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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Biografia de Gabriel Delanne-Paul B. H. Regnault

 

 

BIOGRAFIA DE GABRIEL DELANNE

A VIDA E OBRA

POR

PAUL BODIER

HENRI REGNAULT

Fonte Bibliográfica:

Fondation de l'Union Spirite Française

(Compte - Rendu) 1883

*

Índice

Capítulo 1

Capítulo 11

O Espiritismo e os Sábios

O Espiritismo e os Escritores, Filósofos

Apêndice

Origem da União Espírita Francesa

Discurso sobre Deus

Discurso de Leon Denis

Estatuto da União Espírita Francesa

Gabriel Delanne

Fotos

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CAPÍTULO 1

A Vida e a Ação

Três homens, na França, mereceram, por seu devota­mento à Ciência Espírita, serem chamados Apóstolos do Espiritismo. São eles: Allan Kardec, Léon Denis e Ga­briel Delanne.

Apenas este último nasceu numa família que conhe­cia e praticava, desde vários anos, o Espiritismo.

Allan Kardec tinha 51 anos quando começou a se ocupar com as mesas girantes e Léon Denis viveu 16 anos sem ter ouvido falar de Espiritismo.

François-Marie-Gabriel Delanne nasceu em Paris, rua do Caire, 21, em 23 de março de 1857.

Seu pai, Alexandre Delanne e sua mãe, Marie-Ale­xandrine Didelot, tinham uma modesta loja de artigos de higiene.

Alexandre Delanne viajava para seus negócios e sua esposa dirigia a loja.

Durante suas viagens, o pai de Gabriel Delanne ou­viu um dia, em Caen, falar de Espiritismo pela primeira vez. (1)

Era domingo, no Café do Grand Balcon.

Perto dele, dois desconhecidos mantinham uma con­versa, no meio da qual um deles afirmava a existência dos Espíritos e sua comunicação possível com os vivos.

Alexandre Delanne não pôde evitar de zombar dele, mas, longe de se zangar, aquele a quem criticava lhe ex­plicou rapidamente o que era o Espiritismo e lhe disse que um Pensador, Allan Kardec, havia fundado, em Paris, uma Sociedade Espírita e o aconselhou a leitura de certas obras escritas por esse homem.

De volta a Paris, alguns dias após, Alexandre De­lanne contou essa conversa a sua esposa. Esta, já mais espiritualista, aconselhou-o a adquirir os livros recomen­dados.

Foi aí então que ele fez a leitura de O Livro dos Espíritos e de O Livro dos Médiuns. Esses volumes interessaram profundamente Alexandre Delanne, que de­sejou conhecer o autor.

Acolhido fraternamente por Allan Kardec, que mora­va então na Passagem Santa-Ana, foi convidado a assistir a uma das reuniões da Sociedade recém-fundada.

O convite foi aceito com alegria. Numa noite de 4 feira, Alexandre Delanne e sua esposa assistiram a uma sessão bem interessante e, na mesma sessão, quiseram sa­ber se algum deles possuía mediunidade.

A exemplo do Mestre, escreveu mais tarde Alexan­dre Delanne, dirigimos uma curta mas fervorosa oração ao Ser Supremo e, sentados, minha mulher e eu, com o lápis numa folha de papel em branco, aguardamos, ansio­sos e plenos de emoção, que o Espírito quisesse manifes­tar-se.

De repente, ó maravilha! A mão de minha querida esposa se agitou. Movida por uma força invisível, traçou rapidamente linhas em zig-zag, depois palavras apenas esboçadas, através das quais, todavia, três bem legíveis brilhavam diante de nossos olhos estupefatos:

Crede, Orai, Aguardai.

Então, Alexandre Delanne residia na Rua Sannt-De­nis, na Casa dos Banhos São Salvador.

Foi lá, escreveu ele (fins de 1889) que fundamos nosso Grupo. Lá, durante dez anos, abrimos nossas portas e nossos corações a todos os homens de boa vontade.

Durante todo o tempo desse longo e laborioso pe­ríodo de proselitismo, não quisemos aceitar a colaboração de ninguém, apesar de nossa humilde e modesta posição social, a fim de conservar nossa inteira independência pá­ra dirigir nossos trabalhos e ter assim a maior liberdade para receber e instruir os neófitos.

Foi bom, porque jamais qualquer confusão, qualquer desordem perturbou nossas sessões. (2)

A mãe de Gabriel Delanne tornou-se rapidamente uma excelente médium escrevente mecânica.

Não podemos deixar de assinalar uma passagem do Viagem ao País das Recordações (Voyage au Pays des Souvenirs), publicado por Alexandre Delanne, na Revista O Espiritismo,

Quantas mães, escreveu ele, (3) quantos filhos, quantos pais encontraram a esperança, reconhecendo seres que eles supunham para sempre perdidos! Quantas almas corroídas pela dúvida encontraram enfim seu caminho de Damasco.

Diante de semelhantes resultados, são esquecidas fa­cilmente as lutas, as penas, as amarguras, as fadigas, os combates de toda sorte, suportados em face dos notáveis sucessos.

Quão belas recompensas morais pelo pouco de bem que se pôde fazer!...

Citemos alguns fatos!...

Numa noite de reuniões, nosso amigo Ledoyen, anti­go livreiro do Palais Royal, membro da Sociedade Espí­rita de Paris, nos mandou dois estrangeiros que recebemos por seu convite.

Esses senhores assistiram à reunião como simples cu­riosos.

Naquela noite, a Sra. Potet, médium escrevente, ob­teve, mecanicamente, uma comunicação que não conse­guiu ler.

Os hieróglifos passaram de mãos em mãos, mas, dentre todos nós, ninguém pôde decifrá-los, quando um dos dois visitantes pediu para ver a comunicação.

Qual não foi o seu espanto e o nosso, quando o des­conhecido nos disse que aquela comunicação estava redi­gida em idioma piemontês, que ele ficou no dever de nos traduzir.

Convém destacar que esse fato típico impressionou seriamente os dois estrangeiros, porque nos pediram com insistência, no fim da reunião, lhes conceder uma nova sessão particular, isto é, recebê-los reservadamente, o que lhes foi concedido.

Em 30 de agosto de 1862, compareceram ao encontro e nos entregaram seus cartões de visita, sem qualquer qualificação.

Para nos convencer melhor, disseram eles, desejamos dirigir a um Espírito que conhecemos uma evocação mental.

Concordamos com o pedido, apenas combinamos que, para maior segurança ele fosse feito numa folha de papel de modo claro e não vago.

Eles se submeteram a essa exigência e escreveram sua evocação em língua estrangeira.

Colocou-se o papel, dobrado em quatro, ao pé da lâmpada.

A Sra. Delanne apanhou sua caneta e o Espírito es­creveu mecanicamente as seguintes frases:

Vocês me perguntam porque me opus, durante mi­nha vida, à publicação do livro de Charles Albert, apesar de seu talento.

É que ele combatia os abusos do clero do qual eu fa­zia parte.

Eu o lamento e sofro por isso. Orem por mim. Vosso Cardeal, hoje um simples espírito.

Reservem os títulos de Eminência a um mais emi­nente que eu.

Assinado: Lambrousquini

Logo que terminou a comunicação e antes de ser dada a conhecer, pedimos a esses senhores para nos ler o pedido escrito, que se achava sob a lâmpada.

Ei-lo, textualmente:

Pedimos ao espírito de Sua Eminência, o Cardeal Lambrousquini que nos diga porque se opôs à publicação do livro que Charles Albert devia publicar.

Nossos visitantes ficaram estupefatos com essa ir­recusável prova de identidade.

Alexandre Delanne aproveitava todas as suas viagens para fazer uma propaganda intensa em favor do Espiritis­mo.

Era, portanto, normal que a família Delanne formasse adeptos fervorosos e pode-se citar entre eles o Sr. e a Sra. Pierre Potet, que foram assim iniciados muito rapi­damente, graças à mediunidade de Sra. Delanne.

Tal era o meio no qual nasceu Gabriel Delanne. Seus pais o educaram, por conseqüência, segundo o ensino mo­ral do Espiritismo.

Desde sua infância, foi familiarizado com vocabulá­rio espírita e assistiu desde cedo a numerosas e bem inte­ressantes sessões.

O pai de Gabriel foi o primeiro a falar do Espiritis­mo em Béziers, mais tarde tornado um centro espírita im­portante.

A Sra. Ducel, presidente do Lar Espírita de Béziers e nossa colega na Comissão da União Espírita Francesa, nos narrou sobre isso uma recordação interessante.

Alexandre Delanne, no decorrer de suas viagens, ficava no Hôtel des Postes, quando ia a Béziers.

Ficava contente em narrar que seu garoto, de sete anos, foi um dia interrogado sobre a profissão de seus pais.

Como uma encantadora ingenuidade, Gabriel respondera ­:

Papai? Ele é espírita e mamãe também. Ela é uma boa médium. Espero ser qual ela, honrando minha fé.

A Sra. Ducel tornou-se espírita pela leitura do livro de Gabriel Delanne: O Espiritismo perante a Ciência. Conheceu o autor somente em 1913, no Congresso de Gênova e, depois, uma grande amizade nasceu entre eles. Por vezes, no curso de suas conversas, a Sra. Ducel evocava, diante de Gabriel Delanne, a recordação de seu pai.

Ela lhe perguntou um dia se ele se lembrava de sua resposta infantil, que ela se alegrava em considerar como uma premonição.

`Perfeitamente, respondeu Gabriel.

Ele lhe falou, então, longamente da mediunidade de sua mãe, mediunidade que lhe havia permitido jamais ter a menor dúvida sobre a verdade espírita e afirmou que, bem pequeno, já convencido dessa realidade, esforçava-se em explicar o Espiritismo a seus coleguinhas e, coisa ma­ravilhosa! conseguia convencê-los!!!

Gabriel Delanne começou, pois, desde pouca idade, sua tarefa de apóstolo da mais nobre das causas.

Allan Kardec via freqüentemente a família Delanne, à qual dedicava uma viva amizade.

Em suas visitas, demonstrava muito prazer em levar brinquedos para o pequeno Gabriel que ele costumava deixar pular familiarmente em seus joelhos.

Seria um simples sentimento de afeição? Não existi­ria no fundador do Espiritismo, o pressentimento que esse garoto saberia seguir seu exemplo e se tornaria, ele tam­bém, um dos apóstolos do Espiritismo?

Em toda a sua vida terrena, Gabriel Delanne conser­vou sempre a preciosa recordação do Mestre, que ele exaltou em todas as suas obras, em suas conferências e discursos.

Poderíamos fazer, sobre esse assunto, inúmeras citações.

Nós nos contentaremos em recordar o que ele dizia, em 23 de janeiro de 1887, em Lyon, cidade natal do Mes­tre.

Acreditamos, verdadeiramente, em Allan Kardec e continuaremos fiéis a seus princípios. Solidamente apoia­do na Ciência, marcharemos corajosamente na rota que seu gênio nos traçou; com os olhos fixados nas consola­ções que nossa doutrina traz consigo; marcharemos para os grandiosos e ilimitados horizontes que ela nos desco­bre, marcharemos, afinal, sustentados pela força que dão o bom direito, a verdade e a Ciência e tentaremos assim estabelecer a verdade das obras do Mestre.

Gabriel Delanne era muito modesto. Tornava-se difí­cil abordar com ele as questões que lhe concerniam diretamente e se recusou, por muitas vezes, de nos dar por­menores de sua juventude e de sua vida.

Tivemos, pois, muita dificuldade para conseguir as informações úteis, mas, finalmente, pudemos reconstituir sua vida.

Inicialmente, esteve no Colégio de Cluny (Saône-et­Loire), em seguida, com seu irmão Ernesto, no Colégio de Gray (flaute-Saône), cidade onde morava uma de suas tias, cunhada de Alexandre Delanne.

Após brilhantes estudos científicos, Gabriel Delanne foi recebido na Escola Central das Artes e Manufaturas, onde entrou em 3 de novembro de 1876, mas desistiu e deixou a escola em 26 de janeiro de 1877.

Segundo informações que pudemos conseguir, essa desistência foi motivada pela situação material de seus pais que suportavam pesados sacrifícios para poderem dar a seu filho uma instrução sólida.

É interessante citar, desde agora, uma comunicação espontânea de Gabriel Delanne, recebida no momento em que decidiu consagrar-se inteiramente à propaganda espí­rita.

Não temas nada, diziam-lhe, tem confiança.­

Do ponto de vista material, jamais serás rico, po­rém, nada te faltará.-(4)

E isso se verificou por toda a existência do apóstolo do Espiritismo científico.

Gabriel Delanne entrou, como engenheiro, na Com­panhia de Ar Comprimido e Eletricidade Popp, onde per­maneceu até 1892.

Trabalhando na Popp, Gabriel Delanne já era es­pírita militante. Tendo assistido em sua casa a numerosas sessões espíritas, alegrava-se em narrar uma delas, à qual assistira com a idade de 17 anos, portanto em 1874, na casa de seus pais, na Passagem Choiseul, 39 e 41.

Demos aqui a palavra a nosso amigo Charles Rous­seau, que relata essa reunião na Science de 1'Âme (A Ciência da Alma) de 16 de dezembro de 1924:

O apartamento de Alexandre Delanne, ao qual se subia por uma escada existente na loja, tinha um salão bem amplo, no qual se realizou a manifestação, em pre­sença de uma vintena de pessoas, entre as quais umas bem céticas.

A saleta do médium tinha sido instalada no vão da janela; uma grande mesa com seus dois acréscimos ocupa­va toda a peça. Os assistentes estavam reunidos em volta dessa mesa, todas as cadeiras juntas à parede, tornando impossível qualquer circulação.

A extremidade da mesa tocava as cortinas do gabi­nete improvisado.

Fez-se a cadeia. O pai de Gabriel Delanne pôs seu pé sobre um dos pés do médium, enquanto que um outro as­sistente fazia o mesmo com o outro pé. É desnecessário acrescentar que todas as precauções foram tomadas para o mais rigoroso controle.

Uma caixa de música e um alto-falante se achavam sobre a mesa. Fez-se a obscuridade completa.(5)

Ao fim de alguns minutos, a caixa de música deixou a mesa e passeou no ar, sobre os assistentes; depois foi a vez do alto-falante, no qual uma voz sonora lançou algu­mas frases em inglês.­

Foi em 31 de março de 1880, quando, pela primeira vez, Gabriel Delanne tomou parte ativa, no Père Lachai­se, numa cerimônia comemorativa anual da desencarna­ção de Allan Kardec.

Já se notava o ardente desejo do militante espírita em fazer compreendido o lado científico do Espiritismo.

Allan Kardec, dizia ele, não veio trazer uma reli­gião, não impôs nenhum culto. Sua moral é a de Jesus, destituída de qualquer falsa interpretação, mas o que ele doou à Humanidade foi uma doutrina capaz de responder a todas as objeções da incredulidade e a todos os grandes problemas da razão.

Com efeito, até aqui, só temos analisado o lado moral de sua doutrina, porém, seu estudo mais aprofundado nos mostra que, seguindo seus ensinamentos, pode-se chegar às mais belas descobertas científicas.

Se há um campo de estudos ainda inexplorado é o que compreende as relações entre o mundo invisível e o nosso.

Quantos problemas a resolver, antes de poder dar uma teoria científica dessas relações, mas um dia virá em que elas serão conhecidas como fenômenos estudados cientificamente e não serão mais segredo para nós.

Terminando seu discurso, Gabriel Delanne exclamava.

Por seu exemplo, envidaremos todos os nossos es­forços para expandir suas idéias e semear por toda a parte a boa nova.­

O valente defensor do Espiritismo manteve essa so­lene promessa e, até seus últimos dias, trabalhou para tornar conhecida nossa ciência urbi et orbi. (6)

Em 14 de setembro de 1882, os dirigentes de Grupos Espíritas parisienses realizaram uma importante sessão, com o objetivo de estudar o programa de uma reunião organizada na Bélgica pelos espíritas locais, que haviam convidado os confrades franceses a comparecer. Tratava-se de tentar agrupar os espíritas numa única e ampla associação.

Gabriel Delanne foi nomeado secretário dessa im­portante reunião, presidida por P.G. Leymarie.

Isso prova a influencia que ele já soubera adquirir nos meios espíritas franceses e belgas.

O resultado dessas importantes reuniões foi a criação de uma Federação Espírita Francesa e Belga.

Em 1883, essa Federação tornou-se Federação Fran­cesa-Belgo-Latina.

Em março de 1883, quando foi publicado o primeiro número de uma nova revista bimensal, intitulada Le Spi­ritisme, Gabriel Delanne que estava entre os colaborado­res dessa publicação, passou logo a ser seu redator geral.

Com seu pai, Alexandre Delanne, foi um dos funda­dores da União Espírita Francesa (primeira com o nome), (7) criada em Paris, na Salle de Ia Redoute, a 24 de de­zembro de 1882, sob a presidência do Dr. Josset.

Cada primeira 6 feira do mês, havia uma reunião em Cochet, 167, Galeria de Valois. Nenhuma função era re­tribuída.

Em ,Le Spiritisme, anunciando uma Assembléia Geral da União Espírita Francesa, Gabriel Delanne, então secretário da Comissão, fazia o seguinte apelo:

Pedimos, com insistência, a nossos irmãos que nos venham prestar sua colaboração gratuitamente.

Queremos perseverar no caminho do mais absoluto desprendimento e mostrar a todos que a fé espírita não é palavra vã e que se pode por em prática, no décimo nono século, as máximas do Cristo, que expulsava os vendedo­res do Templo e dava de graça todos os seus ensinamen­tos.

Os membros da Comissão da União Espirita Francesa se reuniam na Casa de Alexandre Delanne, nas Segundas e Quartas sextas-feiras do mês.

Essa sociedade tinha por fim principal reunir num bloco todas as forças espíritas esparsas no país.

Os verdadeiros animadores da União Espírita France­sa e da Revista Le Spiritisme eram Alexandre e Ga­briel Delanne.

Graças a uma propaganda incansável e habilidosa, dissiparam bastantes prevenções e incompreensões que ainda existiam no interior contra o Espiritismo.

A Sra. Alexandre Delanne era também colaboradora de seu marido e de seu filho e a verdadeira tesoureira da Federação.

Todas as assinaturas da revista ficavam sob seus cui­dados.

A sede do jornal Le Spiritisme foi, inicialmente, na Passage Choiseul, 39 e 41; depois, sucessivamente, Passage Choiseul, 62 e Rua Delayrac, 38, onde a família Delanne havia fundado um Grupo Espírita.

Em 23 de janeiro de 1883, no Père-Lachaise, Gabriel Delanne, pronunciou um discurso, nos funerais da Sra. Allan Kardec, desencarnada em 21 de janeiro de 1883, com a idade de 88 anos, quatorze anos após a de­sencarnação do Mestre.

Até o momento de sua morte, a Sra. Allan Kardec foi dotada de uma rara lucidez de espírito, de um juízo sadio e de experiência nas coisas da vida.

Lia sem óculos e sua escrita era correta, firme e to­dos encontravam nela um consolo, um bom conselho, que ela sempre dava com um sorriso gentil e agradável.(8)

Em seu discurso, Gabriel Delanne descreveu com precisão qual foi o papel daquela que conviveu com o Mestre.

A Sra. Allan Kardec foi, verdadeiramente, a mulher forte, segundo o Evangelho. Tornando-se a esposa do grande vulgarizador do Espiritismo, adotou suas idéias. Empregou todas as suas energias no estudo dos novos princípios; venceu os preconceitos de seu século e de sua educação e se elevou, por sua vontade, até à altura do es­pírito de nosso Mestre.

Ela provou, pela continuidade, pelo profundo apego que manteve por nossa maneira de ver, que o Espiritismo havia penetrado vivamente em seu coração.

Sim, essas grandes e sublimes verdades que nossa filosofia professa lhe deram a coragem de ajudar ardente­mente o propagador da nova fé e sustentá-lo nas lutas muitas vezes penosas de apostolado.

A companheira de um homem superior sente quantos deveres particulares lhe cabem; não somente ela tem, co­mo toda esposa devotada, a tarefa de o cercar de amor e de atenções, porém, tem, além disso, a santa missão de fortalecer sua alma nas horas dolorosas das provas. Deve acalmar os cruéis ferimentos que fazem ao coração dos campeões do progresso o ódio e o sarcasmo. Ela deve en­contrar essas boas palavras que são para a alma bálsamos soberanos. Deve, enfim, por sua energia, dar forças ao atleta fatigado.

Pois bem, a Sra. Allan Kardec foi essa mulher; não faliu na alta missão que lhe foi confiada.

Durante as viagens de seu marido, pela França, ela o cercou com sua solicitude e sua perspicácia, confundindo, muitas vezes, pela segurança de seu julgamento, os que desejavam explorar a bondade tão conhecida do Mestre.

Allan Kardec se inspirou em sua inteligência tão justa para a elaboração de suas obras; não as publicou nenhuma, sem a ter consultado e, muitas vezes, aproveitou suas sugestões que a retidão de julgamento de sua companheira fornecia.

E, pois, uma dupla perda que temos neste momento: a de uma mulher de coração, devotada às nossas idéias e a de uma colaboradora do homem de gênio que nós recordamos.Em 31 de março de 1883, Gabriel Delanne, na ceri­mônia comemorativa em homenagem ao Mestre, falou as seguintes notáveis palavras:

Não temamos divulgar nossa fé, dizia ele; mais que qualquer outra filosofia, o Espiritismo fortalece e penetra as almas com seus doces eflúvios.

Temos a convicção, façamo-la penetrar entre nossos irmãos; unamos nossos esforços para semear fartamente nossas idéias nas massas e marchemos para a conquista da Sociedade Moderna, apoiados, de uma lado, na Ciência, e, de outro lado, na Razão.

Gabriel Delanne já deixava prever as duas tendências de sua ação: mostrar que o Espiritismo não é oposto à Ciência e que é necessário propaga-lo em todos os meios, sem ter a pretensão acanhada de querer guardar a verdade para uma elite de homens cientistas e intelectuais. (9)

No fim desse mesmo ano de 1883, Gabriel Delanne e J. Guérin tiveram uma interessante controvérsia pública sobre a encarnação de Jesus Cristo.

Esse interessante debate (aliás, fraternal) foi relatado na Revista Espírita de janeiro de 1884.

Para Gabriel Delanne, o Cristo é um ser excepcional, não pelo corpo, mas pela inteligência e pelo grau de evolução. A vida espiritual do Messias, porém, não constitui uma coisa suficiente para admitir uma natureza espe­cial do Cristo.

Segundo penso, escrevia Delanne, o Cristo é um espírito eminentemente superior; é o modelo pelo qual nos devemos conformar, porém, entre Deus e ele, a distância é ainda maior do que de nós para ele.

Num dia de 1883, Gabriel Delanne recebeu uma carta de uma senhora, pedindo-lhe para ir a Versalhes, onde ela morava, a fim de lhe dar conhecimento de uma coisa importante referente ao Espiritismo.

A carta, escrita em um papel inferior, estava redigida em termos bastante obscuros, num estilo descuidado, cheio aliás de erros de francês e de numerosas falhas de ortografia.

Lendo essa carta, Delanne teve a impressão de rece­ber uma coisa bem ridícula. Teve mesmo um gesto de pouco caso e disse: Mais uma infeliz que se diz conhe­cer o Espiritismo. Ah! meu Deus!

Todavia, após refletir, decidiu ir ao encontro que lhe era assinalado. E, quanto mais refletia, mais sentia nele aumentar uma espécie de curiosidade, que o atraía quase irresistivelmente para sua correspondente, de quem, até então, jamais ouvira falar.

Dirigiu-se, pois, a Versalhes, à residência indicada, que se achava num quarteirão distante, na extremidade de um subúrbio, nos fundos de um velho pátio sujo e numa casa antiga.

Foi isso! pensou Delanne, estou perdido e não acontecerá nada de bom em minha visita. Enfim, vamos até o fim!

Subiu, então, uma velha escada carcomida, que ter­minava num pequeno patamar de placas desconjuntadas, diante de uma porta rachada, cuja pintura era de uma cor indecisa. Um velho cordão de campainha, cuja borla tinha sido arrancada, pendia lamentavelmente.

Gabriel Delanne, após analisar, num rápido olhar, esse bizarro conjunto, deu de ombros, mas decidiu, mes­mo assim tocar a campainha.

Esperou um bom momento e ia retirar-se, porém, lo­go depois, tocou novamente uma segunda e uma terceira vez.

Então, atrás da porta, ouviu um passo pesado, depois a porta se entreabriu; uma figura de velha mulher se mostrou com sacrifício e uma voz rouquenha perguntou: Que deseja?­

-É aqui que mora a Sra. ? respondeu De­lanne, mostrando a carta que havia recebido.

Diante disso, a mulher abriu a porta toda.

Entre! Entre! E, tomando Gabriel Delanne pela mão, fê-lo transpor bruscamente a porta e o introduziu num amplo cômodo, cujo mobiliário, bem sumário, era representado por uma mesa desconjuntada e duas velhas ca­deiras semi-quebradas.

Num canto do cômodo, uma enorme mala com bandas de couro ruço atraiu a atenção do visitante; na chaminé, um mármore quebrado, um candeeiro com uma vela meio gasta. Na parede, um desses relógios chamados olho de boi.

Enquanto Delanne examinava curiosamente esse cô­modo, a velha senhora tinha apanhado uma cadeira e lhe pedia para se sentar, ao mesmo tempo em que se sentava noutro lugar.

Delanne, cada vez mais espantado, com um rápido exame observava sua interlocutora.

Calçada com grosso borzeguim, com um vestido de lã cinza, sem elegância, enormes óculos no nariz, os cabelos mal arrumados na nuca que deixava entrever mechas gri­salhas, tinha o aspecto que a imaginação popular empres­ta, com freqüência, às feiticeiras das lendas infernais.

Com um terrível acento inglês, a mulher, sem se im­portar com o exame de que era objeto, falava repetida­mente a Gabriel Delanne, cada vez mais espantado, que ela desejava fundar um pequeno jornal para divulgar o Espiritismo.

Mas, senhora, respondi, é preciso dinheiro, porque isso custa caro.­

Então, levantando-se, a mulher se dirigiu, com um passo pesado para a mala que Gabriel havia visto ao en­trar.

Ela a abriu, apanhou um maço de velhos papéis e re­tirou no meio uma enorme pasta de couro.

De uma das bolsas ela tirou cinco notas de mil francos que colocou tranqüilamente diante de Delanne. (l0) Aqui está, disse ela, para as primeiras despesas. Eu me arranjarei depois para lhe fornecer o que for necessá­rio. Aceita redigir o jornal?

Gabriel Delanne, espantado, não se decidia a res­ponder.

- Vamos, diga! Tornou ela, vivamente.

- Sim, articulou enfim Delanne, e lhe agradeço, se­nhora, pelo interesse que parece ter pela difusão do Espi­ritismo.

- Não me agradeça. Logo que estiver preparado o 1° número, trate de imprimi-lo e volte a me ver. Prosse­guiremos juntos na propaganda em favor do Espiritismo.

Depois, levantando-se, sempre bruscamente, deu a entender que a entrevista terminara.

E foi assim que, graças à generosa inglesa, que não era outra senão a Sra. D'Espérance, ainda desconhecida na França, nessa época, a revista Le Spiritisme veio a lume.

Gabriel Delanne gostava de contar a seus íntimos es­sa história.

Ele conservou, por toda a vida, a maior admiração por aquela que foi, um pouco mais tarde, uma admirável médium e que se tornou um dos pioneiros do Espiritismo Kardecista.

Nós lhe rendemos aqui uma calorosa homenagem.

No mês de março de 1883, saiu o primeiro número do jornal Le Spiritisme.

Em 1884, Gabriel Delanne foi delegado pela União Espírita Francesa ao Congresso Espírita Belga, que se realizou em Bruxelas.

No começo de abril de 1885, Delanne fazia aparecer seu notável livro O Espiritismo perante a Ciência, que analisaremos mais além, assim como as demais obras do brilhante escritor.

É interessante notar que foi por essa época que Léon Denis publicou sua primeira brochura O Porquê da Vi­da, que data de setembro de 1885.

O início da atividade escrita dos dois grandes pionei­ros do Espiritismo é, pois, mais ou menos paralelo.

No decorrer desse mesmo ano, Gabriel Delanne fez conferências em Paris, no interior e em Bruxelas; em de­zembro de 1885, foi eleito vice-presidente da União Espí­rita Francesa.

Em 1886, 1887, 1888, 1889 e 1890, fez numerosas conferências de propaganda.

Em 1890, seu irmão Ernesto se casou. Ernesto era também espírita, disso não fazia segredo e era amigo ín­timo de Léon Denis.

A cunhada de Gabriel não era espírita, mas isso não o impediu de ter por ela uma afeição fraternal, que durou sua existência toda.

A Sra. Ernesto Delanne ajudava sua sogra em seu comércio. Seu marido viajava para seu pai de dois em dois meses. Alexandre Delanne viajava constantemente e somente descansava no Natal durante 12 dias, na época das férias gerais.

Gabriel Delanne não tinha uma boa saúde; já no mo­mento do casamento de seu irmão, ele tinha uma predis­posição para ataxia, o que se notava em seu andar. Não tinha necessidade de bengala para se movimentar, porém, tinha um ligeiro defeito.

Sua vista jamais foi perfeita desde a infância; tivera um abcesso no olho esquerdo o que o impedia de ver com este olho. Isto foi causa de sua dispensa do serviço mili­tar.

Em 1892, Ernesto Delanne caiu gravemente enfermo e precisou deixar Paris com sua mulher; isso aborreceu muito a Gabriel, que tinha por seu irmão uma profunda afeição.

Enviando-lhe seu primeiro livro O Espiritismo pe­rante a Ciência, pôs a seguinte dedicatória:

A meu bem amado irmão, homenagem do amor fra­ternal.

Essa afeição existiu igualmente para com sua cunha­da Noémie, com a qual manteve ate à morte relações muito amistosas.

Em 1892, Gabriel deixou a Casa Popp e tornou-se representante de uma outra casa comercial, pela qual viajou muito.

Seguindo o exemplo de seu pai, Gabriel aproveitou essas viagens para fazer uma propaganda intensa em favor do Espiritismo.

Ele estava na Algéria, em 1893, quando seu irmão Ernesto morreu, em 9 de julho, em Gray; foi para ele um grande sofrimento não poder assistir aos funerais.

Alexandre Delanne estava igualmente longe e não pôde voltar para assistir sua nora.

Ele viajava naquele momento para uma casa de aces­sórios em farmácia, porque, em 1892, a família Delanne tinha sido atingida por uma catástrofe financeira, que a obrigou a liquidar a loja da Passagem Choiseul.

O Sr. e a Sra. Alexandre Delanne moravam então na Rua Saint-Honoré, perto da Igreja Saint-Roch. Somente a Sra. Alexandre Delanne assistiu ao enterro de Ernesto, que foi sepultado em Gray.

Se a Sra. Ernesto Delanne não era espírita, por oca­sião da morte de seu marido, converteu-se e não teve nunca o favor de receber uma comunicação dele.

Muitas vezes, especialmente com Gabriel Delanne, realizou sessões, porém; jamais seu marido veio se mani­festar.

Após os funerais de Ernesto Delanne, sua viúva foi se reunir com seu pai, que era comandante em Châlons.

A Sra. Alexandre Delanne havia recomeçado uma pequena loja comercial. Morreu em .1894; após ser enter­rada no cemitério de Bagneux, foi, em seguida, translada­da pelos cuidados de Gabriel, e seus restos levados para o Père Lachaise, no jazigo da família, bem próximo do dól­mem de Allan Kardec.

Em julho de 1896, apareceu o 1° número da Revista Científica Moral do Espiritismo, fundada por Gabriel Delanne.

De comum acordo, Gabriel Delanne e Jean Meyer, que estavam unidos por laços de forte amizade, combina­ram que, por morte de seu fundador, essa Revista, de tão grande interesse, deixaria de aparecer, para se fundir com a Revista Espírita.

O 1° número tinha 64 páginas.

Após a exposição do programa da Revista, havia um artigo de Gabriel Delanne sobre os Raios X, a dupla vista dos sonâmbulos e dos médiuns.

Firmin Nègre tratava dos destinos da alma humana e Bernard Viret tinha uma crônica sobre Arte. Laville e Henri Sausse tinham escrito um artigo sobre o Espiritismo experimental; havia um artigo de Gabriel Bourdain sobre o triunfo do Espiritismo e Alexandre Delanne continuava a publicação de Viagem ao País das Recordações, que ele havia começado em Le Spiritisme.­

Em outubro de 1896, Gabriel Delanne e o Dr. Mou­tin, o bem conhecido magnetizador, fizeram uma confe­rência na Salle Pètrelle, em Paris, sob o patrocínio da Fe­deração Espírita. O Dr. Moutin comparou os processos do magnetismo e do hipnotismo e Gabriel Delanne explicou as criações fluídicas segundo o Espiritismo.

A Evolução Anímica, terceiro livro publicado por Gabriel Delanne, apareceu em março de 1897; a introdu­ção dessa obra tinha sido terminda em Gray, a 10 de agosto de 1895.

A 28 de março de 1896, Gabriel Delanne, para co­memorar o aniversário da morte de Allan Kardec, fez, em Lyon, uma conferência sobre a força psíquica.

Foi no momento da fundação de sua Revista que Ga­briel Delanne se consagrou inteiramente ao Espiritismo, abandonando completamente os negócios aos quais se entregara até então.

Nessa época, morava em Paris, Rua Manuel, 5.

Hector Duville, fundador da escola prática de mag­netismo e de massagem, teve a excelente idéia de fundar uma Universidade dos Altos Estudos, que era composta de três Faculdades, inteiramente independentes:

Faculdade das Ciências Magnéticas;

Faculdade das Ciências Herméticas;

Faculdade das Ciências Espíritas.

A Faculdade das Ciências Espíritas foi dirigida por Gabriel Delanne; os cursos eram ministrados às terças-feiras, às 9:00 horas da noite, na sede da Federação Espírita, na Rua Château-d'Eau, 55.

Em junho de 1898, houve, em Londres, um impor­tante Congresso Internacional, ao qual Gabriel Delanne compareceu como delegado da Seção Francesa, da Fede­ração Espírita Lionesa e da União Kardecista Italiana.

Apresentou um longo trabalho sobre as vidas sucessivas; esse estudo era bem completo e o autor remetia muitas vezes os congressistas às fontes onde ele havia ba­seado sua documentação.

Gabriel Delanne era igualmente um dos autores (11) do apelo aos espiritualistas científicos, apresentado ao Congresso de Londres, em nome do Sindicato da Imprensa Espiritualista de França.

Em novembro de 1898, o cinqüentenário do Espiri­tismo era festejado pelos espíritas parisienses; duas con­ferências públicas e gratuitas, tinham sido organizadas, elas foram feitas por Léon Denis e Gabriel Delanne; este expôs as manifestações diversas pelos quais o Espiritismo se constituiu: é uma ciência sublime, dizia ele, que dá a solução do temível problema da morte e que leva em suas entranhas a regeneração da humanidade pela certeza ab­soluta de seus métodos.

Foi em 1898 que Gabriel Delanne reencontrou sua cunhada Noémie. Esta deixou Gray em 1893, na morte de seu marido, para ir a Châlons encontrar seu pai.

Ela retorna a Paris em 1895 e reviu seu cunhado em 1898; este já estava doente.

Depois desta época, eles continuaram suas relações afetuosamente fraternais, que só cessaram após o novo casamento da Sra. Noémie.

Em janeiro de 1899, a Federação Espírita Universal se transformou em Sociedade Francesa de Estudos dos Fenômenos Psíquicos, com o Dr. Moutin como Presidente e Gabriel Delanne, como Vice-Presidente.

Em seguida, Gabriel Delanne foi chamado para a presidência da dita Sociedade e é então que ela toma uma grande importância e se torna a verdadeira guardiã do Es­piritismo Kardecista.

Como Presidente da Sociedade Francesa de Estudos dos Fenômenos Psíquicos, Gabriel Delanne foi um verda­deiro apóstolo. Recebeu com a mesma amenidade, com a mesma paciência, um número considerável de pessoas.

Todas, uaisquer que fossem suas opiniões, foram acolhidas com' benevolência por Gabriel Delanne, que repetiu, para cada uma delas, incansavelmente, durante toda a sua existência, as mais claras e mais precisas explica­ções e aconselhou os mais práticos meios para o estudo racional do Espiritismo Kardecista.

Servido por uma memória maravilhosa, Delanne era uma verdadeira enciclópedia viva e pode-se afirmar que o Espiritismo lhe deve, na hora atual, sua força e sua clare­za científicas.

A Sociedade dirigida por Gabriel Delanne foi uma das que puderam crescer e prosperar sem interrupção. Formou bons espíritas e experimentadores de primei­ra ordem.

Tudo que se fez de nobre, de generoso, saiu dela e graças à atividade e à ciência de seu Presidente, Gabriel Delanne, ela se consolidou.

Ela permaneceu ainda, e não é elogio dizê-lo, a So­ciedade dos humildes, porque os membros de sua Direto­ria acolheram, sem distinção de posição social, todos os que precisavam de uma ajuda moral e de um conforto.

Tomou parte em todos os Congressos Internacionais. Examinou atentamente os mais célebres médiuns, entre outros a famosa médium napolitana Eusapia Paladi­no.

Gabriel Delanne amava sua querida Sociedade com fervor.

Muitas vezes seus íntimos puderam ouvi-lo afirmar que a Sociedade Francesa de Estudos dos Fenômenos Psí­quicos era a Sociedade guia por excelência, porque tinha sempre difundido ardentemente o ensino do Espiritismo nos meios sociais.

Tudo que se fez pela difusão da filosofia espírita foi, com efeito, obra de Gabriel Delanne e de seus colabora­dores.

Bem poucas sociedades espíritas fizeram, depois de Allan Kardec, um esforço tão grande, tão alentador para o desenvolvimento da idéia espírita.

Convém reconhecer que Gabriel Delanne foi ajudado por colaboradores de primeira categoria.

A exemplo de seu chefe, nenhum deles buscou jamais as vãs glórias de uma popularidade fácil e efêmera, nem a atenção dos poderosos.

Todos, sem exceção, só tiveram um objetivo: divul­gar o Espiritismo e apresentá-lo sob sua verdadeira reali­dade, isto é, como a verdadeira doutrina de evolução útil à Humanidade terrestre, mergulhada nas trevas do mate­rialismo enganoso e perpetuamente enganada pelos dog­mas impotentes das religiões agonizantes.

Quando a Federação Nacional dos Espíritas de Fran­ça foi definitivamente fundada, em 1919, graças ao gene­roso concurso de um adepto de grande coração, Jean Me­yer, a Sociedade Francesa de Estudos dos Fenômenos psíquicos, no próprio interesse do Espiritismo, concordou em ser uma filial da nova Federação que tomava o título: União Espírita Francesa, tendo Delanne como Presidente, que assim lhe dava duas vezes a vida.

Embora com um pouco de melancolia, Gabriel De­lanne compreendeu a utilidade dessa transformação, des­sa mudança de função e de quadros, porque sabia que as Sociedades, como os indivíduos, só podem ocupar um primeiro plano por algum tempo. Que é necessário um re­pouso relativo e uma subordinação a uma nova ordem es­tabelecida entre dois esforços.

O que tão generosamente Gabriel Delanne quis, rea­lizou-se plenamente! A Sociedade Francesa de Estudos dos Fenômenos Psíquicos tem o mérito de ter sido um verdadeiro agente de ligação entre todos os espíritas fran­ceses; eis porque, todos os anos, ela teve a honra de or­ganizar a cerimônia comemorativa diante do túmulo de Allan Kardec, no cemitério de Père Lachaise.

Em 26 de fevereiro de 1889, Gabriel Delanne fez uma conferência, com projeções, sobre os habitantes do mundo invisível e, a partir de 1° de abril do mesmo ano, fez, cada noite de 3á feira, na sede da Sociedade Francesa de Estudos dos Fenômenos Psíquicos, na Rua do Château­d'Eau 55, uma série de conferências públicas e gratuitas sobre os fenômenos do Espiritismo.

Gabriel Delanne fez parte da Comissão de Organiza­ção, fundada em 7 de abril de 1889, para preparar os tra­balhos do Congresso Espírita e Espiritualista de 1900. (12)

A quarta obra de Gabriel Delanne tem por fim a de­monstração experimental da imortalidade: ela é intitulada A Alma é Imortal e apareceu em junho de 1899.

Em dezembro de 1899, Gabriel Delanne fez, em Bru­xelas, uma conferência sobre as provas da existência da alma.

Em setembro de 1900, realizou-se, na Sala dos Agri­cultores, em Paris, o Congresso Espírita e Espiritualista Internacional. Gabriel Delanne, na sessão de abertura, pronunciou um importante discurso, no qual constatou que o Espiritismo havia feito sua entrada, no Congresso de Psicologia de 1900, o que provava que os espíritas têm combatido o materialismo até em seu reduto.

Nomeado Secretário-Geral da Seção Espírita, Gabriel Delanne foi delegado ao Congresso pela Sociedade Fra­ternal de Lyon, pela Sociedade dos Estudos Magnéticos e Espíritas de Alexandria, na Itália, pelo Círculo Espírita de San Remo, pelo Círculo Espírita de Algesiras e pela Sociedade Allan Kardec, de Porto Alegre (Brasil).

Gabriel Delanne conseguiu assistir às primeiras ses­sões do Congresso, mas a doença o manteve fora dos tra­balhos e ele mesmo não pôde defender o Relatório sobre a reencarnação, que havia apresentado.

As unânimes manifestações de pesar expressas pelos congressistas figuram no relatório oficial e mostram que lugar preponderante Gabriel Delanne ocupava entre os espíritas franceses.

Depois de 1900, Gabriel Delanne havia deixado seu apartamento da Rua Manuel, para ir morar no Boulevard Exelmans, 40.

Foi lá que, a 2 de março de 1901, se extinguiu Ale­xandre Delanne, com a idade de 71 anos.

Esse homem, durante 40 anos, havia trabalhado pela divulgação do Espiritismo, pregando, ele mesmo, o exem­plo e acolhendo com serenidade os revezes da fortuna, a morte de seu filho Ernesto e de sua esposa, cuja mediuni­dade lhe havia prestado tantos serviços.

Os funerais de Alexandre Delanne, inicialmente en­terrado no Cemitério de Bagneux, como sua esposa, reu­niram seus numerosos amigos; foram pronunciados discursos pelo General Fix, Laurent de Faget, Duval, Camille Chaigneau e Sra. Colin.

Suportando com coragem e resignação essa cruel prova, Gabriel Delanne, ele mesmo doente, não tinha po­dido usar da palavra. Na Revista, assim se expressou:

Batido pela fadiga e pela dor da separação, não pu­de dirigir a meu pai as palavras do afetuoso reconheci­mento que meu coração sentia transbordar.

Quisera afirmar todos os meus agradecimentos para com ele.

Teria desejado tornar conhecida sua terna solicitude e seu amor pela família. Teria dito com qual devotamento admirável ele sempre me sustentou e que profundo inte­resse tomava pelo desenvolvimento do Espiritismo.

Diante de todos, eu teria agradecido de me haver, desde a infância, ensinado essa magnífica doutrina à qual devo hoje não estar abatido de tristeza. Teria lembrado seu infatigável ardor pela propaganda e feito ver que seu espírito, bem evoluído, compreendia os esplêndidos desti­nos reservados à nossa Doutrina, emancipadora de todas as ortodoxias e de todos os fanatismos.

As palavras que não pronunciei em seu túmulo, tenho a lhes dizer, aqui, hoje, porque a primeira emoção passa­da me deixa mais livre o pensamento.

Tenho a certeza completa que ele se juntou a todos que eu amava, que o precederam no Além.

Operário incansável, deixou nosso mundo visível, mas não para descansar das lutas terrestres.

Revigorado pelo amor dos seus, sinto e prevejo que ele prosseguirá seu apostolado.

Retorna à grande pátria do invisível, engrandecido e fortificado pelas provações tão corajosamente suportadas neste mundo.

Ele sempre me deu o exemplo do dever nobremente cumprido; sempre me sustentou moral e materialmente, para permitir que eu me consagrasse inteiramente ao Espi­ritismo.

Trabalhando ainda numa idade em que outros des­cansam, vinha em minha ajuda com um devotamento ines­gotável.

Quero expressar-lhe, publicamente, meu reconheci­mento e fazer saber a todos a grandeza de seu coração de Pai que não recuou diante de nenhum sacrifício para sus­tentar minha obra, que era também a sua.

Sei, seguramente, que, em virtude das leis da justiça eterna, ele usufrui hoje uma felicidade sem mescla e que continuará velando por mim e trabalhando pela difusão desta doutrina que lhe era tão querida.

Gabriel Delanne não se confinou na dor e continuou sua tarefa de propagandista espírita não somente prosse­guindo na publicação da Revista, mas ainda organizando palestras e respondendo ao apelo dos que lhe solicitavam para ir às suas cidades fazer conferências.

A partir de abril de 1901, ele fez, todas as noites de 3ás feiras, às 8:30 horas, uma conferência sobre o Espiri­tismo, na sede da Sociedade Francesa de Estudos dos Fe­nómenos Psíquicos, na Rua Saint-Martin, 57.

A 5 de abril e 12 de abril de 1901, sob os auspícios da Associação Politécnica, tratava, na Chapelle, do Espi­ritismo, do ponto de vista científico e moral, bem como das provas experimentais da existência da alma, após a morte.

Os cursos de conferências das 3ás feiras foram inter­rompidos de 15 de maio a 3 de junho de 1901, tendo Ga­briel Delanne sido convidado para proferir uma série de conferências em Marselha, Avignon, Pont-Saint-Esprit e Lyon.

No curso dessas conferências, ele teve ocasião de falar, mais uma vez, das experiências feitas com sua mãe­ que, sob a inspiração dos Espíritos, ela escrevia duas linhas em russo e uma página e meia em dialeto ita­liano, língua e idioma que ela ignorava totalmente.

Ela havia reproduzido a escrita exata dos Espíritos comunicastes.

Em 1901, Gabriel Delanne continuou a série de suas conferências semanais gratuitas, na sede da Sociedade Francesa de Estudos dos Fenômenos Psíquicos.

Além disso, fez conferências em Paris, no interior e no estrangeiro.

Em 1904, Gabriel Delanne travou conhecimento com o médium músico Aubert, com o qual manteve as mais cordiais e fraternais relações, até à morte desse último.

Nos primeiros meses de ano de 1905, querendo pôr em prática a solidariedade espírita, Gabriel Delanne ado­tou uma garotinha de 7 meses, a menina Suzanne Rabotin, que viveu sempre perto dele.

Em junho de 1905, houve em Liège, um Congresso Espírita; Gabriel Delanne lá compareceu. Os organizado­res do Congresso aproveitaram a presença do célebre es­pírita francês para lhe solicitar uma conferência.

Ele escolheu como tema: A Exteriorização do Pen­samento.

A 12 de fevereiro do mesmo ano, já havia feito, no Ateneu Saint-Germain, de Paris, uma importante confe­rência sobre a obra de Allan Kardec, apreciada do ponto de vista experimental, científico e filosófico.

Essa conferência foi seguida da apresentação do mé­dium músico Aubert.

Em 1905, fez várias conferências, mas aquele ano foi sobretudo marcado por uma ida a Alger, na casa do Gene­ral e Sra. Noël, onde ele assistiu, em companhia do Pro­fessor Charles Richet, às experiências que têm dado lugar a tantas controvérsias.

Encontra-se a narração dessas experiências na Re­vista Ciêntífica e Moral do Espiritismo, dos anos de 1905 e 1906.

Delanne fez, além disso, numerosas conferências so­bre esse tema, porque ele era, antes de tudo, um experi­mentador sagaz, prudente e prevenido.

Sobre a Villa Carmen, somente podem julgar os que leram integralmente os trabalhos de Gabriel Delanne e Charles Richet sobre as experiências com Miller, nas quais Gabriel Delanne tomou parte, em 1906.

Para mim, escreveu ele (13) está absolutamente certo que Miller era um verdadeiro médium de materialização. Ignoro, evidentemente, se ele pôde trapacear nas ses­sões às quais não pude assistir, mas convém duvidar dos julgamentos precipitados e de declarar que, porque um médium foi apanhado em flagrante delito de impostura, jamais possuísse faculdade mediúnica.

Gabriel Delanne, desde sua adolescência, se aperce­beu da credulidade excessiva de certos adeptos do Espiri­tismo e compreendeu que ela era um dos terríveis esco­lhos que impediam a rápida difusão da Doutrina.

Em 1906, já obrigado a andar de duas bengalas, foi, em agosto e setembro, a Cussey, nas redondezas de Lyon, onde estava cuidado por seu amigo Bouvier.

Desde 1908, ele pôde ir cinco meses cada ano, a Ni­ce, onde uns amigos lhe ofereciam uma casa muito bem situada; das janelas de seu quarto podia admirar o mar.

Foi lá que ele trabalhou em sua importante obra As Aparições Materializadas dos Vivos e dos Mortos, que apareceu em fevereiro de 1911.

Cada ano, seja na França, seja no estrangeiro, Ga­briel Delanne fazia conferências sempre bem ouvidas.

Foi Delanne quem aconselhou Jean Meyer para es­colher o Dr. Geley como diretor do Instituto Metapsíquico Internacional, quando de sua fundação, em 1919.

O Dr. Geley era igualmente um espírita e devemos à sua lembrança esta indicação.

Em agosto de 1914, Gabriel Delanne cessou a publi­cação de sua Revista, que devia reaparecer em 1917.

O estado de saúde do nosso amigo tornou-se delica­do; ele já não enxergava bem, arrastava-se com sacrifício e cada movimento sendo para ele causa de sofrimento, era um exemplo vivo de resignação e permanecia jovial e mui acolhedor.

Em 1918, fez, com sua família, uma viagem a Allau­ch, nas redondezas de Marselha. Foi sua última saída de Paris, pois não podia mais andar e foi preciso recorrer a uma cadeira de rodas para leva-lo do carro ao trem.

Apesar de seus sofrimentos, já mais intensos, desde 1920, apesar de sua quase cegueira, Gabriel Delanne, cuja memória era prodigiosa, continuava a trabalhar.

Fora da publicação de sua Revista, ele preparava no­vas obras, presidia as sessões mediúnicas, que são relata­das no livro Écoutons nos Morts (Escutemos nossos Mortos), escrito em colaboração com Bourniquel.

Em 1919, fundação da nova União Espírita Francesa (14), da qual foi seu primeiro Presidente, tendo a seu lado o fundador Jean Meyer como Vice-Presidente.

Fez ainda numerosas conferências na sede da Sociedade Francesa de Estudos dos Fenômenos Psíquicos, com sua ciência e sua mestria habituais.

Em 1922, fez igualmente, o prefácio de uma curiosa obra de Paul Bodier, A Granja do Silêncio, que teve um enorme sucesso (15).

Cada ano, na Assembléia Geral da Sociedade France­sa de Estudos dos Fenômenos Psíquicos, lia-se um discur­so seu, sobre o aniversário da desencarnação do Mestre Allan Kardec.

Em 1924, publicou sua obra sobre a reencarnação, que ele havia ditado a um de seus amigos: Durand.

Todos os dias, vinham amigos para lhe ler os jornais, podemos destacar. Barrau, Giraud, ambos membros da Di­retoria da Sociedade de Estudos dos Fenômenos Psíqui­cos.

Gabriel Delanne soube suportar com uma resignação ativa (16) a morte de uma mulher querida, sua prima Ma­thilde Peley, morta em 12 de dezembro de 1925.

Durante mais de 20 anos, ela foi sua companheira extremosa e dele cuidou com devotamento.

Suportou essa separação física com a mesma energia que teve na morte de seu pai e de sua mãe, embora suas forças estivessem enfraquecidas pela idade e pela doença.

Até à sua morte, que devia sobrevir cinco meses mais tar­de, em 15 de fevereiro de 1926, Gabriel Delanne teve a mesma força moral.

Foi durante os últimos meses de sua vida que prepa­rou, em colaboração com Andry Bourgeois, uma obra so­bre ideoplastia.

Como nos confirmou sua filha adotiva, Suzanne De­lanne, Gabriel Delanne, sem ser um místico no sentido absoluto da palavra, acreditava em Deus.

Todos os dias, antes de dormir, orava, jamais pedin­do para não sofrer mais; apenas suplicava coragem necessária para suportar, sem se lamentar, suas constantes do­res.

Cada noite, enumerava uma longa lista de seus pa­rentes e amigos desaparecidos, pedindo para eles a ajuda de seus protetores invisíveis.

Em 12 de fevereiro de 1926, seu estado se agravou subitamente e se lamentava de sufocação.

Em 14 de fevereiro, estavam com ele os amigos An­dry Bourgeois e Vauclaire.

Andry Bourgeois narra assim a última tarde vivida na Terra pelo nobre lutador espírita.

Achei, escrevia ele a Henri Regnault, nosso caro amigo muito debilitado, mas tendo conservado toda a cla­reza de sua viva inteligência.

Mal tínhamos começado a conversar sobre a sua saú­de e sobre sua Revista, que tinha sido sua razão de viver, quando um homem desconhecido, ainda jovem (apenas 35 anos) pediu para ser recebido por Delanne.

Ele já estava esperando de 15:20 a 15:30 horas, quando nosso mestre, com sua grande bondade, pediu-lhe que entrasse.

Esse homem era um contramestre das Uniões Re­nault (Billancourt), com idéias mais que socialistas, pre­gando a anarquia, o bolchevismo integral.

Mas, disse ele, ele tinha uma parenta, uma prima que escrevia de forma estranha sobre coisas que ignorava e vinha pedir a Gabriel Delanne a verdade sobre esse fato e se sua parenta não estaria louca.

Delanne, embora sofrendo o martírio de todas as suas dores, teve a coragem, durante cerca de 2 horas e meia, de discutir com esse homem, com esse desconhecido bas­tante inteligente e lhe explicar o que era a mediunidade de sua prima e o fenômeno espírita da escrita direta. Acabou por convencer esse homem que nem tudo nesse mundo era matéria e que todos nós temos uma alma imortal para evoluir.

O visitante partiu muito abalado, pelas 18:00 horas, dizendo que ia estudar a questão e dela falar depois a seus colegas.

Eis a última boa ação de Delanne.

Evidentemente, tomei parte na discussão e apoiei meu amigo com minhas fracas luzes, do ponto de vista da Matéria, da Energia e do Espírito. Mens agitat molem.

Delanne estava muito fatigado, após essa longa con­versa, onde havia posto toda a sua alma, sua ciência e sua sagacidade.

Pusemo-nos à mesa, para jantar, pelas 19:00 horas. Delanne, sua filha adotiva, Vauclaire e eu.

Delanne, muito cansado e sofrendo cada vez mais, não comeu nada, mas nos pediu que comêssemos, com sua gentileza costumeira. Eu estava penalizado e o examinava com receio, vendo-o cada vez mais pálido. Pelas 19:45 horas, ele quis, arrastando-se, ir ao lado de sua sala de jantar.

Após dez minutos, ouvimos um grito e uma queda. Chegamos para levantá-lo e suas duas pernas acaba­vam de ficar, de repente, paralisadas. Não podia nem mesmo mais se manter de pé; toda a sua vitalidade tinha abandonado seus membros inferiores, que se arrastavam como dois farrapos pendentes.

Pusêmo-lo em sua poltrona e, enquanto os outros ha­viam saído para trazer algo para reanimá-lo, Delanne apalpou a cabeça, a fronte e, olhando-me, disse-me: - Creio que é o fim, é uma advertência.­

Respondi-lhe: - Não, é um pequeno ataque, do qual irá recuperar-se.

- Sim, disse-me ele, no Além. Lembre-se, meu caro amigo, que Delanne não tem medo da morte.

Nós o colocamos em seu leito. Saí à meia-noite, por insistência de sua filha e de Vauclaire, que deviam velar juntos nosso caro Mestre.

Às 2:00 horas (15 de fevereiro de 1926), Vauclaire saiu, deixando a jovem filha a sós, com seu pai adotivo. Às 4:00 horas, Delanne, piorando, ela foi buscar um médico, que lhe fez uma aplicação de cafeína para reani­má-lo, dizendo-lhe que aquilo iria passar.

- Eu o espero respondeu Delanne, para não en­tristecer ninguém.

As 7:00 horas, porém, ele expirava, em Autenil, na Villa Montmorency, onde Jean Meyer, Diretor da Revista Espírita, desejava que fossem passados os últimos anos terrenos do valente pioneiro do Espiritismo Kardecista. Tais são, narrados por uma testemunha, os derradei­ros momentos daquele que soube por em prática o ensi­namento que ele dava aos outros, com tanto ardor e fé.

Na véspera da colocação no esquife, Forget, membro da Sociedade Francesa de Estudos dos Fenômenos Psíqui­cos, tentou tirar seis fotografias do Mestre em seu leito mortuário. Estava acompanhado de Bourniquel e Maillard. Nenhuma foto foi conseguida, não houve absoluta­mente qualquer sucesso.

Os funerais se realizaram em 18 de fevereiro de 1926, no Père Lachaise. Seu corpo físico foi incinerado, sem que Suzanne Delanne tenha recebido a respeito, dis­se-nos ela, um pedido da parte de seu pai.

Após a incineração, as cinzas foram colocadas numa urna, que foi depositada no jazigo que a família Delanne possuía no cemitério de Père Lachaise.

Por uma feliz coincidência, o túmulo da família De­lanne se acha não longe do de Allan Kardec e, todos os anos, na cerimônia comemorativa que reúne os espíritas em torno do dólmen do Mestre, podem, ao mesmo tempo, render uma piedosa homenagem ao maior de seus discí­pulos e a seus pais, que tudo fizeram para difundir a filo­sofia Kardecista.

O túmulo da família Delanne é simples e modesto. Formulamos votos que ele seja sempre embelezado, flori­do como o do grande Iniciador, a fim de que todos os espíritas possam reunir, num só pensamento de gratidão, o Mestre e o discípulo que foi verdadeiramente o apóstolo científico do Espiritismo e o glorioso continuador dos fiéis amigos de Allan Kardec: Alexandre Delanne e sua digna esposa.

Todavia, a melhor homenagem que lhes podem pres­tar seus discípulos e seus admiradores é, como dizia Hen­ri Regnault, nos funerais de Gabriel Delanne, tentar seguir seu exemplo e fazer o máximo possível de propagan­da pública e também privada do Espiritismo, que é e será a verdadeira filosofia do futuro.

CAPÍTULO II

A Obra

Antes de analisar a obra de Gabriel Delanne, é útil declarar que ele foi, antes de tudo, um fiel discípulo de Allan Kardec, por quem conservou, em toda a vida, uma admiração sem limites.

Aliás, a carta abaixo, que ele dirigia, no fim do ano de 1906, a Leopoldo Dauvil, então redator-chefe da Re­vista Espírita, irá prová-lo, à saciedade.

É necessário acrescentar aqui que as notáveis obras de Gabriel Delanne não foram, de certa forma, senão o desenvolvimento dos princípios científicos sobre os quais Allan.Kardec se apoiou para ensinar o Espiritismo.

A comparação entre as obras do Mestre e do Discí­pulo deve ser hoje posta nitidamente em análise, porque é bom não sancionar, por um ridículo silêncio, o erro dos sábios orgulhosos, que muitas vezes relegam o Espiritis­mo a um segundo plano, substituindo-o por pretensas des­cobertas científicas, ornadas de nomes novos, quando se trata somente da repetição dos fenômenos observados e descritos por Allan Kardec e, depois dele, por seus discí­pulos.

A carta que se segue foi inserida em um número es­pecial da Revista Espírita, que tem a data de janeiro de 1907.

É com grande prazer, meu caro amigo, que aceito o convite que me faz de prestar homenagem ao grande Pensador que fundou a Revista Espírita, há meio século, e cujos livros, claros e metódicos, permitiram conquistar para o Espiritismo milhões de adeptos no mundo inteiro.

Jamais teremos a necessária gratidão pelo poderoso espírito, cujos trabalhos esclareceram, consolaram, forti­ficaram tantos corações feridos pelas provações da vida. Quanta alegria deve existir nele, vendo prosperar e se agigantar sua obra em tão vastas proporções!

Em 1858, só havia duas Revistas Espíritas na Euro­pa; em nossos dias, hà mais de cinqüenta (17) que levam ao longe a boa nova da imortalidade e temos o legítimo orgulho de haver estabelecido o estudo dos fatos espíritas a esse mundo cético, que se mostrara, na origem, tão des­denhosamente refratário para com essa jovem ciência.

Já passou o tempo em que a Ciência era o apanágio de alguns privilegiados; ela se democratizou e cada um pode fazer trabalho sábio, empregando judiciosamente seus métodos.

As pesquisas sobre o Espiritismo se multiplicam nes­se ponto, que é preciso ser profundamente indiferente pa­ra não as conhecer, porque não são apenas individualida­des isoladas que delas se ocupam, mas numerosos agru­pamentos, alguns formando verdadeiras academias, que tiveram origem fora das corporações oficiais.

A fundação, na Inglaterra, da Sociedade de Pesqui­sas Psíquicas, e a do Instituto Geral Psicológico, na Fran­ça, são provas vivas de nossa influência sobre as inteligências que refletem, pois os que não cerram, sistemati­camente, os olhos diante da evidência, já vislumbram a importância enorme das pesquisas, que abrem à Ciência e às aspirações religiosas da Humanidade horizontes que valem ser estudados em profundidade.

Substituindo a fé cega numa vida futura, pela inquebrantável certeza, resultantes de constatações científicas, tal é o inestimável serviço prestado por Allan Kardec à Humanidade.

Fazer a luz da observação, e até mesmo a experi­mentação, penetrar num domínio reservado às obscuras e intermináveis discussões filosóficas, era fazer obra de mestre, quebrar os velhos padrões do pensamento, infun­dir sangue novo no antigo espiritualismo, renovar a psi­cologia, indicando-lhe um novo e fecundo caminho, e preparar a mais rica colheita de conhecimentos novos que se tenha feito nesses dois mil anos.

Uma semelhante revolução intelectual não se realiza sem levantar tempestades. O Espiritismo tem sido comba­tido por inúmeros adversários, porque ele está em oposição com quase todas as opiniões reinantes, já que suas experiências demonstram a falsidade das teorias materia­listas, a insuficiência dos sistemas espiritualistas, que não conhecem a verdadeira natureza da alma e os erros dos ensinos religiosos relativos à origem e ao destino do prin­cípio pensante.

Também os insultos, as zombarias, os anátemas lhe foram pródigos. Todavia, levado pelo irresistível poder que se destaca da observação científica, o Espiritismo desdenha esses ultrajes e, respondendo com fatos aos so­fismas de seus contraditores, derruba os obstáculos acu­mulados em sua rota e conquista cada dia novos adeptos até nas fileiras de seus adversários.

Obrigaram inteligências como as de Crookes, Walla­ce, Varley, Lodge, Zollner, Lombroso, Myers, Hod­son (18) a reconhecerem a incontestável realidade das re­lações entre os vivos e os chamados mortos.

Estamos em boa companhia e nem as calúnias, nem os clamores odiosos dos detratores da verdade nova pode­riam impedir-lhe o triunfo definitivo.

Pelos fenômenos da mesa, da escrita, da incorporação, das aparições, (19) nós nos comunicamos com o Além, de uma forma ininterrupta.

O túmulo perdeu seu horror, porque ele é para nós a porta aberta para um mundo novo, onde a vida é mais do­ce que aqui.

Em resposta aos negadores da sobrevivência, a alma humana se revela depois da morte tão ativa quanto aqui na Terra e se mostra na placa fotográfica a esses doutores, que não a tinham jamais encontrado em seus escal­pelos.

Prodígio singular, ela reconstitui temporariamente um corpo físico semelhante ao que possuía na Terra e es­sa ressurreição momentânea é o argumento mais convin­cente para destruir os erros grosseiros do materialismo.

Essa comunhão constante com a humanidade desen­carnada nos afirma, inicialmente, nossa imortalidade pes­soal, nos permite, em seguida, conhecer com certeza a verdadeira natureza da alma, suspendendo uma ponta do véu que ocultava sua origem e seus destinos.

Que alívio e que reconforto para o pensamento hu­mano por não ser mais esmagado sob o terror dos dogmas tão terríveis como os do pecado original e das penas eter­nas!

Que consolo não mais conceber o Ser Supremo sob a um implacável justiceiro que condenaria a suplí­cios as miseráveis e fracas criaturas que somos nos.

A realidade é felizmente mais nobre e mais grandiosa que essas sombrias invenções da Teologia.

A sorte de nossa eternidade futura não se decide nos curtos instantes de uma vida terrena, uma ruga apenas perceptível, no imenso oceano das idades!­

A lei da evolução do princípio espiritual, completan­do-se pelas vidas sucessivas, nos permitiu compreender porque uma formidável desigualdade moral e intelectual separa os filhos do mesmo pai, e como existem, no mesmo globo, selvagens e povos civilizados, idiotas ao lado des­ses gênios, que são a glória de nossa raça.

É pelos inumeráveis e concordantes testemunhos dos que vivem no espaço que sabemos que não existe inferno, nem paraíso, mas que nós somos os únicos artífices de nossos futuros destinos.

É lentamente, mas num esforço ininterrupto, que de­senvolvemos nosso ser espiritual, que ampliamos nossa inteligência, que penetram em nós os sentimentos do jus­to, do belo, do bem e que desaparecem os obscuros ins­tintos do egoísmo, as paixões e os vícios, para dar lugar ao sentimento de fraternidade, que nos aproxima dessa causa primária, que é todo amor.

Não somente Allan Kardec deduziu de suas conver­sações com os Espíritos essa nobre doutrina filosófica, mas sua atenção foi ainda atraída pelas manifestações ex­tracorpóreas da alma encarnada.

Todos os fenômenos psíquicos, batizados hoje com novos nomes (20), o Mestre os conheceu, classificou e lhes determinou as causas.

A transmissão do pensamento que, sob o nome de telepatia, tomou grande importância em nossos dias, foi estudada em O Livro dos Espíritos e em A Gênese.

A possibilidade de desdobramento do ser humano é indicada em O Livro dos Médiuns, com provas de apoio e os casos interessantes da clarividência, se exercendo no passado, no presente ou no futuro, foram longamente des­critos na Revista Espírita.

A Sociedade Inglesa de Pesquisas Psíquicas confir­mou, por suas observações, a existência de vários desses fenômenos e os magníficos trabalhos de W. F. H. Myers são o sábio desenvolvimento das teorias que estão em germe nas obras de nosso Mestre. Entretanto, a obra do ilustre psicólogo inglês é ainda incompleta.

Para ser outra coisa que uma simples hipótese verbal, a consciência subliminal deve ter um substrato não mate­rial. Parece-nos, portanto, necessário ver no perispírito o órgão que serve para essas manifestações transcendentais. É ainda a Allan Kardec que devemos as primeiras noções precisas sobre o perispírito, esse corpo insepará­vel da alma. Inúmeras observações, feitas sobre as aparições dos vivos e dos mortos, nos afirmam absoluta­mente sua existência.

O conhecimento desse organismo suprapsicológico faz do Espiritismo uma doutrina original, porque, por is­so, ela se distingue nitidamente do espiritualismo religio­so ou filosófico.

O princípio inteligente não é mais então uma abstra­ção ideal, uma vaga entidade corporal; é um ser concreto, que possui sentidos especiais, apropriados ao meio no qual é chamado a viver, após sua partida da Terra, isto é, no espaço.

Algumas das faculdades superiores da alma, tais co­mo a telepatia e a clarividência, têm, evidentemente, sua sede fora do cérebro, pois este é estranho às suas mani­festações; é provavelmente no perispírito que elas encon­tram suas condições de existência, porque é necessária a emancipação da alma para que elas se exerçam.

Quanto mais estudarmos esse organismo superior, melhor compreenderemos sua importância para explicar um certo número de problemas biológicos.

A experimentação espírita tem uma utilidade de pri­meira ordem para isso, porque se torna indispensável que possamos submeter a um exame científico a natureza e as propriedades desse corpo fluídico, para melhor determinar sua atuação durante a vida e após a morte.

As materializações dos Espíritos são fenômenos que põem em evidência esse mecanismo perispiritual, que dá à alma o poder de se representar perante nós com os atributos anatômicos e fisiológicos da pessoa terrena.

Já que um ser do espaço é capaz de reconstituir mo­mentaneamente a forma típica que possuía entre nós - emprestando ao médium uma parte de sua substância - é permitido supor-se que a alma age da mesma forma no momento do nascimento, mas operando lentamente, se­gundo as leis da gestação, para que sua união com o cor­po material seja durável.

O ensino dos Espíritos está conforme, sobre esse ponto, com a opinião de Claude Bernard, que viu nitida­mente que a construção, a manutenção e a reparação dum organismo vivo não contradizem as leis físico-químicas.

Vemos, disse ele, na evolução do embrião, aparecer um simples esboço do ser, antes de qualquer organização. Os contornos do corpo e os órgãos do ser estão de início simplesmente parados, começando pelos esboços organicos provisórios, que servirão de aparelhos funcio­nais temporários do feto.

Nenhum tecido está então distinto. Toda a massa é então apenas constituída por células plasmáticas e em­brionárias.

Todavia, nesse esboço vital está traçado o desenho ideal de um organismo ainda invisível para nós, que re­servou para cada parte e cada elemento seu lugar, sua es­trutura e suas propriedades.

E, mais adiante, o eminente fisiologista explicita ainda seu pensamento nesses termos:

O que é essencialmente do domínio da vida e que não pertence nem à Física e nem à Química, nem a ne­nhuma outra coisa, é a idéia diretriz dessa ação vital.

Em qualquer germe vivo há uma idéia diretriz que se desenvolve e se manifesta pela organização.

Durante toda a sua duração, o ser fica sob a influên­cia dessa mesma força vital criadora e a morte chega quando ela não se pode realizar... é sempre a mesma idéia que conserva o ser, reconstituindo as partes vivas desor­ganizadas pelo exercício ou destruídas pelos acidentes ou doenças.­

Nós, que sabemos, por experiência, que a alma so­brevive à morte, que a vemos reedificar, temporariamente, um corpo, que é anatomicamente igual ao que possuía na

Terra, estamos autorizados logicamente a supor que o pe­rispírito contém a idéia diretriz que preside a edificação do corpo físico, porque o perispírito possui ainda o poder de reconstrução após a morte.

Não é tudo. Se a alma é o arquiteto de seu envoltório terrestre, é possível tirar desse fato uma confirmação da lei de reencarnação, assim

Se for exato que o feto resume, nas primeiras semanas de sua vida intra-uterina, todas as etapas percorridas pe­los seres vivos desde a célula inicial; se, além disso, ainda temos em nós órgãos atrofiados, vestígios dos que fo­ram úteis a nossos ancestrais, é preciso concluir que o pe­rispírito, que reproduz essas formas desaparecidas, que forma e modela a matéria, deve ter passado outrora pelos organismos inferiores onde elas existiam; porque, sem is­so, não as poderia engendrar.

Penso que, seguindo essa direção, os espíritas pode­rão achar, no estudo do ser humano, novas provas dessa grande e magnífica verdade das vidas sucessivas, que já possui em seu ativo toda uma coleção de fatos relativos às lembranças das existências anteriores ou no anúncio de reencarnações que foram tais quais haviam sido preditas.

Nao apenas isto. Os fatos espíritas receberam a con­sagração do tempo, resistiram a todos os métodos críticos a que foram submetidos, e houve, em nossos dias, uma tal revolução nas teorias científicas, que os vemos convergir para os que Allan Kardec e os Espíritos sempre ensina­ram.

É com uma profunda alegria que constatamos quanto as descobertas das ciências físicas as aproximam desse mundo invisível com o qual começam a tomar contato.

As mais estranhas manifestações das sessões espíri­tas não são mais fatos isolados. Os eflúvios que saem do corpo do médium, que atravessam os obstáculos materiais, que influenciam as placas fotográficas, apresentam uma analogia evidente com os produtos da desmaterialização da matéria engendrada pelos corpos radioativos.

O corpo humano é um laboratório no qual se com­pletam, sem cessar, reações químicas muito intensas, que dão origem a produtos variados; emanações, raios catódicos, raios A, elétrons que são poeiras atômicas em dife­rentes estágios de desagregação. Esses resíduos são ele­trizados e constituem precisamente uma das mais grossei­ras formas dessa substância fluídica, ainda material, de certa forma, mas chegando à imponderabilidade.

É bem provavelmente uma forma vizinha da desagre­gação carnal, que serve nas sessões de materialização pa­ra produzir essas aparições temporárias de objetos (teci­dos, jóias, etc.), que desaparecem com a rapidez do raio, logo que cessa de agir a força que os engendrou.

O ensino de Allan Kardec sobre as criações fluídicas do pensamento recebe uma força nova pelas experiências feitas com os eflúvios das substâncias radioativas.

Com efeito, sabemos que o pensamento se traduz sempre por uma imagem; que essa criação mental pode exteriorizar-se sob forma de desenhos, que possuem a propriedade de se imprimir sobre o corpo, produzindo modificações fisiológicas (sugestões de vesicatórios, si­napismos, queimaduras, etc.) e que esse desenho pode mesmo impressionar a placa fotográfica (experiência do Comandante Darget).

Sempre tenho sustentado que, para esse fenômeno ser possível, era preciso que a imagem tivesse uma realidade objetiva, isto é, fosse materializada.

É interessante assimilar que Le Bon pôde produzir materializações temporárias com os eflúvios de matéria dissociada. Eis o que ele disse a respeito: (21)

Se quisermos estudar os equilíbrios de que são sus­cetíveis os elementos de matéria dissociada, podemos substituir um corpo radioativo por uma ponta eletrizada em relação com um dos pólos de uma máquina elétrica.

Essas partículas são submetidas às leis das atrações e repulsões que regem todos os fenômenos elétricos. Utilizando essas leis, poderemos obter, à vontade, os mais variados equilíbrios. Tais equilíbrios só poderão ser mantidos por instantes.

Se pudéssemos fixá-los para sempre, isto é, de ma­neira a que pudessem sobreviver à causa geradora, conse­guiríamos, criar com partículas imateriais, alguma coisa que pareceria singularmente matéria.

Todavia, se não podemos realizar equilíbrios com coisas imateriais, podendo sobreviver à causa que os pro­duziu (22), pelo menos podemos mantê-las um tempo suficiente para fotografá-las e assim criar uma espécie de materialização momentânea.

Utilizando inicialmente as leis de que falamos atrás, conseguimos agrupar as partículas de matéria dissociada de maneira a dar a seu grupamento todas as formas possíveis: linhas retas ou curvas, prismas, células, etc., que fi­xamos, em seguida, pela fotografia.

As formas poligonais, representadas em algumas de nossas fotografias, não são, bem entendido, a reprodução de imagens plenas, porém, formas possuidoras de três di­mensões, das quais a fotografia só pode, evidentemente, dar uma projeção.

São, portanto, figuras no espaço que obtivemos mantendo momentaneamente, no equilíbrio que lhes impu­semos, partículas de matéria dissociada.

No dia em que os sábios se decidirem a estudar, cientificamente, os fenômenos psíquicos, eu lhes prometo algumas supresas, mostrando-lhes que suas futuras descobertas tinham sido previstas por esses espíritas, de quem eles ignoram tão profundamente as doutrinas.

Um simples exemplo bastará para fazer ver Gustave Le Bon - que está tão justamente orgulhoso de ter desco­berto que a matéria retorna ao éter - não teve a primazia dessa idéia, porque ela se encontra claramente formulada por Allan Kardec, em seu livro A Gênese, numa época em que essa hipótese parecia uma monstruosa heresia científica.

Eis o que foi escrito, em 1867, pelo mestre (23): Quem conhece, aliás, a constituição íntima da maté­ria tangível?

Ela só é compacta em razão que o provaria é a facilidade com pelos Iluidos espirituais, e pelos faz nenhum obstáculo, tal como não o fazem à luz.

A matéria tangível, tendo por elemento primitivo o fluido cósmico eterizado, deve poder, desagregando-se, retornar ao estado de eterização, como o diamante, o mais duro dos corpos, pode volatilizar-se em gás impalpável.

A solidificação da matéria não é, em realidade, senão um estado transitório do fluido universal, que pode retor­nar a seu estado primitivo, quando as condições de coesão deixam de existir.-(24)

A radioatividade é mesmu,apresentada nesses termos:

Quem sabe mesmo se, no estado de tangibilidade, a matéria não é suscetível de adquirir uma espécie de eteri­zação, que lhe daria propriedades particulares?

Certos fenômenos permitiriam supô-lo. No momento, só possuímos noções do mundo invísivel e o futuro, sem dúvida, nos reserva o conhecimento de novas leis que nos permitirão compreender o que é ainda um mistério para nós.

Sobre o mesmo assunto Oliver Lodge se exprime as­sim, na Sociedade de Física de Londres:

Não devemos admitir que o átomo é permanente e eterno. A matéria, provavelmente, pode nascer e morrer.

A história de um átomo apresenta analogias com a do sistema solar. Na teoria elétrica da matéria, a combinação dos elétrons pode produzir o agregado elétrico chamado átomo e sua dissociação se acompanha de um fenômeno de radioatividade.

Afinal, W. Crookes, por sua vez, chega a uma con­clusão análoga:

Essa fatal dissociação dos átomos, disse ele, parece universal. Manifesta-se quando friccionamos um bastão de vidro, quando o sol brilha, quando um corpo queima, quando a chuva cai, quando as vagas do oceano se cho­cam.

Embora a data do fim do Universo não possa ser cal­culada, devemos constatar que o mundo retorna lenta­mente à confusão informe do caos primitivo. Nesse dia, ó relógio da eternidade terá terminado seu ciclo.

A concordância tardia que verificamos entre as mais recentes afirmações da Ciência e as vistas proféticas de Allan Kardec sobre a constituição da matéria, nos assegura que tivemos razão de crer que os Espíritos que produ­zem fenômenos tão estranhos, como a materialização e os transportes, estão mais adiantados que nós, no conheci­mento das leis da Natureza.

É confiante que vemos novas descobertas, porque estamos certos de que elas confirmarão, cada vez mais, as instruções de nossos Guias Espirituais.

Não poderia ser de outra forma, porque, já que os fatos espíritas são de uma incontestável realidade, a Ciência deve, um dia ou outro, modificar suas teorias, amplia ou trocá-las, para introduzir essas manifestações da atividade anímica, que ela havia ignorado.

O Espiritismo vai certo ao seu objetivo, que é a de­monstração da imortalidade, sem bravata nem fraqueza; tanto pior para as opiniões que ele contraria; são as hi­póteses antigas que devem desaparecer ante os fatos no­vos.

Trabalhemos, pois, com um ardor incansável, para expandir esta nobre Doutrina, cuja ação salutar e fecunda é tão necessária aos nossos dias.

Proclamemos, por toda a parte, que o túmulo não é o aniquilamento da alma, o abismo no qual nossa personali­dade sucumbiria, desaparecendo para sempre.

Demonstremos que não é verdade que somos tristes joguetes de leis inexoráveis e fatais, que pesariam sobre nós com a esmagadora impassividade desses ídolos anti­gos, que esmagavam sob as rodas de seus carros as carnes ofegantes de seus sectários.

Afirmemos bem alto que a Natureza não teve essa ironia cruel de nos despertar a consciência para nos fazer medir melhor o horror de nossa queda no nada.

Estamos experimentalmente seguros de que a vida humana não é um relâmpago entre duas noites profundas, porém, uma simples etapa de nossa ascensão eterna para a luz e para o amor.

Temos a certeza de que as aspirações mais elevadas e mais santas de nossos corações não serão decepcionadas. porque encontraremos aqueles cuja partida cravou marca tão cruel em nossas almas.

Desta vez, a grande tradição espiritualista, tão velha quanto o pensamento humano, se apóia, inquebrantavel­mente, na Ciência; nada poderá entravar seu progresso e sua difusão no mundo será o sinal de uma evolução moral, científica e social, como a Humanidade jamais conheceu, desde sua origem.

Gabriel Delanne

Demos por extenso o texto dessa admirável carta, porque destaca, de alguma sorte, a importância da obra empreendida por Gabriel Delanne, para ampliar a de Allan Kardec.

Todos os que lerem os livros do discípulo, após ter estudado os do Mestre, compreenderão que um e outro são os artífices de uma mesma Ciência, de uma Ciência mag­nífica entre todas, porque ela renovará um dia a Humani­dade.

Se Allan Kardec fixou os traços essenciais do Espi­ritismo, seu discípulo compreendeu maravilhosamente que lhe devia assegurar a difusão cada vez mais ampla, com o auxílio de trabalhos rigorosamente científicos, de tal for­ma que a ligação entre o mundo visível e o mundo invisí­vel se tornasse mais íntima e mais profunda.

Gabriel Delanne livrou o Espiritismo Kardecista das fórmulas dogmáticas e rígidas. Ele o apoiou em realidades experimentais rigorosamente científicas.

Como Allan Kardec, seguiu uma regra essencial, apresentando as idéias em termos e condições que as tor­nam facilmente compreensíveis para todo o mundo.

Nenhuma aridez em suas obras embora tão científi­cas, nenhuma frieza, mas, ao contrário, um interesse sempre crescente, que faz sua leitura extremamente atrativa.

O estilo de Gabriel Delanne é um instrumento de precisão científica a serviço do conhecimento humano. Com um esforço infatigavelmente sustentado, o bri­lhante escritor pôs em ação toda a sua capacidade inte­lectual para extrair da experimentação e do raciocínio científico as provas positivas da realidade da sobrevi­vência.

Ele examinou cuidadosa e metodicamente cada uma das modalidades do fato espírita; por uma análise rigorosa de cada um deles, chegou a dar a solução racional, que ele trata de apresentar razoavelmente em face da ciência positiva.

Sempre buscando o termo exato, Gabriel Delanne evitou de empregar a metáfora.

Tanto esta parece útil para dar a certas literaturas filosóficas toda a força que lhes é necessária, como é inútil e deslocada, quando se trata de demonstrar o valor e o começo de uma experiência científica qualquer.

Muito comumente, os filósofos idealistas não têm ou­sado ou sabido vencer a rigidez de certas fórmulas, fica­ram bem distantes do bom senso sólido das massas, sem­pre espantadas pelo aspecto um pouco rebarbativo das ciências abstratas.

Gabriel Delanne teve o grande mérito de compreen­der que as fórmulas científicas nada perdem por serem impregnadas de ideal, para torná-las compreensíveis a to­dos. Adotou a linguagem simples e lógica, pela qual elas se tornam magnificamente claras e precisas.

Os livros de Gabriel Delanne são necessários a todos que abordam o estudo do Espiritismo e das ciências ocul­tas, porque as teorias que eles encerram são suscetíveis de dar a todas as pessoas sérias bases perfeitas para fa­cultar seu raciocínio.

Os adversários do Espiritismo moderno têm negado obstinadamente a realidade de tantos fatos facilmente ex­plicáveis por meio das teorias realmente científicas; eles têm afirmado tantas tolices, que é indispensável ter sob a mão. para consultá-los, livros precisos como os de nosso Mestre.

Eles ficarão, como os de Allan Kardec e Léon Denis, verdadeiras obras básicas necessárias a todos os pesqui­sadores que, sem prevenção, resolvem estudar o Espiri­tismo, da mesma forma que uma outra ciência, com o de­sejo sincero de se instruir e de prestar serviço à Humani­dade, que deve depurar-se e progredir, para se aproximar, cada vez mais, de seu Criador.

Eis porque vamos dar uma relação sumária da obra admirável de Gabriel Delanne.

Aqui vão, com a data do aparecimento, os livros que ele escreveu.

- O Espiritismo perante a Ciência - 1885

- O Fenômeno Espírita - 1896

- A Evolução Anímica - 1897

- Pesquisas sobre a Mediunidade - 1898

- A Alma é Imortal - 1899

- As Aparições Materializadas dos Vivos e dos Mortos (1° volume) - 1909

- Idem (2°- volume) - 1911

- Documentos para servir ao Estudo da Reencarnação - 1927

Gabriel Delanne tem, além dessas obras, em colabo­ração com Bourniquel, um livro intitulado Ouçamos os Mortos.

Ele preparava, no momento de sua morte, já o disse­mos, em colaboração com Andry Bourgeois, um obra so­bre ideoplastia.

Uma análise detalhada da obra de Gabriel Delanne será feita um dia por um de nós (25), mas como o quadro desta biografia não permite longos pormenores, limitar­nos-emos em dar um resumo do índice de cada volume.

O leitor avaliará, assim, da diversidade dos assuntos tratados, do conjunto e da vastidão das idéias filosóficas estudadas.

A primeira obra de Delanne - O Espiritismo pe­rante a Ciência, apareceu em 1885. O autor colocou no frontispício desse volume a seguinte tocante dedicatória:

Dedico este livro a meus pais, cuja ternura e soli­citude tornaram bem doces os primeiros anos de minha vida.

Admirável atenção de um filho respeitoso e amoroso, que mostra Gabriel Delanne com todo o seu coração re­pleto de piedade filial.

O livro apresenta um interesse considerável pela se­qüência dos assuntos tratados. Está dividido em cinco partes.

A primeira, bem curta, é consagrada ao exame das diversas filosofias que se ocuparam com a alma e suas funções.

O segundo capítulo, muito importante, examina o cé­rebro. É particularmente interessante citar aqui a conclu­são desse capítulo:

De todas as teorias examinadas, nenhuma nos con­duz à certeza de que a alma seja uma entidade. Ele se es­força, ao contrário, num exame atento, na convicção de que o espírito ou a alma realmente existe e que manifesta sua presença em todas as ações da vida.

Nem os profundos conhecimentos químicos de Mo­leschott, nem o talento dos sábios como Broussais, Buch­ner, Cari Vogt, Lyrs, etc, podem conseguir negar a crença na alma, nem ao menos duvidar de sua realidade.

Há um século, temos à nossa frente um poderoso instrumento de investigação, que nos revela a maneira mais formal da existência da alma; queremos falar da ciência magnética.

Com fatos fornecidos pelo magnetismo, separou-se a alma do corpo; ela se destaca desse último e manifesta sua realidade com fenômenos surpreendentes, apresentai nitidamente separada de seu envoltório carnal e viven­do uma existência especial.

Essa conclusão coloca assim a questão em seu verda­deiro domínio: o terreno científico. Mostra, bem clara­mente, que todas as hipóteses científicas vão ser exami­nadas pelo autor, a fim de destacar a que pareça apresen­tar a mais ampla verdade, ao mesmo tempo adequada aos conhecimentos humanos.

A segunda parte compreende o magnetismo e sua história, o sonambulismo natural, o sonambulismo mag­nético e o hipnotismo.

A terceira parte apresenta as provas da imortalidade da alma pela experiência as teorias dos incrédulos e o testemunho dos fatos; as objeções.

A quarta parte, a mais importante, nos mostra uma definição precisa de perispírito, as provas de sua existên­cia, sua utilidade, seu papel, o que vem a ser, após a de­sencarnação, qual é sua composição.

A quinta parte trata de algumas espécies de mediuni­dade.

O Espiritismo perante a Ciência deveria ser lido e relido por todas as pessoas que desejam tratar de Espiri­tismo, mas após a leitura preliminar dos livros de Allan Kardec e Léon Denis.

Lamentavelmente, o Espiritismo é, muitas vezes, praticado sem estudo prévio e assistimos, então, a expe­rimentações ridículas e grotescas, que parecem justificar as zombarias fáceis de alguns jornalistas desinformados ou alguns espíritos críticos, cuja ignorância e fatuidade superam tudo o que se possa imaginar.

Muitas pessoas aceitam facilmente as histórias ridí­culas lançadas seja em favor do Espiritismo ou contra ele.

A leitura atenta do Espiritismo perante a Ciência­ e, sobretudo, conciliaria todos.

Teria a vantagem de dar segurança aos que começam a estudar a filosofia Kardecista, mostrar-lhes-ia que o Es­piritismo é uma Ciência que desvenda todo um mundo de mistérios, que torna patentes as verdades eternas.

Toda a obra de Delanne nos apresenta uma série de observações que autorizam deduções rigorosamente cien­tíficas.

Essas deduções nos permitem entrever a verdade, nos aproximarmos dela, cada vez mais, embora os caminhos que conduzem até ela sejam árduos e difíceis, mas pode­mos estar certos de ver seu clarão aumentar diante de nossos olhos maravilhados.

Com o sucesso obtido pela obra O Espiritismo pe­rante a Ciência, Gabriel Delanne decidiu prosseguir sua propaganda pelo livro, em favor da doutrina Kardecista e, em 1897, publicava uma nova obra O Fenômeno Espíri­ta, que continha em suas páginas os testemunhos dos sá­bios de todos os países, testemunhos que fariam homena­gem à Verdade, afirmando de forma precisa a realidade dos fenômenos.

Delanne havia posto na abertura dessa notável obra a célebre afirmação de William Crookes Eu não digo que isso é possível, digo que existe, assim como a opinião de Victor Hugo: Evitar o fenômeno espírita, negar aten­ção a quem tem direito é negar a Verdade.

Aliás, Gabriel Delanne teve cuidado de pôr, no fim desse livro, uma lista numerosa das notabilidades que ha­viam afirmado a realidade dos fenômenos espíritas.

Nada melhor podemos fazer do que citar aqui um re­sumo do Prefácio, que poderia ser escrito ainda hoje, tanto parece ajustar-se à nossa época.

Qualquer comentário sobre as linhas que transcreve­mos só poderia enfraquecer o brilho de tal exposição, cuja precisão nada deixa a desejar.

O Espiritismo é uma Ciência que tem por objeto a demonstração experimental da existência da alma e de sua imortalidade, por meio de comunicação com os impro­priamente chamados mortos.

Faz cerca de meio século, (26), que as primeiras pes­quisas sobre esse assunto foram realizadas; homens de ciência, do mais alto valor, consagraram longos anos de estudos para constatar os fatos, que estão na base dessa Ciência, e foram unânimes em afirmar a autenticidade real desses fenômenos, que pareciam fruto da superstição e do fanatismo.

Não são conhecidas essas pesquisas na França, ou as conhecemos mal (27) de sorte que o Espiritismo aparece sempre aos olhos do grande público como a farsa das me­sas girantes.

Entretanto, o tempo fez a sua obra e essa doutrina apresenta hoje ao examinador imparcial uma série de ex­periências rigorosas, metodicamente conduzidas, que pro­vam de uma forma concludente que o eu humano sobrevi­ve à desagregação corporal.

São esses resultados que desejamos expor, a fim de que implantem em todas as consciências a convicção da imortalidade, não mais buscada somente na fé ou no raciocínio, mas solidamente fixada na Ciência, procedendo segundo seu severo método positivo.

A geração atual está cansada das especulações meta­físicas, recusa crer no que não é absolutamente demons­trado e, se o movimento espírita, que já conta com mi­lhões de adeptos no mundo inteiro, não ocupou o primeiro lugar é porque seus seguidores têm negligenciado muito, até agora, de pôr aos olhos do público fatos bem consta­tados.

É tempo de reagir contra os bonzos oficiais, que tentam abafar as novas verdades, afetando uma desdenho­sa indiferença.

Tanto quanto respeitamos e admiramos a ciência, sem prevenções, por quem encara, imparcialmente, todos os fenômenos, estuda-os e os explica friamente, fornecendo boas razões, também sentimos indignação contra a falsa ciência, rebelde a todas as novidades, encerrada em suas convicções adquiridas, e crendo orgulhosamente ter atin­gido os limites do saber humano.

São esses seres, dizemos com Wallace, que fizeram oposição a Galileu, a Harvey, a Jenner.

São esses ignorantes ridículos, que recusaram as ma­ravilhosas provas da teoria das ondulações luminosas de Young; são os que achincalharam Stéphenson, quando ele quis empregar locomotivas ferreas de Liverpool e Man­chester.

Eles tinham muitos sarcasmos contra a iluminação a gás e condenaram Arago, no próprio seio da Academia, quando ele quis tratar da telegrafia elétrica.

Não são esses mesmos seres ignaros que pretendiam ser o magnetismo um charlatanismo e velhacaria e que qualificavam a descoberta do telefone como tapeação americana?

Não é pelo vão prazer de mostrar quanto o espírito humano, mesmo nas classes mais esclarecidas, está sujeito a erro, que citamos alguns exemplos mais chocantes da obstinação dos sábios e de seu horror pelas novidades. É para suscitar um movimento sério em favor dessas pesqui­sas, que têm uma abertura considerável, tanto no domínio material como no campo psíquico.

Se, realmente, a alma não morre e pode agir sobre a matéria, nós nos achamos em presença de forças desco­nhecidas que é interessante as estudemos; constatamos, por isso mesmo, novos modos de energia que nos podem conduzir a grandiosos resultados.

Como a personalidade se conserva, após a morte, fi­camos em face de um outro problema: o do pensamento produzido sem os órgãos materiais do cérebro.

Deixemos de lado os rotineiros, os obstinadamente encarcerados em seus sistemas, abramos bem os olhos, pa­ra homens probos, sábios e imparciais quando nos falam de descobertas recentes e fechemos os ouvidos às grita­rias de todos os eunucos do pensamento, impotentes de sair da craveira de idéias preconcebidas.

É em nome do livre pensamento que convidamos os pesquisadores a se ocuparem com nossas investigações. É com insistência que lhes pedimos não recusar, sem exame, esses fatos tão novos e tão mal conhecidos e ficaremos persuadidos de que a luz brilhará diante de seus olhos, como iluminou os homens de boa fé que, há 50 anos, qui­seram estudar esse problema do Além, tão temível e tão misterioso, antes dessas descobertas.

No livro A Evolução Anímica, publicado em 1897, Delanne apresentou um estudo geral da vida entre os seres organizados, uma análise bem pormenorizada do perispírito e como ele pôde adquirir as propriedades fun­cionais. Num outro , tratou da memória e das per­sonalidades múltiplas.

Como as obras anteriores, esse livro apresenta um interesse considerável e sua leitura é necessária a toda pessoa que deseje conhecer o Espiritismo. A teoria da re­encarnação é nele apresentada claramente:

Com a certeza das vidas sucessivas e da responsa­bilidade dos atos, muitas questões se apresentarão sob outros aspectos.

As lutas sociais, que tomam, em nossa época, um ter­rível caráter de aspereza, poderão ser amenizadas pela convicção de que a duração de uma existência nada é que um momento transitório na eternidade da evolução.

Com menos orgulho para os do alto e menos inveja para os de baixo, uma solidariedade efetiva nascerá, ao contato com essas consoladoras doutrinas e nos será permitido ver desaparecer as lutas fratricidas, estúpidos pro­dutos da ignorância, dissipando-se diante dos ensina­mentos de amor e de fraternidade, que são a brilhante co­roa do Espiritismo. (28)

Tais palavras são hoje bem atuais; apresentam uma importância cada vez maior, porque são confirmadas pelos fatos e encontram sua consagração graças à continuidade do esforço perseverante dos homens de boa vontade.

A obra mestra de Gabriel Delanne é, sem contesta­ção: As Aparições Materializadas dos Vivos e dos Mor­tos; esses dois volumes, por si sós, forneceriam matéria para numerosos volumes de comentários.

Digamos, somente, que, no primeiro tomo, Gabriel Delanne não deixa sem resposta, nenhuma das objeções que são feitas à existência da alma dos vivos. Para prová­lo, fornece uma documentação extraordinária, baseada em múltiplas experiências científicas.

No segundo tomo, mostra a analogia que existe entre o que se passa durante a vida dos seres e o que existe quando, não tendo mais o corpo físico, podem, todavia, manifestar sua sobrevivência através de comunicações post mortem.

Daqui a alguns séculos, quando os historiadores de­sejarem tornar conhecido o que havia na época da barba­ria, quando existiam materialistas, os humanos dessa época ficarão muito espantados ao constatarem que os metap­siquistas nada tinham inventado.

Todas as suas supostas descobertas estão nos livros dos espíritas, que ele desdenham.

Provas constantes se encontram, perlustrando As Aparições Materializadas dos Vivos e dos Mortos.

E verdade que Gabriel Delanne, sábio de linguagem clara, empregava os termos comuns, enquanto que os me­tapsiquistas julgavam necessário, para se fazerem interes­santes aos olhos das massas ingênuas, inventar termos de pronúncia difícil.

Dezembro 1927 - Janeiro 1929 Paris - Butry

O ESPIRITISMO E OS SÁBIOS

ARAGO

Opinião do célebre Arago, considerado o maior sábio do século XIX e que, assistindo aos começos do Espiri­tismo, exclamava, em presença do caráter maravilhoso dos fenômenos:

Quem, fora das matemáticas puras, pronuncia a pa­lavra impossível, falta-lhe prudência.

WILLIAM CROOKES

Opinião de Sir. William Crookes, célebre físico in­glês, que descobriu o tálium, tornou conhecido o estado radiante, inventou o radiômetro, experimentou os raios catódicos e facilitou o estudo dos Raios X (tubos de Crookes):

Tendo me assegurado da realidade dos fenômenos espíritas, seria uma covardia moral recusar-lhes meu tes­temunho.

Após seis anos de experiência sobre o Espiritismo, seis anos durante os quais imaginou numerosos aparelhos destinados a permitir controle científico e registrar os fenômenos, William Crookes escreveu a propósito desses fatos espíritas:

Não digo que isso é possível; digo que existe.

OLIVER LODGE

Opinião de Sir Oliver Lodge, outro grande físico in­glês, cujos trabalhos, no domínio da eletricidade, notada­mente a teoria dos íons, são ensinados no mundo inteiro:

Falando por minha conta e com todo o sentimento de responsabilidade, constatei que, como resultado de mi­nha investigação no psiquismo, adquiri, após tempo e gradualmente, certifiquei-me e estou agora convencido, após 20 anos de estudos, não apenas que a continuidade da existência pessoal é um. fato, mas que uma comunica­ção pode ocasionalmente, com dificuldade e em condições especiais, nos pôr em contato com o Espaço.­

Esse assunto não é dos que permitem uma conclu­são fácil; as provas só podem ser conseguidas por aqueles que a elas consagram tempo e um estudo sério.

Prosseguindo suas pesquisas, o mesmo sábio, que é, ao mesmo tempo, Reitor da Universidade de Birmingham e membro da Academia Real, escrevia ainda:

Eu me considero espírita, porque aceito os fenôme­nos como realidade.

Num de seus mais belos livros: A Sobrevivência Humana, pode-se ler:

Os testemunhos em favor da sobrevivência do ho­mem, isto é, em favor da continuidade da inteligência humana e da personalidade individual além da morte do corpo, têm sido acumulados e tendem agora a se tornarem irrefutáveis.

Afinal, após 30 anos de pesquisas e de experiências, Sir Oliver Lodge foi levado a formular esta frase capital, num discurso pronunciado em Walmorth, a 22 de novem­bro de 1914:

Minha conclusão é que a sobrevivência está cienti­ficamente comprovada por meio da investigação científi­ca.

O livro Raymond ou A Vida e a Morte, no qual o grande sábio inglês confirma todas as suas convicções es­píritas a propósito dos fenômenos que se seguiram à morte de seu filho, teve retumbantes efeitos no mundo inteiro. O eminente físico escreveu em seu prefácio:

A perspectiva de prestar serviço me faz desprezar as zombarias daqueles a quem me exponho. Tenho a esperança de consolar algumas almas aflitas, dando-lhes a certeza de que é possível comunicar-se com os que estão do outro lado do abismo.

LOMBROSO

Opinião do Professor Lombroso, da Universidade de Turin, ilustre criminalista italiano, que combateu por muito tempo as teorias espíritas, mas concordou em estu­dá-Ias:

Sou forçado a formular minha convicção que os fe­nômenos espíritas são de uma enorme importância e que é dever da Ciência dirigir sua atenção, sem prevenções, so­bre essas manifestações.­

Esse sábio emitiu ainda esse testemunho preciso: Tratam o Espiritismo de trapaçaria, o que dispensa comentário. Estou confuso por ter combatido a possibili­dade dos fenômenos espíritas.

RUSSEL WALLACE

Opinião do naturalista Russel Wallace, êmulo de Darwin e presidente da Sociedade Inglesa de Antropolo­gia:

Eu era um materialista tão completo e tão convicto, que não podia haver em meu espírito qualquer lugar para uma existência espiritual. Os fatos, porém, são coisas bstinadas e os fatos me venceram. Os fenômenos espíri­tas são tão comprovados como os fatos de todas as outras ciências.

CAMILLE FLAMMARION

Opinião de Camille Flammarion, o célebre astrônomo francês, cujos trabalhos notáveis permitiram a vulgariza­ção da ciência astronômica em todos os meios:

Não vacilo em dizer que, aquele que declara os fe­nômenos espíritas contrários à Ciência, não sabe do que fala. Com efeito, na natureza não há nada oculto ou sobrenatural; há o desconhecido, mas o desconhecido de ontem se torna a verdade de amanhã.

Não é desnecessário lembrar aqui que Camille Flam­marion publicou alguns anos antes de sua morte, uma obra em 3 volumes A Morte e seu Mistério, verdadeiro mo­numento para a glória do Espiritismo, no qual o Mestre acumula fatos precisos de observações ou de experiên­cias.

BARRETT

Opinião do Professor Barrett, da Universidade de Dublin.

Sem dúvida, de nossa parte, cremos que há alguma inteligência ativa atrás do automatismo (escrita mecânica, transes e incorporações) e, além disso, uma inteligência que é mais provavelmente a pessoa morta, que afirma ser o que não podemos imaginar.

É impossível achar outra solução para o problema dessas mensagens e dessas correspondências cruzadas, sem imaginar uma tentativa de cooperação inteligente en­tre certos espíritos desencarnados e os nossos.

HANS DRIESCH

Opinião do Professor Hans Driesch, titular da cáte­dra de Filosofia, na Universidade de Leipzig:

Não pode ser negado que há fatos de Parapsicolo­gia, que são capazes de tornar a hipótese espírita mate­rialmente (e não mais simplesmente, logicamente) possí­vel e mesmo provável.

C. VALERY

Opinião de C. Valery, engenheiro chefe das Companhias de Telégrafo Internacional e Transatlântico, inventor do condensador elétrico, que permitiu resolver o problema do telégrafo submarino:

O ridículo que os espíritas sofreram parte dos que não tiveram coragem, nem conveniência de fazerem algumas pesquisas, antes de atacar o que ignoram.

E, numa carta a Crookes, Valery acrescenta:

Não conheço o exemplo de um homem de bom sen­so que, tendo estudado com cuidado os fenômenos espí­ritas, não se haja rendido à evidência.

DUCLAUX

Opinião de Duclaux, diretor do Instituto Pasteur, numa conferência feita no Instituto Geral Psicológico:

Não sei se vocês são como eu, mas esse mundo po­voado de influências que nós sofremos sem o conhecer, penetrado desse quid divinum que adivinhamos sem, ter o detalhe, pois bem, esse mundo do psíquismo é o mundo mais interessante que aquele no qual está até confinado nosso pensamento.

Tratemos de abri-lo à nossas pesquisas: lá existem imensas descobertas a fazer em proveito da Humanidade.

Os homens de ciência que, após ter seriamente estu­dado, com a mesma atenção, a mesma paciência e a mes­ma liberdade de pensamento que usaram para estudar as outras Ciências, concluíram em favor do Espiritismo, são cada vez mais numerosos.

Não os podemos citar todos. Muitos deles registram seus trabalhos em obras pouco conhecidas; tal o eminente matemático, A. de Morgan, Presidente da Sociedade Ma­temática de Londres, secretário da Sociedade Real Astro­nômica que escreveu Outliness of Investigation into Modern Spiritualism; Hodgson, Professor na Universi­dade de Oxford, que publicou suas convicções em Spirit Identity; Dr. R. Hare, Professor de Química na Univer­sidade de Pensylvanie, autor da obra Recherches Expé­rimentales sur lês Phénomènes Spirites; Fréderic Myers, Autor da magnífica obra La Personnalité Humaine et sa Survivance; Professor Denton, Professor de Geologia, os doutores Georges Sexton, Chambers e James Gullery.

Os fatos foram também estudados na França, na Rús­sia, na Itália e em outros países por muitos experimenta­dores científicos que lhe confirmaram a exatidão.

Camille Flammarion, o Dr. Gibier, Gabriel Delanne, o Dr. Geley, Léon Denis, etc, publicaram obras com autoridade e a literatura espírita aumenta todos os dias de forma notável.

Sobre o benefício da realidade material do fenômeno espírita deve-se assinalar as Fundações, em Paris, de Jean Meyer: o Instituto Metapsíquico Internacional, reconhecido de utilidade pública e a Maison des Spirites que, sob a direção esclarecida de eminentes pesquisadores, estudam metodicamente as manifestações da mediunidade sob todas as formas.

Não se pode falar das relações entre o Espiritismo e os Sábios, sem destacar notáveis trabalhos do Professor Crawford, do Colégio de Belfast que, ele próprio, nitida­mente concluiu com entidades diretoras nos fenômenos do Espiritismo.

Na Itália, o astrônomo Porro, o professor Santoliqui­do, Bozzano; na Rússia, os professores Aksakof e Ocho­rowicz, etc, trouxeram sua preciosa contribuição à causa espírita.

O Espiritismo os escritores e os Filósofos

O grande poeta Victor Hugo era francamente espíri­ta, ele escreveu:

Evitar o fenômeno espírita, negar-lhe a atenção a que tem direito, é negar a Verdade.­

O Padre Lacordaire escrevia, na época de Allan Kardec a Mme Swetchine:

Vistes girar e ouvistes as mesas falar? Desdenhei de vê-Ias girar, como uma coisa muito simples, mas as te­nho ouvido e feito falar. Elas me disseram coisas muito notáveis sobre o passado e sobre o presente.

Citemos ainda essas duas opiniões de escritores fran­ceses:

Creio nos espíritos batedores da América, atestados por 15.000 assinaturas, Auguste Vacquerie.

Eu ri, como muita gente, do Espiritismo, mas o que eu tomava como riso de Voltaire era o riso do idiota muito mais comum que o primeiro. Eugène Bonnemère.

O grande filósofo alemão Schopenhauer escreve em suas Mémoires sur les Sciences Occultes:

Sim, os fatos de Telepatia, sim, os da adivinhação existem; o ausente aparece, portanto, ao ausente; o mori­bundo, a milhares de léguas, se mostra a seu amigo...

E eis que esse discípulo de Kant dá um passo a mais e ousa declarar possível:

Em nome do método correto e da especulação séria, essa coisa formidável: as aparições de espíritos, uma certa comunicação dos vivos como os mortos...

Aqui a opinião de dois grandes filósofos franceses contemporâneos:

BOUTROUX

Boutroux, membro da Academia Francesa, escrevia: Um estudo amplo, completo do psiquismo não oferece apenas um interesse de curiosidade, mesmo científico, po­rém, ainda interessa muito diretamente à vida e ao destino dos indivíduos e da Humanidade.

BERGSON

Bergson, professor do Colégio de França, cujas dou­trinas sobre a Evolução fizeram um ruído enorme no mun­do inteiro, dizia, numa conferência sobre A Alma e o Corpo, em 28 de abril de 1912:

Se, como temos tentado demonstrar, a vida mental ultrapassa a vida cerebral; se o cérebro se limita a tradu­zir em movimentos uma pequena parte do que se passa na consciência, então a sobrevivência se torna tão verossímil que a obrigação da prova caberá a quem nega, mais do que a quem afirma, pois a única razão para crer na extin­ção da consciência após a morte é que se vê o corpo de­sorganizar-se e essa razão não tem mais valor, se a inde­pendência da quase totalidade da consciência a respeito do corpo é, ela também, um fato que se constata.

Agora, a opinião do bem conhecido escritor Victor Margueritte:

Creio que tudo que viveu na Terra não pode desa­parecer. O espírito não pode ser aniquilado...

Em existências sucessivas, o espírito se desenvolve, progride... Porque, em nosso mundo, nada existe, além da Educação... Espírito, educação, é preciso sempre retor­nar...

E, afinal, a opinião de Ford, homem de negócios, na América, o criador da grande indústria automobilística: Pois bem, não há outra vida, só existe esta, que continua, continua sem cessar e que se realiza cada vez mais. A vida não pode morrer. Longfellow tinha razão: Não há morte. Não é poesia, é Ciência. A vida que po­deria morrer não poderia ser vida.

A vida é perfeita e contínua. As faculdades intelectuais do indivíduo remontam a centenas de séculos. O que chamamos de conhecimentos inatos não é, em suma, mais que a herança de existências anteriores.­

A LUCIDEZ E A PRESTIDIGITAÇÃO (29)

Quiseram fazer dos prestidigitadores os árbitros da realidade dos fenômenos psíquicos.

É útil apresentar aqui a opinião do mais célebre dentre eles: Robert Houdin, numa carta ao Marquês E. de Mirville:

Voltei dessa sessão espírita tão maravilhado quanto foi possível e persuadido de que é impossível que o acaso ou a habilidade possam jamais produzir efeitos tão sur­preendentes. Minha arte de prestidigitador é incapaz de reproduzi-los.

O ESPIRITISMO

O Espiritismo prova, pela observação direta e pela experiência:

1°) A existência, no ser humano, de um Duplo Fluí­dico, envoltório imperecível da alma e arquivo do corpo físico;

2°) Que a alma, entidade imaterial individualizada e seu envoltório fluídico (perispírito), invisível nas condi­ções ordinárias, se destaca, pela morte, do corpo físico e sobrevive no mundo espiritual;

3°) Que, sendo preenchidas certas condições, os Es­píritos (almas desencarnadas) podem, com auxílio de seu perispírito, manifestar-se de diversas maneiras aos vivos, e lhes transmitir mensagens pessoais.

O ESPIRITISMO NOS ENSINA

a) Que a alma humana é progressiva e que evolui pa­ra a Perfeição, de vida em vida, de grau em grau, através das provas e vicissitudes sem número, que a despojam de suas imperfeições e a purificam;

b) Que não há julgamento sem apelação, diante da justiça divina, que toda falta é reparável e deve ser repa­rada;

c) Que o progresso moral e social interessa de igual modo a todos os homens;

d) Que a prática do Bem e da Fraternidade é a Lei inelutável da ascensão indivídual e coletiva.

Estudai o Espiritismo!

APÊNDICE

1 - Origens da União Espírita Francesa (*).

2 - Discurso de Gabriel Delanne na sessão inaugural da União Espírita Francesa, em 24.12.1882 (*).

3 - Discurso de Léon Denis na sessão inaugural da União Espírita Francesa, em 24.12.1882 (*).

4 - Estatuto da União Espírita Francesa (*).

5 - A desencarnação de Gabriel Delanne na de março de 1926. Revista Espírita

6 - Fotos.

ORIGENS DA UNIÃO ESPÍRITA FRANCESA

Em 4 de setembro passado (1882), houve em Paris, na sede da Sociedade da Rua dos Petits-Champs, uma reunião de espíritas, na qual foram discutidas questões apresentadas por nossos confrades da Bélgica, para a criação de uma Federação Francesa.

Um pouco mais tarde, Leymarie, estando na Bélgica, escreveu de Liège, em 22 de setembro, a um espírita pa­risiense, uma carta da qual extraímos a seguinte passa­gem:

Havia aqui uma profunda cisão entre os espíritas belgas. Pude apaziguar os conflitos e, nesta noite, espero que haverá uma geral reconciliação e, se minha presença conseguir esse resultado, bendirei todos os meus esfor­ços.

Por que o que acontece aqui não aconteceria em Pa­ris? Deveis me ajudar, meu amigo; vossos pais, sendo devotados à nossa Doutrina, devem esquecer os inciden­tes que conseguiram perturbar a harmonia.

Não poderíamos nós, dando-nos as mãos, nos unir e nos amar, ser o exemplo da conciliação e do esquecimen­to do passado, criando seriamente a base da sociedade espírita futura?

Diante de um tal apelo à conciliação, o dever de to­do espírita sincero era de corresponder.

Uma Comissão se formou, tendo por objetivo agru­par os dissidentes e, ao mesmo tempo, estudar um proje­to de Estatuto para a futura Federação Francesa.

Terminados os trabalhos, a Comissão expôs os re­sultados, diante de uma Assembléia de 150 pessoas, na Rua Saint-Denis.

Elaborado o Estatuto, foi aprovado por unanimidade e logo vários assistentes queriam fundar a Federação sob o título de União Espírita Francesa.

Observou-se, então, que não se poderia fazê-lo, por­que não se estava numa Assembléia Geral, capaz de re­presentar todos os espíritas franceses.

Foi então resolvido dirigir-se à sede da Sociedade, na Rua dos Petits-Champs, onde uma outra reunião seria realizada no domingo de 19 de novembro.

Foi-se para lá. O presidente fez a leitura de uma sé­rie de questões relativas à constituição de uma Federa­ção Francesa e Belga. Em seguida, leu-se um projeto da

União Espírita Francesa, incluindo a criação de um Jornal bem barato, para órgão da Associação.

( Na discussão, prevaleceu o princípio de uma Fede­ração ou União Espírita Francesa, sem prejuízo das liga­ções que se pudessem, mais tarde, formar com outros países ).

Sendo muitas as questões referentes à organização dessa Federação, foi decidido, por proposta de Leymarie, que se nomeasse uma Comissão Mista, cuja finalidade era preparar um trabalho para ser submetido à apreciação de uma assembléia geral, a única que seria qualificada para tomar resoluções definitivas.

Pôde-se ver, então, um comovente espetáculo dos espíritas dissidentes se apertarem as mãos e se tratarem como irmãos, reinando a alegria e a concórdia em todos os corações.

Leymarie, no decurso da reunião, ofereceu, gracio­samente, o local da Sociedade Espírita para ali realizar as sessões da Comissão, o que se aceitou, resolvendo-se uma reunião para domingo e quarta-feira.

Uma sessão bem curta foi feita naquela mesma noi­te e a Comissão, inspirando-se nos debates da assem­bléia, adotou o título de Federação (ou União) Espírita Francesa.

A segunda sessão realizou-se na quarta-feira seguin­te, em 22 de setembro.

A Comissão ia continuar seus trabalhos, quando um de seus membros, o sr. Vautíer, declarou que, sendo o administrador da Sociedade Anônima para continuação das obras de Allan Kardec, não podia permitir que, no lo­cal daquela Sociedade, se fundasse um novo jornal, por­que, afirmava ele, isso era nocivo aos interesses da Re­vista Espírita.

Tentou-se demonstrar-lhe que não seria assim e que a difusão de nossas idéias não poderia prejudicar a livra­ria espírita e que, além disso, se aceitara a Sociedade Espírita como sede da Comissão por proposta de Leyma­rie.

Nenhuma dessas explicações demoveu o aparteante de suas idéias e um dos membros propôs que a reunião fosse feita em sua casa, o que foi aceito.

A Comissão, para ficar no exercício de seu mandato, continuou seus trabalhos, apesar da abstenção de algu­mas pessoas, que se retiraram, pretendendo um projeto para uma Federação Franco-Belga.

Aqui está um rápido relato da reunião havida em Pa­ris, a 24 de dezembro último, no salão da Redoute, à rua J. J. Rousseau, 35, na presença de mais de 400 pessoas.

DISCURSO SOBRE DEUS:

Gabriel Delanne

Senhoras e Senhores,

Lançamos hoje os alicerces de uma grande e fecun­da obra para o futuro: os membros da família espirita, dispersos, após a morte de nosso mestre Allan Kardec, vão se reunir, novamente.

A Doutrina vai tomar um grande impulso, graças a nossos esforços comuns.

Estudaremos sob a direção dos Espíritos as grandes questões que tratam da imortalidade da alma; porém, pa­ra nos apoiarmos em base sólida, em nossas pesquisas, na busca da Verdade, convém nos entendamos sobre o ponto de partida de nossos trabalhos.

A questão da existência de Deus é a mais grave que se possa apresentar; eis porque acho necessário estu­dá-Ia convosco, sob o ponto de vista espirita.

Todas as religiões antigas fizeram uma falsa idéia da Divindade; consideravam-na como uma emanação idealizada da personalidade humana e não como um ser concreto e distinto de nós; elas lhe reconhecem um poder superior ao da Humanidade, mas, ao mesmo tempo, lhe atribulam a maior parte das paixões.

Essa concepção era a resultante do estado geral dos espíritos.

O princípio espiritual do homem, devendo sofrer evoluções sucessivas, antes de alcançar a perfeição, não podia, nas primeiras idades, oferecer uma idéia justa do Ser Supremo, que chamamos Deus.

Quanto mais o Espírito se desenvolve, mais suas fa­culdades intelectuais progridem; a evolução, seguindo seu curso incessante, favorece a eclosão das novas idéias; a Ciência, ampliando a compreensão humana, re­cua as margens impostas pela ignorância e pelo precon­ceito; as faculdades se engrandecem e se elevam; a no­ção da Divindade é relacionada com o progresso do Espí­rito e um Deus, que reina em nosso pequeno mundo, não basta mais à alma que descobriu a infinidade do Univer­so.

A ajuda que a Ciência deu ao gênio humano fê-lo penetrar nas profundezas do vazio. O Espírito se lança nos espaços, graças à visão telescópica e descobre mi­lhares de mundos girando no éter e lançando suas es­plêndidas harmonias nos celestes campos da imensidão.

É diante desses horizontes, recentemente abertos à investigação humana, que o Espírito maravilhado, con­cebe o Criador de todas as coisas, tão acima de nós que só um esforço da razão pode fazer que o entendam.

A ordem, a grandeza, a majestade reinam por toda a parte; tudo demonstra a bondade, a justiça d'Aquele de quem todos os esplendores são apenas pálido reflexo.

Não, o Deus moderno não é mais esse poder impla­cável e vingativo, que condena eternamente o homem pela falta de um momento.

Não, a sombria divindade da Bíblia não reina mais sobre nós, como uma perpétua ameaça.

Não é mais o Jeová rancoroso que ordenava a de­gola dos que não acreditavam nele e que fazia curvar milhares de homens sob o vento da cólera, como um ro­seiral sob o Aquilão furioso.

O Deus moderno nos apareceu como a expressão da mais perfeita das Ciências e das virtudes.

Sua inteligência suprema se manifesta no admirável entrosamento das forças que dirigem o Universo; sua bondade, pela lei da reencarnação, nos permite resgatar nossas faltas pelas expiações sucessivas e nos elevar,gradativamente, até sua infinita majestade.

Nossas relações com os Espíritos nos sustentam nos duros combates da vida e nos dão uma energia constan­te, para atingir o fim a que estamos destinados.

Em face desses ensinos de amor e de caridade, ruem as velhas lendas que faziam mergulhar nossos Es­píritos num dogmatismo absurdo e tirânico.

Já não é mais necessário elevar nossos olhares para a abóbada celeste, a fim de nos convencermos de Deus. Neste ínfimo globo que habitamos, a Terra mostra, sem cessar, aos nossos olhos o emocionante quadro de suas transformações. As estações seguem seu curso, os corpos se combinam, a vida circula sobre o planeta, jun­tando e desagregando as moléculas, segundo leis inelu­táveis.

Quais são essas leis? É o que, desde 4.000 anos, o homem busca estabelecer.

Mal percebe algumas poucas diretrizes e já se crê elevado ao píncaro dos conhecimentos humanos.

A atração planetária é um fato que ele constata, sem explicá-lo; a eletricidade é um fluido que ele só conhece por seus efeitos; a luz, o calor, quantos mistérios para o homem que procura aprofundar sua constituição íntima.

Todavia, as leis que produzem esses fenômenos têm entre si analogias que denotam uma identidade de ori­gem. Todas elas se cumprem maravilhosamente, tão logo se apresentem as circunstâncias em que se possam exer­cer. É preciso, pois, que exista uma força incessante que as faça agir.

Dir-se-á que tal molécula tem afinidade por uma ou­tra; que isso é a causa das combinações; porém, que é essa afinidade?

Quem dotou a matéria dessas atrações e repulsões? Dizer que ela as possui de toda a Eternidade é recuar o problema e não resolvê-lo, porque chegamos, pelo estudo da Mecânica Celeste, à necessidade de uma causa pri­mária inicial.

Além disso, na Natureza, tudo é harmonia; os corpos se unem, em proporções definidas, isto é, há para cada corpo uma determinada quantidade de matéria que se combina, quaisquer que sejam as condições nas quais fa­çamos a experiência.

Tudo vibra, na Natureza, em acordes harmônicos, em condições determinadas por uma inteligência, contudo as leis das quais resulta essa harmonia lhe são superiores, pois a causa é sempre maior que o efeito.

Se essas observações são verdadeiras, no mundo material, vamos ver que elas o são igualmente no mundo espiritual, cuja existência nos é demonstrada, de uma forma irrefutável, pois faz parte de nossa crença.

Sabemos, pelos Espíritos, que eles próprios obede­cem a regras que lhes são impostas. Ora, continuando a aplicar minha teoria, direi: Supondo mesmo que a matéria sempre haja existido e que obedeça a leis eternas, que possuía, desde a origem, pedirei aos materialistas me di­gam de onde vem o principio espiritual, que é indepen­dente da matéria, que se manifesta de mil formas dife­rentes em nossas reuniões, conforme constatamos cada dia.

Esse princípio também tem leis às quais é forçado obedecer e que são evidentemente superiores ao espírito, pois os domina.

Dal concluímos por uma força eficiente que chama­mos Deus, governando a matéria e o Espírito!

Disso resulta, pelo visto, que o Deus que compreen­demos é a infinita grandeza, o infinito poder, a infinita bondade, a infinita justiça!

É a iniciadora, por excelência; é a força incalculável, a harmonia universal!

É Deus que paira acima da Criação, que a, envolve com seus fluidos, que a penetra por sua razão. E por Ele que os Universos se formam, que as massas celestes apresentam seus esplendores deslumbrantes, imen­sidões do Infinito.

É por Ele que os planetas gravitam nos espaços, em torno dos focos luminosos, formando brilhantes auréolas de sóis.

É Deus a vida eterna, imensa, indefinível, é o come­ço e o fim, o Alfa e o Ômega.

É Ele que, no abismo dos tempos, quis que o Uni­verso existisse e a poeira cósmica entrou em movimento.

É por sua vontade que as admiráveis leis da matéria desenvolvem no Infinito as combinações maravilhosas que produzem quanto existe.

É sua razão sem limites que ordenou tudo fosse fei­to em vista de um efeito inteligente.

É sua justiça que traçou em caracteres indeléveis as leis de fraternidade e solidariedade que se fazem sentir entre os homens e os mundos.

É sua bondade inefável que deu ao homem, inces­santemente, o meio de conseguir a felicidade através das encarnações sucessivas.

Oh! Deus-Poderoso, que minha razão ao menos compreenda, Criador de todas as coisas!

Não te posso definir, mas te adoro em tuas obras. Anulo minha personalidade pensante diante de ti, sei que, por menor que me tenhas feito, tu me vês e me sus­tentas e que, por tua ajuda, chegarei à Perfeição.

Eis porque bendigo teu nome, ó Pai e Criador de to­das as coisas!

(Vivos Aplausos)

DISCURSO DE LÉON DENIS

- Sob a presidência do Dr. Josset, sendo secretários Chaigneau e Gabriel Delanne.

Após o discurso de Gabriel Delanne, sobre a Exis­tência de Deus; a palavra é então dada a nosso irmão Léon Denis, vindo de Tours:

Léon Denis

Após ter descrito a situação moral que o ceticismo, de um lado, a superstição cega, do outro, fazem à socie­dade moderna, Delanne demonstrou o que poderiam rea­lizar as forças sociais, essas imensas forças, infelizmente esterilizadas pelo ódio, no dia em que elas fossem fe­cundadas pela lei, pela fé esclarecida, racional, a que pode oferecer aos homens o conhecimento da filosofia espírita.

Diante dos males que ameaçam o mundo, entregue aos assaltos do materialismo e das paixões brutais, todo espírita deve compreender que lhe cabe uma grande tare­fa.

A primeira, dentre todas, vemos no objetivo da vida, discernimos as leis que regem a evolução dos seres, pos­suímos esse tesouro inesgotável de consolação, de ver­dades que confortam as almas, estimulando-as na senda do bem, do progresso intelectual e moral.

Nossa responsabilidade é proporcional à extensão de nosso saber, de nossos conhecimentos.

Temos o dever de comunicar a todos as verdades que são nosso tesouro, de propagar para o mundo esse ensino regenerador.

Em vão, os obstáculos se acumulam à nossa frente. Apoiados, sustentados pela legião dos Espíritos de luz, combateremos com sucesso o bom combate, triunfa­remos sobre as dificuldades, imporemos a todos o amor ou, pelo menos, o respeito às nossas crenças.

E que não nos falem sobre a carência de recursos e a humilde situação dos espíritas.

Todas as grandes idéias, todas as doutrinas novas foram difundidas pelos pequenos, pelos humildes.

Exemplo: Os primeiros cristãos.

Como eles, nós temos a fé. Mais do que eles, temos conosco a razão e os fatos. Só nos falta a união, a união dos corações e dos esforços.

Criais uma Associação que reúne todos os Grupos da França, uma Associação dirigida por homens inteligen­tes, experimentados, designados por eleição e que tra­zem, com um absoluto desinteresse material, um devotamento sem limites à causa que servimos.

Criais um poderoso Centro, que imprime um vigoroso impulso aos estudos e à propaganda do Espiritismo, um meio onde não há lugar para os dissentimentos, as rivalidades, as questões pessoais.

Todas as questões materiais devem desaparecer, diante da grandeza dos interesses que defendemos.

Unamo-nos, apoiemo-nos uns aos outros, fundemos uma obra de fraternidade, uma obra que agrupe num fei­xe nossas forças, nossos meios de ação, que os faça convergir para um fim elevado, para esse objeto constan­te de nossa solicitude, de nossas meditações: O Progres­so Moral, a Regeneração da Humanidade.

Comentário sobre o discurso de Léon Denis.

O que não nos foi possível transcrever foi o calor, a inspiração, a majestade da linguagem do eminente confe­rencista. A assembléia estava presa aos seus lábios; sen­tia-se vibrar sua alma, sob os acentos emocionantes do orador. Outrossim, essa improvisação foi muitas vezes in­terrompida por entusiásticos aplausos.

Fonte Bibliográfica:

Fondation de l'Union Spirite Française

(Compte - Rendu) 1883

87

ESTATUTO DA UNIÃO ESPÍRITA FRANCESA e a fundação de um jornal, adotado pela Assembléia Geral de 24 de dezembro de 1882.

Título Primeiro

Para dar novo impulso ao Espiritismo, na França, um certo número de espíritas e dirigentes de Grupos de Paris se reuniram e formaram uma Comissão Provisória para organizar a União Espírita Francesa.

Título Segundo

Art. 1 ° - A União tem por finalidade o congraçamen­to dos espíritas franceses, o estudo de todos os fenôme­nos espíritas e a difusão da filosofia e da moral do Espiri­tismo por todos os meios que as leis autorizam e, princi­palmente, pela publicação de um jornal bimestral, tendo por título: O Espiritismo, órgão da União Espírita Fran­cesa.

Art. 2° - Essa Associação se denominará União Es­pírita Francesa. Sua sede provisória é na Galeria de Va­lois, 167, no Palais Royal, onde se realizarão as reuniões, na primeira 6 feira de cada mês, às 8 horas.

Art. 3° - As questões políticas e polêmicas religio­sas não serão permitidas.

Art. 4° - A União se compõe de membros titulares, honorários e correspondentes.

Art. 5° - Todos os titulares, homens ou mulheres, são elegíveis a quaisquer funções, que são eletivas e to­talmente gratuitas.

Art. 6° - O ano social começa em 31 de março e as eleições administrativas serão realizadas na 219 quinzena de abril.

Título Terceiro

Art. 7°- A União será administrada por uma Comis­são Central de pelo menos 30 membros, nomeados pela Assembléia Geral. Será nomeado um presidente titular, encarregado de representar a União nos relacionamentos com as autoridades.

Art. 8° - Para cada sessão a Comissão escolherá seu presidente dentre seus membros.

Atribuições da Comissão

Art. 9°- As principais atribuições da Comissão são: 1 u - O cuidado pelos interesses da Doutrina e por sua difusão;

2° - O estudo dos novos princípios susceptíveis de entrar no corpo da Doutrina;

3° - A concentração de todos os documentos e en­sinos que possam interessar ao Espiritismo;

4° - A expansão dos elos de fraternidade entre os adeptos das Sociedades dos diferentes países;

5° - A correspondência;

6° - A direção do jornal, que será o órgão da Fede­ração, também chamada União Espírita Francesa;

7° - A direção das sessões da União;

8° - O ensino oral e as conferências;

9° - As visitas e orientações às reuniões e Grupos de Paris e dos Departamentos;

Essas atribuições serão distribuídas entre os diferen­tes membros da Comissão, conforme a especialidade de cada um.

Art. 10° Para atender às despesas da União, have­rá uma cotização anual de 6 francos.

Do Jornal

Art. 11° - A assinatura do jornal bimestral Le Spiri­tisme, com 8 páginas de textos, será de 4 francos por ano.

Art. 12° - Qualquer membro que faça um donativo de 50 francos, adiantadamente, terá o título de fundador.

Art. 13 °- Qualquer membro que faça um donativo in­ferior a 50 francos, terá o título de subscritor.

Art. 14° - A mensalidade não poderá ser inferior a 5 francos.

Art. 15° - O jornal será o órgão da União Espírita, que designará os membros de sua direção e redação.

Observações

Pedimos a nossos irmãos em crença que nos quise­rem enviar suas adesões que observem haver em nossa obra três setores distintos:

1°) Para a Federação: 6 francos

2°) Assinatura do jornal: 4 francos por ano

3°) Donativos para a fundação do jornal e atividades da Federação

As contribuições serão recebidas por: Delanne - Passage Choiseul, 39 e 41 Cochet - Galeria de Valois - Palais Royal, 167 Lussan - Rua Richelieu, 21

GABRIEL DELANNE

(Revue Spirite - março/1926) (JEAN MEYER)

Nossos grandes veteranos, nossos mais caros ami­gos, os pioneiros da Causa em prol da qual militamos, lado a lado, nos estão deixando, um de cada vez.

Após CAMILLE FLAMMARION, após JULES PO­TOCKI, um valoroso espiritista - GABRIEL DELANNE - acaba de deixar esta vida, a 15 de fevereiro.

O Espiritismo mundial receberá essa notícia com uma grande tristeza, uma aflição profunda.

Sem dúvida que estamos soberanamente amparados por nossas reconfortantes convicções, para aceitar com firmeza os golpes dessa Morte, que lança, por vezes, os não-espíritas nos abismos da dor, de onde nada conse­guiria tirá-los.

Sem dúvida, sabemos que GABRIEL DELANNE já está colocado nessa pátria espiritual, cujos caminhos ele preparou para tantas almas, pelo magnífico exemplo de sua convicção, pelo admirável ensinamento de suas obras.

Temos, pela educação do Espírito e pela firmeza das provas, toda a preparação necessária para receber uma tão triste notícia, de ver partir os melhores dentre nós.

Resta-nos, em nossa tristeza tão humana, a susten­tação que nos dá a verdade irrefutável da sobrevivência e da continuidade do Espírito consciente e ativo, muito além dos punhados de terra que os coveiros lançam so­bre os túmulos.

Todavia, como nos defendermos contra uma atitude não de protesto, seguramente, porém, de saudosas lem­branças, sabendo que GABRIEL DELANNE não está mais vivo entre nós?

Um homem tão valioso para seu tempo e para seus contemporâneos, um semeador de tão úteis lições não nos deveria deixar agora.

Fazia muitos anos que ele sofria, fisicamente. Estava doente e preso a uma dolorosa cadeira de rodas.

Para qualquer outra pessoa, menos para ele, a exis­tência terrena teria sido apenas um martírio.

Muitos, em seu lugar, teriam pedido para sair dessa vida. Todavia, de si próprio ele tirava uma bravura que não fraquejava em nenhum instante, e sua alma, sempre bem jovem, sempre bem alerta, não se revoltava contra a adversidade psíquica.

A bem da verdade, parecia que todas as forças en­fraquecidas por um corpo esgotado estavam concentradas num Espírito irredutivelmente ativo e criador.

Não havia mês em que não se encontrasse em al­gum lugar, nas publicações espíritas, a assinatura e o pensamento encorajador de GABRIEL DELANNE.

No silêncio de seu retiro forçado, esse espírita sem­pre lutava, num ininterrupto combate, contra o erro dos incrédulos e a parcialidade dos zombeteiros, agrupava em seu derredor os que partilhavam de sua doutrina filosófi­ca, moral e científica, e lhes prodigalizava o pão nutritivo de uma sadia massa, o alimento espiritual que fortalece as crenças entre os que a adquirem e as consolida entre os que tendem para a dúvida.

Ele preparava, compunha, publicava obra após obra. Sabíamos que, mesmo não ignorando a situação recária de sua saúde, havia elaborado para o futuro um plano de trabalho que comportava a realização de ainda mais uma importante obra.

Ele era desses espíritas que têm o orgulho de dizer: ` - Espírita sempre o fui. O tempo de minhas primei­ras recordações remonta a 1860. Meu pai era espírita. Aprendi o francês, ouvindo-o falar de Espiritismo, com explicações e raciocínios.

Formei minhas concepções sobre o mundo e as cria­turas pela prática daqueles raciocínios.

Entretanto, GABRIEL DELANNE não podia imaginar, nos dias de sua adolescência, que se tornaria um dos grandes vultos do Espiritismo Kardecista a seu tempo.

O destino parecia querer conduzi-lo para outros ca­minhos. Jovem ainda, cursava a Escola Central das Artes e Profissões: deveria ser engenheiro eletricista.

Assim, ele já confrontava seu pensamento com as precisões da Ciência e pode-se dizer que essa formação intelectual lhe foi um auxiliar jamais esquecido, sempre utilizado no terreno onde ele devia prosseguir uma notá­vel obra de proselitismo.

No Espiritismo de GABRIEL DELANNE, na elabora­ção de suas obras, na ordenação de sua lógica aparece, em todas as páginas, em todas as exposições, esse as­pecto da exatidão científica, esse respeito pela verdade demonstrada, esse cuidado racional de apoiar a afirma­ção num testemunho preciso.

Seus primeiros estudos não o desviaram das pesqui­sas sobre o Espiritismo experimental, do qual houvera ti­do comprovação na própria família.

Nos começos de 1870, dedicou-se à Doutrina, reso­lutamente.

Adquiriu, então, pela observação de fenômenos veri­ficados pessoalmente, a certeza de que nenhuma con­cepção materialista do mundo poderia explicar esses fe­nômenos essencialmente psíquicos.

Desde aquele dia, começou sua pesquisa e pode-se dizer que ele pesquisava, sempre com a mesma tenaci­dade, com a mesma vontade inabalável, até no momento em que fechou os olhos para reabri-los sobre as perspec­tivas do Além.

Ele quis conhecer todos os grandes médiuns e com eles experimentar.

Sua obra é farta em relações onde presta conta da­quilo que viu, fornecendo explicação bem alicerçada na Doutrina e nos fatos.

Em 1897, fundava a Revista Científica e Moral do Espiritismo. Havia publicado seu primeiro livro em 1883. Será necessário recordar os títulos das demais? Todas as suas obras se acham hoje entre os grandes clássicos do Espiritismo e o mundo inteiro as conhece: Pesquisas sobre a Mediunidade, A Alma é Imortal, O Es­piritismo perante a Ciência, O Fenômeno Espírita, A Evolução Anímica, As Aparições Materializadas dos Vivos e dos Mortos, O Fantasma dos Vivos, As Aparições dos Mortos, A Reencarnação, etc.

GABRIEL DELANNE era presidente da União Espiri­ta Francesa e Membro da Comissão do Instituto Metapsí­quico Internacional.

Morreu no mómento em que ia escrever, para o Boletim da União, uma daquelas eloqüentes páginas que levavam a marca do mais nobre pensamento e onde ele enviava sua fraternal saudação a todos os espíritas franceses, pela próxima Assembléia Geral da União Espí­rita Francesa.

Infelizmente, não foi essa página que se leu no ca­beçalho do Boletim, porém, um necrológio.

O homem de bem, que acaba de cumprir sua tarefa neste mundo, tinha lamentado não comparecer ao Con­gresso Espírita Internacional, em setembro de 1925, por dificuldades de locomoção.

Sua voz, porém, lá se fez ouvir e, no instante em que redigimos estas linhas, parece-nos ser um dever elementar para com GABRIEL DELANNE dar-lhe a pala­vra e ouvi-lo ainda nos dizer o que ele afirmava com uma grande confiança, em sua bela mensagem ao Congresso, onde falava, como membro honorário da Federação Espí­rita Internacional:

Amanhã, todos os homens de boa-fé serão forço­samente conduzidos ao conhecimento da individualidade humana, do princípio pensante, da alma e, por conse­qüência, da sobrevivência após a morte.

Nenhuma vã argumentação prevalecerá diante dos fortes testemunhos que emanam diretamente do Além, onde a vida é mais real que a da Terra.

Para todas as nossas pesquisas não temamos pedir ao mundo invisível as informações necessárias.

Não nos esqueçamos de que uma falange de gran­des sábios continua no Além a se interessar por nossos trabalhos. Eles se juntam aos Espíritos de Luz, que toma­ram a direção do grande movimento de renovação moral e intelectual, tão necessário para o momento atual! Solicitemos sua presença, com todas as nossas for­ças! Que eles nos inspirem!

Fraternal apelo à Ciência dos homens e à Ciência dos Espíritos. Era toda a vida de GABRIEL DELANNE, sintetizada em poucas palavras.

Agora, nosso grande amigo, nosso grande irmão, esta do outro lado, Ele forma junto aos nossos guias. Nos­sos pensamentos o acompanham em sua serena ascen­são.

Não duvidemos de seu breve retorno para nós, a fim de sempre nos ajudar e esclarecer porque a desencarna­ção lhe aumentará a capacidade espiritual.

FOTOS

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Entrada do prédio em que está situada atualmente a So­ciedade Francesa de Estudos de Fenômenos Psíquicos.

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Fundos do prédio da Sociedade Francesa de Estudos de Fenômenos Psíquicos com vista parcial do Salão de Reuniões.

*

Túmulo da Família Delanne, no Père Lachaise.

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Fim

Notas de Rodapé

(1) Ver "O Espiritismo", 2° quinzena, setembro de 1888.

(2) Essa observação é muito importante. Prova que uma Sociedade Espírita deve ter em sua direção pessoas instruídas e de uma rigorosa honestidade.

(3) "O Espiritismo, janeiro 1889, página 9.

(4) Pormenor indicado por Gabriel Delanne a Henri Regnault.

(5) Gabriel Delanne se mostrou um adversário dessa forma de operar. "Se, dizia ele, boas sessões puderam ser obtidas na obscuridade - o que não é contestável - entre­tanto é melhor não recorrer a elas e experimentar mais sim­plesmente em plena luz."

(6) Nota do tradutor: Pelo mundo inteiro.

(7) Ver Apêndice página 73.

(8) Revista Espírita, fevereiro 1883.

(9) A Sociedade Francesa de Estudos dos Fenômenos Psíquicos continuou a se inspirar na máxima proposta por seu Presidente, Gabriel Delanne.

(10) Naquela época, 5000 francos representavam uma soma com a qual já se podia tentar uma operação comercial.

(11) Memorial redigido por Gabriel Delanne, Durvile, ADubet e Bouvery

(12) Breve lançamento do Depto. Editorial do CELD.

(13) Ver Anais do Congresso Espírita de 1925, pp. 125.

(14) Ver, mais adiante, as notas relativas à fundação da União Espirita Francesa, em 24 de dezembro de 1882.

(15) Paul Leymarie, Editor. A venda nas Edições J. Meyer.

(16) Ver "Tu Reviverás", por Henri Regnault, páginas 23 e 175, para compreender a diferença entre a resignação passiva e resignação ativa.

(17) Essa cifra, bem entendido, foi consideravelmente aumentada, depois de 1907.

(18) A esses nomes pode-se hoje acrescentar muitos ou­tros. Seriam precisas várias páginas para dar uma lista mais completa.

(19) Os métodos de experimentação tornam-se cada dia mais nítidos e mais perfeitos.

nossos futuros destinos.

(20) Essa tendência ridícula está ainda acentuada nes­ses últimos anos. O orgulho científico, levado ao paroxismo, não recua diante de nenhuma mudança de termos, para assegurar o benefício moral de uma pretensa descoberta nova.

(21) Dr. Le Bon - A Evolução da Matéria, página 154 e seguintes.

(22) Chegaram a esse resultado, porque W. Crookes conservou os cabelos de Katie King.

(23) Allan Kardec, A Gênese, Os Fluidos, página 305.

(24) A frase está sublinhada pelo próprio Allan Kardec.

(25) Henri Regnault publicará mais tarde uma obra completa sobre a obra de Gabriel Delanne. Ali encontrare­mos sobre a vida desse sábio filósofo alguns dados inéditos, que não foram colocados aqui.

(26) Não esqueçamos que esse Prefácio foi escrito em 1897

(27) Escritas em 1897, essas linhas continuam verdadei­ras em 1936 e, embora o Espiritismo conte com um grande número de adeptos, a estupidez humana e a ignorância ainda não foram vencidas.

(28) Ver, a propósito do Espiritismo na vida social, as obras de Henri Regnault:

- "Tu viverás", págs. 257 e seguintes.

- "A morte não existe", págs. 206 e seguintes. Páginas 211 e 217, onde H. Regnault expõe as razões pelas quais ele se envolve na vida pública, seguindo estritamente os ensinos de solidariedade social, que decorrem do Espiritismo.

(29) Ver Henri Regnault, "Les Vivants et les Morts", páginas 410 e seguintes, para ter a comprovação certa de que os prestidigitadores célebres reconheceram a realidade e a impossibilidade de reproduzi-los "exatamente e nas mesmas condições", servindo-se dos tru­ques da prestidigitação.