtude de forte resfriado. Vossos leitores acharão interessante, sem dúvida, que a vossos relatórios e aos de Ross Church, a respeito da última aparição de Katie, possam juntasse os meus, exceto aqueles que eu pudesse esquecer.

Quando chegou o momento de Katie dizer-nos adeus, pedi-Ihe o favor de ser o último a vê-Ia. Por isso, depois de chamar cada pessoa da sociedade e dizer-lhe palavras em particular, deu ela instruções gerais sobre nossa direção futura e a proteção que deveria ser dispensada a Mi$ Cook. Destas instruções, que foram estenografadas, cito a seguinte: Crookes sempre agiu muito bem, e é com a maior confiança que deixo Florence em suas mãos, perfeitamente certa de que ele não abusará da confiança que nele deposito. Em todas as circunstâncias imprevistas, ele poderá fazer melhor do que eu mesma, porque ele tem mais força.

Terminadas suas instruções, convidou-me a entrar consigo no gabinete e permitiu-me que ai ficasse até o fim.

Depois de fechar a cortina, conversou comigo algum tempo, e atra­vessou o quarto para ir onde estava Miss Cook, que jazia inanimada no chão. Inclinando-se sobre ela, Katie tocou-a e disse-lhe:

- Acorde, Florence, acorde. É preciso, agora, que eu a deixe.

Miss Cook despertou e, debulhada em lágrimas, suplicou a Katie que ficasse ainda algum tempo.

- Querida, não o posso mais: está cumprida minha missão. Que Deus lhe abençoe.

Conversaram durante algum tempo, até que as lágrimas da Srta. Cook a impediram de falar. Atendendo às instruções de Katie, atirei-me para segurar Miss Cook que estava prestes a cair e soluçava convulsiva­mente. Olhei em tomo, mas Katie e sua veste branca haviam desaparecido. Desde que a senhorita Cook se acalmou, se trouxe uma luz e eu a conduzi para fora do gabinete.

As sessões quase diárias, com que Miss Cook me favoreceu ultima­mente, esgotaram-lhe as forças. Quero que se saiba o muito que lhe devo pela sua boa vontade, durante as experiências. Submetesse de boa ¢ente a qualquer prova que lhe propunha. Sua palavra é franca e nunca lhe notei a menor aparência do desejo de enganar.

Não creio que ela pudesse levar uma fraude ao fim, e, se o tentasse, seria logo descoberta, porque tal maneira de proceder é inteira­mente estranha à sua natureza. E quanto a pensar que uma inocente colegial de quinze anos fosse capaz de conceber e sustentar, durante 3 anos, com pleno êxito, tão gigantesca impostura, e que durante esse tempo se tivesse submetido a todas as imposições que dela se exigiram, suportado as mais minuciosas pesquisas, deixando ser inspecionada, não importava o momento, antes ou depois das sessões; que tivesse obtido mais êxito, ainda, em minha casa que na de seus pais, sabendo que ela ia ali, expressamente, para se submeter a rigorosos ensaios científicos -, imaginar que a Katie King dos três últimos anos é o resultado de uma impostura, faz isto mais violência à razão e ao bom senso do que acreditar que ela é o que afirma ser.

Dedicamos estes fatos a Jules Soury, Bersot de Fon­vielle e outros incrédulos, que só viram tolices ou subterfú­gios nas manifestações espíritas. Diante da evidência dos fatos, só lhes restará o recurso de nega-loa, mas o público será juiz entre afirmações temerárias, baseadas numa nega­ção sistemática e os sábios estudos do homem mais emi­nente da Inglaterra, na hora atual.

Dito isto, voltemos ao nosso assunto.

O Espírito Katie King materializou-se, não mais em luz duvidosa, mas em pleno brilho da luz elétrica; seu corpo era tão real e tangível como o de Crookes, visto que se lhe ouvia o bater do coração. Temos, pois, que admitir a possibilidade da materialização temporária dos Espíritos; mas uma condição já se deduz: é preciso um médium. Sempre que observamos casos de aparições, podemos, sem receio, afirmar que há um médium próximo.

Vamos tentar explicar como as coisas se passam. Não temos a pretensão de apresentar uma elucidação positiva, completa, mas apenas mostrar como se poderá conceber a produção desses fenômenos, por meio de analogias tira­das da ciência.

Ensaio de teoria

Quando interrogamos os Espíritos sobre a natureza do perispírito, eles nos respondem que este é tirado do fluido universal do planeta que habitamos. À primeira vista parece que isto pouca coisa nos adianta, mas estudando a fundo o assunto, vamos ver que eles estão certos.

Os Espíritos entendem por fluido universal uma maté­ria primitiva, da qual provêm todos os corpos por transfor­mações sucessivas. Para que se justifique esta concepção, é preciso demonstrar, 1:, que a matéria pode existir em estados diferentes, simplificando-se sem cessar até o estado inicial; 2:, que a infinita variedade dos corpos pode ser reconduzida a uma única matéria.

Estabelecidas cientificamente estas proposições, a existência do fluido universal não será mais contestável. A primeira pergunta a fazer-se é a seguinte:

Há fluidos?

É quase impossível duvidar, depois das experiências de Crookes e dos fatos já narrados, mas que se deverá entender por esta expressão? Em física, fluidos são os corpos líquidos e gasosos, mas aqui devemos dar a esta palavra uma significação especial, que é útil bem definir.

Chamamos fluidos aos estados da matéria em que ela é mais rarefeita do que no estado conhecido sob o nome de gás. É justificada essa concepção?

Para responder, escutemos Faraday. Eis como ele se expressava em 1816:

Se imaginarmos um estado da matéria tão afastado do estado gasoso, quanto é este do estado líquido, tendo em conta, bem entendido, o acréscimo de diferença que se produz à medida que o grau da mudança se eleva, poderemos, talvez, desde que nossa imaginação chegue até aí, conceber mais ou menos a matéria radiante; e, assim, como ao passar do estado líquido ao gasoso, a matéria perde grande número de suas qualidades, mais ainda deve perder nesta última transformação.

Esta arrojada concepção foi desenvolvida pelo grande físico nos anos seguintes e pode-se ler, nas suas cartas, compiladas por Bence Jones, este trecho:

Posso assinalar aqui uma progressão notável nas propriedades físicas que acompanham as mudanças de estado; talvez ela baste para levar os espíritos inventivos e ousados a acrescentar o estado radiante aos outros estados da matéria já conhecidos.

À medida que nos elevamos do estado sólido ao líquido e deste ao gasoso, vemos diminuir o número e a variedade das propriedades físicas dos corpos; cada estado apresenta menos algumas que o precedente. Quando os sólidos se transformam em líquidos, todas as graduações de rijeza e moleza cessam necessariamente de existir; todas as formas cristalinas ou outras desaparecem. A opacidade ou a cor são substituídas, muitas vezes, por uma transparência incolor, e as moléculas adquirem, por assim dizer, uma mobilidade completa.

Se considerarmos o estado gasoso, vemos aniquilados grande número de caracteres evidentes dos corpos. As imensas diferenças que existem entre seus pesos desaparecem quase inteiramente. Apagam-se os traços das diferentes cores que tinham. Desde então todos os corpos ficam transparentes e elásticos. Eles não formam mais que um mesmo gênero de substâncias, e as diferenças de rijeza, opacidade, cor, elasticidade e forma, que tomam quase infinito o número dos sólidos e dos líquidos, são desde então substituídas por fracas variações de peso e alguns matizes sem importância.

Assim, para os que admitem o estado radiante da matéria, a simplici­dade dos problemas que caracterizam esse estado, longe de ser uma dificuldade, é antes um argumento em favor de sua existência.

Verificaram até agora um desaparecimento gradual das propriedades da matéria, à medida que esta se eleva na escala das formas, e ficariam surpresos se esse efeito peasse no estado gasoso. Viram a Natureza fazem os maiores esforços pata simplificares em cada mudança de estado, e pensam que, na passagem do estado gasoso ao radiante, esse esforço deve ser mais considerável.

O que era hipótese para Faraday é certeza para nós. Crookes, demonstrando a existência da matéria radiante, pôs fora de dúvida a existência dos fluidos. Os corpos, com efeito, não mudam bruscamente de estado, não passam instantaneamente do sólido para o líquido; a maior parte ocupa uma posição intermediária, chamada estado pastoso. Da mesma maneira, os líquidos não se transformam em gás, sem que seja possível apreciar as gradações que sepa­ram esses dois estados. Os vapores são disso um exemplo. Mas a diferença entre líquidos e gases é ainda diminuída pelas experiências feitas por Charles Andrew, o qual mos­trou que, em certos corpos, há mistura de estado líquido e gasoso, de maneira a não se poder distinguir se o corpo pertence a um ou ao outro estado.

A lei de analogia nos leva, pois, a admitir que entre os gases e o estado radiante existe matéria em diferentes estados de rarefação, desde os mais grosseiros, que se aproximam dos gases, aos mais puros que estão no estado radiante.

Se mostrarmos que as propriedades químicas seguem a mesma ordem de progressão decrescente, à medida que se sobe na escala das famílias químicas, dizendo de ou­tro modo, se fizermos ver que pode supor-se que não existe senão uma só matéria, da qual derivam todos os corpos que conhecemos, por transformações sucessivas, esta­remos bem perto de tocar o fluido universal de que nos falam os Espíritos. Vejamos se a unidade de matéria é uma idéia aceitável.

O sábio químico Wurtz escreveu na Teoria Atômica: A idéia da unidade de matéria é renovada, proveniente de Descartes, porquanto é uma verdade que, quando se trata do eterno e insolúvel problema da matéria, o espírito humano parece girar dentro de um círculo, perpetuando-se as mesmas idéias através dos tempos e apresentando-se sob formas rejuvenescidas às inteligências de elite que têm procurado sondar este problema.

Mas não existe uma certa diferença na maneira de operar desses grandes espíritos? Sem dúvida alguma. Uns, mais vigorosos talvez, mas mais aventureiros procederam por intuição; outros, melhor armados e mais severos, por indução racional. Aí está a superioridade dos métodos modernos, e seria injusto pretender que os esforços consi­deráveis, de que temos sido as testemunhas comovidas, não tenham impelido mais para frente o espírito humano no problema árduo de que se trata, como não o puderam fazer um Luciécio e um Descartes.

Muitos sábios modernos foram levados, por suas pes­quisas, à conclusão de que se deve admitir a unidade da matéria. Examinando, com efeito, as relações que exis­tem entre as diferentes famílias químicas dos corpos, sere­mos obrigados a aplicar-lhes, por analogia, as mesmas leis transformistas das famílias naturais dos animais. É que temos, em nossa época, uma invencível tendência para a síntese e para a simplificação. Tanto quanto os antigos multiplicavam as causas nós temos hoje o cuidado de eliminá-las. Mas não basta supor, é preciso ter provas.

Uma das mais fortes que se podem fornecer é a que se chama, em química, estados alotrópicos. Certas substancia podem ter propriedades inteiramente diferentes, sem mudar de natureza quimicamente falando. Assim, o fósforo pode apresentar aspecto vermelho, branco ou preto, conforme a maneira de prepará-lo. O que há de mais notável é que o fósforo vermelho e o fósforo ordinário apresentam tais diferenças, que seríamos tentados a considerá-los dis­tintos; analisados, entretanto, pelos mais precisos méto­dos, não apresentam diferença alguma: são sempre fósforo. A transformação se opera expondo-se no vazio barométrico o fósforo branco à ação dos raios do Sol; cremos que nenhum caso melhor demonstraria que as propriedades dos corpos são devidas apenas ao arranjo dos átomos que os estruturam.

O ozônio é também uma modificação alotrópica do oxigênio. O carbono mostra tão múltiplos aspectos, pro­priedades tão diferentes nos alotrópicos que forma, que só é reconhecido pela sua infusibilidade e pela propriedade de produzir ácido carbônico, queimando no oxigênio. Ele se apresenta, a princípio, cristalizado, é o diamante; depois sob a forma de grafite, antracite, coque, pó de sapato, carvão... Todos esses corpos têm composição idêntica, mas apresentam propriedades diferentes, segundo o modo de reunião de seus átomos. Somos, pois, induzidos a crer que só existe` uma única matéria, revestindo, entretanto, aspectos diferentes. Eis uma observação que demonstra estarmos com a verdade.

Tratando da análise espectral, Zoborowski refere as seguintes experiências: Com o fim de determinar as tempe­raturas das diversas partes do Sol, tomaram-se fotografias dos espectros dessas diferentes partes. Cada corpo em combustão assinala, como se sabe, sua presença, na luz decomposta em seus elementos ou espectral, por raias par­ticulares. Demonstrou-se que o alargamento das raias da platina é correlativo à elevação da temperatura. Foi, assim, possível tirarem-se, com proveito, fotografias dos espectros de grande número de estrelas. E, de conformi­dade com a hipótese de Laplace, verificou-se que estes astros estão em diferentes estados de condensação. As estrelas brancas, mais ardentes, contêm hidrogênio em abundância e em alta pressão; as estrelas brilhantes se aproximam da constituição do nosso Sol; as estrelas aver­melhadas são muito menos quentes. Apagando-se, passam ao estado dos planetas obscuros. Nasceram das nebulosas. É pelo menos a grande hipótese clássica desde Laplace. Esta hipótese, porém, só será verificável porque a fotogra­fia, permitindo que se apanhem e conservem as imagens das nebulosas em diversas épocas, através dos séculos, dar-nos-á os meios de seguir as transformações destas matérias cósmicas, espécie de protoplasma que gera os mundos.

Com um fim um pouco diferente Lockyer (1879) e Huggins (1882) fotografaram os espectros de uma série de nebulosas, das mais densas às mais rarefeitas; chegaram a reconhecer que o número dos corpos simples diminui à medida que se passa das primeiras às segundas. Os espec­tros fotográficos dos mais rarefeitos só revelam hidrogênio e fósforo.

É verdadeiramente a confirmação das vistas expostas mais acima sobre a unidade da matéria. A correlação assi­nalada por Faraday, entre o estado cada vez mais rarefeito da matéria e a perda conexa das principais propriedades que a caracterizavam, dá-nos o direito de dizer que existe um estado radiante da matéria que forma o fluido universal. É desse meio que é tirado o perispírito.

Isto posto, procuremos ver o que se passa numa mate­rialização. Para tal é preciso bem saber o que é a própria matéria e a que agente são devidas suas propriedades.

Todos os corpos são compostos de partes infinita­mente pequenas, chamadas átomos; para se ter uma idéia de sua tenuidade, tomemos uma substância corante e constataremos que ela pode tingir vários milhões de vezes seu volume de água, isto é, que as molé­culas que constituem este corpo, se espalharam na massa total do líquido, dividindo-se cada vez mais. Em vista disso poder-se-ia crer que os corpos são indefinidamente divisíveis, o que seria um erro, porque a lei das proporções definidas é um argumento sem réplica que se pode invocar em favor de uma divisibilidade limitada. Estes átomos que estruturam todos os corpos não se tocam; são coloca­dos uns ao lado dos outros, e agrupados por uma força chamada coesão; todos os corpos da natureza nos apare­cem, pois, como coleções de átomos ou de moléculas reuni­das diversamente, daí tenderem as novas concepções científicas a considerar os fenômenos como movimentos mole­culares ou de transporte no espaço.

A matéria é inerte, incapaz de por si mesma entrar em movimento; quando se verifica um deslocamento num corpo, houve uma força que o fez sair do estado de inércia. Pode-se dizer, portanto, que o movimento é a expressão da força, mas esta força pode agir de diferentes maneiras, quer deslocando o corpo no espaço, quer determinando mudanças em seu estado molecular. Por exemplo, se com o dedo mantém-se uma corda de violino afastada da sua posição de repouso, as moléculas que formam esta corda tendem a retomar sua primeira posição, exercem uma pres­são sobre o dedo, há, pois, trabalho molecular interno; se, ao contrário, retira-se o dedo, a corda põe-se em movi­mento e o trabalho molecular que produzia a pressão se converte em movimentos de transporte que se executam de um lado e de outro da posição de repouso da corda; o vaivém se amortece progressivamente pela resistência do ar e dos pontos pelos quais as cordas se prendem ao violino.

Esta teoria estabelece, em princípio, que as qualidades dos corpos são devidas aos movimentos particulares de que são animados os átomos ou as moléculas de cada substância. As propriedades químicas seriam devidas a agrupamentos diferentes de átomos; sem dúvida não se pode supor atualmente a que espécie de movimentos cons­titutivos é devida, por exemplo, a diferença entre o ouro e a prata, mas a idéia de que é nestes movimentos que ela reside, nem por isso é hoje menos universalmente aceita.

Não se apregoe que esta teoria seja forjada para as necessidades de nossa causa; depois do descobrimento da transformação e da conservação da força, é a única que se pode compreender, e se a encontrará exposta na psicofísica do professor Delboeuf.

Se esta concepção moderna é verdadeira, o Universo apareceria à nossa inteligência, suposta perfeita, como sen­do composto de grupos diferentes de átomos, grupos moveis no espaço, enquanto todos os átomos oscilam em torno de um centro de equilíbrio; as variedades proviriam de agrupamentos diferentes, ou do sentido da amplidão e da rapidez das vibrações dos átomos.

Tudo é movimento. Do átomo invisível ao corpo ce­leste perdido no espaço, tudo é submetido ao movimento, tudo gravita em uma órbita imensa ou infinitamente peque­na. Mantidas a uma distância definida, umas das outras, em razão mesma do movimento que as anima, as moléculas apresentam relações constantes que só perdem pela aquisi­ção ou subtração de certa quantidade de movimento. Se­gundo a rapidez das vibrações dos átomos as substâncias serão em estado sólido, líquido, gasoso ou radiante.

Para fazer um corpo passar por esses diferentes esta­dos, empregamos com maior freqüência o calor, que não é senão um estado vibratório do éter, mas não sabemos se outros agentes têm o mesmo poder, isto é, não podem fazer passar as diferentes substâncias pelos estados sólido, líquido e gasoso.

Os Espíritos nos ensinaram que a vontade é uma força considerável, por meio da qual eles agem sobre os fluidos; é pois, a vontade que determina as combinações dos flui­dos; eles podem, por sua ação, fazer todas as manipulações fluídicas que lhes aprouver, mas para materializar essas criações fluídicas eles têm necessidade de um agente essen­cial: o fluido vital. Só o encontram, capaz de preencher as condições necessárias para a materialização, no organis­mo humano, donde a presença indispensável de um mé­dium.

Conhecido isto, como conceber que um Espírito possa primeiro mostrar-se-nos e, em seguida, materializar-se?

Para que o Espírito se mostre é preciso que ele extraia o fluido vital do organismo do encamado. Por meio desse agente, ele produz em seu envoltório uma alteração mole­cular que de translúcido o torna opaco. Encontra-se um efeito análogo, posto que inverso, quando se estudam as propriedades de certas substâncias, como o hidrofânio, rocha silicosa opaca, que se torna transparente, quando mergulhada na água. Dá-se o mesmo com uma folha de papel untada dum corpo gorduroso. A opacidade é devida à reflexão da luz sobre as diferentes parcelas do papel; mas a interposição de uma substância que impeça a refle­xão, permite a luz atravessar o corpo e, por conseqüência, produz-se a transparência.

Efeito inverso se nota com os Espíritos. Aliás, basta examinar a condensação de um vapor num tubo, para com­preender-se como pode o perispírito, sob a influência da vontade e do fluido vital, materializar-se.

O invólucro fluídico que reproduz, geralmente, a apa­rência física que o Espírito tinha em sua última encarnação, possui todos os órgãos do homem, de sorte que, diminuindo o movimento molecular radiante desse invólucro, ele apare­ce, a princípio, sob um aspecto vaporoso, como no caso da inspetora de Riga; depois o fluido vital do médium se vai acumulando no corpo fluídico, e lhe comunica, momentaneamente, uma vida fictícia, que é tanto mais intensa quando maior quantidade de fluido despende o médium. É esta a razão por que os médiuns de materiali­zação ficam mergulhados em catalepsia.

Pôde-se observar, nos casos narrados de desdobra­mento, que não parecia necessária à presença de um mé­dium. É que o próprio encamado fornecia o fluido vital indispensável, ele era seu próprio médium, e seu duplo tinha uma realidade mais ou menos tangível, conforme a sua abundância de fluidos.

Circunstância que parece estranha é a desaparição súbita do espírito materializado. Dir-se-ia que o perispírito, que se materializou lentamente, deve repassar por fases inversas para voltar ao estado fluídico. Isto, porém, se compreende, sabendo-se que a água, mesmo em estado sólido, tem certa tensão de vapor. Não é raro ver-se o gelo desaparecer, sem ter passado pela fusão; ele passa bruscamente ao estado de vapor, e, neste caso, devemos admitir, o que já reconhecia o naturalista Plínio, que houve vaporização imediata.

Este fenômeno foi estudado por Gay Lussac e Reg­nault, que operaram até 52° abaixo de zero. Certos corpos sólidos, como o iodo e a cânfora, passam também direta­mente ao estado gasoso. É fácil compreender que se produz algo semelhante na desaparição súbita de um espírito mate­rializado.

Para que nossa demonstração fosse completa, seria preciso que se pudessem fazer experiências que estabele­cessem a subministração do fluido vital ao organismo do Espírito. Nada ainda foi tentado com este objetivo e é difícil, em vista do pouco tempo em que estes fenômenos são estudados cientificamente, determinando-lhes todas as leis. Mas seja como for, acreditamos que nossa teoria pode ser aceita para explicar os fatos, e seremos muito felizes se estes dados puderem servir ao esclarecimento destas questões, ainda tão pouco conhecidas.

Não temos a pretensão de impor nossa convicção a quem quer que seja; contentamo-nos em trazer nossa pedra ao grande edifício científico que se erguerá dentro em pouco, e que terá por base esses estados fluídicos, hoje tão pouco estudados.

Essa maneira de encarar o perispírito, permitir-nos-á compreender mais facilmente o papel que ele goza durante a vida do Espírito. Vamos resumir, segundo Allan Kardec, o que sabemos sobre o assunto.

A Vida do Espírito

Tomemos a alma ao sair deste mundo e vejamos o que se passa depois dessa transmigração. Extinguindo-se as forças vitais, o Espírito se desprende do corpo no mo­mento em que cessa a vida orgânica; a separação, porém, não é brusca e instantânea. Começa, algumas vezes, an­tes da cessação da vida; não é sempre completa no instante da morte.

Demonstramos que entre o espírito e o corpo há um laço semimaterial que constitui um primeiro invólucro; ele não se rompe subitamente, e, enquanto subsiste, o Espírito fica num estado de perturbação, que pode ser comparado ao que sucede ao despertar; muitas vezes, mes­mo, ele duvida da morte; sente que existe e não compreen­de que possa viver sem o corpo, de que se vê separado; os laços que o unem à matéria o tornam, mesmo, acessível a certas sensações físicas; dizia um deles que sentia os vermes lhe roerem o corpo.

O Espírito só se reconhece, depois de completamente livre: até aí ele não conhece perfeitamente a sua situação. A duração deste estado de perturbação é variável; pode ser de algumas horas ou de muitos anos, mas é raro que, ao fim de alguns dias, ele não se reconheça, mais ou menos bem.

Não falamos senão das almas chegadas já a certo grau de adiantamento moral, porque, entre os selvagens, a vida espiritual não é suficientemente ativa para que eles se identifiquem com a nova situação. Faz-se que estes Espíritos reencarnem muito rapidamente, a fim de apressar o momento em que gozando de seu inteiro livre-arbítrio, tornar-se-ão os únicos senhores de seus destinos.

Do mesmo modo para muitos Espíritos das nações civilizadas, a morte produz tal alteração, que eles acham tudo estranho, e é preciso certo tempo para que se familia­rizem com a nova maneira de perceber as coisas.

É solene o momento em que um deles vê cessar a sua escravidão pela ruptura do laço que o retém ao corpo. À entrada no mundo dos Espíritos ele é acolhido por ami­gos que o recebem, como de volta de penosa viagem. Encontra os mortos amados, cuja perda lhe tinha sido cruciante pesar, e se a travessia foi feliz, se o tempo de exílio foi empregado de forma proveitosa, é por eles felicitado pelo combate corajosamente sustentado. Aos pais juntam-se os amigos que ele conheceu outrora e todos, felizes e radiantes, voam no éter infinito. Começa, então, verdadeiramente, para ele uma nova existência. - O invó­lucro fluídico do Espírito constitui uma espécie de corpo de forma definida, limitada e análoga à nossa. Vimos pelo estudo dos turbilhões de Helmholtz, como se poderia conceber este estado, mas este corpo não tem absolutamente os nossos órgãos e não pode sentir todas as nossas im­pressões.

Na Terra, a visão, a audição, o tato dependem de instrumentos cuja grosseria não nos permite sentir as vibra­ções, em número infinito, que se estendem além dos limites de nossas fracas percepções; mas estas vibrações existem e, para o ser que as pode captar e lhes compreender a linguagem, devem elas ter uma voz mais penetrante que o majestoso murmúrio do Oceano e as queixas misteriosas do vento através das florestas.

O Espírito sente tudo o que percebemos: a luz, o som, os odores, e estas sensações não são menos reais, por nada terem de material; elas possuem, mesmo, algo de mais claro, de mais preciso, de mais sutil, porque che­gam à alma sem intermediário, sem passar, como entre nós, pela série dos sentidos, que as esmaecem.

A faculdade de perceber é inerente ao espírito; é um atributo dos seres; as sensações lhe chegam de toda parte e não de certas partes determinadas. Um deles dizia, falando da vista: é uma faculdade do Espírito e não do corpo; vedes pelos olhos, mas não é o corpo que vê, é o Espírito.

Pela conformação de nossos órgãos, temos necessi­dade de certos veículos para nossas sensações; é assim que nos é preciso a luz para refletir os objetos, o ar para nos transmitir os sons; esses veículos se tornam inú­teis, desde que não possuímos os intermediários que os exigiam. O Espírito vê, pois, sem o socorro da luz, ouve sem necessidade das vibrações do ar. Não há, por isso, escuridão para eles. Temos, assim, a chave das notáveis propriedades dos sonâmbulos lúcidos, que vêem e ouvem muito além do alcance dos sentidos materiais. É que a alma, desprendida, goza de parte das prerrogativas que possui em estado de desencarnação.

Mas, as sensações perpétuas e indefinidas, por mais agradáveis que sejam, tornam-se fatigantes, por fim, se a elas não nos podemos subtrair. Tem a alma à faculdade de suspendê-las; ela pode, à vontade, deixar de ver, ouvir, sentir, ou só sentir, ouvir e ver o que quer. Essa faculdade está em razão da superioridade do ser, porque há coisas que os Espíritos inferiores não podem evitar, o que lhes toma a situação penosa.

É isto o que o Espírito, a princípio, não percebe. Os atrasados não compreendem, mesmo, nada, tal como entre nós os ignorantes, que vêem e se movem sem saber como.

Essa inaptidão para compreender o que lhes está acima do entendimento, unida à jactância, companheira ordinária da ignorância, é a causa das teorias absurdas que apresen­tam certos Espíritos, e que a nós próprios induziriam em erro se aceitássemos sem controle e sem assegurar-nos pelos meios fornecidos pela experiência e pelo hábito de conversar com eles, do grau de confiança que merecem.

Há sensações que têm, origem no próprio estado de nossos órgãos; ora, as necessidades inerentes ao nosso corpo não podem existir desde que esteja destruído o nosso invólucro carnal. O Espírito não experimenta, pois, nem a fadiga, nem a necessidade de repouso, nem a da nutrição, porque não há nenhum dispêndio a reparar; as enfermidades não o afligem. Se, algumas vezes, os médiuns vêem Espíri­tos corcundas ou coxos, é porque eles tomam essa forma para se fazerem melhor reconhecidos pelas pessoas com quem se relacionam na Terra.

As necessidades do corpo acarretam deveres sociais que não têm razão de ser para os Espíritos; assim as preo­cupações dos negócios, as mil inquietações a que nos expõe a necessidade de ganhar a vida, a procura das quimeras que nos lisonjeiam a vaidade, os tormentos que criamos por superfluidades, não mais existem para eles. Sorriem de pena, vendo o trabalho a que nos entregamos, para adquirir riquezas vãs ou ridículas frioleiras.

É preciso, porém, certo grau de elevação para contem­plar as coisas dessa altura. Os Espíritos vulgares interes­sam-se, principalmente, em nossas lutas materiais e nelas tomam parte, como podem, e incitam-nos para o bem ou para o mal, conforme sua natureza boa ou perversa.

Os Espíritos inferiores sofrem, mas as angústias não deixam de ser menos dolorosas, por nada terem de físicas. Eles têm todas as paixões, todos os desejos que os atenaza­vam em vida, e é seu castigo o não poder satisfazê-los. É para eles uma verdadeira tortura, que acreditam perpé­tua, porque a própria inferioridade não lhes permite ver-lhe o termo, o que é ainda um castigo.

A palavra articulada é também uma necessidade da nossa organização; os Espíritos não precisam de sons que lhes vão ferir os ouvidos; compreendem-se pela transmissão do pensamento, como acontece, aqui, nos compreendermos pelo olhar. Os espíritos podem, entretanto, produzir certos ruídos; sabemos que eles são capazes de agir sobre a maté­ria, e esta nos transmite o som; é assim que eles fazem ouvir pancadas ou gritos, e às vezes, cantos no vazio do espaço. Trataremos de tudo o que se refere as manifes­tações na quinta parte.

Enquanto arrastamos penosamente nosso corpo mate­rial, na terra, rastejando presos ao solo, os Espíritos, vapo­rosos, etéreos, transportam-se sem fadiga de um lugar a outro, transpõem incomensuráveis espaços, com a rapidez do pensamento, e penetram em toda a parte, sem encontrar obstáculos.

O Espírito vê tudo o que vemos e mais claramente; percebe aquilo que os nossos limitados sentidos não o permitem, e, penetrando na matéria, descobre o que ela oculta à nossa vista.

Os Espíritos não são seres vagos, indefinidos, como aprouve afigurá-los até agora, mas individualidades reais, determinadas, circunscritas, que gozam de nossas faculda­des e de muitas outras que nos são desconhecidas, porque inerentes à natureza deles.

Eles têm as qualidades da matéria que lhes é própria e formam a população desse universo invisível que nos comprime, nos rodeia, nos acotovela, sem cessar. Suponha­mos, um instante, que o véu material que os oculta à nossa vista se levanta; veríamos uma multidão de seres a Cercar-nos, a se agitarem em torno de nós, a contem­plar-nos, como o faríamos se, por acaso, nos achássemos em uma reunião de cegos. Para os Espíritos, somos toma­dos de cegueira e eles são os videntes.

Dissemos que o Espírito ao entrar em sua nova vida, leva algum tempo para reconhecer-se, que tudo é estranho e desconhecido para ele. Perguntar-se,-á, sem dúvida, como pode ser assim se ele já teve outras existências corporais; estas passagens sobre a Terra foram separadas por interva­los no mundo dos Espíritos e, enfim, uma vez que o espaço é sua verdadeira pátria, o Espírito não deve encontrar-se como exilado. Várias causas tendem a tornar novas para ele essas percepções, apesar de já as ter experimentado.

A morte, já o dissemos, é seguida sempre de um instante de perturbação, mas que pode ser de duração curta. Dissipada essa turvação, as idéias se elucidam pouco a pouco, e com elas a lembrança do passado, que só gra­dualmente volta à memória. Só quando o Espírito está inteiramente desmaterializado é que se desenrolam diante de si as suas vidas anteriores, como uma perspectiva, ao sair lentamente do nevoeiro que a envolvia. Somente, en­tão, se lembra ele da última existência; depois, o panorama de suas passagens sobre a Terra e as voltas ao Espaço se lhes desvelam diante dos olhos. Ele vê os progressos que fez e os que lhe faltam fazer, e assim nasce o desejo de reencarnar, a fim de chegar mais depressa aos mundos felizes que entrevê.

Concebe-se, pois, segundo isso, que o mundo dos Espíritos deve parecer-lhe novo, até o momento em que a memória inteiramente lhe volta. Mas a esta causa é preciso outra, que não é menos preponderante.

O estado do Espírito, como Espírito, varia extraordi­nariamente, em razão de sua elevação e de sua pureza. À medida que ele sobe intelectualmente e progride moral­mente, suas percepções e sensações se tornam menos gros­seiras, adquirem mais finura, mais delicadeza; ele vê, sente e compreende as coisas que não podia ver nem sentir, nem compreender em uma condição inferior. Ora, cada existência corpórea sendo para ele motivo de progresso, o traz sempre a um meio novo, onde Espíritos de outra ordem têm pensamentos e hábitos diferentes.

Ajuntemos a isso que essa depuração permite-lhe pe­netrar em mundos inacessíveis aos Espíritos inferiores, como, entre nós, os salões da aristocracia são interditos a pessoas mal educadas. Quanto menos esclarecido é ele, mais limitado lhe é o horizonte; à medida que ele se eleva e se depura, este horizonte aumenta e com ele o círculo de suas idéias e de suas percepções. A comparação seguinte pode fazer-nos compreender isso.

Suponhamos um campônio bruto e ignorante, que vem pela primeira vez a Paris; compreenderá ele o Paris do mundo elegante e do mundo sábio? Não, porque ele só freqüentará os indivíduos de sua classe e os quarteirões em que eles habitam. Mas, se no intervalo de uma segunda viagem, ele se houver desembaraçado, adquirido instru­ções, maneiras polidas, serão outros seus hábitos e rela­ções. Verá ele, então, um Paris que não se parecerá em nada com o que ele conheceu outrora. Acontece o mesmo com os Espíritos; nem todos, porém, experimentam essa incerteza no mesmo grau. À medida que progridem, as idéias se desenvolvem, a memória se torna mais pronta, familiarizam-se, prontamente, com a posição nova, e sua volta ao seio dos Espíritos nada mais tem que os admire; encontram-se em seu meio normal e, passado o primeiro momento de perturbação, reconhecem-se quase imediata­mente.

Tal é a situação geral dos Espíritos no estado que se chama errante; mas nesta situação, que fazem eles? em que passam o tempo? Esta questão é para nós de um interesse capital. Importa-nos, com efeito, fixar sobre este ponto, porque é do nosso futuro espiritual que se trata, não sendo descabidos os mais circunstanciados deta­lhes. Aliás, são os próprios Espíritos que respondem a estas interrogações, porque em tudo o que expusemos até então, nenhuma coisa é devida à imaginação. Extraímos do ensino de Allan Kardec todas as informações necessárias e ele próprio baseou sua teoria nas comunicações recebidas de todas as partes do globo; ela oferece, pois, todos os caracteres da verdade. Pondo-se de parte qualquer opinião sobre o Espiritismo, convir-se-á que esta teoria da vida no além-túmulo nada tem de irracional; ela apresenta uma seqüência, um encadeamento perfeitamente lógico de que mais de um filósofo poderia honrar-se.

Já o dissemos, seria grave erro acreditar que a vida dos Espíritos é ociosa; pelo contrário, é essencialmente ativa, e todos os Espíritos nos falam de suas ocupações; elas diferem, necessariamente, conforme o ser é errante ou encarnado. Na encarnação, são relativas à natureza dos globos em que eles habitam, às necessidades, que dependem do estado $sito e moral desses globos, assim como da organização dos seres vivos.

Os dados da Ciência, expostos com tão luminosa cla­reza nas Terras do Céu, por Camille Flammarion, já nos dão idéia do que é a vida na superfície dos planetas de nosso sistema solar. Nosso fim não é recomeçar o que tão bem fez o célebre astrônomo; não falaremos senão dos Espíritos errantes.

Entre os seres que atingiram certo grau de elevação, uns velam pelo cumprimento dos desígnios de Deus, nos grandes destinos do Universo; dirigem a marcha dos acon­tecimentos e concorrem para o progresso dos mundos; outros, tomam os indivíduos sob sua proteção e se consti­tuem seus gênios tutelares, guias espirituais, que os acom­panham do nascimento à morte, procurando dirigi-los na senda do bem; é uma felicidade, quando seus esforços são coroados de êxito. Alguns se encarnam em mundos inferiores, para aí exercerem missões de progresso; pro­curam, por seus trabalhos, seus exemplos, seus conselhos, seus ensinos, fazê-los avançar nas ciências, nas artes, ou na moral. Submetem-se, então, voluntariamente, as vicissi­tudes de uma vida corporal, muitas vezes penosa, com o fim de praticar o bem e isso lhes são contado. Muitos, enfim, não têm atribuições especiais; vão a toda parte onde sua presença pode ser útil, dar conselhos, inspirar boas idéias, sustentar as coragens titubeantes, dar força aos fracos e castigar os presunçosos.

Se considerarmos o número infinito dos mundos que povoam o Universo e a quantidade incalculável de seres que os habitam, conceber-se-á que existe ocupação para todos. Os diversos trabalhos nada têm de penoso, eles o fazem voluntariamente e não por constrangimento, e a felicidade consiste em conseguir o que empreendem. Ninguém pensa na ociosidade eterna, que seria um suplício. Quando as circunstâncias o exigem, eles se reúnem em conselho, deliberam sobre o que devem fazer, dão ordens aos Espíritos subordinados e se dirigem em seguida para onde o dever os chama. Estas assembléias são gerais ou particulares, conforme a importância do assunto; nenhum lugar especial é destinado a estas reuniões; o espaço é o domínio dos Espíritos; entretanto elas se limitam em geral aos globos que constituem o seu objetivo.

Os Espíritos encarnados nesses mundos e que têm uma missão a cumprir, assistem muitas vezes a essas assem­bléias. Enquanto seus corpos repousam, vão haurir conse­lhos entre os outros Espíritos, muitas vezes receber ordens sobre a conduta que devem manter como homens. Ao despertar não têm, é verdade, lembrança precisa do que se passou, mas possuem a intuição que os faz agir, incons­cientemente.

Descendo na hierarquia, encontramos Espíritos menos elevados, menos esclarecidos, mas que não deixam de ser bons, e que, numa esfera de atividade mais restrita, preen­chem funções análogas. A ação deles, em vez de esten­der-se aos diferentes mundos, exerce-se especialmente so­bre determinado globo, em relação com seu grau de adian­tamento; sua influência é mais individual e tem por objeto ações menos importantes.

Vem em seguida a multidão dos Espíritos vulgares, mais ou menos bons ou maus, que pululam em torno de nós. Eles se elevam pouco acima da humanidade, de que representam todos os matizes, e de que são como que o reflexo, porque dela têm todos os vícios e todas as virtudes; em grande número deles, reencontram-se os gos­tos, as idéias, os pendores que tinham em vida; as faculda­des lhes são limitadas, o julgamento falível como o dos homens, muitas vezes errôneo e imbuído de preconceitos.

Noutros, o senso moral é mais desenvolvido; sem grande superioridade nem profundeza, julgam mais judicio­samente e condenam o que fizeram, disseram ou pensaram durante a vida. Aliás, há isto de notável, é que mesmo entre os Espíritos mais ordinários, há na maior parte, senti­mentos mais puros na erraticidade que na encarnação; a vida espiritual lhes esclarece sobre seus defeitos e, com poucas exceções, arrependem-se amargamente e lamentam o mal que fizeram, pelo qual sofrem mais ou menos cruel­mente.

O endurecimento absoluto é muito raro e apenas tem­porário, porque, cedo ou tarde, se lamentam do seu estado. Pode-se dizer que todos aspiram à perfeição, porque perce­bem que é o único meio de saírem da posição inferior que ocupam.

Em resumo, vimos que a alma se desenvolve por meio de uma série de sucessivas existências; que tendo partido do mais rudimentar estado, de que encontramos o exemplo nos povos selvagens, ela deve elevar-se de degrau em degrau até à soma de qualidades e de perfeições que se podem adquirir' na Terra. Quando ela atingiu o fim que aqui lhe estava assinalado, sobe para os mundos superiores onde melhores destinos a esperam.

Poder-se-ía supor que o progresso eterno tem um limi­te e que a perfeição deve ser atingida um dia. É um erro, oriundo de nossa natureza limitada, que faz do Uni­verso e do infinito estreita e mesquinha idéia, pouco em harmonia com a realidade das coisas.

Quando contemplamos a fraca parte do Universo que nossos instrumentos nos fazem conhecer, o Espírito recua, deslumbrado, diante dos milhares de mundos que povoam os espaços. Se, pelo pensamento, medirmos o tempo que nos é indispensável para fixar uma qualidade, se lançarmos um olhar retrospectivo sobre as inúmeras encarnações que nos foi preciso suportar, para chegar, somente, ao nosso estado atual, compreenderemos, então, que nossa ascen­são indefinida pede um tempo enorme, e de tal ordem, que as mais arrojadas concepções não no-lo podem fazer conceber.

Entretanto, como Deus cria sem cessar, pode-se supor que há Espíritos que já percorreram todas as fases e que chegaram, enfim, à perfeição absoluta. É, ainda, uma falsa interpretação, porque a perfeição absoluta é Deus, isto é, o infinito e a eternidade.

Ora, tendo tido um começo, jamais a alma do homem será eterna, ela é simplesmente imortal. É uma função que cresce desde zero até o infinito. Pretendeu-se algumas vezes que a alma fosse incriada. Segundo o que pensamos, esta maneira de ver é errônea, porque se nós admitirmos a existência de Deus, ele deve ser o autor de tudo o que existe; sem isto ele não teria razão alguma de ser. Aliás, uma vez que progredimos, elevando-nos de encarna­ção em encarnação, vemos que ingressamos na vida por um estado de simplicidade no qual não tínhamos faculdade alguma das que hoje possuímos, nós as adquirimos insensi­velmente por meio de uma série de lutas contra a matéria; ora, se fôssemos eternos, que significaria a progressão?

Na eternidade não poderíamos aumentar nem dimi­nuir, seríamos imutáveis por nossa própria natureza. De­monstrando-nos, ao contrário, a experiência que nós pro­gredimos intelectualmente, daí devemos concluir que fo­mos criados.

A imensidade e a eternidade são os únicos limites que encontramos para o progresso, o que vale dizer: o progresso não tem limites. Não nos devemos espantar com esta perspectiva, porque sabemos, de experiência, que a cada descoberta nova, a cada aquisição intelectual está ligada uma felicidade, que se acrescenta à que já gozáva­mos. A medida que nossas faculdades se ampliam, elas se exercem num campo cada vez mais vasto, abraçam hori­zontes mais extensos, e, como o Universo é ilimitado, podemos imaginar que nos será necessária a eternidade para compreendê-lo e aprofundar-lhe as íeis.

Confiantes na bondade do pai celestial, devemos crer nas promessas dos Espíritos superiores que nos assistem; verificando a felicidade inefável de que gozam, a elevação e a beleza do seu ensino, nosso único objetivo deve ser o de igualá-los, certos de que o poder divino saberá recom­pensar sempre os nossos esforços, proporcionando-nos a felicidade pelos trabalhos que tivermos suportado.

CAPÍTULO IV

HIPÓTESE

Até aqui nos limitamos a estudar o perispírito no homem e durante a desencarnação. Como os Espíritos nos ensinassem que ele é formado do fluido universal, aceita­mos essa asserção sem indagar do processo por que o perispírito poderia ter adquirido as qualidades de que é dotado. Vamos procurar neste capítulo levantar uma ponta do véu que nos encobre o passado. Para explicar o funcio­namento do invólucro do Espírito, fazemos a seguinte hi­pótese:

O perispírito fixa em si, durante a evolução da alma, todas as qualidades que lhe permitem dirigir a vida orgâni­ca; de sorte que o homem possuirá: 1 - a vida vegetati­va, devida ao princípio vital; 2 - a vida orgânica, devida ao perispírito; 3 - a vida intelectual, que é a da alma. Tentaremos, portanto, demonstrar que o duplo fluídi­co do homem é o princípio diretor de sua vida orgânica; para chegar a esta conclusão, admitiremos como absoluta­mente demonstradas as leis do transformismo, que se adap­tam maravilhosamente ao nosso assunto. Será assentar uma hipótese numa suposição, mas, tendo já declarado estar pronto a aceitar qualquer outra teoria melhor que nos apresentem, podemos sem temor oferecer a nossa.

Diremos, a título de justificativa, que há um hábito ou uma tendência instintiva do espírito, que nos leva a querer explicar tudo e a inventar explicações quando elas nos faltam. Ora, se pode descer de uma causa conhe­cida ao efeito que ela determina, não é menos certo que a operação inversa é absolutamente desprovida de regras e entregues a todos os azares da interpretação.

Se for sabido, diz Jamin, que a água é comprimida pela atmosfera, prevê-se que ela subirá no tubo de uma bomba onde se fizer o vácuo. Mas, suponhamos que não se conheça a existência dessa pressão e que se veja subir a água; ter-se-á a escolha entre uma multidão de causas que a imaginação pode sugerir; e quando se quiser decidir entre elas, haverá todas as probabilidades possíveis de engano contra uma só em favor da certeza. Sabe-se como obtiveram êxito os antigos que admitiam o horror da natu­reza pelo vácuo.

É a mesma necessidade que se quer satisfazer e a mesma operação que se faz quando se diz que a maté­ria se atrai, tudo se parece nas duas hipóteses, até a maneira de exprimi-Ias e pode ser que o mesmo se dê na realidade das explicações.

Que há uma força agente entre dois astros vizinhos, demonstra-o a mecânica rigorosamente, mas, quando se diz que esta força é uma atração da matéria, faz-se uma suposição tão gratuita como a dos antigos quando diziam que é o horror do vazio a força que faz subir a água. Vê-se produzirem-se os fenômenos do calor, da eletrici­dade, do magnetismo e da luz e logo se inventam quatro fluidos para os explicar; e que são estes fluidos? São criações de imaginação perfeitamente escolhidas, aliás, pa­ra prestarem-se a todas as explicações, porque criando-as pela necessidade que delas se tem, pode-se-lhes dar todas as propriedades que se quiser.

E aí está em toda a sua beleza o nascimento de um sistema. Na maioria das vezes estas teorias só servem para encobrir a ignorância em que nos encontramos das verdadeiras causas, e habituam o espírito a contentar-se (somente) com palavras. É raro que o progresso das ciên­cias não acabe com estes brilhantes produtos da imagina­ção; têm-se feito muitas delas; delas poucas restam, e quem pode prever a sorte das que aceitamos?

Se bem que, para precaver-se delas, tomem os físicos modernos tanto cuidado quando punham os antigos em multiplicá-los, eles admitem, entretanto, ainda alguns sis­temas, mas com uma condição que lhes dá verdadeira utili­dade, a de que estejam contidas dentro de uma hipótese geral capaz de abraçar matematicamente todas as leis expe­rimentais de uma ciência toda, e mesmo levar à descoberta de outras.

Deste número é a nova teoria que se aceita em ótica. Logo que foi admitida ser a luz um movimento vibratório do éter, todas as leis experimentais tornaram-se conseqüências que se faz decorrerem da hipótese, e a ótica chegou pouco a pouco a este estado de perfeição final em que a experiência não é mais que um auxiliar que verifica as previsões da teoria, em lugar de ser o único meio de procurar as leis; é por estes caracteres que se julgam hoje o sistema e é nestas condições que eles são aceitos.

O Espiritismo científico franqueou os primeiros passos da experiência, guiado por sábios ilustres, mas a explica­ção de todos os seus fenômenos não pode ainda ser utilmen­te tentada, porque poucos documentos, atualmente, exis­tem que permitam a boa execução desse trabalho. Apresentamos, portanto, um ensaio, sem a pretensão de verdade absoluta.

Em filosofia existe, para explicar a vida no homem, à parte o materialismo, três sistemas diferentes: 1:, os vitalistas; 2:, os organicistas; 3:, os animistas. Passemos rapidamente em revista estas diferentes escolas.

Sabe-se, de modo geral, que o corpo cresce, como os vegetais, sente e se move como o animal, enfim, que tem uma existência superior, que reside na vida intelectual. É preciso, pois, que o sistema que explica o homem físico e moral abrace essas três ordens de fatos. Vamos verificar que são todos insuficientes, porque se limitam a encarar uma só face da questão, em lugar de vê-Ia no conjunto.

Os Vitalistas só querem reconhecer no homem uma força, o princípio vital, e acham que ele basta para explicar tudo. Eis no que se apóia a sua convicção.

Notam que existe entre os fenômenos da natureza inorgânica e os da matéria organizada uma diferença radi­cal: os corpos brutos obedecem a leis que nos foi dado conhecer e formular, de maneira que podemos, à vontade, fazer a análise e a síntese de todas as substâncias. Mas, quando passamos dos corpos brutos à planta mais ínfima, mais rudimentar, impossível se nos torna reproduzi-Ia, quaisquer que sejam as condições em que operemos.

Uma simples folha da árvore, que o vento destaca, é um mistério impenetrável quanto à sua produção. A química pode decompor essa folha, saber o peso e a natureza dos corpos que entram em sua composição, mas não pode reproduzi-Ia, porque ela não dispõe da vida, que é a única potência capaz de organizar essa matéria.

No corpo humano esse princípio age da mesma manei­ra que na planta; nutre as células dos tecidos, substitui-as, sem que a alma tenha conhecimento, e chega a agir depois da morte, pois que se encontraram cadáveres em que os cabelos e as unhas haviam crescido.

Mas, se quisermos explicar todos os fenômenos que se passam no homem pelo simples jogo do princípio vital, defrontamos com insuperáveis dificuldades.

É preciso distinguir cuidadosamente os efeitos vitais dos produzidos pela alma, porque entre os dois gêneros de ação existem diferenças enormes. Assim, por exemplo, os fenômenos da digestão, da assimilação, da circulação do sangue se operam independentes da vontade, sem a participação da alma.

Jeoffroy, o filósofo eclético, exclama:

O eu sente-se absolutamente estranho aos fenômenos da vida, eles chegam não só sem que ele tenha consciência de engendrá-los, mas sem que tenha o menor conhecimento e mesmo seja advertido de que eles se produzem. Para apreender os fenômenos da vida seria preciso que saíssemos de nós e que, por experiências tortuosas e difíceis sobre o corpo humano ou o dos animais, tornássemos visível a nossos sentidos esta vida que não é a nossa e de que nossa consciência nada nos diz.

Barthélemy Saint-Hilaire acrescenta a essa proposição que nós não intervimos mais em nossa nutrição, do ponto de vista da vontade, do que na de uma planta.

Barthès, o célebre médico, aceita e desenvolve estes argumentos. Ele opõe à perpétua mobilidade da alma, a inalterável imobilidade dos fenômenos vitais, que parecem produzidos por leis fatais, e conclui dizendo que efeitos tão diferentes não podem provir da mesma causa.

Existe, pois, um princípio vital, mas que não pode explicar todas as modalidades humanas; os vitalistas têm, portanto, uma teoria incompleta.

Os Organicistas pretendem explicar a vida vegetal e a vida animal pelo simples jogo dos órgãos, ou seja pela atividade natural da matéria. Baseiam-se no fato de poder-se, em determinadas condições, submeterem-se insetos, como os rotíferos e os tardígrados, à morte e à ressurreição; é, pelo menos, como qualificam o estado desses animais antes e depois da operação. Basta, com efeito, depois de secar esses animálculos, sob a ação do frio, e quando eles parecem mortos, pô-los numa estufa, que se eleva gradualmente a cem graus, para vê-los voltar à vida, quan­do os umedecem depois do resfriamento. Daí concluem que o meio físico faz tudo, o organismo nada.

Mas o que prova que esses filósofos estão em erro é que há uma temperatura que se não pode ultrapassar, sem que o animal perca a vida. Há nele, portanto, um princípio que resiste à morte até certo grau; transposto este, a força é destruída, o que nos prova, uma vez mais, a existência do princípio vital.

Os Organicistas se baseiam, também, na transforma­ção do calor em força. Gavarret estabeleceu, experimen­talmente, por fatos rigorosos, verificados e controlados por fisiologistas eminentes, que a produção do calor, a contração muscular e a ação nervosa derivam diretamente da ação do oxigênio do ar sobre os materiais do sangue. Esta reação química é a única fonte da força indispensável ao organismo, para executar os movimentos que compõem a vida. Assim, nem alma, nem princípio vital, conclui o físico.

Para responder a Gavarret, basta notar que esses fenô­menos se produzem nos corpos animados, isto é, já organi­zados pela força vital. A explicação do sábio fisiologista é, pois, simplesmente uma informação sobre a maneira como funciona a vida nos seres organizados, mas não toca em nada no próprio princípio vital.

Os partidários da precatada opinião apoiaram-se tam­bém nos fenômenos que se passam no estômago e nos pulmões; estudaram as ações produzidas por essas duas vísceras e chegaram a conhecer as leis que as dirigem. Concluíram que não há necessidade de outras forças, além das que entram em jogo, neste caso, para explicar a vida.

Observaremos que a quimificação só se pode produzir, estando vivo o estômago, assim como o pulmão não respi­rará se o animal não estiver vivo, como o fizeram ver Cuvier e Flourens. Muller, o fisiologista, constata que o gérmen é uma matéria sem forma, isto é, uma massa não organizada, que não apresenta qualquer espécie de órgão ou de rudimento de organização e, entretanto, vive. A força orgânica existe, pois, no gérmen, antes de todos os órgãos.

Os Animistas, enfim, esperam explicar tudo pela ação única, consciente ou inconsciente da alma.

Podemos admitir que os fenômenos intelectuais são o produto direto da alma, mas as ações da vida orgânica devem ser atribuídas à outra causa, porque não se pode compreender que uma força imaterial exerça ação sobre a matéria do corpo.

Cada escola se coloca, pois, em um ponto de vis­ta exclusivo e não resolve, completamente, o problema. O Espiritismo, com as luzes que traz a tais questões contro­vertidas, pode servir de síntese a estas concepções diver­sas. Eis como:

Demonstrada, suficientemente, a existência do princí­pio vital, nós o aceitamos como causa da vida vegetativa. Resta compreender de que modo se exercem as ações auto­máticas que se passam no corpo humano. A noção do perispírito nos vai fazer perceber como o duplo fluídico pode ser considerado o regulador da vida orgânica, o que, até certo ponto, dá razão aos organicistas. Enfim, os ani­mistas podem aliar-se conosco, dada a maneira por que explicamos a ação da alma sobre o corpo.

O que nos falta dizer é como o perispírito pode ter adquirido todas as qualidades necessárias ao funcionamen­to de uma maravilha como é o corpo humano. É preciso que estabeleçamos por que processo esta organização fluí­dica pode dirigir as diferentes categorias de ações orgânicas que compõem a vida.

Segundo acreditamos, quanto mais o espírito se eleva mais se lhe depura o invólucro. Podemos, pois, dizer, olhando para o passado, que, quanto mais grosseiro é o invólucro, menos adiantado é o espírito; donde a conclu­são de que a alma humana, antes de animar um organismo tão perfeito como o corpo humano, teve que passar pela fieira animal: Não pretendemos que o princípio inteligente tenha sido obrigado a atravessar a fase vegetal, porque nas plantas não encontramos sinal algum de sensibilidade bem nitidamente acusada. Os movimentos de certas dio­néias, como a mimosa pudica, vulgarmente chamada sensi­tiva, não bastam para estabelecer esta propriedade nas raças vegetais. Tomaremos, pois, como ponto de partida das evoluções do princípio inteligente os mais rudimentares animais.

Sabemos, pelo estudo da Geologia, que o princípio vital nem sempre existiu sobre a Terra. Esta ciência nos ensina que, em indeterminada época de sua duração, a Terra não passava da massa de matéria inorgânica, submeti­da, simplesmente, às leis fisico-químicas que regem o mun­do mineral. É a época azóica.

Quando nosso globo sofreu todas as modificações ma­teriais de que era suscetível, apareceu a vida, isto é, a força organizadora, e, desde então, assistimos a uma série de transformações maravilhosas. Os organismos procedem uns dos outros, indo do simples ao composto. Desde a matéria do protoplasma até as formas mais elevadas, há uma escala de seres não interrompida, uma série de anéis que ligam a mais ínfima criatura ao homem, suprema ex­pressão dos tipos que se têm sucedido, na Terra.

Esta longa elaboração reclamou milhares de séculos, e, à medida que o mundo envelhecia, tornava-se cada vez mais apto a receber seres mais perfeitos. Darwin pro­curou explicar esta progressão contínua, por leis naturais. Hoekel adotou e desenvolveu o sistema do sábio inglês, e apesar de não estar o transformismo ainda universalmente admitido, aceitamos suas teorias porque elas nos parecem, pela majestosa lentidão que acusam, em harmonia com o natura non facit saltum dos naturalistas, e se acham conforme a idéia que fazemos da potência criadora.

Vimos já se efetuar uma primeira transformação: à natureza bruta sucede a natureza organizada, graças a apa­rição do princípio vital; a este sucede o princípio anímico, e a conseqüência desse segundo agente é a formação dos animais. A planta vive, mas não possui nem a sensibilidade nem o poder de locomover-se. O animal, ao contrário, não somente vive, mas sente e move-se. Podemos, a partir desse momento, empreender o estudo da evolução inte­lectual.

Admitindo-se que a alma e seu invólucro tenham pas­sado pela fieira animal, concebemos logo como as coisas deveriam ter sucedido.

Notamos que o animal possui o instinto, isto é, uma força que o dirige seguramente para fazer evitar o que lhe é prejudicial. Como nasceu esta força?

No animal toda ação é o resultado de um prévio julgamento que implica vontade, consciência, raciocínio, inteligência. Não podemos encontrar na matéria o gérmen dessas faculdades e por isso as atribuímos ao espírito; o instinto é uma propriedade perispiritual, que tem por causa a alma, mas que dela difere essencialmente. Para fazer compreender esta diferença, tomemos um exemplo.

Como a criança aprende a ler?

Ela deve a princípio compenetrar-se da forma das letras. Nos primeiros tempos ela confunde os A com os O, os N com os U, os B com os D, os P com os Q; ela deve entregar-se a mais comparações para reco­nhecer seus caracteres distintivos. Cada vez que ela firma um juízo, que ela diz que um A é um A, que um O é um O, ela deve arrazoar consigo mesma o porque deste juízo. Mas pelo exercício, este juízo se torna cada vez mais rápido, de modo que, dado este primeiro passo, pode proceder-se com ela ao estudo das sílabas. É preciso que ela aprenda agora a distinguir NA de AN, OV de VO, IE de EI, novas comparações, novos juízos, novos exercí­cios; depois estas dificuldades são vencidas, por sua vez. Aborda-se, então, o conhecimento das palavras, depois o das frases.

Quanto tempo, quantos esforços, quantos estudos são necessários para que chegue a ler corretamente!

Ela consegue isso, entretanto, e, por fim, percebe imediatamente uma frase pela simples inspeção do texto, como certos jogadores fazem instantaneamente a adição de cinco ou seis dominós estendidos diante deles. Chegada a este ponto, já não tem lembrança dos atos preliminares por que passou para ter o conhecimento da frase. Não vê mais que soletra, que julga da forma das letras e de sua respectiva posição nas sílabas. Parece-lhe que com­preende de golpe o que lê.

E como aprende a traçar as letras com a pena, a reuni-Ias em palavras, a cuidar da ortografia?

Esses movimentos são, a princípio, feitos por querer, com plena consciência, depois, chega a escrever sob dita­do, sem mesmo prestar atenção às palavras pronunciadas; sua mão obedece, de alguma sorte, por si mesma, aos sons que lhe ferem o ouvido.

E de modo análogo que o perispírito adquire, insensi­velmente, todas as suas qualidades funcionais. Como não se destrói com a morte do corpo e tem uma existência tão real como a do Espírito, acumula em seu seio todos os esforços e todas as aquisições deste. Graças à sua perpe­tuidade, pode voltar a Terra mais bem provida que da vez precedente.

Os organismos dos animais primitivos são, com efeito, muito simples, e se aproximam da natureza das plantas. O princípio anímico tem poucas funções a preencher; habituasse à vida ativa, mas não fica inerte, porque, desde os primeiros passos na vida animal, o gérmen inteligente tem sensações. Ele quer, por exemplo, evitar ou apanhar um objeto, mas o movimento não lhe acompanha imediatamente à vontade. Ele deve, para isso, empregar esforço e vencer certas resistências que provêm de um arranjo perispiritual das moléculas, pouco favorável ao movimen­to. Este movimento, acaba, entretanto, por se propagar, seguindo a linha de moléculas cuja vibração apresenta com ele menos divergência.

É assim que é vencida nos primeiros tempos a inércia das moléculas perispirituais, sob a influência da vontade nascente. Daí resulta que o mesmo movimento, quando desejado segunda vez, experimenta menos resistência e, à força de repetições, acaba por ser feito, com o menor esforço possível e de tal maneira fraco, que nem é sentido. Por conseqüência, o movimento, a princípio penoso, torna­-se em seguida fácil, depois natural, e enfim maquinal.

Eis como se pode conceber que, pouco a pouco, de­pois de milhares de passagens do princípio inteligente, na série animal, o perispírito chegue a fixar as leis que nos aparecem sob a forma de instinto, mas que foram lentamente conquistadas por ele, por meio de existências sucessivas.

Pode-se, pois, dizer, de maneira geral, que o movi­mento é voluntário, quando se sabe como e porque é feito; que é habitual quando é feito sem se saber como; instintivo, quando feito sem se saber porque; reflexo ou automático quando feito sem o saber.

O hábito se adquire pelo exercício, isto é, pela repeti­ção voluntária de uma série de atos, os quais acabam por se suceder cada vez mais rapidamente e com um dispên­dio de força menor. Modifica o organismo até nos óvulos e espermatozóides. A modificação dos pais se encontra nos filhos sob forma, a princípio, de necessidade, em segui­da, de instinto. Ao mesmo tempo que o animal se aperfei­çoa, os instintos progridem e servem para dirigi-los; for­mam-se, assim, as leis da matéria animada. À medida que o espírito envelhece, isto é, que se encarna, adquire quali­dades novas e se torna apto a habitar corpos cada vez mais aperfeiçoados.

Chegada à humanidade, a alma já fixou, em seu invó­lucro todas as leis automáticas destinadas a regulara mara­vilhosa máquina do corpo humano. Executam-se com regu­laridade as funções animais, e a alma, desprendida das peias mais grosseiras da matéria, emerge da ganga que a envolvia e deve ser senhora absoluta da matéria que, até então, a dominava.

Um fato pareceria contradizer a teoria que sustenta­mos. Nota-se entre o macaco mais aperfeiçoado e o selva­gem, mesmo o mais embrutecido, diferenças imensas, que parecem indicar uma demarcação nitidamente estabelecida entre o homem e o animal.

Para explicar esta anomalia, no ponto de vista físico, a antropologia nos ensina que há uma série de animais, chamados antropóides, que são o intermediário entre a humanidade e a animalidade. Existe, pois, descontinuidade na grande cadeia dos seres.

No ponto de vista moral, que é o mais importante, as sábias pesquisas de Boucher de Perthes, Du Mortillet, Lartet, Gaudry e tantos outros, estabeleceram que, em certo momento do período quaternário, os caracteres huma­nos e símios se encontraram reunidos nos antropóides dessa época longínqua. A apófise dentária, excrescência onde se inserem os músculos que favorecem a linguagem, não existia, ainda; entretanto, todos os caracteres do esque­leto provam que o indivíduo assim constituído era já um homem.

À medida que este ser foi progredindo, seus órgãos se foram aperfeiçoando, em conseqüência dos esforços que fazia para comunicar-se com seus semelhantes; formou-se a apófise dentária, e este animal humano pôde falar.

Não se sabe a duração do tempo em que se operou esta transformação, mas tudo leva a crer que foi enorme. O homem não falante é o que se encontra no grau superior terciário, e apesar das vivas discussões que levantou a qualificação de homem, que lhe foi dada, pode ser ele, em todo caso, considerado como um precursor, pois que talhava pedras para seu uso.

Qualquer que seja a opinião que se faça do homem da época pliocena, é absolutamente certo e demonstrado, que ele, como existe, atualmente, apareceu no período quaternário, o que lhe assegura, ainda, uma respeitável antiguidade, pois que, cálculos baseados na deterioração das rochas calcárias, demonstram que há 450.000 anos que os gelos desapareceram e que o homem era contempo­râneo, senão anterior, à época glacial!

Se o princípio inteligente dos animais foi obrigado a passar por formas intermediárias para chegar a humani­dade, se são os macacos os representantes diretos dos antropóides, e se a raça tende a desaparecer, pergunta-se, quando eles não existirem mais, como poderão as almas dos animais chegar ao nosso grau humano?

É sensata a objeção e nos demonstra que não se devem limitar a Terra as evoluções do princípio inteligente. Faze­mos parte do Universo, e nada prova que o princípio aními­co seja obrigado, chegando a Terra, a seguir toda a série das espécies que existem em sua superfície.

Na época quaternária, podia ser que as almas animais se transformassem, passando por graduações insensíveis a almas humanas; mas, em nossa época, isto já não é possível, pois que não se encontram traços intermediários entre o homem e o macaco. É preciso, pois, admitir que a alma animal, chegada ao ápice da escala das formas por que tinha de passar, é levada a um mundo, onde, pouco a pouco, adquire as qualidades que diferenciam o homem do animal, isto é, o conhecimento de si mesmo, a perfectibilidade e o sentimento do bem e do mal.

Notar-se-á que não temos feito nenhuma suposição sobre a criação do princípio inteligente, porque essas ques­tões são tão absurdas, tão pouco estudadas, até agora, que não é possível formular uma opinião sobre o assunto.

A passagem da alma pela série animal parece-nos razoável, mas ainda há muitos pontos a esclarecer e não podemos apresentar esta hipótese se não com as mais formais re­servas.

Para entrar no terreno sólido dos fatos, podemos afir­mar que o homem existe na Terra, há mais de 300.000 anos; que saiu, lentamente, da faixa da bestialidade, para elevar-se até aos mais altos píncaros da intelectualidade.

Que espetáculo e que ensino nos apresentam nossos miseráveis avós, morando em cavernas, e correndo, nus, em busca de nutrição! A custo distinguiam-se de outros animais ainda mais fortes e tão ferozes como ele. Mas o homem traz na fronte o selo da superioridade, possui a inteligência; é ela que o vai tirar desse terrível estado para torná-lo o senhor de toda a criação. É a lei do pro­gresso que se manifesta e que nos eleva da inferioridade do ser às esferas radiantes, onde só existe o amor, a justiça e a fraternidade.

QUINTA PARTE

CAPÍTULO I

ALGUMAS OBSERVAÇÕES PRELIMINARES

Os fenômenos mediúnicos de que falamos no capítulo consagrado ao Espiritismo necessitam estudo especial, por­que demonstram que existem estados particulares do orga­nismo que permaneceram desconhecidos até aqui dos fisio­logistas e dos filósofos.

Um médium, já o dissemos, é um ser dotado do poder de entrar em comunicação com os Espíritos; deve pois possuir em sua constituição física algo que o distinga das outras pessoas, pois que nem todos estão aptos a servir de intermediários aos Espíritos desencarnados. Demais, o Espírito emprega, ao atuar sobre o médium, certos pro­cessos que seria interessante conhecer, porque se concebe­mos muito bem como pode um homem fazer sentir fisica­mente sua influência sobre um outro, o mesmo não se dá quando examinamos de que maneira se exerce a ação espiritual sobre um encarnado.

A questão é complexa, e para resolvê-la seria preci­so um profundo conhecimento do ser humano, não só no ponto de vista fisiológico, mas ainda, e sobretudo, no ponto de vista perispiritual, porque este agente desem­penha um papel considerável em todos os fenômenos da mediunidade. Seria necessário também conhecer melhor a natureza dos invólucros semimateriais dos Espíritos.

Nestas pesquisas, e facilmente se compreenderá, só podemos raciocinar por analogia. Não é possível, ainda, fazer experiências diretas sobre o fluido perispiritual, que escapa, por sua natureza, a todos os nossos instrumentos, por mais perfeitos que sejam.

Repetiremos aqui o que já foi dito, que não temos a pretensão de os explicar cientificamente; nosso fim é mais modesto; limitamo-nos a apresentar analogias, a emi­tir teorias, que permitirão compreender como se podem produzir os fenômenos. É.uma tentativa que tem por fim fazer entrar os fatos espiritistas nas leis naturais e mostrar que foram considerados sem razão como derrogações aos princípios imutáveis que dirigem a Natureza.

Foi à má interpretação que se deu às manifestações espíritas que afastou delas os pensadores; eles acreditaram que se queriam renovar as mais absurdas superstições e le­vantaram-se com razão contra o que tachavam de loucuras. Mas mostrando-lhes que podemos explicar logicamente os fatos por hipóteses deduzidas das modernas concepções científicas, abrir-lhes-emos os olhos sobre uma ordem de fatos que eles ignoravam e por isso mesmo chamaremos a atenção dos homens sérios para um domínio inexplorado e fecundo em maravilhosas descobertas.

É, pois, dar um passo avante na propagação de nossas crenças explicar o mediunismo por uma teoria que não choque, em nada, as idéias do mundo científico. Não pode­mos pretender dar as relações numéricas que ligam os diferentes fenômenos da mediunidade; ninguém entretanto duvida que elas existem e chegar-se-á mais ou menos de­pressa a descobri-Ias, conforme a exatidão dos métodos que se empregarem. Já vimos Crookes construir aparelhos de medida muito sensíveis para apreciar a influência desta força, que se exerce a distância do foco donde ela emana e com nenhum condutor visível, assim como o constata o relatório da Sociedade Dialética.

Foi seguindo uma ordem de idéias paralela a esta, que Helmholtz e Donders chegaram a calcular o tempo fisiológico da visão, isto é, a duração que separa o mo­mento em que uma sensação luminosa fere o olho, daquele em que ela é percebida pelo cérebro. Estas experiências, muito simples, formam os elementos fundamentais de toda atividade intelectual, porque nelas entram em jogo a sensa­ção, a percepção, a reflexão e a vontade.

As deduções mais complicadas de um filósofo espe­culativo são constituídas por um encadeamento de fenôme­nos tão simples como os que fizeram o objeto das pesquisas de que estamos falando. Estas medidas fornecem, pois, os elementos de uma nova ciência do mecanismo dinâmico do pensamento, mas que não será fecunda senão na medida em que puder discernir os fatos que são devidos simples­mente à ação do cérebro daqueles que têm como móvel a alma.

Segundo o seu grau de complexidade, cada ciência se aproxima mais ou menos da precisão matemática à qual ela deve chegar cedo ou tarde e tanto isto é verdade que a idéia de aplicar o cálculo aos fenômenos vitais não é nova. Sabe-se que para as sensações de luz e de fadiga foram empreendidas pesquisas por Euler, Herbart, Ber­nouilli, Laplace, Buffon e foram realizados alguns traba­lhos neste sentido por Arago, Pogson e, sobretudo, Mas­son, para as sensações visuais. Mas o primeiro que alargou o círculo das investigações e preparou um trabalho de conjunto foi Weber, que formulou uma lei que traz o seu nome, e da qual resulta que: para aumentar a sensação de uma quantidade constante, chamada o menor acréscimo perceptível, isto é, para aumentara sensação em progressão aritmética, é preciso aumentar a excitação em progressão geométrica. Daí a fórmula: a sensação cresce como o Loga­ritmo da excitação; porque os números que se apresentam em progressão geométrica têm logaritmos que crescem em progressão aritmética.(18)

Fechner teve a glória de ter coordenado os trabalhos contemporâneos e de os ter completado com suas próprias pesquisas. Esta parte da Física Fisiológica tomou o nome de psicofísica e, ultimamente o professor Delboeuf, da Universidade de Liège, publicou um volume em que a lei de Weber está modificada, segundo recentes experiên­cias.

É por esta ordem de idéias que devemos impelir o Espiritismo. É preciso agora, quando a existência da força psíquica é incontestável, medir sua ação sobre o homem e a que ela pode exercer a distância. A filosofia grandiosa dos Espíritos está assentada em bases da mais rigorosa lógica; é preciso, pois, estudar as leis físicas que tornarão nossas experiências irrefutáveis.

Existem, infelizmente, entro os médiuns, os mais de­ploráveis preconceitos. Uns se supõem investidos de uma espécie de sacerdócio, que os deve colocar acima de seus contemporâneos e consideram como atentatória à sua digni­dade qualquer medida que tenha por fim fiscalizar-lhes a faculdade. Outros, ajuntemos que eles são pouco numero­sos, consideram o mediunismo como um dom que lhes permite ganhar facilmente a vida, e se estabelecem médiuns como o faria um salsicheiro ou um padeiro.

É para desejar que os espiritistas sérios reajam contra essas tendências contrárias às instruções dos Espíritos, e que Allan Kardec reprovava energicamente. Disse Lafon­taine: mais vale um franco inimigo do que um amigo desas­trado. É uma verdade isto, sobretudo em Espiritismo.

Formou-se uma classe de fanáticos que querem excluir toda medida preventiva que tenha por fim resguardar contra uma possível fraude. Consideram eles os investigadores sérios como falsos irmãos, e, por pouco, lhes pregariam uma peça. Estas pobres pessoas não compreendem que é de interesse capital que não se produza a menor suspeita; sem isto, adeus! convicções que se deseja fazer que nas­çam. Com seu desajeitado zelo fazem mais mal à doutrina que os mais encarniçados detratores.

Não é só na França que isto acontece, senão também na Inglaterra. Veja o que, a propósito, escreveu Hudson Tuttle, na Banner of Light, sob o título - O Sacerdócio dos Médiuns:

Banner, em seu número de 26 de fevereiro de 1876, traz um artigo assinado por T. R. H., que apresenta as mais errôneas conclusões. O pior é que esse senhor diz alto o que muitos pensam baixo. Já se tem cem vezes repetido que os fenômenos espirituais tinham por fim convencer os incrédulos. Para convencer, é preciso que os fenômenos se possam produzir e que deles se tenha à prova, sem perturbar as leis que presidem à sua manifestação. Ora, o autor do precitado artigo contrariando toda ciência, diz:

Não está distante o dia, eu o espero, em que os médiuns terão, em geral, uma suficiente independência para negar a todos o direito de exigir uma prova qualquer, quanto a seus diversos poderes.

É a primeira vez que vemos atribuir aos médiuns um poder sagrado que não admite contradição. Onde nos levará isso? Ao culto dos médiuns. Deve-se, como entre os antigos levitas, criaram uma classe especial que fique acima das leis que regem a generalidade dos homens e devemos, com os olhos fechados, aceitar o que lhes aprouver chamar de espiritual? Mas o papa se torna um pigmeu ao lado do colosso que assim se quer erigir acima do julgamento de todos. Pôr uma venda nos olhos da razão e transformar os espectadores em títeres, com os médiuns a lhes puxarem os cordéis, seria querer o fim do Espiritismo o breve trecho.

Ousamos declarar que as provas estritamente científicas impostas pelo professor Crookes, e a retidão de suas observações, fizeram mais para impressionar o mundo científico que quaisquer cartas de louvores de pesquisadores comuns. Não há espíritas que não falem com legítimo orgulho das investigações do célebre professor.

Estudei um pouco os fenômenos espirituais e ninguém me acusará de procurar sistematicamente causar danos à causa que me tomou os melhores momentos de minha vida, nem de querer impor condições prejudiciais ao fluido espiritual.

Porque amo o Espiritismo é que o quero ver liberto de toda a mentira, desembaraçado de toda acusação de falsidade. O professor Crookes, como todos sabem, colocou uma gaiola em torno dos instrumentos de música que, apesar disso, tocaram algumas árias; este fato prova suficientemente que o poder espiritual pode agir através dessas gaiolas. Por que, desde então, não colocar sempre uma gaiola semelhante em torno dos instrumentos? Por que deixar um pretexto àqueles que é preciso convencer? E por que, sobretudo, qualificar de falso irmão aquele que propõe medidas de controle tão seguras? Quando um médium se furta a uma prova que a minha própria experiência, aliada à de outros, demonstrou não ser prejudicial às manifestações, apresso-me em pôr termo a qualquer espécie de prática com ele.

Confesso não compreender por que o médium honesto resistiria a certas condições experimentais que se lhe queira impor. Nada, sem dúvida, poderia ser-lhe mais importante, do que a completa elucidação da causa que ele defende; a causa só pode ganhar com isso e ele deve considerar ponto de honra colocar em terreno livre toda observação. E. então, mesmo que se tenha controlado uma vez as manifestações de um médium, não há razão para que outras manifestações sejam admitidas como verdadeiras, se as mesmas condições de controle não tenham sido observadas.

Eis o que é bem falar e desejaríamos que os espiritistas pensassem da mesma maneira. É preciso nos coloquemos em face dos preconceitos de nosso tempo, que está muito inclinado a nos tomar por alucinados, e deixemos aos céti­cos a facilidade de se convencerem, só lhes fazendo ver fenômenos absolutamente irrefutáveis. Nestas condições, formaremos adeptos; se não se submeterem a isso, de que servirá a propaganda?

Devemos dizer que a grande maioria dos espiritistas pensa como nós e que estas reflexões visam, apenas, restri­to grupo de atrasados, que temeriam dar um tremendo golpe na doutrina, revelando um embuste. Cumpre, ao contrário, o maior vigor e é porque os fenômenos existem que se faz mister vigiar os charlatães que tentariam imi­tá-los.

A mediunidade se nos apresenta de tal maneira pro­bante, que a dúvida não é mais permitida a quem queira estudar seriamente; mas se o pesquisador tem a infelicidade de encontrar, no começo de suas investigações, um impos­tor, conclui falsamente que o Espiritismo não passa de um novo método de exploração. Não nos devemos expor à crítica e, por isso, Allan Kardec pregou sempre a mais absoluta fiscalização.

Ditas estas coisas voltemos à mediunidade e ao seu estudo.

A propósito da tentativa de explicação científica, que apresentamos, poderão observar-nos que apoiamos nossas demonstrações em hipóteses e que, portanto, não servirão para convencer os incrédulos. Responderemos que o terre­no em que entramos não foi ainda reconhecido, e que forçoso nos é recorrer às hipóteses. Mas teremos o cuidado de aventá-las de tal sorte que nenhuma experiência venha desmenti-Ias. É nestas condições que uma teoria é aceitá­vel.

Conformamo-nos, aliás, com o uso dos sábios, que estão reduzidos aos sistemas, para explicar os mais simples fenômenos, os que se passam sob seus olhos e cujas condi­ções de produção podem variar à vontade. Não esqueça­mos, com efeito, que os tratados de física ou de química só nos apresentam as relações entre as diferentes substân­cias, sem mostrar a natureza íntima dos corpos. Fala-se sem cessar, da matéria, sem lhe definir exatamente a verda­deira constituição.

A força é um proteu de formas múltiplas, cuja essência é ainda um mistério. Finalmente, verificamos correlações ou diferenças entre certo número de fatos e daí deduzimos leis, mas sem conhecer a verdadeira natureza dos corpos sobre os quais elas se exercem, nem o que são essas leis em si mesmas.

O estudo das ciências é, em geral, muito longo, por­que é preciso reunir grande número de observações, antes de descobrir as relações que as ligam entre si ou antes de notar as leis que as regem; mas o estudo dos fatos espiríticos é complicado por outra razão. Estamos aqui, é preciso não esquecer, em campo inteiramente diverso do das ciências puramente materiais. Nestas, podem-se inverter as condições experimentais, porque, sendo inerte a matéria, os resultados não mudam, dadas as mesmas circunstâncias. É o que já não acontece no estudo do Espiritismo, onde é preciso ter sempre em conta as indivi­dualidades que intervêm na manifestação; esta influência é muito variável e, as mais das vezes, independente de nossa vontade.

Por mais árdua que seja nossa tarefa, faz-se mister empreendê-la, porque, é pelo estudo que chegaremos ao conhecimento dos estados da matéria que, atualmente, es­tamos longe de suspeitar. Os espíritos há trinta anos ensi­naram-nos a unidade dá matéria e o mundo científico estava então pouco inclinado a adotar esta idéia; hoje ela generali­zou-se; isto nos é de bom augúrio para o perispírito que, esperamo-lo, será logo reconhecido como uma das partes essenciais do homem.(19)

Vimos que o estado do Espírito livre é totalmente diferente do encarnado; ele experimenta, em sua vida nova, sensações que não tinha com o corpo; vê a natureza sob outro aspecto, e seus sentidos mais aperfeiçoados, mais delicados, são capazes de se deixarem influenciar por vibra­ções mais sutis que aquelas que atuam comumente sobre nós. A sensibilidade é desenvolvida, no Espírito, pela natu­reza fluídica do seu invólucro, que possui uma constituição molecular muito rarefeita, mas, apesar disso, uma forma bem determinada. Isto é devido à alma, que é um centro de forças, desempenhando o mesmo papel em face do seu corpo, que o eixo dos turbilhões de fumaça, na experiência de Helmholtz. A comparação é exata, porque constatamos que o espírito pode, à vontade, tomar a forma que lhe convenha. Deve, pois, admitir-se, que a causa da agrega­ção perispiritual reside no Espírito, que age sem cessar pela vontade.

As propriedades do perispírito são perfeitamente ex­plicáveis, conforme já estudamos. O invólucro da alma é invisível, porque seu movimento vibratório molecular é muito rápido para que suas ondulações sejam perceptíveis para o olho, mas, se por qualquer meio, diminui-se esse movimento, o ser torna-se visível, não só para um médium como também para todos os assistentes.

No estado normal, pode o Espírito locomover-se em nossa atmosfera e à superfície do globo, sem que nada lhe estorve a marcha; sua natureza lhe permite atravessar nossa matéria grosseira, como a luz atravessa os corpos diáfanos; numa palavra, ele pode ir a toda parte, sem encontrar obstáculo material.

Conforme o grau de adiantamento do Espírito, os fluidos que compõem seu invólucro serão mais ou menos puros, sua ação aumentada ou diminuída em razão de seu estado mais ou menos radiante. É evidente que os fluidos grosseiros, materiais, que se aproximam dos gases terres­tres, são menos aptos às operações da vida espiritual, que os dos Espíritos superiores, de alguma sorte quintes­senciados. A influência da moral sobre o físico é ainda mais acentuada no espaço que na Terra.

Podemos aqui viciar nosso invólucro, por forma a que ele se tome impróprio às funções da vida; assim tam­bém, as más paixões, fixando no perispírito fluidos grossei­ros prejudicam o progresso da alma, e, por conseqüência, seu bem-estar.

O que dizemos se aplica indistintamente a todos os Espíritos, de sorte que o mundo espiritual é em todos os pontos comparável ao nosso, mas a hierarquia se estabe­lece sobre uma única base, a do adiantamento moral.

Suponhamos, agora, que um Espírito queira comuni­car-se e procuremos compreender os sucessivos fenômenos que se vão desenrolar. Há duas alternativas: Ou o Espírito sabe comunicar-se ou não sabe. No primeiro caso, quando são boas suas intenções, um Espírito mais instruído o dirige e lhe mostra como deve agir; se for para o mal, ele nada consegue, na maior parte das vezes, porque não encontra um Espírito um tanto elevado que o queira auxi­liar na tarefa.

O Espírito que sabe comunicar-se é ainda obrigado a procurar um médium: - um ser humano cuja constituição seja tal que lhe possa ceder parte do seu fluido vital. Tendo-o encontrado, eis como então opera o Espírito. Por sua vontade ele projeta um raio fluídico sobre o perispírito do médium, penetra-o com seu fluido, estabelecendo, assim, comunicação direta com o encarnado. É por esse cordão que o fluido vital do homem é atraído pelo Espírito. Esta dupla corrente fluídica pode ser comparada aos fenô­menos de endosmose, isto é, à troca que se produz entre dois líquidos de densidades diferentes, através de uma membrana. Aqui, os líquidos são substituídos pelos fluidos e a membrana pelo corpo.

Estabelecida a comunicação, o Espírito pode agir so­bre o médium, produzindo efeitos diversos, que se tradu­zem pela visão, audição, escrita, tiptologia, etc. São estas diferentes manifestações que vamos estudar detalhadamen­te nos capítulos seguintes.

Em suma, vê-se que bem são necessárias uma. tantas circunstâncias para obter-se uma comunicação, e daí não nos devermos admirar dos insucessos que acompanham quase sempre as primeiras tentativas. Eis as condições indispensáveis.

1; - É preciso que o Espírito evocado possa ou queira atender à evocação; 2; - que a evocação seja sincera, com o fim de instruir e não de divertimento ou de proveito material; 3: - que o Espírito evocado tenha também o desejo de fazer o bem; 4: - que saiba o que deve fazer para manifestar-se; 5: - que encontre um médium apto a reproduzir-lhe o pensamento ou a fornecer-lhe os fluidos necessários, que variam conforme o gênero de manifes­tação; 6: - finalmente, que nenhuma ação exterior contra­rie o Espírito em suas manifestações. Muito importante sobretudo é esta parte, porque se trata de verdadeiro mag­netismo espiritual, e sabe-se quanto, nas ações magnéticas, podem vontades estranhas perturbar o bom resultado do fenômeno.

Não falamos já do estado de saúde do médium, das influências exercidas pelos agentes físicos, luz, calor, ele­tricidade, porque lhes ignoramos a maneira de agir, mas não deixam eles de ter grande influência, o que seria útil determinar, de futuro.

Como se vê, é preciso um concurso de circunstâncias favoráveis para as relações com o mundo espiritual, e os reveses numerosos a que nos expomos, por inobser­vância dessas prescrições, mostram que o fenômeno está longe de depender do acaso, e deve ser estudado com muito método, se lhe queremos descobrir as leis.

Não é, portanto, depois de um jantar e de libações, que podemos encontrar as condições necessárias para a prática do Espiritismo, e não será de espantar que os Espíritos recusem manifestar-se, quando os querem exibir como animais curiosos, à guisa de sobremesa, aos convidados para a festa.

CAPÍTULO II

OS MÉDIUNS ESCREVENTES

Médiuns escreventes são os que transmitem pela escrita os pensamentos dos invisíveis; sem dúvida, são os mais úteis instrumentos de comunicação com os Espíri­tos. Esta faculdade é a mais simples, a mais cômoda e a mais completa. Para ela devem tender os esforços dos neófitos, porque lhes permite corresponder-se com os Espí­ritos de maneira regular e continuada. Deve-se a ela afeiçoar-se mormente porque por esse meio os espíritas revelam a sua natureza e o grau de seu aperfeiçoamento ou de sua inferioridade. Pela facilidade que se lhes oferece de exprimir-se, os Espíritos podem fazer-nos conhecer seus pensamentos íntimos, colocando-nos, assim, nas condições de julgá-los e apreciá-los em seu próprio valor. É indispen­sável estudar essa faculdade, pacientemente, porque é ela a mais suscetível de desenvolver-se pelo exercício.

Podem apresentar-se três gêneros bem diferentes, que é preciso distinguir no ponto de vista das manifestações. Os médiuns podem ser: mecânicos, semimecânicos ou in­tuitivos.

Mediunidade mecânica

A mediunidade mecânica é caracterizada pela passivi­dade absoluta do médium, durante a comunicação. O Espí­rito que se manifesta age indiretamente sobre a mão, pelos nervos que lhe correspondem; dá-lhe um impulso completa­mente independente da vontade do médium, e a mão age sem interrupção, enquanto o Espírito tem o que dizer e não se detém senão quando ele terminou.

Os movimentos da pessoa que recebe a mensagem são puramente automáticos; assim é que já vimos médiuns desse gênero sustentar conversa, enquanto a mão escrevia maquinalmente.

A inconsciência, nesse caso, constitui a mediunidade mecânica ou passiva, e não pode deixar dúvida quanto à independência do pensamento de quem escreve.

Os movimentos são, algumas vezes, violentos e con­vulsivos, porém, as mais das vezes, calmos e comedidos. Os bruscos sobressaltos observados podem provir da imper­feição ou da inexperiência do Espírito que se manifesta. Até agora só se deram explicações muito vagas sobre esse modo de comunicação e as que foram apresentadas não possibilitam a compreensão de certas particularidades do fenômeno.

Acabamos de ver que a mediunidade mecânica consis­te em escrever, sob a influência dos Espíritos, comuni­cações de que não se tem consciência e de que só se pode tomar conhecimento quando a influência espiritual cessou. Como se produz esta ação, e porque, sendo o médium verdadeiramente passivo, certas palavras, certas frases da mensagem são idênticas às que ele emprega em estado ordinário? Parece que há aqui um ponto obscuro que merece ser esclarecido.

Para responder a essas observações, permanecendo no terreno das analogias científicas, cremes que se pode conceber o fenômeno como uma ação reflexa do cérebro do médium, sob uma influência espiritual.

A fim de desenvolver esta idéia, lembremos alguns fatos fisiológicos que a apóiam. Lancemos rápido olhar sobre o sistema nervoso do homem e algumas de suas funções. É indispensável esse estudo preliminar, porque aquele sistema é o órgão pelo qual o espírito está ligado ao corpo; ele serve de condutor aos fluidos perispirituais, como o fio telegráfico à eletricidade; é ele que transmite à alma, pelos sentidos, todas as impressões que vêm do exterior. È, pois, pelo estudo de seu funcionamento que chegaremos a fazer uma idéia da manifestação dos Espíri­tos, no caso particular de que nos ocupamos.

O sistema nervoso da vida de relação, o único que nos interessa, compreende duas partes distintas: as massas centrais ou eixo cérebro-espinal e os filetes periféricos ou nervos. As massas centrais se separam em muitas subdi­visões, cujas principais são o cérebro, com as camas óticas e o cerebelo, e a medula espinal, que se liga ao cérebro pela medula alongada. Os nervos partem da medula espinal e da parte inferior do cérebro e vão ramificar-se e espalhar­-se em todas as partes do corpo. São eles que transportam ao centro as excitações recebidas na superfície, com uma velocidade de 30 metros por segundo, e que transmitem aos membros as vontades do espírito.

Na medula espinal notam-se duas espécies de células nervosas; umas, pequenas, estão em comunicação com as raízes dos nervos sensitivos; outras, maiores, com as raízes dos nervos motores. Expliquemos agora o que entendemos por uma ação reflexa simples.

Se cortarmos a cabeça de uma rã e lhe excitarmos uma das patas com um ácido, imediatamente veremos esta pata contrair-se. Que se passa? Quando irritamos a pata, os nervos sensitivos que aí se encontram transmitem às pequenas células da medula a excitação recebida; estas, por seu turno, influenciam as grandes células dos nervos motores, com que comunicam, de sorte que a excitação volta a ponto de partida, sob a forma de incitação motora e determina a contração.

A medula é, pois, um verdadeiro centro, indepen­dente, necessário e suficiente para produzirem certos movi­mentos muito bem coordenados.

O sábio Maudsley chama centros sensório-motores as diferentes aglomerações de matéria cinzenta situadas na medula alongada e na base do cérebro; estes centros são capazes de produzir ações reflexas sobre os órgãos dos sentidos. Sabemos, por outro lado, que a vontade é um excitante vital por excelência; nós demonstramos com Claude Bernard, sua eficácia. Bem constatado isso, veja o que se produz no caso de mediunidade mecânica. Os Espíritos, por sua vontade, colhem, nos médiuns, o fluido vital que lhes é necessário para estabelecer a harmonia entre seu perispírito e o do médium. Há mistura e troca dos dois fluidos. Formam uma espécie de atmosfera fluídica, que envolve o cérebro do médium, e que termina no seu próprio perispírito por uma espécie de cordão fluídi­co. Há, pois, a partir deste momento, um intermediário entre eles e o encarnado; é por meio desse condutor que transmitem ao cérebro seu pensamento e sua vontade; de sorte que para ditar uma comunicação basta-lhes querer. A atmosfera fluídica de que falamos pode ser comparada à camada elétrica que se acumula lentamente em um con­densador. O médium representa o papel de instrumento e o Espírito o de operador.

Poder-se-ia estranhar ver um cordão fluídico servir dá veículo às vibrações perispirituais determinadas pelo pensamento, mas convém não esquecer que este fenômeno é análogo ao que se produz no fotófono imaginado por Graham Bell. O célebre inventor americano construiu um aparelho no qual a luz serve de veículo ao som. No telefone o movimento da placa vibratória diante da qual se fala muda o magnetismo de um ímã. Esta modificação deter­mina um movimento elétrico que, reagindo sobre o ima do aparelho receptor, aciona por sua vez a placa cujas vibrações reproduzem um som idêntico ao que foi emitido na embocadura do aparelho transmissor. Mas no fotófono não mais fio de comunicação; ele é substituído por um raio luminoso, o qual, deformando-se na embocadura, transporta as vibrações da voz à lâmina vibrante do recep­tor, que reproduz um som idêntico ao emitido na outra estação.

Compreendemos, assim, como uma vibração, partida do Espírito, se propaga por meio de um cordão fluídico até o aparelho receptor, que é o perispírito do encamado. Aí chegadas, as vibrações atuam no cérebro do encamado, pela forma comum.

Vejamos, agora, o que se passa com o médium. Ele é, logo que o fenômeno começa, absolutamente inconscien­te. Momentaneamente, seu cérebro fica quase todo a dispo­sição do Espírito, que dele se serve sem que o encarnado tenha consciência das idéias que ali se agitam. É uma verdadeira ação reflexa, determinada por uma influência espiritual, e por intermédio do fluido nervoso.

Assim se explica por que certos Espíritos dão comuni­cações com erros ortográficos ou de estilo, quando não os cometiam em vida. É que não encontram no cérebro do médium um instrumento com a perfeição capaz de lhes transmitir as idéias.

Sabemos, pelas experiências de Schiff, que as impres­sões sensoriais estão localizadas em certas partes da cama­da cerebral dos hemisférios, e que as células são tanto mais sensíveis quanto mais se desenvolvem, pelo estudo, as faculdades do espírito; de sorte que, quanto maior for a instrução do médium, mais impressionável será seu cére­bro, e, ao contrário, quanto mais desprezada for sua cultura intelectual, menos apto será ele para transmitir as inspira­ções dos guias.

Suponhamos que o Espírito manifestante queira expri­mir esta frase: Deus é a causa eficiente do Universo. Ele fará vibrar as células nervosas dos hemisférios cerebrais do médium, mas se o encarnado não fixou em seu cérebro a palavra eficiente, ele a substituirá por outra equivalente e dirá - Deus é causa atuante do Universo.

Se esta operação reproduzir-se grande número de ve­zes, o Espírito poderá ditar uma bela comunicação, mas será ela mal transmitida pelo órgão. Se um grande músico só tiver a sua disposição um instrumento imperfeito, nunca chegará, apesar de todo seu talento, a fazer ouvir uma pura melodia.

Prevemos uma objeção: Têm-se visto, muitas vezes, médiuns receberem comunicações em línguas que lhes são desconhecidas, como o inglês, por exemplo, e escreverem, mesmo, páginas inteiras nesse idioma.

Para responder, diremos que o médium deve ter, em encarnação anterior, habitado o país em que se emprega a língua de que o Espírito se serve; ele guardou em seu perispírito o traço dessa passagem. São as reminiscências inconscientes de que o Espírito, por instantes, faz uso. Isto está de acordo com o que observamos no capítulo do perispírito, relativamente aos progressos rápidos de que certas crianças dão exemplos; nós os atribuímos as faculda­des adquiridas, guardadas no perispírito em estado latente.

É preciso, também, levar em conta, nesse gênero de manifestação, a maleabilidade do médium, ou seja, a apti­dão de transmitir certas idéias. Se o Espírito encontra um cérebro bem mobiliado, pode desenvolver seu pensa­mento. Temos exemplos de encarnados que recebem comu­nicações, apesar de sua ignorância na arte de escrever, mas estes são raros, e os Espíritos preferem servir-se de bons instrumentos.

Devemos preparar-nos, pelo estudo, para pedir comu­nicações a nossos guias. Quanto mais fixarmos em nosso perispírito conhecimentos que modifiquem a contextura do nosso cérebro, tanto mais capazes seremos de exprimir as instruções dos invisíveis, que se interessam por nossos trabalhos. Muitas vezes nos dizem os Espíritos: Temos preparado seu cérebro para receber nossas impressões e só hoje conseguimos manifestar-nos, e isto serve para apoiar nossa teoria da ação reflexa.

Tal é a nosso ver, a explicação da mediunidade mecâ­nica. Ela nos foi sugerida por um reparo, o de que os médiuns pouco instruídos, dando, muitas vezes, esplêndi­das comunicações, sob o ponto de vista moral, cometiam, escrevendo, erros grosseiros, que o espírito não teria podi­do cometer se tivesse livremente disposto de seus próprios órgãos; eles devem provir, pois, do intermediário. Tínha­mos pensado, momentaneamente, explicar a mediunidade por uma ação direta do Espírito sobre o braço do médium, mas tivemos de a isso renunciar, em conseqüência das razões que acabamos de expor.

Passemos agora a uma outra variedade de fenômeno.

Mediunidade intuitiva

Nestas comunicações, não mais existe qualquer ação reflexa, o Espírito não exerce uma ação efetiva sobre o cérebro do médium; ele não lhe tira a consciência, ao transmitir-lhe as vibrações perispirituais que representam seu pensamento, e o encarnado as apanha sob forma de idéias; daí a denominação de mediunidade intuitiva dada a esse gênero de manifestações.

O Espírito estranho não age aqui sobre a mão do médium, por intermédio do cérebro para fazê-lo escrever; não a guia; manifesta-se de modo mais direto. Sob seu impulso, o encarnado dirige a própria mão e escreve os pensamentos que lhe são sugeridos. Notemos uma coisa importante, é que o Espírito estranho não se substitui à alma do encarnado, porque ele não poderia deslocá-la; domina-a e lhe imprime sua vontade.

Vimos ainda há pouco que o fotófono transmite as vibrações sonoras por intermédio de um raio luminoso; aqui a ação é idêntica. O Espírito estranho, por sua vonta­de, imprime ao cordão fluídico movimentos ondulatórios que repercutem no perispírito do médium; essas vibrações, chegando ao cérebro perispiritual, fazem vibrar as partes análogas àquelas por onde foram emitidas no Espírito, de sorte que as vibrações semelhantes acordam idéias da mesma natureza.

É o que se passa, aliás, no caso da palavra. Quando se pronuncia o vocábulo homem, as vibrações sonoras che­gam ao cérebro, fazem-no vibrar de certa maneira que evoca no espírito de quem escuta a idéia representada por aquela palavra. As vibrações perispirituais agem da mesma maneira, mas sem passar, no caso que nos ocupa, pelos órgãos matérias da audição. E assim, pelo menos, que concebemos a transmissão do pensamento. Nesta cir­cunstância, o papel da alma encarnada não é passivo; é ela que recebe o pensamento do Espírito e que o transmite. O médium, nesse gênero de comunicação, tem, pois, cons­ciência do que escreve, posto que não se trate do seu pensamento.

Se assim é, dir-se-á, nada prova que seja um Espírito estranho quem escreve e não o do médium. A distinção é algumas vezes muito difícil, mas pode-se reconhecer o pensamento sugerido, pelo fato de não seja mais precon­cebido, e ele se forma, por assim dizer, à medida que se escreve e, muitas vezes, é contrário à idéia que, anteci­padamente, se havia feito; pode estar mesmo, neste caso, fora dos conhecimentos do médium.

Allan Kardec distinguiu perfeitamente as duas varie­dades de mediunidade: ele declara que o papel do médium mecânico é o de uma máquina enquanto que o intuitivo age como o faria um intérprete. Este, com efeito, para transmitir o pensamento dos interlocutores, deve com­preendê-lo, de alguma sorte, apropriar-se dele, para o tra­duzir fielmente, e, entretanto, esse pensamento não é o seu, ele lhe atravessa, apenas, o cérebro; tal é exatamente o que se passa com o médium intuitivo.

Notemos que, ainda aí, o desenvolvimento intelectual do intermediário é indispensável para que este possa expri­mir corretamente as idéias que recebe. Como é ele quem escreve, quem redige, pode dar aos pensamentos sugeridos uma forma mais ou menos literária, conforme seus estudos ou capacidade. É, portanto, sobretudo no ponto de vista moral e pelas provas que fornecem, que devem ser julgadas as comunicações, e não pelo estilo, que pode ser perfeita­mente desfigurado pelo intérprete.

Acabamos de expor dois gêneros de mediunidade bem caracterizados, mas que, na realidade, não se apresentam sempre com aquela nitidez; são, antes, dois termos extre­mos de uma série de estados, variando do mais ao menos. Algumas vezes, o médium é mais mecânico que intuitivo, outras, pende para a segunda destas faculdades; enfim, podem encontrar-se pessoas que gozem dos dois modos de manifestação: são os semimecânicos.

É fácil compreender que a natureza fluídica dos indiví­duos não é a mesma e, portanto, a ação espiritual não se pode exercer de maneira idêntica em todos os organis­mos; ela apresenta grande número de gradações, que não podem ser definidas e que são reconhecidas pelo exercício.

Todos somos, mais ou menos, médiuns intuitivos. Quem já não sentiu, na calma profunda de uma bela noite, essas influências misteriosas e benfazejas que confortam o coração? Donde vêm esses pensamentos tão doces, esses sonhos encantadores, essas aspirações para o ideal que experimentamos em certas épocas da vida? Eles nos são inspirados pelos entes amados que nos rodeiam, que nos cercam com sua solicitude, e que se sentem felizes quando nos vêem seguir os conselhos que nos insinuam.

O que os artistas, os escritores, os oradores chamam inspiração é ainda uma prova da intervenção dos Espíritos, que nos influenciam para o bem e para o mal, mas ela é antes obra daqueles que nos desejam o bem e cujos bons conselhos freqüentemente cometemos o erro de não seguir; ela se aplica a todas as circunstâncias da vida, nas resoluções que devemos tomar; sob esse ponto de vista, pode-se dizer que todos somos médiuns. Se estivés­semos bem compenetrados desta verdade, teríamos muitas vezes recorrido à inspiração dos guias nos momentos difí­ceis da vida.

Evoquemos, pois, com fervor esses caros amigos e admirar-nos-emos dos resultados obtidos, e quer tenhamos uma decisão a tomar ou um trabalho difícil por fazer, sentir-lhes-emos a benéfica influência.

As explicações teóricas que expendemos são absoluta­mente confirmadas pelos Espíritos e se baseiam nas comu­nicações dos nossos guias e no ensino de Allan Kardec. Encontramos, com efeito, no Livro dos Médiuns, no parágrafo 225, o estudo seguinte ditado por um Espírito:

A dissertação que se segue, dada espontaneamente por um Espírito superior, que se revelou mediante comuni­cações de ordem elevadíssima, resume, de modo claro e completo, a questão do papel do médium:

Qualquer que seja a natureza dos médiuns escre­ventes, quer mecânicos ou semimecanicos, quer simples­mente intuitivos, não variam essencialmente os nossos pro­cessos de comunicação com eles. De fato, nós nos comuni­camos com os Espíritos encarnados dos médiuns, da mesma forma que com os Espíritos propriamente ditos, tão-só pela irradiação do nosso pensamento.

Os nossos pensamentos não precisam da vestidura da palavra, para serem compreendidos pelos Espíritos e todos os Espíritos percebem os pensamentos que lhes dese­jamos transmitir, sendo suficiente que lhes dirijamos esses pensamentos e isto em razão de suas faculdades intelec­tuais. Quer dizer que tal pensamento tais ou quais Espíritos o podem compreender, em virtude do adiantamento deles, ao passo que, para tais outros, por não despertarem nenhu­ma lembrança, nenhum conhecimento que lhes dormitem no fundo do coração, ou do cérebro, esses mesmos pensa­mentos não lhes são perceptíveis. Neste caso, o Espírito encarnado, que nos serve de médium, é mais apto a expri­mir o nosso pensamento a outros encarnados, se bem não o compreenda, do que um Espírito desencarnado, mas pou­co adiantado, se fôssemos forçados a servir-nos dele, por­quanto o ser terreno põe seu corpo, como instrumento, à nossa disposição, o que o Espírito errante não pode fazer.

Assim, quando encontramos em um médium o cére­bro povoado de conhecimentos adquiridos na sua vida atual e o seu Espírito rico de conhecimentos latentes, obtidos em vidas anteriores, de natureza a nos facilitarem as comu­nicações, dele de preferência nos servimos, porque com ele o fenômeno da comunicação se nos torna muito mais fácil do que com um médium de inteligência limitada e de escassos conhecimentos anteriormente adquiridos. Va­mos fazer-nos compreensíveis por meio de algumas explica­ções claras e precisas.

Com um médium, cuja inteligência atual, ou ante­rior, se ache desenvolvida, o nosso pensamento se comu­nica instantaneamente de Espírito a Espírito, por uma fa­culdade peculiar à essência mesma do Espírito. Nesse caso, encontramos no cérebro do médium os elementos próprios a dar ao nosso pensamento a vestidura da palavra que lhe corresponda e isto quer o médium seja intuitivo, quer semimecânico, ou inteiramente mecânico. Essa a razão por que, seja qual for à diversidade dos Espíritos que se comunicam com um médium, os ditados que este obtém, embora procedendo de Espíritos diferentes, trazem, quanto à forma e ao colorido, o cunho que lhe é pessoal. Com efeito, se bem o pensamento lhe seja de todo estranho, se bem o assunto esteja fora do âmbito em que ele habitual­mente se move, se bem o que nós queremos dizer não provenha dele, nem por isso deixa o médium de exercer influência, no tocante à forma, pelas qualidades e proprie­dades inerentes à sua individualidade. É exatamente como quando observais panoramas diversos, com lentes matiza­das, verdes, brancas, ou azuis; embora os panoramas, ou objetos observados, sejam inteiramente opostos e indepen­dentes, em absoluto, uns dos outros, não deixam por isso de afetar uma tonalidade que provém das cores das lentes. Ou, melhor: comparemos os médiuns a esses bocais cheios de líquidos coloridos e transparentes, que se vêem nos mostruários dos laboratórios farmacêuticos. Pois bem, nós somos como luzes que clareiam certos panoramas morais, filosóficos e internos, através dos médiuns, azuis, verdes, ou vermelhos, de tal sorte que os nossos raios luminosos, obrigados a passar através de vidros mais ou menos bem facetados, mais ou menos transparentes, isto é, de médiuns mais ou menos inteligentes, só chegam aos objetos que desejamos iluminar, tomando a coloração, ou, melhor, a forma de dizer própria e particular desses médiuns. Enfim, para terminar com uma última comparação: nós os Espíritos somos quais compositores de música, que hão composto, ou querem improvisar uma área e que só têm à mão ou um piano, um violino, uma flauta, um fagote ou uma gaita de dez centavos. É incontestável que, com o piano, o violino, ou a flauta, executaremos a nossa composição de modo muito compreensível para os ouvintes. Se bem sejam muito diferentes uns dos outros os sons produzidos pelo piano, pelo fagote ou pela clarineta, nem por isso ela deixará de ser idêntica em qualquer desses instrumen­tos, abstração feita dos matizes do som. Mas, se só tiver­mos à nossa disposição uma gaita de dez centavos, aí está para nós a dificuldade.

Efetivamente, quando somos obrigados a servir-nos de médiuns pouco adiantados, muito mais longo e penoso se torna o nosso trabalho, porque nos vemos forçados a lançar mão de formas incompletas, o que é para nós uma complicação, pois somos constrangidos a decompor os nossos pensamentos e a ditar palavra por palavra, letra por letra, constituindo isso uma fadiga e um aborrecimento, assim como um entrave real à presteza e ao desenvolvi­mento das nossas manifestações.

Por isso é que gostamos de achar médiuns bem ades­trados, bem aparelhados, munidos de materiais prontos a serem utilizados, numa palavra: bons instrumentos, por­que então o nosso perispírito, atuando sobre o daquele a quem mediunizamos, nada mais tem que fazer senão impulsionar a mão que nos serve de lapiseira, ou caneta, enquanto que, com os médiuns insuficientes, somos obriga­dos a um trabalho análogo ao que temos, quando nos comunicamos mediante pancadas, isto é, formando, letra por letra, palavra por palavra, cada uma das frases que traduzem os pensamentos que vos queiramos transmitir.

É por estas razões que de preferência nos dirigimos, para a divulgação do Espiritismo e para o desenvolvimento das faculdades mediúnicas escreventes, às classes cultas e instruídas, embora seja nessas classes que se encontram os indivíduos mais incrédulos, mais rebeldes e mais imo­rais. É que, assim como deixamos hoje, aos Espíritos ga­lhofeiros e pouco adiantados, o exercício das comunicações tangíveis, de pancadas e transportes, assim também os homens pouco sérios preferem o espetáculo dos fenômenos que lhes afetam os olhos ou os ouvidos, aos fenômenos puramente espirituais, puramente psicológicos.

Quando queremos transmitir ditados espontâneos, atuamos sobre o cérebro, sobre os arquivos do médium e preparamos os nossos materiais com os elementos que ele nos fornece e isto à sua revelia. É como se lhe tomássemos à bolsa as somas que ele aí possa ter e puséssemos as moedas que as formam na ordem que mais conveniente nos parecesse.

Mas, quando o próprio médium é quem nos quer interrogar, bom é reflita nisso seriamente, a fim de nos fazer com método as suas perguntas, facilitando-nos assim o trabalho de responder a elas. Porque, como já te dissemos em instrução anterior, o vosso cérebro está freqüentemente em inextricável desordem e, não só difícil, como também penoso se nos torna mover-nos no Dédalo dos vossos pensa­mentos. Quando seja um terceiro quem nos haja de interro­gar, é bom e conveniente que a série de perguntas seja comunicada de antemão ao médium, para que este se identi­fique com o Espírito do evocador e dele, por assim dizer, se impregne, porque, então, nós outros teremos mais facili­dade para responder, por efeito da afinidade existente entre o nosso perispírito e o do médium que nos serve de intér­prete.

Sem dúvida, podemos falar de matemáticas, sevindo­-nos de um médium a que estas sejam absolutamente estra­nhas; porém, quase sempre, o Espírito desse médium pos­sui, em estado latente, conhecimento do assunto, isto é, conhecimento peculiar ao ser fluídico e não ao ser encarna­do, por ser o seu corpo atual um instrumento rebelde, ou contrário, a esse conhecimento. O mesmo se dá com a astronomia, com a poesia, com a medicina, com as diver­sas línguas, assim como com todos os outros conheci­mentos peculiares à espécie humana.

Finalmente, ainda temos como meio penoso de ela­boração, para ser usado com médiuns completamente estra­nhos ao assunto de que se trate, o da reunião das letras e das palavras, uma a uma, como em tipografia.

Conforme acima dissemos, os Espíritos não precisam vestir seus pensamentos; eles os percebem e transmitem, reciprocamente, pelo só fato de os pensamentos existirem neles. Os seres corpóreos, ao contrário, só podem perceber os pensamentos, quando revestidos. Enquanto que a letra, a palavra, o substantivo, o verbo, a frase, em suma, vos são necessários para perceberdes, mesmo mentalmente, as idéias, nenhuma forma visível ou tangível nos é necessária a nós.

ERASTO e TIMÓTEO.

Allan Kardec ajunta a esta comunicação a seguinte Nota, com a qual concordamos plenamente:

Esta análise do papel dos médiuns e dos processos pelos quais os Espíritos se comunicam é tão clara quanto lógica. Dela decorre, como princípio, que o Espírito haure, não as suas idéias, porém, os materiais de que necessita para exprimi-Ias, no cérebro do médium e que, quanto mais rico em materiais for esse cérebro, tanto mais fácil será a comunicação. Quando o Espírito se exprime num idioma familiar ao médium, encontra neste, inteiramente formadas, as palavras necessárias ao revestimento da idéia; se o faz numa língua estranha ao médim, não encontra neste as palavras, mas apenas as letras. Por isso é que o Espírito se vê obrigado a ditar, por assim dizer, letra a letra, tal qual como quem quisesse fazer que escrevesse alemão uma pessoa que desse idioma não conhecesse uma só palavra. Se o médium é analfabeto, nem mesmo as letras fornece ao Espírito. Preciso se torna a este conduzir-­lhe a mão, como se faz a uma criança que começa a aprender. Ainda maior dificuldade a vencer encontra aí o Espírito. Estes fenômenos, pois, são possíveis e há deles numerosos exemplos; compreende-se, no entanto, que semelhante maneira de proceder pouco apropriada se mostra para comunicações extensas e rápidas e que os Espíritos hão de preferir os instrumentos de manejo mais fácil, ou, como eles dizem, os médiuns bem aparelhados do ponto de vista deles.

Se os que reclamam esses fenômenos, como meio de se convencerem, estudassem previamente a teoria, haviam de saber em que condições excepcionais eles se produzem.(20)

Já o dissemos, são muitas as variedades dos médiuns escreventes, com graus inúmeros em sua diversidade. Há muitos que apresentam, apenas, gradações, onde não dei­xam de existir propriedades especiais. E raro circunscre­ver-se a faculdade de um médium a um único gênero. O mesmo médium pode ter, sem dúvida, muitas aptidões, uma há, porém, que domina, e é esta que ele deve cultivar, se lhe for útil. Um Espírito nos deu o seguinte conselho:

Quando o princípio, o gérmen de uma faculdade existe, ela se manifesta sempre por sinais inequívocos. Restringindo-se à sua especialidade o médium pode sobres­sair e obter grandes e belas coisas, ocupando-se com tudo, não obterá nada de bom. Observai, de passagem, que o desejo de estender indefinidamente o círculo das faculdades é uma pretensão orgulhosa, que os Espíritos nunca deixam impune; os bons abandonam os presunçosos que se tornam, assim, joguete de Espíritos enganadores. Infelizmente, não é raro ver que os médiuns nem sempre se contentam com os dons que recebem, e desejam, por amor-próprio ou ambição, possuir faculdades excepcionais, que os tornem notórios. Esta pretensão lhes tira a mais preciosa qualidade - a de médiuns seguros.­

Médiuns desenhistas

Sabemos, conforme a teoria, que os médiuns mecâni­cos podem ser chamados, em dado momento, a fazer qual­quer outra coisa além da escrita. A força que lhes faz mover a mão, para traçar caracteres, pode também fazê­-los executar linhas, curvas, sombreados, ou seja, fazê-los desenhar. Este caso se apresenta freqüentemente e conhe­cemos certo número de pessoas que obtêm, assim, uns paisagens, outros cabeças admiravelmente desenhadas, ig­norando completamente até os rudimentos desta arte.

O mais curioso exemplo desse gênero de mediunidade nos é oferecido por Sardou, o eminente acadêmico, que publicou em 1858 uma estampa desenhada e gravada por ele, representando uma habitação em Júpiter. Esse desenho é acompanhado de uma longa nota de Victorien Sardou, onde o célebre autor explica a maneira por que, assistido por Bernard de Palissy e Mozart, pôde reproduzir, pelo traço, as habitações de Júpiter. Eis o que a respeito escre­veu Allan Kardec:

Apresentamos, com este número de nossa revista, como tínhamos anunciado, o desenho de uma habitação de Júpiter, executado e gravado por Victorien Sardou, como médium, e juntamos o artigo descritivo que ele nos quis dar sobre o assunto. Qualquer que seja, sobre a autenticidade das descrições, a opinião dos que possam acusar-nos de nos estar ocupando com o que se passa nos mundos desconhecidos, quando há tanto que fazer na Terra, pedimos aos leitores não perder de vista que o nosso fim assim como faz ver nosso título é, antes de tudo, o estudo dos fenômenos, e que, sob este ponto de vista, nada deve ser negligenciado. Ora, como fato de manifestações, esses desenhos são, incontestavelmente, dos mais notáveis, visto que o autor não sabe desenhar, nem gravar, e o desenho foi gravado por ele em água forte, sem modelo, nem ensaio antecipado, em nove horas. Supondo, mesmo, que o desenho seja uma fantasia do Espírito que o fez traçar, o fenômeno da sua execução não seria menos digno de atenção, e, nessa qualidade, merece figurar em nossa coleção.

No fim do artigo, acrescentava Allan Kardec:

O autor desta interessante descrição é um desses adeptos fervorosos e esclarecidos que não temem manifestar claramente suas crenças e se colocam acima da crítica dos que nada crêem fora do circulo de suas idéias. Ligar o nome a uma doutrina nova, afrontando os sarcasmos, é coragem que não é dada a todos, e por isso felicitamos Sardou.

Quantum mutatus ab illo!

Desde esta época, já longínqua, tivemos numerosas provas de que essa mediunidade já está bem espalhada.

Um ferreiro, chamado Fabre, desenhou um esplêndido quadro representando Constantino, quando põe em fuga o exército de Maxêncio, e que não seria reprovado por um mestre. Já vimos pessoas, ignorantes dos princípios de desenho, esboçar cabeças, de maneira inteiramente ori­ginal. A mão era agitada com um movimento febril de vaivém e só parecia fazer traços; cessada a atividade espiri­tual, encontrou-se, no meio dessa confusão, a adorável figura de uma jovem, cujos traços puros se destacavam nitidamente em meio ao inextricável labirinto de riscos a lápis. Outras vezes, viam-se cabeças de velhos ou de guerreiros, e repetimo-lo, nunca estes médiuns aprende­ram as regras do desenho.

É bom observar que para esta espécie de mediunidade são necessárias aptidões especiais, e não basta a de um médium mecânico para que alguém se torne desenhista. Os Espíritos, que conhecem nossas existências anteriores, podem julgar-nos aptos a este gênero de manifestações, ainda quando não sintamos, agora, nenhuma inclinação para as artes; é, pois, a eles que compete dirigir-nos e a nós seguir-lhes docilmente a orientação.

O ensaio de teoria geral que apresentamos dos fenô­menos da escrita pode ainda aplicar-se a certas mani­festações de ordem complexa. Tal é o caso narrado pe­lo Grand Journal de 4 de junho de 1865. Ei-lo, tal como o reproduz a revista.

Todos os editores e amadores de música de Paris conhecem G. Bach, discípulo de Zimmerman, primeiro prê­mio de piano do Conservatório, no concurso de 1819, um dos nossos mais estimados e mais distintos professores de piano, bisneto do grande Sebastião Bach, de quem leva dignamente o nome ilustre.

Informado pelo nosso comum amigo, o Sr. Dollin­gen, administrador do Grand Journal, de que um verda­deiro prodígio se tinha produzido no apartamento de Bach, durante a noite de 5 de maio último, pedi a Dollingen que me levasse à casa do Sr. Bach, e fui acolhido no n: 8 da rua Castellane com grande gentileza.

Penso que é inútil acrescentar que, depois da autori­zação expressa do herói desta maravilhosa história, é que me permito contá-la:

A 4 de maio, Léon Bach, que é um curioso doublé de artista, trouxe a seu pai uma espineta admiravelmente esculpida. Depois de longas e minuciosas pesquisas, o Sr. Bach descobriu, em uma tábua interior, a marca do instrumento; datava de abril de 1664 e foi fabricado em Roma.

Bach passou parte do dia em contemplação de sua preciosa espineta e nela pensava, ainda, ao deitar-se, quan­do o sono lhe veio fechar as pálpebras. Não há que admirar, portanto, tivesse o seguinte sonho:

No mais profundo sono, Bach viu aparecer a cabecei­ra um homem de longas barbas, sapatos redondos na ponta, com grossas borlas, calças largas, gibão de grandes man­gas, com fofos no alto, enorme colarinho em torno do pescoço e um chapéu pontudo de abas largas.

Esta personagem inclinou-se para o Sr. Bach e lhe disse: A espineta que possuís me pertenceu. Ela muitas vezes serviu-me para distrair o meu senhor, o Rei Henrique III.

Quando ele era moço, compôs uma ária com palavras que gostava de cantar, e eu o acompanhava muitas vezes. Compô-las em lembrança de uma mulher que encontrou na caça e de quem se tomou de amores. Afastaram-na; dizem que a envenenaram, e o rei teve com isto grande desgosto. Quando estava triste, cantarolava este romance.

Para distraí-lo tocava eu, então, em minha espineta, uma música de minha composição, que ele muito apreciava. Vou fazê-la ouvir.

O homem aproximou-se da espineta, desferiu alguns acordes e cantou a ária com tanta expressão, que Bach acordou em lágrimas. Acendeu uma vela, olhou o relógio, verificou que eram duas horas depois da meia-noite e não tardou a dormir de novo.

É aqui que começa o extraordinário.

No dia seguinte de manhã, ao despertar, Bach ficou grandemente surpreendido, por achar, em sua cama, uma página de música, com uma escrita muito fina e de notas microscópicas. Dificilmente com o auxílio de suas lunetas, pôde Bach, que é muito míope, compreender as garatujas. Pouco depois, o neto de Sebastião sentava-se ao piano e decifrava o trecho. O romance, as palavras e a música eram exatamente conforme as que o homem do sonho lhe tinha feito ouvir.

Ora, Bach não é sonâmbulo, nunca escreveu um único verso, e as regras da poesia lhe são absolutamente estranhas.

Eis o refrain e as três estrofes, tais como a copiamos no manuscrito; conservamos sua ortografia que, deseja­mo-lo de passagem, não é absolutamente familiar ao senhor Bach.

J'ai perdu celle

Pour qui j'avois tant damour Elle s'y belle

Avait pour moi chaque jour Faveur nouvelle

Et nouveau desir Oh! oui sans elle Il me faut mourir!

*

Un jour pendant une chasse lointaine, Je Vaperçus pour Ia première fois

Je croyais voir un ange dans le plaine, Lors je divins le plus heureux des rois.

*

Je donnerais, certes, tout mon royaume Pour Ia revoir encore un seul instant; Près d'elle assis dans un humble chaume Pour sentir mon coeur battre en I admirant.

*

Triste et cloistrée, oh! ma pauvre belle

Fut loin de moi pendant ses derniers jours, Elle ne sent plus sa peine cruelle,

Icy bas, helas! Je souffre toujours.

No romance, dolente, como na música, a ortografia musical não é menos arcaica que a ortografia literária. As chaves são feitas de modo diverso do que se usa hoje. O acompanhamento é escrito em um tempo e o canto em outro. Bach teve a gentileza de fazer-me ouvir os trechos que são de uma harmonia simplesmente ingênua e penetrante.

O jornal L'Estoile diz que o rei teve grande paixão por Maria de Clèves, marquesa de Isle, morta na flor da idade, em uma Abadia, a 15 de outubro de 1874. Não será a pobre bela, triste e enclausurada de que ele fala nas coplas? O mesmo jornal diz também que um músico italiano, chamado Baltazarini, veio para a França, nesta época, e que foi um dos favoritos do rei.

A espineta pertenceu a Baltazarini? Foi o Espírito de Baltazarini quem escreveu o romance e a música?.

Mistério que não ousamos aprofundar.

Alberic Second.

Algumas reflexões sobre o assunto não serão fora de propósito.

Mistério que não ousamos aprofundar, e por quê? Há um fato cuja autenticidade é demonstrada, como reco­nheceis, e como se relaciona com a vida misteriosa de além-túmulo, não ousais procurar-lhe a causa! Temeis en­cará-la de face? Tendes, pois, medo das almas? Ou receais obter a prova de que tudo não termina com a vida do corpo?

É verdade que para um cético que não sabe nada e que não crê em nada além do presente, esta causa é bem difícil de achar. Mas, por isso mesmo que o fato é mais estranho e parece afastar-se das leis conhecidas; deve ainda mais obrigar à reflexão e despertar, pelo menos, a curiosidade. Dir-se-ia, verdadeiramente, que certas pes­soas têm medo de ver muito claramente, porque ser-lhes-ia forçoso convir que se enganaram.

Vejamos, entretanto, as deduções que todo homem sério pode tirar desse fato, abstração feita de qualquer idéia espírita.

Bach recebe um instrumento cuja Antigüidade verifica, e que lhe causa grande satisfação. Preocupado com a idéia, é natural que esta lhe provoque um sonho: ele vê um homem com os trajes da época, que toca e canta no instru­mento uma ária de então; não há nada ali, certamente, .que, em rigor, não possa ser atribuído à imaginação su­perexcitada pela emoção da véspera, sobretudo em um musicista.

Mas aqui a lembrança se complica, a ária e as palavras não podem ser uma reminiscência, visto que Bach não as conhecia. Quem as podia ter revelado, se o Espírito que lhe apareceu não passa de um ser fantástico, sem realidade? Que a imaginação superexcitada faça reviver na memória coisas esquecidas, concebe-se; mas teria ela o poder de dar-nos idéias novas, de ensinar-nos coisas que não sabemos, que nunca soubemos, de que nunca nos ocupamos? Seria um fato de alta gravidade e que mereceria ser examinado, porque seria a prova de que o Espírito age, percebe e concebe independentemente da matéria.

Mas deixemos isto de lado, se quiserem; estas consi­derações são de uma ordem tão elevada, tão abstrata, que não é dado a todos investigá-las a fundo, nem mesmo deter nelas o pensamento. Venhamos ao fato mais material, mais positivo, o da música escrita com palavras. Será um produto da imaginação? O fato aí está, palpável, sob nossos olhos. Seria escrita por Bach, em estado sonambú­lico? Admitamo-lo, por instantes; mas quem lhe teria dita­do os versos, escritos sem rasura e seguidamente? Onde teria ele colhido o conhecimento de casos passados, que ignorava, absolutamente, na véspera, e que foram depois confirmados, como vai verse um pouco adiante?

Alberic Second perguntava se a espineta tinha perten­cido a Baltazarini e se fora este musicista que ditara as palavras do romance e da música.

Como resposta, eis o que lemos na Revue de fevereiro de 1866:

O fato junto é a continuação da interessante história - Viria e palavras do rei Henrique III, narrada na Revue, de julho de 1865. Desde então, Bach se tomou médium escrevente, mas pratica pouco, em vista da fadiga que lhe sobrevém. Só o faz quando incitado por força invisível, a qual se traduz por viva agitação e tremor da mão, e aí resistência lhe é mais penosa que o exercício. Ele é mecânico, no sentido absoluto do terno e não tem cons­ciência nem lembrança do que escreve. Um dia, em que estava nessas disposições, escreveu a quadra seguinte:

Rei Henrique deu essa grande espineta A Baltazarini, muito bom músico;

Se ela não for boa ou muito graciosa

Que ao menos a conserve por lembrança. (21)

A explicação desses versos que, para Bach, não ti­nham sentido, lhe foi dada em prosa.

O rei Henrique, meu senhor, deu-me a espineta que possuís; escreveu uma quadra numa folha de pergaminho, fê-la pregar no estojo e remeteu. Alguns anos mais tarde, tendo que fazer uma viagem e receando que o perga­minho fosse arrancado e se perdesse, visto que eu levava comigo a espineta, tirei-o e pu-lo em um pequeno vão, à esquerda do teclado, onde ainda se acha.

A espineta é a origem dos pianos atuais, em sua maior simplicidade e se tocava da mesma maneira; era um pequeno cravo, de quatro oitavas, com cerca de metro e meio de comprimento, quarenta centímetros de largura, e sem pés. As cordas, no interior, eram dispostas como nos pianos e tocadas por meio de teclas. Transportavam-no à vontade, encerrando-o numa caixa, como se faz com os violinos e os violoncelos. Para ser utilizado punham-no em uma mesa ou um móvel.

O instrumento estava em exposição no museu retros­pectivo, nos Campos Elíseos, onde não era possível fazer a pesquisa indicada. Quando ele lhe foi entregue, Bach e seu filho apressaram-se a esmerilhar em todos os vãos, mas inutilmente, de sorte que acreditaram numa mistifi­cação.

Entretanto, para que não restasse qualquer dúvida, Bach o desmontou completamente e descobriu, à esquerda do teclado, um intervalo tão estreito que nele não se podia introduzir a mão. Investigou esse reduto cheio de pó e de teias de aranha, e dele retirou um pedaço de pergaminho dobrado, enegrecido pelo tempo, com 31 centímetros de comprimento por 7 e meio de largura, no qual estava escrita a quadra seguinte, em grandes caracteres da época:

Moys le roi Henri trois octroys cette espinette A Baltazarini, mon gay musicien

Mais si dis mal sône, ou bien Imal moult simplette Lors pour mon souvenir dans lestuy garde biem.(22)

Este pergaminho está furado nos quatro cantos e os buracos, são, evidentemente, os dos pregos que serviram para fixá-lo na caixa. Traz, também, além disso, nas mar­gens, grande quantidade de buracos, alinhados e regular­mente espaçados, que parecem ter sido feitos por pregos muito pequenos.

Os primeiros versos ditados reproduziam, como se vê, o mesmo pensamento que os do pergaminho, de que são a tradução, em linguagem moderna e, isto antes que estes fossem descobertos.

O terceiro verso é obscuro e contém, sobretudo, a palavra ma, que parece sem sentido, e não se pode ligar à idéia principal que, no original, está entre parênteses. Procuramos, inutilmente, a explicação, e o próprio Bach nada sabia a respeito.

Estava eu um dia em sua casa, quando houve, esponta­neamente, em nossa presença, uma comunicação de Balta­zarini, dada para nós, e assim concebida:

A mico mio. Estou contente contigo; encontraste os versos na minha espineta; meu desejo está satisfeito; estou contente contigo....

O rei, nesses versos, gracejava de minha pronúncia; eu dizia sempre ma em lugar de mas. Adio amico. - Baltazarini.

Assim foi dada, sem pedido prévio, a explicação dessa palavra ma, intercalada por gracejo, pela qual o rei desig­nava Baltazarini que, como muito de seus patrícios, assim a pronunciava várias vezes.

O rei, dando a espineta ao músico, lhe diz: se ela não é boa, se ela soa mal ou se Imal (porém) a achar muito simples, que a conserve em seu estojo, em lembrança de mim. A palavra ma está rodeada de um filete, como entre parênteses.

Teríamos, certamente, procurado esta explicação por muito tempo, que não podia ser o reflexo do pensamento do Sr. Bach, pois que ele mesmo não estava entendendo nada.

Restava resolver uma importante questão - a de saber se a escrita do pergaminho era, realmente, da mão de Henrique III.

Bach dirigiu-se à biblioteca imperial para compará-la com os manuscritos originais. Foram, a princípio, encon­trados alguns, sem semelhança perfeita, mas com o mesmo caráter. Em outros documentos, porém, a identidade era absoluta, tanto no tipo da letra como na assinatura.

Não podia haver dúvida sobre a autenticidade do per­gaminho, embora certas pessoas, que professam uma incre­dulidade ridícula para com as coisas ditam sobrenaturais, tenham achado que aquilo não passava de uma boa imi­tação.

Observaremos que não se trata aqui de uma escrita mediúnica, dada pelo Espírito do rei, mas de um manuscrito original, escrito pelo próprio rei, quando vivo, e que não tem nada de mais maravilhoso que aqueles que as circuns­tâncias fortuitas fazem descobrir todos os dias. O maravilhoso, se maravilhoso existe, só está na forma por que foi revelada sua existência. É bem certo que, se o Sr. Bach se contentasse em dizer que o tinha achado, por acaso, em seu instrumento, isso não teria provocado nenhuma objeção..

Tal é a narrativa exata da comunicação literária e musical obtida por Bach. Poderíamos citar grande número de casos, tão seguros como este, em que a intervenção dos Espíritos não é menos manifesta, mas preferimos enviar o leitor a Revue Spirite, onde formigam descrições seme­lhantes, trazendo todas o cunho de verdade indiscutível.

CAPÍTULO III

MEDIUNIDADES SENSORIAIS - MÉDIUNS VIDENTES E MÉDIUNS AUDITIVOS

A mediunidade vidente é evidentemente uma das mais curiosas manifestações dos Espíritos. Não há melhor prova da sobrevivência que aquela que permite a um Espírito tomar-se visível. Para chegar a este resultado deve-o fazer no encamado certas modificações perispirituais, que é preciso estudar. Distingamos os dois casos seguintes:

1 - O médium vê com os olhos;

2 - O médium vê em estado de desprendimento.

Existe um meio simples, por onde um médium pode saber em que estado se encontra. Ao ver um Espírito, se desvia o olhar ou fecha os olhos, e a aparição continua visível; é que ele está desprendido; se, pelo contrário, não percebe mais o Espírito, é que vê com os olhos do corpo.

No desprendimento, a visão se opera fora dos órgãos dos sentidos, e disso não nos ocuparemos por saber que os desencamados vêem, ouvem, e, de maneira geral, perce­bem por todas as partes do perispírito. A vista pela alma, em estado de desprendimento, entra, pois, no caso geral da visão dos Espíritos entre si.

O que convém notar é que o Espírito é, entretanto, obrigado a agir sobre o médium, para conseguir-lhe o des­prendimento. Que é, pois, o desprender-se? Para a alma é estar menos acorrentada ao corpo. Sabemos que, durante sua passagem na Terra, o Espírito está ligado ao invólucro material pelo perispírito, que, ele próprio, aciona o sistema nervoso. Quanto mais ativa é a vida do encarnado, mais abundante é a circulação nervosa e menos pode o Espírito desprender-se; mas se, como vimos na teoria do magne­tismo, é possível paralisar, momentaneamente, os laços que prendem a alma ao corpo, produz-se uma irradiação do Espírito encarnado, que, nessa condição, goza de quase todas as faculdades que possui na erraticidade.

Ele pode, pois, ver os Espíritos, descrevê-los, dar, assim, provas de sua existência.

Este estado particular se nos apresenta freqüentemen­te no sono. Os sonhos são, a maior parte das vezes, lem­branças que conservamos de nossas viagens no Espaço; ainda que, ao despertar, não nos recordemos dos fatos de que fomos testemunhas durante a noite, não se deve concluir que a alma não se tenha desprendido. Deixaremos de parte esse aspecto da questão, para nos ocuparmos, especialmente, das manifestações visuais, em estado de vigília, e pelos órgãos do médium.

Em primeiro lugar, definamos de maneira precisa, o que entendemos por mediunidade vidente, porque é bom não tomarmos por aparições as figuras diáfanas que se percebem na semi-sonolência e ao despertar. É preciso cuidado contra as causas de erro que provêm da imaginação superexcitada. Quem já não acreditou distinguir, em dados momentos, figuras, paisagens, nos desenhos bizarros formados pelas nuvens? E a razão nos diz que elas não exis­tem, em realidade. Sabe-se, também, que na obscuridade os objetos revestem aparências extraordinárias. Quantas vezes, num quarto, à noite, uma veste pendurada, um vago reflexo luminoso não parecem ter uma forma humana aos olhos dos de maior sangue frio? Se a isso se vem juntar o medo ou uma credulidade exagerada, a imaginação faz o resto. Compreenderemos, assim, o que se chama à ilusão, mas não teremos nenhum esclarecimento sobre a alucinação.

Eis-nos chegado à grande palavra empregada, a todo propósito, pelos materialistas, para explicar a mediunidade vidente. Procuremos precisar os caracteres especiais da alucinação e vejamos se têm algo de comum com a me­diunidade.

As alucinações

A palavra alucinação vem do latim hallucinari, errar, de ad lucem. A alucinação poderia ser definida como um sonho em estado de vigília; é a percepção de uma imagem ilusória, de um som que não existe realmente, que não tem valor objetivo. Assim como o objeto representado não impressiona a retina, o som escutado não fere o ouvido; a causa eficiente da alucinação existe no aparelho nervoso sensorial e deve ser atribuída a um trabalho particular do cérebro. Esse fenômeno não existe somente para a vista e para o ouvido; os outros sentidos também podem ser alucinados; um contato, um odor, um sabor sem que haja ação prévia de um excitante exterior, são verdadeiras alucinações.

Essas pretendidas sensações, que experimentam as pessoas atingidas por tal doença, dependem das imagens, das idéias reproduzidas pela memória, ampliadas pela ima­ginação e personificadas pelo hábito. As alucinações po­dem ser produzidas por causas físicas ou morais. As primei­ras são muito numerosas: o abaixamento ou elevação da temperatura, o abuso das bebidas alcoólicas, as doses elevadas de sulfato de quinina, a digitális, a beladona, o estramônio, o meimendro, o acônito, o ópio, a cânfora, as emanações azotadas, o haxixe, o abalo do cérebro por queda, etc.

Entre as causas morais, as mais comuns são uma im­pressão súbita dos sentidos, uma sensação viva e prolonga­da, a atenção violentamente fixada no mesmo objeto, o insulamento, o remorso, o temor, o terror.

A Ciência se tem ocupado com a alucinação; Lelut e Brièri de Boismont publicaram livros interessantes, mas que não explicam absolutamente o fenômeno. Eis a teoria que eles avançam.

Eles acreditam que todas as idéias, mesmo as mais abstratas, se ligam sempre, por qualquer lado, aos sentidos, mas que a faculdade de perceber um objeto ou uma paisa­gem não é a mesma para todos os homens. Um pintor vê uma vez certa pessoa e conserva sua imagem durante muito tempo na memória. Um musicista ouvirá, interior­mente, trechos complicados de música.

Esta representação interior parece dar um passo fora da ilusão, e tal é a que nos faz ler palavras de modo diverso das que estão escritas, a que nos mostra o que não existe, ou não nos faz ver o que há, alterando tudo de mil maneiras. Esse estado de espírito pode ser determi­nado por causas diversas como a solidão, o silêncio, a obscuridade.

Em suma, a ilusão transforma alguma coisa de real, enquanto a alucinação pinta no vazio; as coisas que se vêem não existem, os sons que se ouvem não têm realidade. Algumas vezes, a alucinação não é reconhecida, porém não perturba a razão, não passa, por assim dizer, da razão excitada. Crê-se que foi este o caso de Sócrates, de Joana d'Are, de Lutero, de Pascal.

Segundo Lelut, esses grandes gênios seriam uma cate­goria de maníacos e as vozes de Joana, a Lorena, puras alucinações. Não sabemos se será verdade, mas se Lelut pudesse ser o joguete de uma loucura, que o fizesse, de repente, assemelhar-se a Sócrates, nós o felicitaríamos, e assim ficariam livres os nossos ouvidos de tais frioleiras.

Os sábios não deram, pois, até agora, uma explicação plausível, sob o ponto de vista fisiológico, da alucinação. Entretanto, parecem ter sondado todas as profundezas da ótica e da fisiologia. Como é, então, que não puderam explicar, ainda, a fonte das imagens, que se apresentam ao espírito em certas circunstâncias?

Real ou não, o alucinado vê alguma coisa; dir-se-á que acredita ver, mas que nada vê. Não é provável. Pode-se dizer que é uma imagem fantástica, seja; mas qual é a origem dessa imagem, como se forma, como se reflete no cérebro?

Eis o que não nos dizem. Certamente, quando o aluci­nado crê ver o diabo com seus cornos e suas garras, as chamas do inferno, animais fabulosos, o Sol e a Lua que se batem, é evidente que não existe nenhuma realidade; mas se trata de um fruto da imaginação, por que descrevem-no essas coisas como se fossem presentes? Há, pois, diante dele um quadro, uma fantasmagoria qualquer; em que espe­lho, então, se pinta essa imagem? qual a causa que dá a essa imagem a forma, a cor, o movimento?

Já que os sábios querem explicar tudo pelas proprie­dades da matéria, que apresentem uma teoria da alucina­ção, boa ou má; seria sempre uma explicação, mas não o podem fazer, porque, negando a alma, privam-se da causa eficiente do fenômeno.

Os fatos que observamos, diariamente, demonstram que há verdadeiras aparições e o dever do espiritista escla­recido é distinguir entre os fenômenos devidos as manifes­tações dos Espíritos e os que têm por causa os órgãos enfermos do indivíduo.

Em suma, a alucinação não apresenta nenhum caráter de positividade, ao passo que, para admitir-se a mediuni­dade vidente, é preciso que o indivíduo dotado dessa fa­culdade possa descrever suas visões, por forma a fazê-las reconhecer pelas pessoas presentes. Um médium que só visse desconhecidos, que não pudesse dar provas de que descreve seres que viveram na Terra, passaria, com razão, aos olhos dos espiritistas, por um alucinado.

No estado normal do organismo humano, as impres­sões produzidas pelos sentidos armazenam-se no cérebro, graças à propriedade de localização das células cerebrais. As diversas aquisições classificam-se segundo o gênero de idéias a que pertencem; são materiais de que o Espírito se serve quando deles tem necessidade.

A alma de um homem sadio tem ação preponderante e diretora sobre todos os elementos submetidos a seu impé­rio; mas se, por uma circunstância qualquer, a harmonia entre o corpo e a alma se torna menos perfeita, a desordem se introduz na organização cerebral e umas tantas idéias, formas ou odores têm tendência a predominar sobre as outras; são, em geral, as impressões que fortemente agem no indivíduo, as que o abalam, produzindo os fenômenos de alucinação, prólogo da loucura, na maior parte dos casos.

Diferente é o fenômeno espírita, onde o médium vê um objeto, uma pessoa real. O Espírito visto pode ser descrito minuciosamente; e só quando a visão é reconhe­cida como sendo a descrição exata de pessoa morta, estra­nha ao médium, é que admitimos a intervenção espiritual.

As verdadeiras aparições têm um caráter que, a um observador experimentado, não é possível confundir com um jogo de imaginação. Como sucedem em pleno dia, devemos desconfiar daquelas que julgamos ver à noite, para que não sejamos vítimas de uma ilusão de ótica. Dão-se, aliás, com as aparições o mesmo que com os outros fenômenos espíritas, onde o caráter inteligente é a prova de sua veracidade.

A aparição que não apresentar um sinal inteligente e não for reconhecida pode ser posta, ousadamente, no rol das ilusões. Como se vê, somos muito circunspectos na apreciação desses fenômenos, e queremos, antes de tudo, acentuar que os espiritistas, longe de aceitar as diva­gações dos cérebros doentios, são minuciosos observadores dos fatos, e positivistas, na plena acepção do termo.

Como dissemos, a mediunidade vidente pode exercer­-se de duas maneiras: ou pelo desprendimento, ou pelos órgãos do corpo. Para dar um exemplo de cada gênero, vamos narrar os dois seguintes fatos, colhidos na Revue Spirite de 1861:

Um de nossos colegas, diz Allan Kardec, contagia-nos ultimamente que um oficial seu amigo estava na África quando viu, inopinadamente, o quadro de um cortejo fúnebre. Era o de um de seus tios, que habitava em França, e que ele não via há muito tempo. Notou, distinta­mente, toda a cerimônia, desde a partida da casa mortuária, até a igreja e ao transporte ao cemitério. Chegou a reparar diversas particularidades de que não podia ter idéia. Estava acordado, no momento, mas em certo estado de prostração, de que só saiu quando tudo desapareceu. Impressionado, escreveu para França, pedindo novas de seu tio, e soube que este tinha morrido, subitamente, e havia sido enterrado na hora e no dia em que se deu a aparição, e com as particularidades que ele tinha visto:'

É evidente aqui que foi a alma do oficial que se desprendeu; tendo o fato se passado na França, no dia e hora em que o oficial o via na África, era preciso que sua alma irradiasse a distância, para notar o que se passava ao longe.

Vamos à segunda história:

Um médico de nosso conhecimento, Felix Malo, tratara uma jovem; percebendo, porém, que os ares de Paris lhe eram prejudiciais, aconselhou-a a que fosse passar algum tempo com sua família, na,província, o que ela fez. Havia seis meses que ele nada sabia a seu respeito, nem nela pensava mais, quando uma noite, lá para as dez horas, estava no seu quarto de dormir e ouviu bater à porta do gabinete de consulta. Supondo que alguém o vinha chamar para um doente, mandou que entrasse, mas ficou muito surpreendido por ver diante de si a moça em questão, pálida, com as vestes que lhe eram conhecidas, e que lhe disse com grande sangue-frio:

- Senhor Malo, venho dizer-lhe que estou morta -, e desapareceu.

O médico assegurou-se de que estava bem acordado e de que não havia entrado ninguém; tomou informações e soube que aquela moça falecera na noite em que lhe havia aparecido.

Neste caso, foi o Espírito da moça que veio procurar o médico. Os incrédulos não deixarão de dizer que o doutor podia estar preocupado com a saúde de sua antiga doente e que não seria de admirar que lhe previsse a morte. Seja, mas como explicariam a coincidência de sua aparição com o momento da morte, quando havia muitos meses que o médico não ouvia falar em seu nome? Supondo, mesmo, que ele soubesse da impossibilidade de cura, como poderia prever que ela morreria em tal dia e em tal hora?

O doutor viu com os olhos do corpo; a aparição era sensível, desde que ela bateu à porta do gabinete. É este case de visão que vamos considerar agora.

Vista medianímica pelos olhos

Tendo eliminado a visão da alma pelo desprendimen­to, devemos estudar agora a visão pelos órgãos da vista.

Quando um médium vê um Espírito, pode-se, a priori, estabelecer a seguinte questão. É o médium que experi­menta uma modificação ou o Espírito? Com efeito, no estado ordinário, não vemos os Espíritos, porque nossos órgãos são muito grosseiros para nos fazer perceber certas vibrações que lhes escapam. Mas quando se realiza a visão, ou nossos órgãos adquiriram maior sensibilidade ou o Espí­rito fez com que seu invólucro experimentasse certas modi­ficações que, diminuindo a rapidez das vibrações mole­culares perispirituais, pudesse torná-lo visível.

Se este último modo de encarar o fenômeno fosse exato, o Espírito seria visto por todas as pessoas presentes: é o que se dá, no caso das materializações, que já estuda­mos com Crookes; mas, quando numa assembléia, só uma pessoa vê os Espíritos, é que esta experimenta uma varia­ção orgânica do sentido da vista, que é interessante es­tudar.

O olho, como se sabe, é uma verdadeira câmara es­cura, no fundo da qual se desenham as impressões lumino­sas. A retina, formada pela expansão do nervo ótico, trans­porta ao cérebro as vibrações luminosas; aí elas se transfor­mam em sensações. Os fisiologistas não se limitaram a estudar a participação da retina na função visual, remon­tando dos efeitos às causas, mas procuraram a explicação desses fatos.

Para explicar a sensação da cor, a do claro, a do escuro, eles admitiram velocidades diferentes nas ondas de um fluido (éter), que estivesse espalhado em todo o Universo. Essas ondas impressionariam a retina, de manei­ra diferente, e a natureza da percepção de que a alma tem consciência, seria subordinada a essas impressões va­riáveis. Por esta teoria, admite-se que os fenômenos de visão sejam, simplesmente, o resultado da percepção, pelo sensórium, de um estado determinado da retina, e a sensa­ção da obscuridade é explicada pela ausência de qualquer sensação, e pelo estado da própria retina.

O que prova, aliás, a existência de uma modificação superveniente na retina, durante a percepção dos objetos luminosos, é a possibilidade de reproduzir as mesmas sen­sações por outro excitante, que não a luz. Toda causa capaz de determinar uma alteração no estado da membrana nervosa do olho determina sensações íntimas, ou por outra, subjetivas de luz. Comprimindo-se o olho com o dedo, percebem-se figuras de formas diversas: ora anulares, ora radiadas.

Acontece, por vezes, que estas sensações subjetivas se produzem espontaneamente. Diz Muller ter verificado, em certos casos, a aparição de uma pequena mancha bran­ca, que se produzia ao mesmo tempo que os movimentos respiratórios; virando-se bruscamente os olhos para o lado, vêem-se aparecer, de repente, círculos luminosos, no cam­po visual mergulhado na obscuridade.

Admitidas as sensações de luz, como o resultado de uma alteração sobrevinda na retina, indagaram alguns fisio­logistas onde esse estado era percebido pela alma. É evi­dentemente no encéfalo e não na retina. O que põe fora de dúvida a participação da retina no ato da visão é que os animais de vista mais penetrante são os que têm a retina mais desenvolvida. Sendo esta membrana a extremi­dade expandida do nervo ótico, e não apresentando uma sensibilidade igual em toda a sua superfície, as fibras que compõem o nervo ótico não vibram todas em uníssono. As mais sensíveis poderão ser impressionadas por ondas luminosas, que deixarão as outras em repouso. Tal fato é a conseqüência da especificação dos órgãos, ou seja da tendência que possuem as fibras para se acomodarem a um estado vibratório determinado.

A sensibilidade de um órgão depende do maior ou menor número de fibras que ele contém, sendo cada uma capaz de tomar um movimento vibratório particular, em relação com as causas externas que podem influenciar esse órgão.

Não esqueçamos que uma condição é indispensável ao bom funcionamento dos aparelhos sensoriais, a de que cada órgão tenha uma quantidade determinada de fluido nervoso à sua disposição; as sensações serão agudas ou nulas, conforme aquela quantidade aumenta ou diminui. Temos numerosos exemplos. Em certos estados patológicos o ouvido atinge uma agudeza notável; esse desenvolvi­mento é devido à acumulação momentânea do fluido nervo­so no nervo acústico; o mesmo acontece com os outros sentidos.

Isto posto, vejamos, pelo estudo da luz, entre que limites de vibrações se pode exercer, no estado normal, o sentido da vista.

Suponhamos que fazemos passar, através de um pris­ma, um raio de sol; se recolhermos sobre um ecran este raio refratado, notaremos que ele forma uma faixa lumino­sa, composta de sete cores, que se chamou de espectro solar. Os coloridos extremos são o vermelho e o violeta; além dessas duas cores o olho não percebe mais sensações luminosas. Entretanto, colocando-se sais de prata nessa parte obscura, eles são decompostos, o que prova que, além do violeta, existem radiações particulares que o olho não é capaz de apanhar, às quais o termômetro é insensível, mas cuja atividade química é. poderosa. Além do vermelho, existem ondulações caloríficas invisíveis.

Chegamos, assim, a esta conclusão necessária, a de que o espectro completo formado pelas radiações solares se prolonga além do violeta e do vermelho, e que é só a parte média do especto total que nossos olhos podem distinguir.

Existe, pois, luz que não vemos, há vibrações lumino­sas inapreciáveis à vista, porque a retina, que é o aparelho receptor, não pode registrar as vibrações luminosas muito rápidas para ela. Cálculos recentes mostraram que as ondu­lações etéreas, de menos de 400 trilhões por segundo, ou mais de 790, são impotentes para impressioná-la. O mesmo para com o ouvido e com os outros sentidos, de sorte que o homem é uma máquina animal dotada de aparelhos receptores, que funcionam entre fraquíssimos limites, comparados à infinidade da natureza.

Esta idéia é capital para a compreensão dos fenômenos espíritas. Só percebemos a matéria pela vista, quando suas vibrações não ultrapassam 700 trilhões por segundo, mas, como vimos, há ondulações mais rápidas e que nos esca­pam. Ora, os fluidos perispirituais são matéria em estado de rarefação extrema; possuem um movimento vibratório muito rápido, de sorte que, em estado normal, nosso olho não pode ver os Espíritos. Mas, se pudéssemos diminuir o número das vibrações perispirituais, se conseguíssemos trazê-las aos limites compreendidos na visão, veríamos os Espíritos. Este resultado pode ser atingido de duas maneiras: 1:, diminuindo o número das ondulações lumino­sas; 2:, aumentando o poder visual dos olhos.

É possível diminuir o movimento vibratório de um raio de luz? Não hesitamos em afirmá-lo, porque notáveis experiências feitas ultimamente vieram tornar essa verdade indubitável.

Os raios luminosos ultravioleta, do espectro, invisí­veis até então, tornam-se visíveis quando os deixam cair numa espécie particular de vidro, contendo um silicato de um metal denominado urânio. Esse vidro tem a proprie­dade de tornar visíveis os raios que, sem ele, não nos impressionariam os olhos. Se tomarmos um pedaço desse vidro e o iluminarmos, sucessivamente, à luz elétrica, à de uma vela, à de uma lâmpada de gás, e se o colocarmos no campo de um espectro prismático de luz branca, vê-lo­-emos brilhar conforme a cor da luz que lhe cair em cima. Se o iluminarmos com raios ultravioleta, notá-lo-emos com uma cor misteriosa, que revela a presença de raios até agora invisíveis aos olhos mortais.

Examinemos o caso em que a potência do olho pode ser aumentada; esta operação terá ainda, por fim, fazer ver os Espíritos. A alma, dissemo-lo muitas vezes, é uma essência indivisível, imaterial e intangível, que constitui a personalidade de cada indivíduo; ela é cercada de matéria quintessenciada, que lhe forma o invólucro e pela qual entra em relação com a natureza exterior. Esse corpo fluídi­co, em virtude de sua rarefação, possui um movimento molecular mais rápido que o dos gases e dos vapores, que já são invisíveis para nós. Logo, também ele não será visível, porque os olhos não têm, no estado normal, fibra que possa vibrar harmonicamente com ele.

Se um Espírito, porém, quer manifestar sua presença, entra em relação fluídica com o encarnado, assim como vimos precedentemente, e, estabelecida a comunicação, acumula pelo magnetismo espiritual, no nervo ótico, uma quantidade de fluido nervoso maior que de ordinário; certas fibras se sensibilizam e podem, desde logo, entrar em vibração correspondente à do invólucro do Espírito. Desde que se produz esse fenômeno, o ser, assim modificado, vê o Espírito e o verá enquanto a ação continuar.

Pouco a pouco, esta operação se vai renovando, gran­de número de vezes; as fibras adquirem maior aptidão vibratória, as ondas luminosas se propagam no organismo, seguindo a linha a que Hérbert Spencer deu o nome de linha de menor resistência, de sorte que a onda caminha, cada vez com mais facilidade, ao longo dessa linha, e, por fim, ela, mesmo, acaba por tomar naturalmente esse movimento vibratório, desde que a primeira molécula é agitada. O médium, na realidade, tem um sentido novo, devido à extensão do aparelho visual.

Nós o sabemos, quando o Espírito se quer tornar visível a muitas pessoas, é sempre obrigado a tomar ao médium fluido nervoso, mas a modificação se opera nele e não mais nos olhos dos assistentes. Vimos que a simples alteração no movimento molecular de um corpo, pode fazê­-lo passar do estado transparente à opacidade. Da mesma forma, um vapor que se condensa, isto é, cujo movimento vibratório diminui, torna-se muito rapidamente visível, sob a forma de nevoeiro; enfim, que o vidro de urânio permite ver os raios do espectro, os quais, sem ele, seriam invi­síveis.

O Espírito pode, portanto, agir de maneira análoga. Esse fenômeno pinta-nos fielmente o que se passa no caso da fotografia dos Espíritos. Estudemos esse novo gênero de manifestação.

Fotografia espírita

Estamos em presença de um fenômeno que suscitou muitas discussões e deu lugar a um processo célebre, em 1875. Os jornais, que se apresentam, em geral, como ad­versários dos fatos espíritas, não deixam de aproveitar a oportunidade de ridicularizar nossa doutrina e seus de­fensores.

A despeito das alegações de mais de 140 testemu­nhas, que afirmaram, sob palavra de honra, haver reconhe­cido personagens moitas de sua família, e obtido suas fotografias, aproveitaram a má-fé do médium Buguet para fazer acreditar ao público que nessas produções só ha­via, de um lado, velhacaria e, do outro, credulidade es­túpida.

É incontestável que Buguet abusou da boa fé das pessoas que confiaram em sua honestidade; os manequins encontrados em sua casa o provam suficientemente, mas não é menos certo que ele era médium, de fato, quando começou.

Quando se vêem pessoas sérias como Royard, quími­co, Tremeschini, engenheiro, a condessa de Caithness, o conde Pomar, o príncipe de Wittgenstein, o duque de Leuchtemberg, o conde de Bullet, o coronel Devolluet, O Sullivan, ministro dos Estados Unidos, de Turck, cônsul, jurarem que reconheceram Espíritos, por serem a repro­dução exata da fisionomia de seus parentes ou amigos mortos, é preciso ser cego para duvidar da realidade das manifestações.

Os juízes, entretanto, não hesitaram em condenar Leymarie, gerente da sociedade espírita, a um ano de prisão e 500 francos de multa, porque esperavam atin­gir nele o Espiritismo, doutrina que toca tão de perto o clero que não se pode deixar de sentir a sua ação na penalidade infligida àquele que representava o Espiritismo francês.

Sobre este assunto, pensamos como Eugène Nus e diremos com ele:

-Nesta espécie de causas e em muitas outras, desconfio do Tribunal, tanto quanto do acusado. Se há neste mundo intrigantes, charlatães, impostores, inimigos da propriedade, da Religião, da Ciência e da família, há também, nas cadeiras com toga vermelha ou preta, homens que, com a melhor boa fé do mundo, prestam serviços, acreditando lavrar sentenças.

Estou convencido de que na França, principalmente, e em alguns palres civilizados, a Justiça está em progresso relativamente a épocas anteriores. Estou perfeitamente convencido de que nossos juízes poriam na porta da rua, e talvez em Macas, o velhaco que tivesse a ousadia de propor-lhes, não importa por que preço, uma ordem de soltura em favor de um tratante. Não duvido um instante que o mais pobre e menos pago de nossos magistrados repelisse, com indignação, as ofertas de um Artaxerxes, que pleiteasse, para roubar a fortuna de outrem. Mas, desde que entram em jogo os preconceitos, as paixões políticas, religiosas e mesmo as científicas, acredito firmemente que já não há juízes, mesmo em Berlim:

Se tivemos que experimentar uma condenação ccntra nós, foi porque nos desviamos da rota traçada por Allan Kardec. Este inovador era contrário à retribuição dos mé­diuns e tinha para isso boas razões. Em sua época, os irmãos Davenport muito fizeram falar de si, mas como ganhavam dinheiro com suas habilidades, Allan Kardec afastou-se deles, prudentemente. E foi bom que assim o fizesse, porque, depois do escândalo que obrigou esses industriais a sair da França, ele pôde continuar a ensinar o Espiritismo sem ser atingido pelo descrédito desses ame­ricanos fantasistas.

Eis as regras traçadas pelo mestre em O Livro dos Médiuns:

Recomendações de Allan Kardec.

Do charlatanismo e do Embuste

Médiuns interesseiros. - Fraudes espíritas Médiuns Interesseiros

Como tudo pode tornar-se objeto de exploração, nada de surpreen­dente haveria em que também quisessem explorar os Espíritos. Resta saber como receberiam eles a coisa, dado que tal especulação viesse a ser tentada. Diremos desde logo que nada se prestaria melhor ao charlatanismo e à trapaça do que semelhante ofício. Muito mais numerosos do que os falsos sonâmbulos, que já se conhecem, seriam os falsos médiuns e este simples fato constituiria fundado motivo de desconfiança. O desinteresse, ao contrário, é a mais peremptória resposta que se pode dar aos que nos fenômenos só vêem trampolinices. Não há charlatanismo desinteressado. Qual, pois, o fim que objetivariam os que usassem de embuste sem proveito, sobretudo quando a honorabilidade os colocasse acima de toda suspeita?

Se for de constituir motivo de suspeição o ganho que um médium possa tirar da sua faculdade, jamais essa circunstância constituirá uma prova de que tal suspeição seja fundada. Quem quer, pois, que seja poderia ter real aptidão e agir de muito boa fé, fazendo-se retribuir. Vejamos se, neste caso, é razoavelmente possível esperar-se algum resultado satisfatório:

Quem haja compreendido bem o que dissemos das condições necessá­rias para que uma pessoa sirva de intérprete dos bons Espíritos, das múltiplas causas que os podem afastar, das circunstâncias que, independen­temente da vontade deles, lhes sejam obstáculos à vinda, enfim de todas as condições morais capazes de exercer influências sobre a natureza das comunicações, como poderia supor que um Espírito, por menos elevado que fosse, estivesse, a todas as horas do dia, às ordens de um empresário de sessão e submisso às suas exigências, para satisfazer à curiosidade do primeiro que aparecesse? Sabe-se que aversão infunde aos Espíritos tudo que cheira a cobiça e a egoísmo, o pouco caso que fazem das coisas materiais; como, então, admitisse que se prestem a ajudar quem queira traficar com a presença deles? Repugna pensar isso e seria preciso conhecer muito pouco a natureza do mundo espírita, para acreditar-se que tal coisa seja possível. Mas, como os Espíritos levianos são mais escrupulosos e só procuram ocasião de se divertirem à nossa custa, segue-se que, quando não se seja mistificado por um falso médium, tem-se toda a probabilidade de o ser por alguns de tais Espíritos. Estas sós reflexões dão a ver o grau de confiança que se deve dispensar às comunicações deste gênero. Ao demais, para que serviriam hoje médiuns pagos, desde que qualquer pessoa, se não possui faculdade mediúnica, pode tê-la nalgum membro da sua família, entre seus amigos, ou no circulo de suas relações?

Médiuns interesseiros não são apenas os que porventura exijam uma retribuição fixa; o interesse nem sempre se traduz pela esperança de um ganho material, mas também pelas ambições de toda sorte, sobre as quais se fundem esperanças pessoais. É esse um dos defeitos de que os Espíritos zombeteiros sabem muito bem tirar partido e de que se aproveitam com uma habilidade, uma astúcia verdadeiramente notáveis, embalando com falaciosas ilusões os que desse modo se lhes colocam sob a dependência. Em resumo, a mediunidade é uma faculdade concedida para o bem e os bons Espíritos se afastam de quem pretenda fazer dela um degrau para chegar ao que quer que seja, que não corresponda às vistas da Providência. O egoísmo é a chaga da sociedade; os bons Espíritos a combatem; a ninguém, portanto, assiste o direito de supor que eles o venham servir. Isto é tão racional, que inútil fora insistir mais sobre este ponto.

Não estão na mesma categoria os médiuns de efeitos físicos, pois que estes geralmente são produzidos por Espíritos inferiores, menos escru­pulosos. Não dizemos que tais Espíritos sejam por. isso necessariamente maus. Pode-se ser um simples carregador e ao mesmo tempo homem muito honesto. Um médium, pois, desta categoria, que quisesse explorar a sua faculdade, muitos Espíritos talvez encontraria, que sem grande repugnância o assistissem. Mas, ainda ai outro inconveniente se apresenta. O médium de efeitos físicos, do mesmo modo que o de comunicações inteligentes, não recebeu para seu gozo a faculdade que possui. Teve-a sob a condição de fazer dela bom uso; se, portanto, abusa, pode dar-se que lhe seja retirada, ou que redunde em detrimento seu, porque, afinal, os Espíritos inferiores estão subordinados aos Espíritos superiores.

Aqueles gostam muito de mistificar, porém, não de ser mistificados; se prestam de boa vontade ao gracejo, às coisas de mera curiosidade, porque lhes apraz divertirem-se, também é certo que, como aos outros, lhes repugna ser explorados, ou servir de comparsas, para que a receita aumente, e a todo instante provam que têm vontade própria, que agem quando e como bem lhes parece, donde resulta que o médium de efeitos físicos ainda menos certeza pode ter da regularidade das manifestações, do que o médium escrevente. Pretender produzi-los em dias e horas determinados, fora dar prova da mais profunda ignorância. Que há de ele então fazer para ganhar seu dinheiro? Simular os fenômenos. É o a que naturalmente recorrerão, não so os que disso façam um ofício declarado, como igualmente pessoas aparentemente simples, que acham mais fácil e mais cômodo esse meio de ganhar a vida, do que trabalhando. Desde que o Espírito não dá coisa alguma, supre-se a falta: a imaginação é tão fecunda, quando se trata de ganhar dinheiro! Constituindo um motivo legítimo de suspeita, o interesse dá direito a rigoroso exame, com o qual ninguém poderá ofender-se, sem justificar as suspeitas. Mas, tanto estas são legítimas neste caso, como ofensivas em se tratando de pessoas honradas e desinteressadas

A faculdade mediúnica, mesmo restrita às manifestações físicas, não foi dada ao homem para ostentá-las nos teatros de feira e quem quer que pretenda ter às suas ordens os Espíritos, para exibir em público, está no caso de ser, com justiça, suspeitado de charlatanismo, ou de mais ou menos hábil prestidigitação. Assim se entenda todas as vezes que apareçam anúncios de pretendidas sessões de Espiritismo, ou de Espiritualismo, a tanto por cabeça. Lembrem-se todos do direito que compram ao entrar.

De tudo o que precede, concluímos que o mais absoluto desinteresse é a melhor garantia contra o charlatanismo. Se ele nem sempre assegura a excelência das comunicações inteligentes, priva, contudo, os maus Espíritos de um poderoso meio de ação e fecha a boca a certos detratores:

Eis a linguagem da sã razão e da honestidade, e todo espírita digno deste nome deve repudiar resolutamente estas promiscuidades perigo­sas que rebaixariam nossa doutrina ao nível de cínica exploração. Somos, antes de tudo, pessoas honestas, e declaramos formalmente que nada temos de comum com as pessoas, quaisquer que elas sejam, que fazem profissão de sua faculdade e assim desonram por sua conduta a doutrina que pretendem sustentar.

Nada conhecemos que seja tão repugnante quanto as fraudes que teriam por fim profanar o que de mais sagrado há no mundo: o túmulo dos mortos. É por isso que desacreditamos o senhor Buguet como ele merece e exortamos todos os espíritas a não se deixarem atrair por belas promessas, sempre que estiver em jogo um interesse puramente material

Voltemos ao nosso estudo e indaguemos se a fotogra­fia dos Espíritos é possível.

A resposta é afirmativa, desde que Crookes a obteve; mas as condições ordinárias em que nos colocamos não são as mesmas do ilustre químico.

Nas experiências com Miss Cook, o Espírito fica com­pletamente materializado, adquire a mesma tangibilidade de uma pessoa viva e não há então admirar que se lhe possa tirar o retrato. Na fotografia de que tratamos não se vê o Espírito e, no entanto, sua imagem é reproduzida. Isso se pode explicar do seguinte modo:

Sabemos que o médium vidente possui um aparelho visual, tornado mais sensível por meio da ação fluídica exercida pelo Espírito que se quer manifestar. O olho do médium é uma câmara escura que adquire, nesse momen­to, um poder considerável, registra vibrações que não po­dem ser percebidas por nós, no estado habitual, daí sua propriedade de ver Espíritos. Pois bem, a placa de colódio representa, no caso, o mesmo papel, não que seja, então, mais sensível, mas o Espírito toma fluidos ao médium e se materializa suficientemente para que seu invólucro reflita os raios ultravioleta que não vemos, e é graças a essa irradiação que se pode obter a imagem não percebida pelos nossos olhos.

Não temos consciência das vibrações luminosas que vão além do violeta e do vermelho, elas, porém, existem, impressionam os sais de prata e são refletidas pelo perispí­rito da entidade que se quer manifestar. Podemos supor que o fluido nervoso tomado ao médium substitui o vidro de urânio para os raios ultravioleta do espectro, diminui o movimento perispiritual, condensa, de alguma sorte, os fluidos de modo a torná-los capazes de refletir as radiações ectênicas.

Essa maneira de ver é tanto mais justa, quanto às experiências tentadas por Thomas Slater, ótico, Estearn Road, 136, em Londres, demonstram que a luz ordinária não intervém nesse fenômeno. Assim,, diz este pesquisador:

Eu mesmo obtive fotografias espíritas por meio de um instrumento feito com vidros de um azul muito escuro, de modo que seria impossível impressionar a chapa, a menos que uma luz forte fosse projetada sobre a pessoa retratada; provava-se destarte que a luz lançada pelos Espíritos está completamente fora dos raios luminosos de nosso espectro, que são muito fortes, posto que os Espíritos nos sejam invisíveis.­

Em Bruxelas, um engenheiro químico, Bayard, obteve em seu laboratório, fotografias de Espíritos; apresenta ele minucioso relatório no livro Procès des Spirites, pági­nas 122 a 124. Finalmente, na América se conseguiram fotografias espíritas e o fenômeno não é mais contestado.

A despeito dos tribunais, é preciso reconhecer que o fato se pode produzir, e, por estranhável que seja, nada tem de sobrenatural. Desde que se demonstra que os Espíri­tos existem, que têm um corpo fluídico que se pode con­densar, em certas condições, é fácil compreender que possa ser fotografado, pois que se materializa até à tangibilidade, como o provaram as experiências de Crookes.

Estamos tão longe de conhecer as leis que regem as operações que nos são mais familiares; não há, portanto, que espantar o ver se produzirem incidentes que parecem, a princípio, inexplicáveis. Tomamos o seguinte exemplo na Revue, de Allan Kardec, de 1864. É um dos seus amigos quem fala:

Habitava - diz ele - uma casa em Montrouge; estávamos no Verão; o Sol dardejante entrava pela janela; achava-se na mesa uma garrafa cheia d'água e sob a garrafa uma pequena esteira; de repente, a esteira pegou fogo. Se ninguém estivesse ali, podia haver um incêncio, sem que se lhe soubesse a causa. Procurei centenas de vezes produzir o mesmo resultado e nunca o consegui.­

A causa física da inflamação é bem conhecida; a garra­fa representou o papel de lente; mas por que não se pôde reiterar a experiência? É que, independente da garrafa e da água, havia um concurso de circunstâncias que, de maneira excepcional, fizeram a concentração dos raios so­lares. Talvez o estado da atmosfera, dos vapores, as quali­dades d'água, a eletricidade, e tudo isso, provavelmente, em certas proporções. Daí a dificuldade de encontrar as condições precisas, e a inutilidade das tentativas para pro­duzir um efeito semelhante.

Eis, pois, um fenômeno inteiramente do domínio da física, cujo princípio se conhece, e que, entretanto, não pode ser repetido à vontade. Poderá o mais endurecido cético negar o fato? Por certo que não. Mas por que os mesmos céticos negam a realidade dos fenômenos espíritas, em virtude de os não poder manipular a seu bel-prazer?

Não admitir, fora do conhecido, agentes novos, regi­dos por leis especiais; negar esses agentes, porque não obedecem às leis que conhecemos, é, em verdade, dar demonstração de pouca lógica e mostrar um espírito bem estreito.

Por mais assombrosa que seja a fotografia dos Espíritos, eis uma amostra de fotografia natural mais extraor­dinária ainda, atestada, em 1858, pelo conhecido sábio Jobard:

O Sr. Badet, morto a 12 de novembro último, depois de uma doença de três meses, tinha o hábito - diz a Union Bourguignonne de Dijon - de colocar-se a uma janela do primeiro andar, sempre que suas forças o permitiam, e aí ficava, com a cabeça voltada para a rua, a fim de distrair-se com a vista dos transeuntes.

Há alguns dias, a Sra. Peltret, cuja casa fica em frente à da viúva Badet, notou, na vidraça da janela dessa casa, o próprio Badet, com seu boné de algodão, sua figura emagrecida, tal como o tinha visto durante a doença. Grande foi a sua emoção. Ela chamou, não só os vizinhos, cujo testemunho podia ser suspeito, mas ainda os homens graves, que perceberam, distintamente, a imagem de Badet no vidro da janela, onde costumava colocar-se.

Mostraram essas imagens à família do defunto, que fez, imediatamente, desaparecer a vidraça.

Ficou, entretanto, confirmado, que a vidraça se havia impregnado com a figura do doente, que ai ficou daguerreotipada, fenômeno que se poderia explicar se, do lado oposto à janela, houvesse uma outra por onde os raios solares pudessem chegar ao Sr. Badet. Mas o quarto só tinha uma janela. Tal é a verdade inteira sobre o extraordinário fato, cuja explicação convém deixar aos sábios.

Não é inútil dizer que não houve explicação nenhuma, o que nada tem de surpreendente, visto que o vidro foi destruído e não pôde ser analisado. O que queremos mos­trar, nessa história, é a possibilidade da fotografia espontâ­nea, e que, longe de ser ridículo, o espiritista são pesquisadores conscienciosos, que caminham a parda Ciência, e que, quanto mais se estenderem os conhecimentos, tanto mais facilmente explicarão os fatos, que, a princípio, pare­cem sobrenaturais.

Mediunidade auditiva

A mediunidade auditiva consiste na faculdade de ouvir certos ruídos, certas palavras pronunciadas pelos Espíritos e que não impressionam o ouvido nas condições ordinárias da vida. E preciso distinguir, para essa faculdade, como para a precedente, dois casos: 1:, a intuição; 2:, a audição real.

A intuição se dá de alma para alma; é uma transmissão de pensamentos que se opera sem o socorro dos sentidos, uma voz íntima que ressoa no foro íntimo; embora os pensamentos recebidos sejam claros, não são eles articula­dos por meio de palavras e nada têm de material. Na audição, pelo contrário, as palavras são pronunciadas de maneira a serem ouvidas pelo médium, como se uma pessoa lhe falasse ao lado.

Allan Kardec, o grande iniciador, que quiseram fazer passar por impostor, protesta energicamente contra os espi­ritistas crédulos que pretendem atribuir os fenômenos mais comuns da vida à ação dos Espíritos. Ele recomenda a maior circunspecção na análise dos fatos e não cessa de dar conselhos, a fim de premunir seus adeptos contra os erros, as alucinações, as falsas interpretações. Eis o que ele escreveu a propósito da mediunidade auditiva:

É bem preciso abster-se de tomar por vozes ocultas todos os sons que não tenham causa conhecida, ou simples tinidos de ouvidos, e sobretudo de acreditar que haja qualquer parcela de verdade na crença vulgar de que o ouvido que está nos advertindo que em alguma parte se fala de nós.

Estes tinidos, cuja causa é puramente fisiológica, não têm, aliás, qualquer sentido, enquanto os sons pneumatofônicos exprimem pensamentos e é somente por este caráter que se pode reconhecer que são devidos a um causa inteligente e não acidental. Pode estabelecer-se, em princípio, que os efeitos notoriamente inteligentes são os únicos que podem atestar a intervenção dos Espíritos; quanto aos outros há pelo menos cem probabili­dades contra uma de que sejam devidos a causas fortuitas.

Acontece com bastante freqüência que no estado de modorra, ouvem-se distintamente pronunciar palavras, nomes, algumas vezes até frases inteiras, e isto com bastante força para nos despertar em sobressalto. Embora possa acontecer que em certos casos se trate realmente de uma manifestação, este fenômeno nada tem de bastante positivo que impeça de se lhe atribuir uma causa qualquer, tal como a alucinação. O que se ouve por esse modo não tem, de resto, seqüência alguma; não acontece o mesmo quando se está completamente acordado, porque então, se é um Espírito que se faz ouvir, pode-se quase sempre trocar pensamentos com ele e travar uma conversação regular.

Procuremos, agora, compreender como podem proce­der os Espíritos, para nos fazerem ouvir palavras e por que meios produzem sons. Para este estudo é preciso ter um conhecimento da natureza do som. Sir William Thom­son fez ultimamente notável conferencia sobre o assunto. Mostremos suas principais observações.

Quais são as nossas percepções no sentido do ouvido? E em primeiro lugar, que é ouvir?

Ouvir é perceber pelo ouvido; mas perceber o quê? Há coisas que nós podemos ouvir sem o ouvido. Beetho­ven, atacado de surdez, durante grande parte da vida, não percebia nada pelo ouvido. Compunha as mais notáveis obras sem poder percebê-las pela audição. Ele se conserva­va, diz-se, perto de um piano, com um bastão, o qual tinha uma extremidade no instrumento e a outra em seus dentes, e era dessa forma que ouvia os sons emitidos.

A percepção dos sons não tem, pois, o ouvido como único órgão, e daí já se pode compreeender que um médium escute sons sem se servir do ouvido. Mas queremos deter­minar a natureza da percepção habitual num homem em posse de todos os órgãos dos sentidos. É uma sensação de variação de pressão.

Quando o barômetro sobe, a pressão no tímpano au­menta; quando desce, a pressão diminui. Suponhamos que a pressão do ar cresça ou diminua, repentinamente, em um quarto de minuto, e, nesse curto espaço de tempo, o mercúrio se eleve de muitos milímetros, para cair, em seguida, com a mesma rapidez. Percebemos a mudança? Não; mas se a variação barométrica for de 5 a 10 centímetros, em meio minuto, grande número de pessoas a percebe­riam. Aliás, esta afirmação não é teórica, ela é confirmada pela observação. Os que descem em uma campânula hidráu­lica experimentam sensação idêntica à que teriam, se o barômetro, por uma causa desconhecida, subisse, em meio minuto, de 10 a 15 centímetros. Temos, pois, a sensação da pressão atmosférica, mas nosso órgão não é bastante delicado, de modo a permitir-nos perceber as variações entre o máximo e o mínimo do barômetro.

Quando se desce em uma campânula hidráulica, a mão não sente as alterações da pressão atmosférica; é de outra forma que se revela à nossa sensibilidade. Atrás do tímpano do ouvido existe uma cavidade cheia de ar. Uma pressão mais forte dum lado que do outro dessa membrana, produz uma sensação desagradável, que pode mesmo, numa descida brusca, produzir-lhe a ruptura.

Ouvir, portanto, um som, é perceber as mudanças súbitas de pressão sobre o tímpano, pressão que se exerce em curto lapso de tempo, e com força assaz moderada, para não determinar lesão ou ruptura, mas que é suficiente para transmitir uma sensação muito nítida ao nervo au­ditivo.

Se pudéssemos perceber pelo ouvido uma alta baromé­trica de um milímetro, em um dia, essa variação seria um som. Mas como nosso ouvido não é bastante delicado para isso, não podemos dizer que essa mudança seja um som. Se a diferença de pressão sobreviesse bruscamente, e, por exemplo, o barômetro variasse de um milímetro em 11100 de segundo, nós a ouviríamos, porque essa varia­ção repentina da pressão atmosférica produziria um som análogo ao do choque de nossas duas mãos.

Qual a distinção entre um fenômeno sonoro e um som musical? O som musical é uma alteração regular e periódica de pressão, um aumento e uma diminuição alter­nativos de pressão atmosférica, bastante rápidos para serem percebidos como som, e reproduzindo-se por períodos, com perfeita regularidade. Algumas vezes, os ruídos e os sons musicais se confundem. A duração, a irregularidade, os períodos mal separados têm por efeito produzir dissonân­cias complicadas, que um ouvido não exercitado não com­preenderá e tomará por um ruído.

O sentido da vista poderia ser comparado ao do ouvi­do, sendo ambos causados por variações rápidas de pres­são. Sabe-se com que celeridade se devem produzir as alternativas entre a pressão máxima e a mínima, para dar o som de uma nota musical. Se o barômetro variar uma vez em um minuto, não perceberemos essa variação como nota musical; mas, se por uma ação mecânica do ar, a pressão mudar mais rapidamente, essa alteração que o mer­cúrio não pode indicar com rapidez, o ouvido a perceberá; se o período reproduzir-se 20, 30, 40, 50 vezes por segun­do, ouvir-se-á uma nota grave; se acelerar, a nota elevar­-se-á gradualmente, tornar-se-á cada vez mais aguda; se atingir a 256 períodos por segundo, teremos uma nota que corresponde ao dó grave de tenor.

Daí resulta que a palavra, sendo uma sucessão de sons, é produzida por variações de pressão atmosférica, determinadas pelas diferenças de volume da garganta e da boca, durante a emissão da voz. Mas se os Espíritos não têm garganta, que é o que fazem para produzir sons? Aqui ainda a ciência nos põe no caminho das explicações.

O ilustre inventor do telefone, Graham Bell, diz que, fazendo-se cair um raio luminoso intermitente sobre um corpo sólido, poder-se-á perceber um som. Tyndall atribui este som à ação do calor sobre o corpo, e pensou que ele resultasse de mudanças alternadas de volumes, devidas a variações da temperatura. Se assim fosse, os gases e os vapores, dotados de poder absorvente, deviam dar sons muito fortes e a intensidade do som deveria fornecer o meio de medir o poder absorvente.

Foi o que se verificou pela experiência. Está, portan­to, demonstrado hoje que se podem obter sons variados, desde os mais agudos até os mais graves, fazendo agir raios caloríficos sobre certos vapores. Ora, sabemos que, por sua vontade, os Espíritos agem sobre os fluidos e já podemos imaginar por que forma podem produzir ruídos e palavras articuladas. Em vez de expelir o ar pela gargan­ta, projetam sobre certos fluidos jatos caloríficos, e as vibrações desses fluidos produzem os sons que o médium percebe.

É evidente que essas palavras não têm necessidade de ser pronunciada com a força que empregamos; o ouvi­do, no estado especial determinado pela mediunidade, é uns instrumentos extremamente delicados, que apanha as mais ligeiras alterações de pressão. Mesmo em estado nor­mal, o ouvido é suscetível de grande sensibilidade.

Uma experiência recente nos dá prova disso. Podem fazer-se transmissões telefônicas sem receptor. Há bem pouco tempo Giltay, por meio de modificações introduzidas na construção do aparelho, chegou a dispensar completa­mente qualquer condensador. Duas pessoas seguram, cada uma com uma das mãos, um cabo; uma delas aplica sua mão enluvada sobre o ouvido da outra e esta última ouve sair dessa mão as palavras pronunciadas sobre o transmissor microfônico. Giltay explicou este fato dizendo que a mão e o ouvido constituem as armaduras de um condensador, de que a luva representa a substância isolante. A expe­riência pode fazer-se de maneira ainda mais original; é como ela foi executada nas sessões da Sociedade de Fí­sica. Os dois experimentadores seguram os cabos como precedentemente e aplicam suas mãos livres sobre os ouvi­dos de uma terceira pessoa. Nestas condições, esta houve falar as mãos como se elas tivessem receptores ordinários.

O estado atual da ciência não permite esclarecer este modo de transmissão da palavra e esta é uma nova questão a juntar aos pontos obscuros que a telefonia encerra.(23) Talvez não esteja distante a época em que estes fenômenos, inexplicáveis hoje, parecerão fáceis de compreender e a ninguém mais espantarão. Por enquanto, porém, a expe­riência é somente muito curiosa, como observa Hospitalier. Tudo o que até agora se pode concluir, é que o ouvido é um instrumento de incomparável delicadeza e de fina sensibilidade, pois que percebe vibrações em que a energia utilizada é de extrema fraqueza.

Isto nos ajuda a compreender como o médium audiente ouve a voz dos Espíritos, apesar destes não poderem pro­nunciar as palavras e fazer vibrar os fluidos com a mesma intensidade que nós, os encarnados.

Não podemos furtar-nos a um legítimo sentimento de admiração ante as descobertas maravilhosas da ciência moderna; somos mormente exaltados com estas pesquisas, pois elas nos permitem compreender a ação dos Espíritos sobre os encarnados e enquadrar dentro das leis naturais fenômenos erradamente considerados sobrenaturais. O pro­gresso afirma-se cada vez mais e podemos dizer que a pos­teridade ficará espantada das coisas que temos ignorado.

Mediunidade tiptológica

A mediunidade tiptológica é a faculdade que permite obter, por meio de um objeto qualquer, mesa ou outro, comunicações inteligentes, ou por efeito de deslocamentos, ou por pancadas no interior do objeto de que se serve.

A explicação destes fatos é muito simples no caso das pancadas. Graham Bell no-la indicou precedentemente. Quando o Espírito quer produzir um ruído na mesa, por meio do fluido nervoso do médium e do seu fluido perispiri­tual, ele forma uma coluna fluídica que lança sobre a superfície da mesa. Ora, sabemos que um raio calorífico que incide de modo intermitente sobre uma substância sólida, aí provoca sons; da mesma forma se poderá com­preender a ação espiritual dos Espíritos na produção de pancadas.

Examinemos agora o caso em que a mesa se desloca sob as mãos do médium para executar movimentos varia­dos. É natural supor, quando se sabe que os Espíritos podem materializar-se, que eles levantem o móvel e o façam deslocarem-se como nós. Não é assim que as coisas se passam e os próprios Espíritos nos vieram explicar como operam. Ouçamos Allan Kardec:

Quando a mesa se move sob as vossas mãos, o Espírito evocado combina parte do fluido universal com o que desprende o médium, satura com ele a mesa, que é assim penetrada de uma vida fictícia. Preparada a mesa, o Espírito a impele e a move sob a influência do seu próprio fluido, que desprende por sua vontade. Quando a massa que quer pôr em movimento é muito pesada, ele chama em seu auxílio Espíritos nas mesmas condições, e combinando seus fluidos, chegam ao resultado desejado.

Para que a ação se produza, é preciso, pois, que a mesa, de alguma sorte, seja animalizada. Os fluidos necessários são fornecidos pelo Espírito e pelo médium, porque este é o reservatório do fluido vital, indispensável para animar a mesa. Já sabendo como o Espírito manipula os fluidos, esta questão nada mais tem de obscuro para nós.

A ação é, aliás, semelhante à que produzimos todos os dias. Quando desejamos fazer mover um de nossos membros, o braço, por exemplo, o Espírito é, antes de tudo, obrigado a querer; a vibração dessa vontade se trans­mite ao fluido nervoso, e o braço executa o movimento prescrito por nossa alma. Se por uma causa qualquer o fluido nervoso não circular mais nos nervos que terminam nessa parte do corpo, a ação não poderá exercitar-se.

No caso das manifestações tiptológicas, o Espírito está ligado à mesa por um cordão fluídico, que faz o papel do sistema nervoso, no homem; ambos servem para transmitir a vontade. É claro que os fatos serão tanto mais acentuados quanto mais forte for o Espírito, e os ditados inteligentes estão em relação com o grau de adian­tamento da alma, que se comunica, e com sua aptidão para servir-se dos fluidos.

Esses reparos permitem-nos responder aos incrédulos que se espantam, quando uma mesa se move e nem sempre lhes pode responder às interrogações.

Podemos comparar o Espírito que age em uma mesa a um indivíduo que opera num manipulador do telégrafo de Morse. Se esse operador não aprendeu o alfabeto con­vencional de que se serve, enviará sinais ininteligíveis, mas se for versado na arte de telegrafar, o receptor regis­trará frases perfeitamente claras.

Não nos admiremos, portanto, que um Espírito seja inábil a manifestar-se, às primeiras vezes que o evocam, e temos notado que essa inaptidão cessa muito rapida­mente, quando o mesmo Espírito é chamado muitas vezes. É preciso que o desencarnado aprenda a maneira de operar, e nisso, como em tudo, é preciso certo tempo.

O que dizemos para a mediunidade tiptológica aplica­-se indistintamente a todo gênero de manifestações de Espíritos. Vê-se que tudo são simples e compreensível em nossa maneira de interpretar os fatos, e só as pessoas que o fizerem de caso pensado continuarão a tratar-nos de loucos e alucinados.

Sem ter ido tão longe como nós, na teoria, Crookes estudou os fenômenos sob o ponto de vista material, e, na espécie, chegou à certeza absoluta. Não podendo repro­duzir, in extenso, a descrição de suas pesquisas, contentar­-nos-emos com os seguintes reparos finais:

Estas experiências deixam fora de dúvida as conclusões a que cheguei, em precedente memória, a saber: a existência de uma força associada, de maneira ainda inexplicável, ao organismo humano, e pela qual um acréscimo de peso pode ser levado a corpos sólidos, sem contato efetivo. No caso de Home, esse poder varia enormemente, não só de semana em semana, mas igualmente de uma hora para outra; em algumas ocasiões esta força não pode ser acusada pelos meus aparelhos durante 1 hora ou mesmo mais e depois repentinamente ela reaparece com grande energia. Ela pode agir a certa distância de Home, mas é mais poderosa perto dele.

Na firme convicção em que estava de que um gênero de força não poderia manifestar-se, sem o dispêndio correspondente de outro gênero de forra, em vão procurei, durante muito tempo, a natureza da força ou do poder empregados para produzir esses resultados.

Mas agora que já observei melhor o Sr. Home, creio descobrir o que essa força física emprega para desenvolver-se. Servindo-me dos termos força vital, energia nervosa, sei que emprego vocábulos que, para muitos investigadores, têm significações diferentes; mas, depois de ser testemunha do penoso estado de prostração nervosa, em que algumas dessas experiências deixaram Home, depois de o ter visto em estado de desfalecimento quase completo, estendido no chão, pálido e sem voz, não duvido que a emissão da força psíquica seja acompanhada de um esgotamento correspondente da força vital.

Assim se justifica a primeira parte do ensino dos Espíritos, que revelaram a Allan Kardec a teoria das mani­festações físicas. Com efeito, é dito em O Livro dos Médiuns que toda ação física produzida pelos Espíritos exige dispêndio do fluido nervoso do médium. Continue­mos a citação:

Para testemunhar manifestações desta força não é necessário ter acesso junto aos possuidores de dons psíquicos (leia-se médiuns) de fama. Esta força é, provavelmente, possuída por todos os seres humanos, posto que os indivíduos, dela dotados com grande poder, sejam muito raros.

Durante o ano findo (outubro de 1871), encontrei, na intimidade de algumas famílias, cinco ou seis pessoas que possuíam esta força de maneira potente, capaz de me inspirar à confiança de que, por seu intermédio, poderia obter resultados semelhantes aos descritos, se os experimentadores operassem com instrumentos mais delicados e suscetí­veis de marcar uma fração de grão, em vez de indicar somente as fibras e as onças.

Segunda confirmação de nossa teoria, que pretende que todos possuímos em germe a mediunidade. Enquanto esperamos o aparecimento de uma grande obra do ilustre químico sobre a força psíquica, citemos algumas de suas reflexões.

Enquanto minhas ocupações mo permitirem, proponho-me continuar essas experiências de diversas maneiras e, de tempos a tempos, farei com que sejam conhecidos os seus resultados. Tenho confiança em que outros serão levados a prosseguir esta investigação sob a forma científica. Seja bem entendido, entretanto, que, em qualquer experiência cientifica, estas pesquisas devem ser conduzidas de perfeito acordo com as condições em que a força se desenvolve. Assim como nas experiências de eletricidade pela fricção, é condição indispensável que a atmosfera esteja isenta de excesso de umidade e que nenhum corpo condutor toque o instrumento, enquanto a força é gerada, também se verificou que certas condições eram indispensáveis à produção e à ação da força psíquica, e se essas precauções não são observadas, as experiências não dão resultado.

Sou formal neste ponto, porque já se têm feito objeções desarrazoadas à força psíquica, pelo fato de não se desenvolver nas condições ditadas pelos experimentadores; estes, entretanto, repeliriam as condições que lhes impusessem para a produção de alguns dos seus trabalhos científicos.

Posso acrescentar que as condições requeridas são pouco numerosas, muito razoáveis e que, de modo algum, impedem a mais perfeita observação e a aplicação do mais rigoroso e exato controle.

É notória, no mundo científico da Inglaterra, a reali­dade da força psíquica. Poucos descobrimentos suscitaram tantas discussões e experiências contraditórias. Quan­do, a priori, se ouvem negar fenômenos atestados pelas maiores sumidades da Inglaterra, da Alemanha e da Améri­ca, vê-se, com espanto profundo, a que aberrações a rotina e o preconceito podem conduzir.

A fim de que nossos leitores sejam inteiramente edifi­cados sobre o valor de nossa crença, damos o relatório do comitê da Sociedade Dialética de Londres sobre o Es­piritismo.

Relatório da Sociedade Dialética

Desde sua criação, em 11 de fevereiro de 1869, esta subcomissão realizou 40 sessões com o fim de estabe­lecer experiências e provas rigorosas.

Todas essas reuniões se realizaram nas casas parti­culares dos membros da comissão, a fim de excluir a possi­bilidade de mecanismos previamente dispostos, ou de qual­quer artifício.

Os móveis com que se fizeram as experiências foram os comuns. As mesas eram as de jantar, pesadas, que demandavam considerável esforço para serem postas em movimento. A menor tinha 5 pés e 9 polegadas de compri­mento por 4 pés de largura; a maior, 9 pés e 3 polegadas de comprimento por 4 pés e meio de largura; o peso estava em proporção.

Os quartos, as mesas, e todos os móveis em geral, foram cuidadosamente examinados muitas vezes, antes das experiências, durante e depois, para certeza de que não existia trapaça, instrumento, ou qualquer aparelho com o auxílio dos quais pudessem ser produzidos os movimentos mencionados aqui adiante.

As experiências foram feitas à luz do gás, exceto em pequeno número delas.

Vossa comissão evitou servir-se de médiuns de profis­são, ou pagos; o médium utilizado era um dos membros de vossa subcomissão, pessoa colocada em alta posição social, perfeitamente íntegro, sem nenhum proveito pe­cuniário em vista e que nenhuma vantagem poderia tirar de uma fraude.

Vossa comissão fez algumas reuniões sem a presença de qualquer médium (é bem entendido que, neste relato a palavra médium é empregada simplesmente para desig­nar um indivíduo, sem a presença do qual os fenômenos não se realizariam ou se produziriam com menos intensi­dade e freqüência), para ensaiar, obter por alguns meio efeitos semelhantes aos que se observam quando um mé­dium está presente.

Nenhum esforço, entretanto, foi capaz de produzir qualquer coisa inteiramente semelhante às manifestações que se verificam em presença de um médium.

Cada uma das provas que a inteligência combinada dos membros de vossa comissão podia imaginar, foi feita com paciência e perseverança. As experiências foram diri­gidas com grande variedade de condições, e todo engenho possível foi posto em prática para descobrir meios que permitissem à vossa comissão verificar as suas observações e afastar qualquer possibilidade de impostura ou de ilusão.

Vossa comissão restringiu seu relatório aos fatos de que seus membros foram coletivamente testemunhas, fatos esses palpáveis aos sentidos e cuja realidade foi suscetível de uma prova demonstrativa.

Cerca de quatro quintos dos membros de vossa comis­são principiou as investigações com o mais completo ceticismo, crentes de que os fenômenos eram o resultado da impostura, da ilusão ou de uma ação involuntária dos músculos. Somente depois de irresistível evidência, em condições que excluíam aquelas hipóteses e depois de expe­riências e provas rigorosas, muitas vezes repetidas, é que os membros mais céticos, muito a contragosto, ficaram convencidos de que os fenômenos produzidos durante este longo inquérito eram fatos verdadeiros.

O resultado de suas experiências, prosseguidas por muito tempo e dirigidas com cuidado, foi, depois das pro­vas verificadas por todos os meios, estabelecer as conclu­sões seguintes:

Primeiro - Sob certas disposições de corpo ou de espírito, em que se achem uma ou mais pessoas presentes, produz-se uma força suficiente para pôr em movimento objetos pesados, sem emprego de nenhum esforço mus­cular, sem contato material de qualquer natureza entre esses objetos e o corpo das pessoas presentes.

Segundo - Essa força pode produzir sons, que se ouvem, distintamente, em objetos materiais, sem qualquer contato, nem relação visível ou material com o corpo das pessoas presentes; ficou demonstrado que os sons provêm daqueles objetos, pelas vibrações perfeitamente sensíveis ao tato. (Advertência aos senhores Bersot, Julei Soury e à Academia das Ciências, que admitiram como única causa do fenômeno o músculo rangedor.)

Terceiro - Essa força é freqüentemente dirigida com inteligência.

Alguns desses fenômenos produziram-se em 34 das 40 sessões efetuadas. A descrição 'de uma dessas expe­riências e o modo por que foi dirigida, mostrarão melhor o cuidado e o escrúpulo com o qual vossa comissão realizou suas investigações.

Desde que houvesse contato ou simplesmente possibi­lidade de contato pelas mãos ou pelos pés, ou mesmo pelas roupas de um dos presentes, com o objeto em movi­mento ou produtor de sons, não se podia ter a convicção de que esses movimentos ou sons não fossem produzidos pela pessoa com quem houve o contato. Foi, pois, tentada a seguinte experiência:

Certa vez, quando 11 membros estavam sentados, havia 40 minutos, em torno da mesa da sala de jantar, e quando já tinham sido produzidos movimentos e sons variados, voltaram eles, no intuito de uma experiência mais rigorosa, as costas das cadeiras para a mesa, numa distância de nove polegadas; depois, ajoelharam-se nas cadeiras, colocando os braços nos espaldares.

Nessa posição, tinham os pés necessariamente volta­dos para trás, longe da mesa, e, por conseqüência, não podiam estar em baixo, nem tocar o assoalho. As mãos, estendidas acima da mesa, conservavam uma distância de 4 polegadas de sua superfície. Não poderia, portanto, haver qualquer contato com a mesa, sem que o fosse percebido.

Em menos de um minuto, sem que tocassem na mesa, ela se deslocou quatro vezes; a primeira cerca de 5 polega­das de um lado, depois, 12 do outro, em seguida, mais 4 e 6 polegadas, respectivamente.

As mãos dos presentes foram, depois, colocadas nos encostos das cadeiras, a um pé de distância da mesa, que se moveu cinco vezes, com um deslocamento de 4 a 6 polegadas.

Finalmente, as cadeiras foram afastadas da mesa, nu­ma distância de 12 polegadas, e todos se ajoelharam nas cadeiras, como precedentemente, mas, desta vez, com as mãos nas costas, e, por conseqüência com o corpo coloca­do cerca de 18 polegadas da mesa; o espaldar da cadei­ra achava-se, assim, entre a mesa e o experimentador. A mesa moveu-se 4 vezes, em direções variadas.

Durante esta experiência decisiva, e em menos de meia hora, moveu-se a mesa 13 vezes, sem contato ou possibilidade de contato com qualquer pessoa presente; os movimentos se realizaram em direções diferentes e algu­mas correspondiam ao pedido de diversos membros.

A mesa foi examinada com cuidado, virada em todos os sentidos, analisada peça por peça, mas nada se descobriu que pudesse produzir os fenômenos. As experiências foram feitas sempre em plena luz do gás, colocado sobre a mesa. Em resumo, vossa subcomissão foi mais de 50 vezes testemunha de semelhantes movimentos sem contato, em 8 noites diversas, nas casas dos seus membros, sendo pos­tas em prática as mais rigorosas exigências.

Em todas essas experiências, a hipótese de um meio mecânico ou qualquer outro foi completamente afastada, porque os movimentos se fizeram em várias direções, ora dum lado, ora doutro, ora para cima, ora para baixo; esses movimentos teriam exigido a cooperação de grande número de mãos e pés, e, em razão do volume considerável e do peso das mesas, não se poderiam produzir sem o empre­go visível de um esforço muscular. Mãos e pés eram perfei­tamente visíveis e nenhum deles se poderia ter mexido, sem que fossem logo percebidos.

A idéia de ilusão foi posta de lado. Os movimentos se realizaram em direções diferentes, e as pessoas presen­tes foram deles simultaneamente testemunhas. Era um caso de medição e nunca de opinião ou imaginação.

Esses movimentos se reproduziram tantas vezes, em condições tão numerosas e tão diversas, com tantas garan­tias contra o erro e o embuste, e com tão seguros resulta­dos, que os membros de vossa subcomissão, céticos no princípio das investigações, ficaram convencidos de que existe uma força capaz de mover corpos pesados, sem contato material, força essa que depende, de maneira des­conhecida, da presença de seres humanos.

A respeito da natureza e da origem dessa força, a Comissão nenhuma certeza pôde coletivamente obter, ten­do adquirido, simplesmente, a prova do fato de sua exis­tência.

Vossa comissão acredita sem fundamento a crença popular de que a presença de pessoas céticas contraria a produção ou a ação dessa força.

Em resumo, vossa subcomissão exprime unanimemen­te o parecer de que a existência de um fato físico impor­tante se acha assim demonstrada, a saber: que se podem produzir movimentos de corpos sólidos, sem contato mate­rial, por uma força desconhecida até agora, que age a uma distância indefinida do organismo humano, e é inteira­mente independente da ação muscular. Essa força deve ser submetida a um exame científico mais profundo, a fim de se lhe descobrir a verdadeira fonte, natureza e poder...

A Ciência reconhece, pois, os fenômenos espíritas. Crookes, nessa via fecunda, levando mais longe a investi­gação, demonstra que a força psíquica é governada por uma inteligência, que não a dos assistentes; além dis­so, uma dessas inteligências reveste temporariamente um corpo, diz que é a alma de pessoa que já viveu na Terra é lhe faz fotografar a imagem.

Se tais fatos não induzem à crença, cumpre renunciar a convencer os homens, porque nada mais positivo, mais tangível, foi apresentado nos ramos dos conhecimentos humanos, em favor de uma teoria.

A despeito dos senhores Lélut, Luys, Moleschott, Buchner, Cari Vogt e outros materialistas, não aceitare­mos, no futuro, em nossas discussões, senão fatos estabele­cidos cientificamente, não desejando mais disputar hoje, que possuímos certezas, contra hipóteses sem fundamento. Não são mais visionários, cérebros ocos, que proclamam a autenticidade das nossas manifestações; é a ciência ofi­cial da Inglaterra. Opunham-nos outrora Chevreul, Babi­net, Faraday. Agora nós apresentamos Crookes, Warley, Oxon, de Morgan, A. Wallace e toda a sociedade dialética. Demonstrem nossos contraditores que esses homens ilus­tres estão em erro e nós acreditaremos; mas enquanto esperamos que o façam, deixamos o público julgar para decidir de que lado está à boa fé, a ciência e a verdade.

Os transportes

Chama-se transporte (apport)24, um objeto qualquer que os Espíritos conduzem de um lugar para outro. Assim, pode-se ter, e é o caso mais geral, transporte de flores, de frutos, de objetos materiais, como anéis, medalhas e outros. É óbvio que esse fenômeno só é probante com a condição de ser produzido em circunstâncias tais que não seja possível a suspeita. Nestas experiências, convém operar com pessoas absolutamente idôneas e em locais conhecidos pelos experimentadores. Essas recomendações têm por fim acautelar os espíritas contra as fraudes, que nunca faltam, quando se trata de fatos extraordinários.

Eis o conselho de um Espírito muito competente sobre este assunto:

É preciso, necessariamente, para se obterem fenôme­nos dessa ordem - contar com médiuns -, a que chamarei sensitivos, ou seja, dotados dos mais altos graus das faculdades medianímicas de expansão e penetrabilidade, porque o sistema nervoso destes médiuns, facilmente exci­tável lhes permite, por meio de certas vibrações, projetar em torno, com profusão, fluido animalizado.

As naturezas impressionáveis, as pessoas cujos nervos vibram ao menor sentimento, à mais leve sensação, que qualquer influência moral ou física, interna ou externa, sensibiliza, são indivíduos muito aptos a se tornarem exce­lentes médiuns para os efeitos fisicos de tangibilidade e transporte. Com efeito, seu sistema nervoso, quase inteira­mente desprovido do invólucro refratário, que isola este sistema na maior parte dos encarnados, torna-os próprios ao desenvolvimento desses diversos fenômenos.

Em conseqüência, com um sensitivo desta natureza e cujas outras faculdades não sejam hostis à entrada no estado mediúnico (ou a mediunização), obter-se-ão mais facilmente os fenômenos de tangibilidade, as pancadas nas paredes e nos móveis, os movimentos inteligentes, e mes­mo a suspensão no espaço da mais pesada matéria inerte; a fortiori obter-se-ão estes resultados se, em lugar de um médium, tiverem-se à nossa disposição vários deles, igualmente bem dotados.

Mas da produção destes fenômenos à obtenção dos transportes, há uma grande distância, porque neste caso, não somente o trabalho do Espírito é mais complexo, mais difícil, mas muito mais que isso, o Espírito só pode operar por intermédio de um único aparelho mediúnico, isto é, vários médiuns não podem concorrer simultaneamente para a produção do mesmo fenômeno. Acontece mesmo que, ao contrário, a presença de certas pessoas antipáticas ao Espírito que opera, entrave radicalmente sua operação. A estes motivos que como se vê não são sem importância, junte-se que os transportes necessitam sempre uma maior concentração e ao mesmo tempo maior difusão de certos fluidos e que, enfim, eles só podem obter-se com os mais bem dotados médiuns, aqueles, numa palavra, cujo apare­lho electromediúnico seja o melhor condicionado.

Em geral, os transportes são e permanecerão exces­sivamente raros. Não preciso demonstrar-vos porque eles são e serão menos freqüentes que os outros fatos de tangi­bilidade; do que vos disse, deduzi-lo-eis por vós mesmos. Aliás esses fenômenos se revestem de tal natureza, que, nem só todos os médiuns não são próprios a sua produção, como os próprios Espíritos não os podem, todos, produzir. Com efeito, é preciso que entre o Espírito e o médium influenciado haja certa afinidade, certa analogia, em uma palavra, certa semelhança, que permita à parte expansível do fluido perispirítico do encarnado unir-se, combinar-se com a do Espírito que quer fazer um transporte. Esta fusão deve ser tal que a força resultante se torne, por assim dizer, uma: como acontece com as duas porções de uma corrente elétrica, agindo sobre o carvão, que produ­zem um só foco, uma claridade única.

Por que essa união? Por que esta fusão, perguntareis? É que, para a produção destes fenômenos, é preciso que as qualidade essenciais do Espírito motor sejam aumenta­das com algumas das do mediunizado, é que o fluido vital, necessário à produção de todos os fenômenos medianímicos, é apanágio exclusivo do encarnado e, por conse­qüência, o Espírito operador é obrigado a impregnar-se dele. Só então ele pode, com o auxílio de certas proprie­dades do vosso meio ambiente, desconhecidas de vós, iso­lar, tornar invisíveis e fazer moverem-se certos objetos materiais e os próprios encarnados.

Não me é permitido, agora, desvelar-vos as leis parti­culares que regem os gases e os fluidos que nos envolvem mas, antes que alguns anos se tenham escoado e antes que haja passado uma existência de homem, a explicação dessas leis e desses fenômenos vos será revelada, e vereis surgir uma nova variedade de médiuns, que cairão num estado cataléptico particular, logo que forem mediuniza­dos. (25).

Vós vedes de quantas dificuldades se acha envolvida a produção dos transportes; podeis concluir logicamente que efeitos desta natureza são excessivamente raros e com mais forte razão porque os Espíritos a eles se prestam muito pouco, pois que motivam da parte deles um trabalho quase material, o que lhes constitui um aborrecimento e uma fadiga. Por outro lado, acontece ainda isto: é que muito freqüentemente, apesar de sua energia e de sua vontade, o estado do próprio médium lhes opõe uma barrei­ra intransponível.

É pois evidente, e vosso raciocínio o sanciona, não duvido disso, que os fatos tangíveis consistindo em panca­das, movimentos e suspensão, são fenômenos simples, que se operam pela concentração e dilatação de certos fluidos, e podem ser obtidos pela vontade e o trabalho dos médiuns que sejam aptos a produzi-los, quando estes são secunda­dos por Espíritos amigos e benévolos; enquanto que os fenômenos de transporte são múltiplos, complexos, exigem o concurso de circunstâncias especiais, não podem operar­-se senão por um único Espírito, um só médium, e necessi­tam afora condições da tangibilidade, uma combinação toda particular para isolar e tornar invisível o objeto ou os objetos que constituem o motivo do transporte.

Todos vós, Espíritas, compreendeis minhas explica­ções e dai-vos conta perfeitamente desta concentração de fluidos especiais para a remoção e a tactilidade de matéria inerte; credes nisso, como credes nos fenômenos da eletri­cidade e do magnetismo, com os quais os fatos medianí­micos têm plena analogia e dos quais são, por assim dizer, a consagração e o desenvolvimento. Quanto aos incrédu­los, não sei o que fazer para convencê-los, com eles não me ocupo; convencer-se-ão um dia pela força da evidência, porque bem necessário será que se inclinem ante o testemu­nho unânime dos espíritas, que foram forçados a fazê-lo diante de tantos outros fatos que, primeiro, haviam repe­lido.

Para resumir: se os fatos de tangibilidade são freqüen­tes, os de transporte são muito raros, porque as condições são muito difíceis; por conseqüência, nenhum médium pode dizer: há tal hora e em tal momento, obterei um transporte, porque, muitas vezes, o próprio Espírito se vê impedido de o fazer. Deve acrescentar que tais fatos são muito difíceis em público, visto que aí se encontram, quase sem­pre, elementos. energicamente refratários, que paralisam os esforços do Espírito, e, com mais forte razão, os do médium. Tende, ao contrário, por certo, que esses fenôme­nos se produzem espontaneamente; muitas vezes, sem à vontade dos médiuns, sem premeditação, quase sempre em particular, e, raramente, quando eles estão prevenidos; donde se deve concluir que há motivo legítimo de suspei­ção, quando um médium se gaba de os obter à vontade, ou de dar ordens aos Espíritos, como a servidores, o que é simplesmente absurdo.

Tende, ainda, como regras gerais, que os fenôme­nos espíritas não foram feitos para ser dados em espetá­culos, e para divertir os curiosos. Se alguns Espíritos a tal se prestam, só o fazem para os fenômenos simples e não para os que, como os de transporte, exigem condições excepcionais.

Lembrai-vos, espíritas, que se é absurdo repelir, siste­maticamente, todos os fenômenos de além-túmulo, não o é menos, aceitá-los todos cegamente. Quando um fenô­meno de tangibilidade, de aparição, de visibilidade ou de transporte se manifesta espontaneamente ou de maneira instantânea, aceitai-o; mas, não seria demais repeti-lo, não o aceiteis às cegas; que cada fato sofra um exame minucioso, aprofundado, severo. Crede, o Espiritismo, tão rico em fenômenos sublimes e grandiosos, nada tem a ganhar com essas pequenas manifestações que hábil pres­tidigitadores podem imitar.

Sei bem o que me ireis dizer - que os fenômenos são úteis para convencer os incrédulos; mas, sabei-o bem, se não houvésseis tido outros meios de convicção, não tereis hoje a centésima parte dos adeptos que tendes.

Falai ao coração; é por aí que fareis as mais sérias conver­sões. Se acreditais seja útil, para certas pessoas, agir pelos fatos materiais, apresentai-os, ao menos em circunstâncias tais que não possam dar lugar a falsas interpretações; é preciso, sobretudo, que não vos afasteis das condições normais dos fatos, porque os fatos apresentados em más condições fornecem argumentos aos incrédulos, em vez de convencê-los.

Erasto

Deve-se notar com que sabedoria esse Espírito nos premune contra o entusiasmo errôneo dos fanáticos. Essas prescrições são adotadas por todos os espíritas sérios, e nesse número podemos contar o Sr. Vincent, que publicou, sobre os transportes, uma interessante brochura, em 1882. Digamos desde logo que se acham excluídas as hipóte­ses de fraude e embuste, visto que as precauções tomadas por Vincent apagam esses receios. Além disso, sendo notó­ria a honestidade do narrador, podemos, sem hesitação, admitir-lhe o testemunho. Aliás, o que ele conta tem sido obtido muitas vezes, e as revistas espíritas estão cheias de exemplos semelhantes; damos, porém, preferência a esse escritor, não só pela maneira científica por que condu­ziu suas experiências, como também pela notável coinci­dência que existe entre as condições por ele observadas e as descritas pelo Espírito Erasto, como sendo indis­pensáveis.

Demos a palavra a Vincent, cujas sessões se efetuaram em sua casa, com portas e janelas fechadas:

Chego, agora, ao primeiro transporte e eis o que encontro em minhas notas, com data de 28 de setembro de 1880:

Já há alguns dias que magnetizo o médium todas as noites. Essa recomendação me foi feita pelo Espírito,que quer produzir o transporte, a fim de bem dispor o sensitivo, que não é bastante forte para efeitos fisicos, de modo a que seja possível obter espontaneamente com seus fluidos um tal fenômeno. Magnetizo-o, pois, ainda esta noite. Logo que adormeceu, chegou o Espírito. Eu o interrogo como se falasse a um espírito encarnado. Ele me entende e seu pensamento formula uma resposta que impressiona o cérebro do médium adormecido. Este me transmite, então, de viva voz, e como se ela fosse emitida por seu pensamento, a frase que acaba de ouvir; faço, depois, outra pergunta, e a conversa continua até que o Espírito, percebendo o médium fatigado, me aconselha que o acorde.

- É provável - disse ele - que eu possa fazer amanhã meu transporte.

- E que nos trareis? - pergunto.

- Tenho dois objetos em vista. Estão ambos na Ingla­terra, em Londres. Um é uma imagem que dei a minha irmã, no século passado. Há palavras inglesas, por trás. O outro é uma lembrança que o médium deu, outrora, a pessoa amiga. Trarei - acrescentou o Espírito - um ou outro, talvez ambos.

- Ireis, então, buscá-los na Inglaterra?

- Irei. Podes agora acordá-lo. Até amanhã.

- Acordo o médium. A sessão durou um quarto de hora.

No dia seguinte, 29 de setembro, magnetizo o médium às 9 horas da noite. O Espírito chega e me diz que vai produzir o fenômeno. Seguindo-lhe os conselhos, fiz o médium deitar-se no chão. O Espírito manda que apague a luz, o que faço. Colocado perto do médium, ouvir-lhe-ia os menores movimentos. Ele não se mexe.

Espero. Ao fim de dois ou três minutos, o médium me diz, sempre adormecido: - Ele me apresenta alguma coisa, mas não posso tomá-la.

- Que lhe apresenta ele? - Ah, põe-na a meu lado.

Dirijo-me, então, ao Espírito: - Estais ainda aí? Ele responde com voz fraca: - Estou; voltarei, ama­nhã, e dar-te-ei pormenores. Acorda-o.

Acendo a lâmpada e encontro, ao lado do médium, uma imagem um tanto semelhante a essas gravuras que as jovens trazem em seus livros sagrados; num lado, há um desenho representando uma rosa colorida, e, por trás, as seguintes palavras em inglês: For my dear Rika, Octo­ber, 1783.

Em uma abertura, feita na imagem, acima da rosa, passam três pequenas fitas brancas, um pouco desbota­das. Numa, li, bordadas, estas palavras - Eu sou o pão da vida; na outra God is love; e na terceira: Cristo é minha vida. As fitas têm algumas dobras, mas a imagem está intacta, e seria absolutamente impossível, rodeada como é, de um rendado muito frágil, que esse rendado não se amarrotasse e partisse, se o médium tivesse trazido consigo esses objetos para os colocar a seu lado. Repito, aliás, que ele não fez um único movimento durante a experiência. Acha-se como aniquilado nas almofadas em que o deitei e tenho muito trabalho em acordá-lo.

Acrescento que o médium ficou muito fatigado, du­rante à noite e o dia seguinte. Era como uma espécie de esgotamento; não havia dor, mas lassidão geral.

Ao outro dia, as 9 e meia da noite, magnetizo o médium; o Espírito chega.

- O médium ficou muito fatigado - diz ele - por esse transporte; assim, não convém prolongar-lhe o sono. Desejaria que lhe tivesse observado o coração e as pulsa­ções. Terias notado que elas eram menos fortes que de costume, que ele não estava mais em seu estado ordinário.

- Podeis dizer-me como procedestes?

- Não tão bem quanto queria. Foi por uma espécie de absorção do fluido vital. Nós nos impregnamos dos fluidos do médium.

- Queria também perguntar como pudestes fazer com que esses objetos atravessassem a parede, desde que o quarto da experiência não tem chaminé, e as portas e as janelas estavam fechadas?

- Fui buscar os objetos de dia, com os fluidos toma­dos do médium. Desmaterializei-os nos lugares em que eles se achavam, porque estavam em duas casas diferentes; depois, quando eles se tomaram fluídicos, por essa primeira operação, transportei-os para aqui, fazendo-os atravessar a parede, como eu mesmo a atravesso. Tomei-os, em segui­da, materiais, com outros fluidos tomados do médium, que acabavas de adormecer. A imagem fora dada por mim, antigamente, a minha irmã, chamada Frederika ou Rika, por abreviação, na época em que habitávamos Londres, depois de ter deixado a Alemanha. Quanto às três pequenas fitas, foi o médium quem as deu, há quinze ou dezesseis anos, a uma pessoa amiga, morta depois em Londres. Agora, acorda o médium.

Acordo-o; são dez horas e um quarto.

Tal é a história desse primeiro transporte. Durante muitos dias interroguei o mesmo Espírito para saber alguns detalhes sobre a maneira por que se operava o fenômeno. Ele dizia sempre que não me podia explicar melhor do que o houvera feito.

A 11 de novembro de 1880, outro Espírito deu esta resposta pela escrita medianímica:

- Pediste ao nosso amigo uma explicação do fenôme­no dos transportes. O mais erudito Espírito não poderia resolver certos problemas, que explicaria por meio de apa­relhos especiais, se vivesse na Terra. A matéria cósmi­ca tem sempre o maior papel nas operações dos Espíritos. Analisar como se desagrega um corpo sólido com o auxílio dessa matéria, não é fácil, pois que o Espírito nem sempre sabe exatamente como opera. E preciso contar também com a vontade do Espírito que quer fazer alguma coisa. Em suma, os termos nos escapam. Sê indulgente e crê-nos vossos amigos.

Na descrição deste transporte, notamos que o estado do médium é vizinho da catalepsia e que houve perda de fluido vital. As explicações dos Espíritos não parecem trazer grande luz ao assunto, mas, com os conhecimentos que já possuímos, elas nos podem fazer compreender a maneira por que o fenômeno se realiza.

Notemos que o Espírito reconhece que ele age pela vontade, o que tínhamos estabelecido nos outros gêneros de manifestação. A vontade é o único agente de que dispõe para manipular os fluidos; é uma força que o Espírito dirige como quer.

Ele não percebe como os fenômenos se operam; verifi­ca-os, mas não os pode analisar, assim como há alguns séculos acontecia com a nutrição, à respiração, que os homens ignoravam como se produziam. Ainda hoje, a gera­ção é uma operação misteriosa, apesar das numerosas pes­quisas feitas sobre o assunto. Tentemos, entretanto, inves­tigar a maneira de se dar um transporte.

Vimos que os corpos podem ocupar estados diferen­tes, desde o sólido à matéria radiante; podemos, pois, compreender que o Espírito, por sua vontade e com os fluidos do médium, produzirá uma operação semelhante à da água, quando passa a vapor por meio do aquecimento; o fluido vital faz, na desmaterialização, o papel de calóri­co; como compreender, porém, que o corpo desmateria­lizado conserve a sua forma e as relações das moléculas entre si?

Se tivéssemos, apenas, que lidar com os corpos bru­tos, poder-se-ia supor que o Espírito forma, por sua vonta­de, uma espécie de invólucro fluídico e que ele encerra o corpo desmaterializado nesse tecido fluídico, mas não se conceberia como, voltando esse corpo ao estado de matéria, podem as moléculas recolocar-se em sua ordem normal. Vejamos uma hipótese que nos parece a mais ra­cional:

Demonstramos que o homem tem um invólucro semi­material e que os animais possuem um semelhante; há duplos fluídicos em todas as criaturas que têm vida, porque todas se desenvolvem, segundo um tipo determinado, e é necessário que uma força fluídica o conserve em meio às contínuas mutações da matéria. Assier estabeleceu esse fato para os animais e para as plantas, tanto pela lei de analogia, como pelas experiências diretas que se encontram relatadas no capítulo III do seu livro sobre a humanidade póstuma. Ele leva seu sistema mais longe, ainda, e crê que o duplo fluídico se aplica, mesmo aos corpos brutos.

Se considerarmos que os metais cristalizam em tipos determinados, reconhecer-se-á que eles são também dirigi­dos por uma força fluídica e que podem possuir um duplo fluídico. Admitido esse fato, tudo se torna perfeitamente claro.

O Espírito que quer fazer um transporte tem, apenas, que volatilizar, de alguma sorte, a matéria do objeto sobre que opera, depois transporta esse duplo para o lugar que escolheu, e lá ele toma ao fluido universal os elementos necessários à reconstrução do objeto material por meio do fluido vital.

Com as plantas, a operação é a mesma. O duplo fluídico reproduz, molécula por molécula, todas as partes da planta, pois que, sendo-lhe o esboço, basta incorporar as moléculas do fluido universal, tornadas materiais pelo Espírito, e a planta aparece com todos seus pormenores, sua frescura, seu colorido, aos olhos dos assistentes. En­fim, é sempre a mesma operação que se executa, quando um Espírito se quer tornar visível e tangível, como nas experiências de Crookes.

Não sabemos até que ponto nossa hipótese se aproxi­ma da realidade, mas os fenômenos se produzem, é preciso explicá-los e a nossa teoria, até agora, é a que nos parece mais de acordo com o ensino espírita e os descobrimentos modernos.

APÊNDICE

Desde a época, já longínqua, em que apareceu a 1: edição desta obra (1883), o autor teve a satisfação de verificar que algumas das mais importantes teorias, aqui expostas, tiveram a consagração da ciência.

Assim, todos os nossos conhecimentos sobre a matéria foram renovados pelo descobrimento dos fenômenos da radioatividade. O átomo não é mais a base indestrutível do Universo. As teorias materialistas de Buchner, Moles­chott, Carl Vogt, Hoeckel, etc. foram declaradas radical­mente falsas. Não é a matéria que produz a energia, como a conhecemos. Os fenômenos da radioatividade demons­tram que partes constitutivas do átomo podem escapar-se dele, de sorte que, no fim de algum tempo mais ou menos longo esse átomo volta ao éter donde saíra.

Na obra de Allan Kardec, intitulada A Gênese, publicada em 1867, encontra-se, no capítulo dos fluidos, essa teoria nitidamente exposta pelos Espíritos, na metade do último século. Lê-se textualmente, à página 298.

A matéria tangível, tendo por elemento primitivo o fluido cósmico etéreo, deve poder, desagregando-se, vol­tar ao estado de eterização, como o diamante, o mais duro dos corpos, pode volatizar-se em gás impalpável.

A solidificação da matéria não é, em realidade, mais que um estado transitório do fluido universal, que pode tornar ao estado primitivo, quando as condições de coesão cessa­rem de existir.

É este um fato que deve fazer inspirar a maior confian­ça no valor intelectual e científico dos guias do grande iniciador.

Além disso, tudo o que temos escrito sobre os fluidos, isto é, sobre os estados cada vez mais rarefeitos da matéria, é confirmado pela descoberta dos raios X e das ondas hertzianas, que são, incontestavelmente, manifestações dessas formas superiores da matéria cósmica, desconhe­cidas no último século.

É bom também assinalar que o estudo das manifes­tações extracorpóreas do Espírito, cuja importância já tinha sido assinalada por Allan Kardec e por nós, foi empreen­dido, desde 1883, pela Sociedade Inglesa de Pesquisas Psíquicas (Society for Psychical Research) e, depois, no novo mundo, pelo ramo americano dessa Sociedade.

Os sábios que a compõem chegaram a estabelecer, experimentalmente, a exteriorização de todas as formas do pensamento, à qual deram o nome geral de telepatia. Verificaram, ainda, casos de visão à distância, sem o socor­ro dos olhos, e fatos de premonição, em condições que estabelecem, absolutamente, a autenticidade desses fenô­menos, cuja realidade já assinalei no curso desta obra.

Melhor ainda, lendo os relatórios publicados pela So­ciedade, é fácil notar que o fenômeno de desdobramento do ser humano foi estabelecido com um luxo de provas que nada deixa a desejar.

Demonstramos, no 1: volume da nossa obra intitula­da Aparições materializadas dos vivos e dos mortos, que os fantasmas dos vivos são de indiscutível realidade, por­ que foram fotografados, o que não deixa dúvida alguma a respeito de seu caráter objetivo. Pode-se produzir experi­mentalmente esta duplicação do ser humano; resulta, pois, daí que a alma, mesmo durante a sua passagem sobre a Terra está sempre associada a uma forma de matéria quintessenciada, o que justifica nossas afirmações relativa­mente à existência do perispírito.

No 2: volume da mesma obra encontrar-se-ão do­cumentos extremamente numerosos, que confirmam, por pesquisas ulteriores em todos os países, as notáveis experiência de materialização de Crookes. Assinalaremos, par­ticularmente, as de Aksakof com Eglinton e a Senhora d'Espé­rance; depois, as pesquisas do Doutor Gibier, em Nova York, e as empreendidas durante 20 anos por uma legião de sábios, em companhia de Eusápia Paladino, principalmente no Círculo Minerva, em Gênova, e, enfim, as do professor Richet e nós, em Argélia, na Vila Cármen.

Vimos, pelos trabalhos de Crookes, que a realidade das manifestações resulta: 1:, da vista coletiva do fantas­ma, por todos os assistentes; 2:, das fotografias que pude­ram ser tirada; 3:, das ações materiais exercidas pelo fantasma; 4:, da visão simultânea da aparição e do médium; 5:, enfim, a essas provas veio juntasse outra, absoluta, a da moldagem de parte da aparição, moldagem insimulável, que é como um testemunho permanente da realidade objetiva do fantasma e do caráter realmente humano de sua materialização.

Esses últimos resultados foram obtidos, a princípio, na América, pelo professor Denton, depois na Inglaterra, por Mrs. Reimers e Oxley, Ashton e outros. (Ver detalhes: As aparições materializadas, tomo II, capítulo III, pág. 247.)

Ultimamente, resultados semelhantes foram obtidos com o médium Kluski, no Instituto Metapsíquico Inter­nacional.

Chegou-se a pesar, simultaneamente, ou sucessivamente, o médium e o Espírito materializado, e percebeu-se que a matéria que compunha o corpo do fantasma era tomada quase totalmente ao corpo do médium.

Nestes últimos anos, a Sra. Bisson estudou parti­cularmente o início desse fenômeno, provocando a saída da matéria exteriorizada do médium, à qual se deu o nome de ectoplasma.

O conjunto dos fenômenos da mediunidade obteve, de alguma sorte, uma consagração oficial, com o haver o professor Richet apresentado à Academia de Medicina, em 1922, sua obra, o Tratado de Metapsíquica.

Se o autor não adotou, ainda, as conclusões espíritas que dela deduzimos (desse conjunto de fenômenos) não rejeita formalmente nossa interpretação. Tanto ele tem razão, que desde o último século, um grande número de homens de ciência adotaram formalmente a teoria espírita como a única explicação geral de todos os fenômenos.

Na Inglaterra, tivemos a alegria de contar entre os novos adeptos homens tais como o ilustre psicólogo Myers, o professor Barrett, Sir Oliver Lodge, eminente físico, e, nos últimos tempos, o engenheiro Crawford; na América, o professor Hyslop, o Doutor Hodgson; na Itália, o célebre crimina­lista Lombroso, os Drs. Pio Foa, Vesani, Scozzi, Venzano, os professores, Botazi, Brofferio, Bozzano, Tumolo, o astrônomo Porro e outros.

Há um quarto de século vêm sendo empreendidas, sobre os fenômenos psíquicos, pesquisas em quase todos os países. Na França, Camilo Flammarion publicou o resul­tado de seus trabalhos, em três volumes intitulados: Antes da Morte, Em torno da Morte, Depois da Morte, sob o título geral - A Morte e seu mistério. Ele termina por uma afirmação nitidamente espírita.

Na mesma ordem de idéias, Warcollier nos dá, numa obra sobre a telepatia, o resultado de suas pesquisas e o Doutor Osty afirma, no seu livro - O Conhecimento Supra­normal - que certas pessoas têm a faculdade de apreender, anormalmente, o conhecimento de coisas que lhes são des­conhecidas e de prever o futuro.

Como se vê, não nos enganamos em nossas previsões, visto que esses estudos entram, enfim, no domínio da ciência.

É uma profunda satisfação para os espiritistas verifica­rem que nenhuma de suas afirmações foi contraditada, vai para mais de meio século, e que, pelo contrário, as experiências empreendidas no mundo inteiro têm confirma­do o valor de suas assertivas, tanto no ponto de vista experimental como filosófico.

Graças à inteligência e generosa iniciativa de esclare­cido filantropo, Jean Meyer, foi criado, em 1919 em Paris:

1 - Um Instituto Metapsíquico Internacional, reco­nhecido de utilidade pública, de que fazem parte eminentes cientistas, tais como o professor Richet, o conde Gram­mont, o professor Leclainche, membros da Academia de Ciências; Camilo Flammarion, o Doutor Santolíquido, o Professor Tessier, o Doutor Calmette, inspetor geral do Serviço de Saúde; entre os membros estrangeiros, Oliver Lodge, Boz­zano; como diretor o Doutor Geley.

2 - Na mesma data: A União Espírita Francesa, com sede em Paris, e que, apesar de sua recente criação, reúne já 26 sociedades, de todas as regiões da França e das colônias.

A essas duas instituições incumbe dar as bases cientí­ficas para o estudo do Espiritismo e à difusão de sua filosofia o mais vigoroso impulso­

É pois com confiança que podemos considerar o futuro e o triunfo certo dessa grande e nobre doutrina.

Fim

Notas de Rodapé

(1) - Ver 4: parte sobre o sentido da palavra imaterial.

(2) - Insenescência é qualidade do que não envelhece.

(3) - Dr. Robinet - Philosophie Positive, pág. 17.

(4 )- Revue de Philosophie Positive, jan. 1880.

(5) - Embora o autor refira apenas o cérebro e o cerebelo, é mais correto dizer: o cérebro e o cerebelo, a protuberância anular e o bulbo raquidiano, a menos que se prefira dizer simplesmente o encéfalo.

Em verdade, podemos, com Testut, considera o sistema nervoso do homem formado de duas classes de órgãos, grupados em duas grandes divisoes:

1) órgãos centrais - centros nervosos - que constituem o sistema nervoso central;

2) órgãos periféricos - nervos - que constituem o sistema nervoso periférico.

O sistema nervoso central é formado por um eixo de substância nervosa, que ocupa integralmente a cavidade óssea constituída pelo crânio e pela coluna vertebral; é o neuro-eixo, eixo encéfalo-medular ou cérebro­espinal ou ainda mielencéfalo.

Dois órgãos proeminentes formam esse eixo nervoso: o encéfalo e a medula espinal, aquele de forma ovóide, ocupando a cavidade craniana, esta de forma tronco-cônica alongada, enchendo a cavidade ou canal existente na coluna vertebral, formada pelo empilhamento das vértebras. Deixando de lado, como faz o autor, a medula espinal e os nervos periféricos, encaremos apenas o encéfalo, pois é deste que faz parte o cérebro, a que o autor empresta interesse todo particular.

O encéfalo apresenta-se constituído de cinco partes que são, indo-se de baixo e de trás para cima e para frente: 1) bulbo raquidiano, também chamado medula oblongata, porque continua para cima a medula espinal, no eixo nervoso; 2) protuberância anular; 3) cerebelo; 4) peduncu­los cerebrais - parte do encéfalo que liga as três partes; 5) o cérebro - com os chamados hemisférios cerebrais.

São essas cinco as partes do encéfalo existentes no homem já devidamente desenvolvido. É , no entanto, para melhor compreensão da anatomia e da fisiologia nervosas, saber que no embrião, inicialmente, só existiam três vesículas primitivas chamadas cérebros anterior, médio e posterior. Mais tarde os cérebros anterior e posterior dividiram-se, cada um, em duas vesículas secundárias, do que resultaram no embrião mais desenvolvido, cinco vesículas cerebrais distintas, que se chamam: cérebro anterior definitivo, prosencéfalo ou telencéfalo, do qual se origina­ram os hemisférios cerebrais; cérebro intermediário, talamoencéfalo ou diencéfalo, que deu origem aos tálamos óticos, também chamados camas óticas; cérebro médio ou mesencéfalo, de que se originaram os pedúnculos cerebrais; cérebro posterior definitivo ou meteno falo, do qual se origina­ram o cerebelo e a protuberância anular; trascérebro, medula oblongata ou mielencéfalo, do qual se formou o bulbo raquidiano. No curso do seu desenvolvimento, entretanto, o cérebro intermediário, talamoencé­falo ou diencéfalo se integrou aos hemisférios cerebrais, provenientes do cérebro anterior definitivo, pelo que sob a designação geral de cérebro se estudam os hemisférios cerebrais e os núcleos da base cerebral - os tálamos óticos.

É ao cérebro assim compreendido, incluindo em seu conjunto os tálamos óticos, que se refere amplamente o autor, em harmonia, aliás, com o que se lê no Tratado de Anatomia Humana de Testut-Latarget, 2: tomo, pág. 896, 9: edição, de Salvat Editores S.A., Barcelona, Madrid, 1960, que, data vênia, transcrevemos atualizada:

O cérebro constitui a parte anterior e superior do encéfalo. Dos diferentes segmentos que entram na constituição do eixo cérebro medular, é há um tempo o mais volumoso, mais importante e mais nobre: a ele chegam, em definitivo, todas as impressões chamadas conscientes, recolhidas na periferia pelos nervos sensitivos e sensoriais e dele partem todas as incitações motoras voluntárias logo transportadas aos aparelhos musculares pelos nervos motores; o cérebro é, finalmente, o ponto onde têm assento às faculdades intelectuais, com as quais tem relações Intimas, que, nem por serem pouco conhecidas, deixam de ser indubitáveis.

Anatomicamente compreende os hemisférios cerebrais propriamente ditos, com seus ventrículos lateriais, e os tálamos áticos com o ventrículo médio, isto é, o cérebro médio (diencéfalo) e o cérebro anterior (telencé­falo). No curso de seu desenvolvimento, este incorpora o cérebro médio de tal maneira que no adulto não é possível separar no estudo um do outro.

(6) - É o nome dado antigamente ao que hoje mais freqüentemente se chama tálamos éticos, mas as duas expressões são sinônimas.

(7) - De Ia vie et de 1'intelligence, Paris, 1856.

(8) - Ver todas as atas nos cursos de Magnetismo do Barão du Potet.

(9) - A semelhança afirmada não existe entre as palavras portuguesas saúde e bondade e entre felicidade e doçura, mas existe realmente entre as palavras correspondentes francesas: san­té e bonté, bonheur e douceurr.

(10) - Há aqui qualquer coisa de errado, percebe, mas é o que está textualmente escrito na citação reproduzida por Delanne. Tanto que reais adiante ele pergunta: - E, na citação precedente, que significa a última frase? Como podem raios desenharem-se sobre a retina que eles representam? Isto não significa absolutamente coisa alguma.

(11) - Esta ordem não é a em que os fenômenos se apresentam habitual­mente no hipnotismo, porém se nos afigura a mais lógica no ponto de vista teórico.

(12) - Depois da primeira edição deste livro foi criado em Paris um Instituto Metapsiquico Internacional, para o estudo dos fenômenos espíritas e numerosos sábios afirmam a autenticidade dos fatos.

(13) - Isto foi escrito no século XIX; hoje todos esses fatos são do domínio da Ciência. (Nota da Editora.)

(14) - Um moderno emulo de Soury, Paul Heuzé, empregou os mesmos processos e teve a mesma atitude. Cabem-lhe as mesmas respostas.

(15) - Guéridon - mesa pequena de um só pé.

(16) - Podemos aproximar destas observações às curiosas experiências que Zoellner fez em companhia de Slade. Ei-las, segundo a narração de Eugéne Nus: Zoellner tendo arranjado dois anéis de madeira, torneada e inteiriça com um diâmetro interior de 74 milímetros, passou por eles uma corda de violino, fixou a corda com cera, pelas extremidades, na mesa. Sobre a cera após seu selo, deixando os anéis livres na corda. Era desejo dele ver os anéis entrelaçarem-se. Sentou-se à mesa, ao lado de Slade, e pós as mãos sobre a corda no ponto sinetado. Uma pequena mesa estava diante dos anéis.

Após alguns minutos de expectativa, escreveu Zoellner, ouvimos, na pequena mesa redonda junto a nós, um ruído, como se pedaços de madeira batessem uns nos outros. Levantamo-nos para pesquisar a origem deste ruído e, com grande surpresa, encontramos os dois anéis (que, cerca de seis minutos antes, estavam enfiados na corda de violi­no) em volta do pé central da pequena mesa, e em perfeito estado.

Dessa forma, acrescenta Zoellner, uma experiência anteriormente preparada não saiu conforme fora prevista; os anéis não foram entrelaçados um no outro, e, sim, transferidos da corda de violino para o pé da mesa redonda feito de bambu.

Houve, neste caso, desintegração momentânea da matéria dos anéis e recomposição desses mesmos anéis em torno do pé -da mesa. Ainda que extraordinários possam parecer esses fatos, eles são, entretanto, reais, a menos que se acuse o ilustre serio de mentir ao público.

(17) - Vejam-se Essas de psychologie, contemplations de Ia nature e Palingénésie philosophique.

(18) - 0 que se formula em termos algébricos desta maneira: S = K log. K sendo uma constante.

(19) - Esta afirmativa esperançosa de Delanne já parece confirmada com a verificação do corpo bioplasmático que os soviéticos descobriram ou, melhor, redescobriram com auxílio das câmaras Kirlian.

(20) - Se a ação é puramente mecânica, o Espírito não atua senão sobre os centros sensitivo-motor que dirigem os movimentos do braço e da mão; a ação é, pois, com efeito, muito difícil.

(21) - No original:

Le roi Henry donne cette grande épinette A Baltazarini, três bon musicien;

Si elle n'est bonne ou pas assez coquette

Pour souvenir, du moins, qu'i1 Ia conserve bien.

(22) - Esta quadra, em francês arcaico, corresponde à já ditada pelo Espírito de Baltazarini. A tradução, por conseqüência, é a mesma já apresentada.

(23) - Lembremos que Delanne escreveu esta obra no fim do século passado.

(24) - O Dr. Guillon Ribeiro, que já traduziu várias obras em diversos idiomas, e é abalizado cultor do vernáculo, emprega, no caso, a palavra trazimento, que serve tanto para o objeto trazido como para a ação de trazer, e, assim, costuma esse provecto escritor dizer trazimento em vez de transporte. Deixamos essa nova acepção à consideração criteriosa dos que comumente vertem para o português os trabalhos espíritas estrangei­ros.

(25)- As descobertas de Crookes não vos põem no caminho das explicações? É ainda uma confirmação da clarividência de nossos guias, pois que esta comunicação foi obtida em 1861.

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