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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Caminhos do Amor-Francisco Cândido Xavier

 

Índice do Blog 

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Caminhos do Amor

Chico Xavier

Espírito Maria Dolores

Abrigo Ideal

E tudo vai passando, como sempre dizes,

Os dias de infortúnio e os movimentos felizes.

Tempos de infância, belos e risonhos

Envaíram-se todos, tais quais sonhos

Que não consegues explicar;

O lar de agora já não te parece

O mesmo antigo lar

Em que o colo de mãe, na luz da prece,

Inteiro se te abria,

Sustentando-te a paz no clarão da alegria...

Onde ouvir novamente as vozes que, à noitinha,

Uniam-se-te à voz inocente a cantar:

- “Oh! ciranda, cirandinha.

Vamos todos cirandar!...”

Fitavam-te, na marcha dos instantes,

Estrelas cintilantes,

Como a notar-te o sentimento puro

E a te indicarem, sem que percebesses,

As estradas difíceis do futuro.

A juventude plena de ansiedade

Passou, qual luminosa floração

E indagas onde estão

Os planos da primeira mocidade...

Refletes nas queridas afeições

No ponto solitário em que te pões...

Quantos amigos desertaram

Da senda em que persistes?

Quantos julgaram tristes

As tarefas que abraças?

E largaram-te, a sós, dizendo-se à procura

Do prazer, do renome e da ventura?!...

Enquanto passas,

No serviço de sempre,

De coração ao desalinho,

Perguntas, muitas vezes, quantos lábios

Ouviste transformados no caminho,

Lábios que te falavam, ontem, de ternura,

Em promessas de apoio e de carinho

E hoje te comunicam amargura,

Acusação, queixa e censura,

Impondo-te incerteza e incompreensão?

E os outros que, em magoada despedida,

Deixaram-te no mundo, em busca de outra vida,

Dando-te a inquietação constante que te invade

Pela chama invisível da saudade?!...

E tudo vai passando, tal qual dizes,

Os instantes felizes e infelizes,

Entretanto, alma irmã, de pés sangrando embora,

Segue amando e servindo, tempo afora...

Nada te impeça caminhar

Para a sublimação que te pede lutar,

Esculpindo, em ti mesmo, o amor cuja beleza

Palpita em tua própria natureza.

Não contes desengano, prova, idade...

Segue e não temas,

Quem serve encontra em todos os problemas

Motivação para a felicidade.

E quando tudo te pareça

Saudade e solidão

Na bruma que te envolva o coração,

Entra no claro abrigo que reténs,

Que se te faz no mundo o mais alto dos bens,

Riqueza em luz e paz que ninguém desarruma

E nunca sofre alteração alguma...

Esse refúgio ideal que te descansa

Nos tesouros de tudo quanto é teu,

É a bênção de servir que te guarda a esperança

No trabalho do bem que Deus te concedeu...

Anotação em Caminho

Sob os riscos da jornada

Na vereda transformada

Em sombra pedindo luz,

Recorda que, em tuas mãos,

No amparo aos próprios irmãos,

Brilha o ideal de Jesus.

Age, auxilia, perdoa...

Na essência, em toda pessoa,

O Amor plantado produz:

Essa semente divina,

Se cultivada germina

Para servir com Jesus.

Dores, mágoas, desenganos

São instrumentos humanos

Formando as bênçãos da cruz

De vida, esperança e paz,

Pela qual encontrarás

A redenção com Jesus.

Coração, não vais sozinho,

Entre as pedras do caminho,

A que o serviço faz jus;

No trabalho e no perigo,

Guarda esta nota contigo:

- O companheiro é Jesus.

Aparências

Não julgues, nem recrimines

Irmãos que vês em festança,

Às vezes, quem grita e dança,

No auge da exaltação,

Tem no peito atormentado

Um vaso de fogo lento,

Argila de sofrimento

Em forma de coração.

Esse homem que se agita,

Em gestos de embriagado,

É um amigo abandonado

Pela esposa que o não quer...

Possui filhinhos chorosos,

Rogando a materna estima,

É um palhaço que lastima

A deserção da mulher.

Aquela jovem que passa,

Gingando, descontraída,

É quase pobre suicida

Pelas angústias que traz,

Quis ser livre sem trabalho,

Mas correu e caiu fundo,

Nos desencantos do mundo,

Entre os quais sofre sem paz.

Outro transporta consigo

Amarga doença oculta;

Em outro, o que mais avulta

É a roupagem de esplendor;

No entanto, o que mais sente

Nas explosões de alegria,

É a solidão que irradia

A triste fome de amor.

Nunca reproves. Respeita.

Eu também nos tempos idos,

Cantei, guardando gemidos,

Lamentando os erros meus!...

Às vezes, quem grita e ginga,

Tangendo guisos por fora,

Por dentro é alguém que chora

Buscando a bênção de Deus.

Ato de Gratidão

A minha gratidão franca e profunda

É tudo o que te oferto, alma querida,

No doce regozijo que me inunda,

Por todo o amparo que me deste à vida.

Notaste a provação em meus caminhos

E estendeste-me as mãos ternas e generosas,

Como quem faz do chavascal de espinhos

Um tapete de rosas.

Nada olvidaste para o meu alento...

Seguindo a minha dor de cada dia,

Trouxeste, com grandeza, à penúria que enfrento,

Proteção e agasalho, assistência e alegria.

Enxugaste-me o pranto da tristeza,

Em tua própria fé que me avigora,

Recordando em minh’alma a luz acesa,

Quando a sombra se esvai ao contato da aurora.

Fizeste mais... Quiseste, junto a mim,

O júbilo constante em presença dourada,

Com carícias de fonte e encantos de jardim

Para quem me partilhe as fadigas da estrada.

A fim de renovar-me o pensamento imerso

No turbilhão de fel que tanta vez me alcança,

Falaste-me de amor, ante as Leis do Universo,

Elevando-me o ser às bênçãos da esperança.

Por tudo te agradeço, alma formosa e amiga,

Nos empeços e pedras que transponho,

Encontro em ti o apoio que me abriga,

A bondade em resposta às ânsias de meu sonho...

Mas acima de tudo, a ti me entrego,

Na extrema gratidão, por onde vou,

Porque entendes as lutas que carrego

E aceitaste-me a vida como eu sou.

Campanha da Bênção

A campanha continua:

A caridade em trabalho,

O pão, o teto, o agasalho

E a frase de luz a expor...

Os Mensageiros da Bênção

Retornam do Céu em bando,

A cada um convidando

Para a seara do amor.

Em nossos campos de ação,

Nos mais estranhos caminhos,

Ciladas, pedras e espinhos

São entraves como são...

Vem às tarefas do auxílio,

Qualquer peça de consumo

Serve aos que avançam sem rumo

Calcando as urzes do chão.

Em outras faixas de vida,

Eis que a treva se condensa

Nos enganos da descrença

Que só desditas produz;

Fala o verbo que alimente

O amor que jamais se cansa.

Planta consolo e esperança,

Espalha bondade e luz.

Olvida nódoas e chagas,

Se a provação te aguilhoa,

Trabalha, serve e perdoa,

Guarda a fé que te mantém.

Se algo te fere, silêncio!...

Deixa o mal na sombra externa,

Deus sabe como governa

A força viva do Bem.

Cantiga na Seara

Alma querida escuta!

Na gleba que o Senhor te concede lavrar,

Não procure descanso... Olha o serviço à espera,

Esquece-te no bem, semeia, persevera,

A colheita futura exige trabalhar...

Não te prendas à teias de amargura,

Do passado a lição é a dádiva que fica

Ajudando a pensar na existência mais rica

De alegria, bondade, entendimento, altura...

Olvida o que te doa ou perturbe a lembrança,

Fita a árvore antiga despojada,

Recompondo em si mesma o fulgor da ramada

Para depois cobrir-se em garbos de esperança...

Folhas mortas na leira em sentido profundo

São apenas adubo para o chão,

Enquanto o vegetal servindo ao mundo,

Sobe em franca ascenção.

A terra que o Senhor te entregou a zelar

É formada de espíritos em prova,

E o teu amor é a força que os renova,

Porque o amor em si é um gênio tutelar.

Sigamos, tempo afora, enquanto é dia...

Quanto trabalho em tudo a exigir-nos presença

E ação que rompa a treva que se amplia

Onde a revolta espalha a tristeza e a doença.

Aqui, a dor é um charco esperando o carinho

Das mãos de um lavrador que o socorra e suporte

Quase rente à penúria em pedras do caminho

Rogando um braço irmão que o liberte da morte.

Além, a ignorância lembra praga

Tentando carcomer a fé recém-nascida,

Nos cérebros em fogo a loucura divaga,

Pregando a negação e conturbando a vida!...

Não te detenhas... Vem! Não temas

sombra ou lama,

O amor de Deus em ti é um dom vivo e perfeito...

Nada perguntes, serve... E nem critiques, ama!

O Céu te falará na acústica do peito...

Toda a Terra de agora é um campo sem limite

Onde o Cristo nos chama ao labor renascente...

Bendito o servidor ante o novo convite

Que responda a Jesus: “Senhor estou presente!”

Diariamente

Quando te ergues, de manhã,

Para o trabalho que te espera,

É qual se começasses novamente

A jornada no mundo para a frente...

Anota: cada dia é um trecho da viagem,

Reclamando bagagem

Que expresse provisão

De tudo o que precises

Para seguir no culto à própria obrigação.

Decerto, cogitaste do alimento

Que te garanta as energias,

Do calçado da fé que a firmeza te ateste,

Da roupa de esperança que te enfeita e te veste

Da palavra que tens, por centro de atração,

Dessa ou daquela minudência

Que te mostrem o brilho da existência

Em nobre formação...

Sabes, porém, que essa romagem

Que todos nós chamados dia-a-dia,

Se nos oferta lances de alegria,

Muitas vezes se faz em pedras de tropeços,

Problemas, desencantos, recomeços,

Inquietação e prova

Por entre os quais a vida se renova...

Por isto, eis que te rogo:

Por mais que te prepares com razão,

Pede a Deus te conceda

No preciso momento de sair,

A coragem de amar e de servir,

De ser bênção de paz, seja onde for,

Recordando que Deus, a todo instante,

É sempre o Eterno Amor,

Que tudo nos concede ao coração,

A fim de que venhamos a vencer

As lutas do trabalho e as farpas do dever

Sem exigir qualquer compensação.

De Mãos Unidas

Não temas, alma querida!...

O vendaval que se escuta

É a Terra que vibra em luta

Nos dias de transição...

Prossegue, ao clarão da fé,

Varando os campos sombrios

E os tremendos desafios

Que agitam a multidão.

Aqui se fala de guerra,

Ali, é ódio avançando,

Além, as provas em bando

Arrancam duro clamor!...

Entretanto, continua

De ânimo firme e atento,

Plantando, em cada momento,

A paz que precede o amor.

Sê o ouvido em que se extingue

A gritaria do insulto,

A força do braço oculto

Que serve sem reclamar...

Sê a palavra calmante

Em que a discórdia termina,

A compreensão que ilumina

Em qualquer tempo e lugar.

Prossegue, trabalha, aprende,

Age e auxilia, alma boa,

Se alguém te fere, perdoa,

Ante as trevas faze luz!...

Não vais a sós... Muitos somos...

E na imensa caravana

De socorro à vida humana

O Guia Excelso é Jesus.

Dor e Progresso

Mágoas, tristezas, lutas, desenganos?!...

Debita as provações à lei da vida.

Embora o sentimento, em pranto e chaga,

Prossegue à frente, de cabeça erguida!...

Tudo o que te conforta na existência,

Seja amparo de longe ou de mais perto,

Exige claro exame, porque, em tudo,

A Natureza é sempre um livro aberto.

Para guardar-te a casa a pedra aceita

O pesado instrumento que a carcome,

O trigo foi chamado e atendeu prestamente

À honra de ser pão para extinguir-te a fome.

Madeira que te arma o leito, a mesa

Ou te cria a guitarra para festa,

Obrigou-se a largar o meio em que vivia

Em recanto esquecido da floresta.

A fonte jamais grita contra o lodo

Que lhe cabe vencer na direção do mar...

A argila obedeceu aos tormentos do fogo

Para tornar-se forma e cor nos enfeites do lar.

Pensa nisto, alma irmã... Nada reclames.

Dor é transformação que nos reforma o ser...

Em toda e qualquer vida, a fim de renovar-se,

Necessita servir, caminhar e sofrer.

Drama Paterno

Era um homem de bem, dono de um lar feliz;

Recebera da vida tudo quanto quis:

Uma esposa distinta, uma vultosa herança,

Um filho, - um filho só que lhe trouxera à vida

Uma nora querida

E um neto que lhe abria um mundo de esperança.

Tudo era céu azul, no entanto, um dia, a morte,

Sem o menor aviso,

Num tremendo improviso,

Arrebatou-lhe a esposa nobre e forte.

E, desde então,

Ele sentiu sangrar-lhe o coração.

Tangido pela dor,

Chamou o filho em confidência,

O filho em que encontrava o apoio da existência,

E entregou-lhe em confiança,

De modo comovente,

Tudo o que se lhe erguia em propriedade

Documentadamente:

As lojas da cidade,

A formoso vivenda

Na qual fizera o próprio lar,

A casa grande da fazenda,

Terras, benfeitorias,

As ações em diversas companhias

E os créditos em bancos...

Depois, falou ao filho em termos francos:

- Filho, sem tua mãe já não tenho mais vida...

Tudo o que é nosso é teu...

Sou alguém a morrer com tarefa cumprida.

Rogo que me reserves tão-somente

Um quarto independente,

Em nossa própria casa

Onde eu possa viver

Na saudade terrível que me arrasa...

O moço agradeceu, sorriu e, após uma semana,

Deu ao pai, afinal,

Um estreito recanto, oculto no quintal,

Por nova moradia;

Um telheiro a cair que ele devia

Atingir através de porta lateral

O pai não se queixou, mas um tanto humilhado,

Instalou-se no quarto, insalubre e isolado.

Em seguida notou, admirado e atento,

O filho transformado,

A demonstrar

Grave mudança de comportamento.

A mansão familiar perdera a paz antiga,

Noite a noite, era festa, entre jogos de azar,

Insultos e baldões, ostentações e briga,

Estranhas situações

Que o triste genitor não podia evitar.

Começou para ele, alma limpa e sincera,

Um modo de viver que não quisera.

Quando caía a noite, ei-lo em longas passadas...

Ia em busca de antigos companheiros,

Para escutar de novo, histórias relembradas

De inesquecíveis parelheiros

Seguindo cães velozes nas caçadas...

Um cálice de aniz, em dado instante,

Tornava a maioria mais falante;

Ele, sóbrio, porém, só bebia água pura,

Água simples usada sem mistura...

Tarde, voltava ele, a passo lento,

Não desejava ver o filho amado,

Em tresloucado movimento.

Nunca bebera alcoólicos e adendos,

Entretanto, os vizinhos

Para ele inventaram

Casos injuriosos e escarninhos.

O filho já tratava o pai por beberrão

Na base de calúnia e palavrão.

Certa manhã, o moço orgulhoso e excitado,

Vara o quarto do pai, a fim de repreendê-lo...

Ele está debruçado

Sobre mesa pequena,

A revelar enorme desmazelo.

Grita-lhe o filho irado:

- Chega, velho infeliz,

Estou certo de tudo o que se diz,

Já conheço esta cena:

Bêbado até agora!

Vou removê-lo sem demora,

Não mais o quero aqui,

Nada posso fazer, nem respondo por si...

More onde quiser, com qualquer companhia,

Nas espeluncas da periferia.

Arranje, agora mesmo, a sua mala e suma!...

A minha tolerância está no fim,

Não quero vê-lo, em parte alguma,

Afaste-se de mim...

De hoje em diante, fuja de meu lado,

Não mais aceito um pai embriagado...

Levante-se, converse, venho ouvi-lo

Na nova condição de bêbado de asilo!...

No entanto, o interpelado

Continuava debruçado

Sobre mesa pequena...

Arremessa-lhe o moço uma palavra obscena...

Logo após, ostentando falso brio,

Toca no genitor

E vê que ele se encontra enrijecido e frio...

Só então o rapaz sob espanto indizível

Desfere um grito horrível...

Chorando em desespero e desconforto,

O filho descobriu que o pai estava morto.

E Falas-me do Tempo

E falas-me do tempo, coração,

Do tempo em que tiveste a alma ferida

Por desgostos da vida,

Quais estiletes da desilusão;

Do tempo estranho de aflição e prova

Que atravessaste em convulsões de dor,

Das horas de amargor

Que te impeliram para a estrada nova,

Na qual hoje me dizes

De quadros e lembranças infelizes...

E referes-te, ainda, aos dias do futuro,

Sementeira em que esperas

Outras maravilhosas primaveras

De beleza, de paz e de amor puro,

Do porvir em que aguardas

A luminosa companhia

Da perfeita alegria,

Que surgirá, por fim, de brilhantes vanguardas...

Ouço-te o verbo lamentoso e lindo,

Enquanto vamos nós, sonhando e agindo...

Mas embora te escute com respeito,

Peço-te permissão

Para dizer-te ao pensamento irmão

Que todo tempo encerra o seu justo proveito.

E, sem qualquer prurido de ensinar,

Creio que hoje é o tempo certo

De amar e compreender, servir e desculpar,

Entre o ontem passado e o futuro encoberto;

Por isso, o melhor tempo que nos vem,

Na senda em que seguimos, vida afora,

O tempo de sorrir e de fazer o bem

Tem o nome de “agora”.

Frio

Fita a paisagem do frio...

Há névoa... Tempo sombrio...

Garoa invadindo o ar...

O vento é rígido açoite,

Dói contemplar sob a noite

Os companheiros sem lar...

Mães asserenam filhinhos

Que nos lembram passarinhos,

Tangidos pelo tufão...

Perante o ninho desfeito,

Estão no ninho do peito, -

O maternal coração.

Junto às mães, surgem mendigos

E enfermos buscando abrigos,

Tremendo e seguindo ao léu...

Cada qual espera e ama,

Vencendo poeira e lama,

De sentimentos no Céu...

Por isso, dói mais na gente

Encontrar freqüentemente

Nobres e rudes ateus

De cérebro claro e forte,

Trazendo o frio da morte

Dos que se afastam de Deus.

Gratidão e Alegria

Almas de bênção, arte, melodia,

Que do Gênio formais a exaltação da luz,

Partilhamos convosco a paz que se irradia

Do vosso festival que recorda Jesus.

Há quem diga que a fé, por sim, guarda e revela

Ansiedade e tristeza no semblante,

Expectação de angústia ou sentinela,

Mas toda idéia em Cristo é júbilo constante.

Ei-lo que nasce numa noite em festa

Mesclada de clarões renovadores,

Uma estrela lhe guarda a pousada modesta

Enlaçam-se as canções dos anjos e pastores.

Inicia o divino apostolado

No brilho de simbólico momento;

Recordamos Caná, no lar maravilhado

Numa consagração de casamento.

E lançando o Evangelho, em notas de alegria,

Ante o povo a escutá-lo de surpresa,

É sempre mais amor, a cada novo dia,

Em molduras de Céu e Natureza.

Transmitindo a esperança, em sentido profundo,

Perante a multidão que ele mesmo arrebanha,

Modifica, na base, os destinos do mundo,

Nas lições imortais do Sermão da Montanha.

E além da própria hora derradeira,

Qual se a Terra lhe visse o estranho fim,

Traz a renovação da Terra inteira,

Pela ressurreição ao sol de formoso jardim.

Guarde-nos Deus por nobres diretrizes

A caridade e a paz, como as sabeis compor;

Bendita a festa em que mostrais felizes

A alegria de Cristo e a presença do amor.

Manchete

E, atravessando a rua, amedrontada, ouvia

As manchetes do dia.

Alguém comunicava: os assaltantes

Depredaram a casa,

Em rápidos instantes;

Depois, deixaram tudo em brasa.

Os moradores de regresso

Revoltaram-se, em vão...

Mais adiante, um amigo,

Sem disfarçar a própria irritação,

Dizia para outro: O meu bairro é um perigo...

Ontem, presenciamos três assassinatos,

Com agressões, injúrias, desacatos...

Um passo acima, e uma senhora ao lado,

Informava num grupo: O horrível acidente

Que arrasou e feriu a tanta gente

Foi simplesmente provocado.

A polícia está certa...

A pesquisa mais ampla foi aberta

Para que se conheça os responsáveis.

Além, um moço, por sinal,

Exibia uma folha de jornal

A expressar-se com voz cansada e constrangida:

- Minha noiva foi morta

Pelas balas de alguém que a deixaram sem vida!...

O meu sonho ruíu, falta-me a confiança,

Não sei se penso em ódio ou se penso em vingança...

Mais adiante ainda, um jovem comentava:

- É um destino cruel que se grava na Terra,

Tudo indica no mundo o início de outra guerra,

Tão destrutiva quanto as que tivemos...

Duras tribulações nos últimos extremos,

Dolorosas visões, de batalha em batalha,

Orfandade e viuvez, ao fragor da metralha!...

Logo após, concluía em alta voz:

- Que informações terríveis sobre nós!...

Dominada de estranha sensação,

Busquei, num parque amigo, a bênção da oração...

Depois, fitei o sol do entardecer

E o pranto de emoção

Jorrou-me do mais íntimo do ser...

Em meio de sublime encantamento,

Notei num quadro magistral

Que os pintores do Além

Haviam desenhado em Plano Azul

A face do Senhor no firmamento...

E sob aquele olhar magnânimo e profundo,

Detido a contemplar os conflitos do mundo,

Escreveram, em luz de etérea purpurina,

A palavra do Cristo, em manchete divina:

- Amados meus, por quê?

Por que tanta discórdia e tanto sofrimento?

Eu apenas voz disse:

Eis que vos dou um novo mandamento,

No resumo integral de toda a Lei:

- “Amai-vos uns aos outros,

Tal qual eu vos amei”.

Missão de Mulher

Jovem prendada e linda, era a própria beleza,

Rosa de inteligência e natureza,

Viera de remoto povoado,

Com tarefas de estudo e sonhos de noivado,

E conquistara enorme simpatia...

Fizera-se modelo e se reconhecia

O ponto alto das exibições,

Favorita do brilho em passarela,

Pisando corações...

Ela encontra, por fim, num jovem rico e nobre

A cortina de ouro em que se encobre.

Quatro anos de luxo nos salões

Tornaram-na famosa e cada vez mais bela.

Certo dia, no entanto, inesperadamente,

Uma carta lhe chega... Vem da vila

Em que passara a infância humílima e tranquila,

É da mãezinha que se diz doente...

Falecera-lhe o irmão, seu único parente,

Declarava-se triste e desolada,

Incapaz de ganhar o próprio pão...

Rogava à filha proteção,

Sentia-se sozinha e fatigada

E, sobretudo, estava em luta insana,

Pois era agora triste hanseniana.

A moça treme revoltada

E, às súbitas, planeia

O que admite por melhor medida;

Não quer aquela mãe que a desnorteia;

Detestaria ver-se diminuída

Perante o homem que ama.

Age arbitrariamente,

Adita ao próprio nome um nome diferente

Na rude inquietação que ela própria extravasa...

E, mudando de casa,

Permaneceu na expectativa...

Realmente, depois de algum tempo passado,

Senhora hanseniana morta-viva

Bate-lhe à porta, em tom desesperado;

Servidores atendem, entretanto

Ela quer ver a filha que ama tanto,

Colhendo reiterada negativa.

Mas sabendo-a sentada sobre o piso

Que dava acesso ao grande apartamento,

A própria moça surge, de improviso,

A gritar-lhe, de ânimo violento:

- Saia daqui, depressa! Vá-se embora!...

Não conheço a senhora

E caso aqui persista,

Tenho a polícia à vista!...

- Filha, dize por que... -

Exclamou a mulher agoniada, -

Estarei eu assim tão deformada

Que o seu olhar já não me vê?

Não ficarei aqui, não lhe trarei perigo,

Mas não vês que a mãezinha está contigo?

- A senhora não passa de embusteira, -

Falou a moça, a gestos desumanos.

- Minha mãe já morreu, há muitos anos...

Velha tonta,

Não sei como se fez aventureira,

Mas a polícia vai tomar-lhe a conta...

Minutos decorridos,

Enquanto a pobre mãe chorava, angustiada,

Uma ambulância veio em disparada

E conduziu-a para um sanatório.

Trinta anos passaram sobre a cena,

A filha desposara o jovem que a queria.

O casal conjugava a fortuna e a alegria,

Ele, o industrial, ela, a nobre senhora,

E um filho nobre e forte

Surgiu-lhes a brilhar

Por tesouro do lar.

Quanto à pobre mulher deixara a enfermaria,

Conseguira curar-se,

Mas não mostrava mais a face antiga,

Era triste velhinha sem disfarce,

Desditosa mendiga...

Conhecida por velha hanseniana,

Já sofrera de sobra a zombaria humana...

Morava numa furna abandonada,

Não distante da fábrica de tubos

E outros artigos de eletricidade

De que o neto distinto era dono e gerente...

Sabendo-se que fora humilhada e doente,

Cobria-se com capa esburacada

E, lembrando uma sombra a pervagar na estrada,

Pedia aqui e ali, um socorro qualquer...

Mas em torno da fábrica era o ponto

Em que a infeliz mulher

Parecia um rondante, atento e pronto,

A observar o que passasse...

Se encontrava o gerente, face à face,

Dizia, constrangida: - Uma esmola, doutor!...

Intrigado o rapaz notava aqueles olhos

Que o miravam, mostrando imenso amor...

Dava-lhe algum dinheiro, atento a isso,

Depois seguia adiante

Mergulhando a atenção em seu próprio serviço...

Seguia o tempo em marcha regular,

Quando veio a estourar

Na fábrica tranquila

Um grande movimento

De protesto violento,

Que englobava, por si, todo o operariado...

A gerência estudava ação conciliadora

E os conflitos surgiam, lado a lado.

No ápice da luta,

A velhinha cansada, dia-a-dia,

Observa o extensão da rebeldia,

Mantendo-se, de guarda, ao pé das oficinas,

Qual um posto de escuta.

Certa noite, enxergou dois delinquentes

Quando os vigias cochilavam fora,

Agiam, sem que a vissem trêmula e calada...

Uma porta se arromba

E os dois, dentro da fábrica isolada

Colocam grande bomba,

No intuito de gerar perturbação,

E fogem, assustados, do recinto...

Ela entra em ação,

Obedecendo ao próprio instinto...

O estopim fumegava... Ela, porém,

Sem o concurso de ninguém,

Toma nas mãos o engenho destruidor,

Avança sem temor,

Sai pela porta afora,

Correndo sem a mínima demora,

Mas, antes que atirasse a bomba ao chão,

Dá-se a grande explosão.

A fábrica salvara-se.

Ela, porém, tombara

Mortalmente ferida...

Faz-se tumulto, em torno... Eis o chefe a chegar...

Reconhece a velhinha e determina

Que ela seja tratada

Por valente heroína...

Foi no hospital a derradeira cena.

Finava-se a velhinha devagar,

Mostrando no semblante a beleza serena

De quem transmite paz no próprio olhar...

Eis que, em dado momento,

Ela percebe vozes e alarido;

Ao formoso aposento

O gerente trouxera os pais com garbosa alegria;

Deviam ver a pobre que morria

E que o amara tanto...

O casal aproxima-se... A senhora

Treme ao reconhecer a mãe que rejeitara outrora...

Enquanto filho e pai conversam à distância,

Ajoelha-se a filha, ante a mulher que morre...

Ela perde perdão no pranto que lhe escorre

Dos olhos espantados...

Contudo, a agonizante ao percebê-la,

Ciciou as palavras: - Minha estrela!...

Ouvindo-a soluçar,

Consegue novamente sussurar:

- Filha do coração, Jesus a trouxe aqui...

Depois disse ao cair, em profundo torpor:

- Não chores, meu amor,

Eu nunca te esqueci...

Lá fora, o Sol, em tudo, era vida e esplendor,

Parecendo dizer na própria chama

Que, desde a luz dos Céus aos abismos da lama,

Deus, em todo o Universo, é a Presença do Amor.

O Amigo Leal

Falávamos de afeto e ligações humanas,

Destacando uniões formosas e ideais,

Tanto quanto anotando atitudes insanas

Que, muita vez, transpiram

De casos passionais,

Quando um amigo afável e sizudo,

Que nos seguia o estudo,

Exclamou para nós, de modo convincente:

- Tudo quanto dizes é verdade inconteste

Sobre os entes queridos que lembrais,

Entretanto, igualmente,

Se falamos de amor, é preciso se ateste

O amor dos animais.

E como se tivesse ali, de lado,

O passado recente,

Contou, emocionado:

- Em minhas lides de engenheiro,

Fui, certa vez, designado

Para serviços na fronteira;

Levei comigo a companheira,

O pequeno filhinho, -

- um garoto de aninho, -

E o nosso velho cão policial

Que recebera, em nossa companhia,

O nome de Leal.

No trabalho incessante em que me via,

Fosse qual fosse o ambiente,

Possuía em Leal o cão valente

Que nos guardava a casa, dia-a-dia;

Ensinei-o a velar por nosso pequenino

E dedicou-se o cão, de tal maneira,

Que mantinha atenção, semana inteira,

Entre a porta do quarto e o berço do menino.

Morávamos, então, no agreste bravo...

Achavam-se, não longe, algumas feras;

Era o lobo e, além dele, era o jaguar,

A rondarem malocas e taperas...

Necessário, porém, agir e trabalhar,

Orientando a agrimensura.

Tinha sempre dois homens, de vigia,

Na defesa do lar,

Junto de atenciosa governanta.

Minha esposa saía

Algumas vezes para compras justas,

Usando o nosso jipe reforçado

Para atingir pequeno povoado...

O narrador fez pausa e tornou, em seguida,

Expressando-se em voz mais comovida:

- Certo dia de ação com mais ampla demora

Voltei ao lar, mais tarde... Noite escura...

Ausentara-se a esposa e a governanta

Atendia, em conversa, um tanto lá por fora,

A diversos parentes

Que, por certo, lhe vinham à procura...

Os vigias andavam pela brenha

Buscando para nós

Alguns feixes de lenha...

Acompanhado de um amigo,

Ansioso, ouvi a voz

De meu filhinho em algazarra...

Naquele choro de pavor,

Pressentia perigo

Francamente, a gelar-me...

Em vão, tentei fazer qualquer alarme;

O companheiro me seguia,

Enquanto, em minha inquietação,

Só escutava a gritaria

Do filhinho a cortar-me o coração...

Varei a porta aberta

Da habitação que vi claramente deserta...

Foi, então, que a tremer, desorientado,

Vi o cão a correr para junto de nós;

Leal se nos mostrava, ensanguentado...

Mancando, ele gania,

Não sei se de loucura ou de agonia...

O companheiro disse a mim:

- O cão está zangado, dê-lhe o fim,

É preciso afastá-lo, sem tardança,

Deve ter atacado a indefesa criança.

Tomado de terror, atirei sobre o cão,

E, ganhando os recessos do aposento,

Vi meu filhinho salvo, aconchegado ao leito,

Sem qualquer sofrimento,

Mas um jaguar jazia, ali no chão,

Certamente abatido por Leal.

O cão, com segurança e eficiência,

Liquidara, afinal,

A fera perigosa

Que penetrara em nossa residência.

Com meu filho nos braços

Retornei à presença de meu cão;

Ansiava mostrar-lhe a nossa gratidão,

Mas Leal enviou-me um derradeiro olhar...

Sufocado pela dor, nada pude falar.

No instante de morrer, no terrível revés,

Leal ainda arrastou-se com cuidado

Para beijar-me os pés!...

Calou-se o narrador,

Sob o peso cruel da própria dor.

Depois, disse a chorar:

- Neste Infinito Espaço em que habitamos,

Deve haver um lugar

Que acolha os animais,

Amigos quase humanos,

Em plena evolução, à busca de outros planos...

Sempre aceitei os cães por nossos cireneus,

Os animais também são criaturas de Deus...

Aquela história viva,

Que ouvíramos, ali, de ânimo atento,

Fez o ponto final de nosso entendimento.

No entanto, o companheiro,

Que nos falava de Leal,

Fitava o Azul Imenso, a Pátria Universal,

E, qual se transmitisse um sublime recado

Ao próprio coração,

Clamava, consternado:

- Deus não me negará resposta à constante oração...

Hei de achar o meu cão!... Hei de achar o meu cão!...

O Caminho do Alto

Escuta, alma querida,

Quando a prova te alcança

E o sofrimento te golpeia a vida,

Impondo-te cansaço e insegurança;

Quando a aflição te cerca e te subjuga,

Portas a dentro de teu próprio ser,

Sem apelos à fuga

Em que te possas esconder,

Indagas, quase sempre,

De ânimo frustrado

Revelando revolta amarga e triste:

- Se Deus é Amor Eterno e Ilimitado,

Por que razão a dor existe?

Por que ao sonho se seguem, com freqüência,

O fel, o desengano, a desventura

Que nos induzem a existência

Ao vasto espinheiral

Em que a nossa esperança se enclausura?

E guardando-te, a sós, sob angústia mortal,

Certas vezes, de anseio em desalinho,

Quererias fugir de teu próprio caminho...

Entretanto, alma boa,

Se algo te feriu, não te agastes, perdoa...

E, sobretudo, raciocina

Que a dor lembra o esmeril da Lei Divina

Que, em nos tocando, nos aperfeiçoa.

Tudo o que te garante o próprio alento

Passou por disciplina e sofrimento

Sem que a ovelha aceitasse os golpes da tosquia,

Não teria a lã que te guarda o calor;

Sem que a minério padecesse um dia

O fogo abrasador,

Não dispunhas da casa, em fina arquitetura,

Sobre vigas leais de sólida estrutura;

Sem árvores tombando, a rude corte,

Nas fruías na própria residência

O ambiente ideal em que se te conforte

A energia precisa às lutas da existência;

A dentes de serrote, a natureza

Formou, em teu auxílio, o refúgio da mesa,

E o trigo que passou pela trituração,

Em qualquer tempo, é a base de teu pão.

Não acuses a dor que te procura

A fim de preparar-te a grandeza futura,

Sem ela que nos frena e regenera,

Estaríamos nós, provavelmente,

Na condição da fera

Sob a selvageria permanente.

Por fim, alma querida, considera:

De heróis que já tivemos,

Almas gigantes na sabedoria,

Corações a brilhar, nos ápices supremos

Da beleza imortal que se irradia

Dos tesouros do amor;

De todos os apóstolos da História

Que apontaram a Vida Superior

De que o mundo conserva algum indício,

Aquele que nos deu, constantemente,

O sentido da dor

Por fonte renascente

De ascenção e nobreza, vida e luz,

Com bases sobre o próprio sacrifício,

Esse herói foi Jesus.

O Palhaço

O público aplaude e vibra,

A orquestra muda o compasso,

É o número do palhaço,

Zombaria e sensação...

Arlequim no picadeiro,

Transmite alegres piadas,

Repetem-se as gargalhadas

Em fantástica explosão.

Depois de frases picantes,

Ornadas de fantasia,

Comenta os fatos do dia,

Que demonstra conhecer;

Toda a platéia se esbalda

Contente e desinibida...

Aquele artista da vida

É o campeão do prazer.

O espetáculo termina,

O cômico galhofeiro

Ganhava muito dinheiro

E ele se punha a pensar:

- “Agora, é o regresso à casa,

Quero ver como se sente

Minha filhinha doente,

O coração de meu lar...”

Ele volta. A casa humilde

Revela-se iluminada,

De alma opressa e amedrontada,

A tremer, transpõe a porta...

E ele, o palhaço famoso,

Que rira e agradara tanto,

Num quarto, acha a esposa em pranto,

Carregando a filha morta.

O Semeador do Bem

Arar, moldando a gleba empedrada e agressiva,

Erguer-se, sol a sol, na tarefa cativa,

Servindo por amor, ignorando a quem...

Doar tempo, esperança, força e vida,

Embora suportando a alma ferida

Na lavoura do bem.

Impedir que o serviço retrograde

Ouvir de longe o vento e a tempestade

De ciclones irados a cair...

E proteger as sementeiras novas

Contra o furor de semelhantes provas

A fim de que produzam no porvir...

Sofre insônia e anseio, de alma em chaga,

Ante os calhaus da senda em que a idéia se esmaga

Na defesa da frágil plantação;

Ouvir e desculpar, sofreando-se a custo,

O sarcasmo cruel do menosprezo injusto

De quem não crê na própria elevação...

No entanto, semeador, prossegue enquanto é dia,

Entoa no trabalho as canções da alegria

Ao ritmo da fé que te apóia e conduz;

E, após o anoitecer, nas orações que levas,

Contemplarás, Além, abrindo-se nas trevas

O sereno esplendor da Seara de Luz.

Oração pelos Benfeitores

Deus da Imensa Bondade,

Já sabemos, Senhor,

Que não falta a ninguém

A luz de teu amor.

Reconhecemos, entretanto,

Que não podemos trabalhar a sós.

Por isso, te pedimos

Bondade e proteção

Para todos aqueles companheiros

Que se lembram de nós,

Que se nos fazem benfeitores,

Estendendo-nos braços protetores.

Sem que nada peçamos,

Eles nos trazem vida e estímulo ao trabalho,

Cooperação, socorro, alimento e agasalho

Para servir, por onde vamos...

Dá-nos, Senhor, mais força, a fim de agirmos,

Tanto quanto possível, por nós mesmos,

No apoio aos semelhantes,

Em todos os instantes,

Mas auxilia a quem nos auxilia,

De modo a sermos úteis, dia-a-dia...

Deus da Imensa Bondade

Abençoa e protege aos nossos benfeitores

Por tudo o que nos dão,

Que eles tenham de ti, saúde, luz e flores,

Conservando-te a paz no coração.

Página às Mães

Mães queridas,

Vós que perdestes filhos bem-amados,

Somando tantas vidas

A que destes carinhos e cuidados,

De que só Deus na vida sabe a conta;

Mães, cuja imensa dor não se conforta

Com qualquer sofrimento que há no mundo,

Por mais rude e profundo,

Quisera amenizar-vos as feridas,

Que vos fizeram contundidas,

Súplices, desoladas, semimortas...

Entretanto, ai de mim!...

Com que verbo, meu Deus, poderia expressar

A dor que voz desfez a ventura do lar?

Como suprimiria

A sombra que voz guarda a suprema agonia?

De que modo afastar de vossa mente

Esses quadros cruéis que desenhais,

Manejando o pincel de angústia e espanto

Que humedeceis no fel de vosso pranto,

A dizer: “Nunca mais...?”

Entretanto, essas vidas juvenis

Seguem o sofrimento que sentis,

Choram com vossas lágrimas, padecem

Com a vossa mesma dor de que nunca se esquecem...

E rogam-vos consolo, paz, alegria e esperança,

Pedindo-vos trazê-los na memória,

Como quem atingindo os louros da vitória,

Desejam ser lembrados como são:

Espíritos valentes,

Prosseguindo contentes

No sublime ideal de elevação...

Enxugai vosso pranto

E, servindo, esperai

O reencontro feliz nas moradas do Pai...

Padecendo, chorando e amando sempre,

Aguardai outros dias

Em que renascereis de novas alegrias,

Sem o gelo terrível da saudade

De vossa longa espera

E sim na Inalterável Primavera

Ante o amor sem adeus da Eternidade.

Lembrar-vos-ei, porém,

Aquela antiga história de Belém...

Uma doce criança

Nasceu entre cantigas de esperança,

De uma frágil mulher quase menina...

Uma estrela no Azul, em altos resplendores,

Indicou-lhe a missão, fulgurante e divina.

Anjos do Céu uniram-se aos pastores

E entoaram louvores

Que em toda a Terra ainda não se ouvira...

O menino cresceu, plantando amor,

Amparava os humildes e os cansados,

Levantava os doentes,

Erguia corações desesperados

E transformava os homens inclementes

Em modelos de paz e de brandura,

Era um jovem trazendo a grandeza da Altura,

Referindo-se a Deus por Pai de Infinita Bondade,

Que nunca abandonou a Humanidade...

Pois, simplesmente porque amasse a todos,

Foi perseguido, preso, injuriado,

Depois levado à cruz

Em que morreu crucificado

Perante a multidão...

Foi assim que Jesus,

Sem amigos, na dor do último dia,

Teve somente o amparo de Maria,

A mão humilde que o seguiu de perto...

Heroína de amor e aceitação,

Não censurou ninguém.

De alma cansada e coração deserto,

Ela apenas chorou na bênção da oração,

Entregando-se a Deus

O Eterno Sol do Bem.

Embora a imensa dor, sempre ungida de fé,

A pobre mãe de Nazaré,

Esperou silenciando a alma ferida

Até que o filho amado,

Em retornando à vida,

Fez-se o ressuscitado,

E novamente erguendo corações,

Converteu-se no Guia das Nações.

Mães, que hoje sofreis, lembrai-vos dela,

Maria ser-vos-á consolação;

Entregai-lhe a amargura ao coração

E entendereis que os vossos filhos,

Jóias de vossa luz,

Agora sob a névoa da saudade,

Ante o Anjo de Amor da Humanidade,

São irmãos de Jesus.

Prece de Gratidão

Deus te engrandeça, alma querida e boa,

Quando dizes “presente”!

A festa amiga que nos abençoa

Endereçando auxílio a tanta gente...

Deus compense a fatia de amizade

Com que espontaneamente colaboras,

Sustentando a lavoura da bondade,

No terreno das horas!...

Deus te enalteça o verbo iluminado

Que te exprime a cultura e o sonho superior,

Com que segues no mundo lado a lado,

De quem se entrega ao bem renovador.

Deus te abrilhante os quadros de alegria,

O bailado criador e o bálsamo da voz

A fim de que se faça menos fria

A fria provação dos que vivem a sós.

Deus te sustente o dom de acender a esperança,

Arredando da mente a projeção do mal,

Doando luz à treva e apoio à insegurança

Na eterna religião do Amor Universal.

Deus inspire a canção com que atravessas

Os problemas e as crises

Trocando as luzes da arte em que te expressas

Por socorro aos cansados e infelizes!...

Ao saudar-te feliz, em prece enternecida,

Que a nossa gratidão perante ao Céus ressoe!...

Por tudo o que nos dás na elevação da vida,

Deus te exalte, alma irmã, Deus te guarde e abençoe.

Recado da Fé

Não permitas que a dor te desanime,

Chora, mas serve,

Sofre, mas perdoa,

Provação é buril que nos aperfeiçoa,

Ensejo de aprender que se nos dá!...

Se erraste, recomeça,

Ergue-te, se caíste,

Segue sem reclamar;

Cala-te e avança...

De pés sangrando, embora,

Arrima-te à esperança!

Deus te sustentará.

Refúgio

Às vezes, dizes, coração amigo:

- “Como guardar-me em paz, na agitação do mundo?

Tanto fel ao redor!... Tanta gente em perigo!...

Tantas tribulações sem que se saiba, a fundo,

De que modo evitar a invasão desmedida

Das nuvens de aflição que atormentam a vida!...”

E contigo outras almas no caminho

Padecem sob o impacto violento

Das lâminas brutais do sofrimento

Que lhes ferem o ser, desolado e sozinho...

Aqui, alguém lastima um coração querido

Que ficou para trás, exânime e caído

Em trágicos enganos;

Ali tombam, a golpes desumanos

Dos chamados engenhos do progresso,

Existências repletas de esperança,

Ante as brechas de sombra em que a morte se lança

Entre o ouro e o sucesso...

Dos recursos plebeus aos valores mais altos,

sobram as provações que chegam, de imprevisto,

No clamoroso misto

De seqüestros e assaltos.

Nos lares em geral, sob múltiplos níveis,

As desvinculações de pessoas amadas

São lesões e feridas desatadas

Para as almas sensíveis.

Assemelha-se a Terra à nave firme e atenta,

Sob rude tormenta.

Entretanto, alma boa,

Em plena luta que te aperfeiçoa,

Podes deter a paz contigo, estrada afora,

Prendendo-te ao dever que em tudo nos melhora.

Todo trabalho são é lúcido recanto

Que se nos faz refúgio aprazível e santo.

Um lar para servir,

Um filho a proteger,

A nobre preleção enviada ao porvir,

A página a escrever,

Um doente a zelar,

O trecho musical que se tem a compor,

O campo a cultivar

E o serviço do bem que é mensagem de amor...

Tudo isso, na terra, é cobertura,

Sustentando o equilíbrio da criatura.

Se buscas, em verdade, a paz, no dia-a-dia,

Coloca a tua fonte de alegria

E todos os impulsos que são teus

No trabalho que o mundo te confia

Porque o trabalho é sempre uma Bênção de Deus.

Sai de Ti Mesmo

Se carregas contigo o tempo atormentado

Sob tristeza e desencanto,

É natural te aflijas, entretanto,

Não te entregues ao luxo de chorar.

Sai de ti mesmo e escuta, em derredor,

Aqueles que se vão sem rumo certo,

Suportando no peito o coração deserto

Na penúria que mora entre a noite e o pesar.

Não importa o que foste e o que sofreste

E nem a dor alheia, em mágoas mudas,

Procurará saber a crença em que te escudas,

Nem pergunta quem és...

Os que seguem no pó do sofrimento,

Vivendo de coragem, semi-morta,

Rogam-te auxílio à porta,

Rojando-se-te aos pés...

Desce da torre em que te vês somente

E escuta-lhes a história dolorida:

Esse chora sem lar, outro é quase suicida

Cansado de amargura e solidão;

Aquele envelheceu, sem alguém que o quisesse,

Outra é mãe desprezada, anêmica e sozinha,

Sombra que foi mulher, que respira e caminha,

Sabendo agradecer a fortuna de um pão.

Sai de ti mesmo e vem!... Esquece-te em serviço...

É Jesus que te chama ao bem que não se cansa,

Acharás, ao servir, renovada esperança,

Paz e fé, sob a luz de nobres cireneus!...

E sem horas a dar ao desalento e ao tédio,

Quando encontres a noite, cada dia,

Dirás ao Céu, em prece de alegria:

- Por tudo quanto tenho agradeço, meu Deus!...

Se Te Dizes

Se te dizes tão pobre, alma querida,

Que nada tens a dar

Para contribuir na construção do Amor,

Oferece no prato da humildade

A tua dor

Nos tropeços da vida,

Em favor dos irmãos de nossa própria estrada,

Recordando esta mesa,

Terna e sacrificada,

Que foi árvore em flor, brilho da natureza,

E se deixou serrar para servir

De apoio às novas preces,

Sofrendo humilhações que desconheces,

Nobre e formoso lenho,

Cuja bondade não mereço,

De maneira a expressar-te o meu apreço,

Nas palavras humílimas que tenho...

Se te dizes com tanta imperfeição

Que não consegues trabalhar

Em nossa própria redenção,

Olvidando o teu dom de agir

No socorro a quem chora,

Fita uma das lâmpadas, à frente,

Fabricada sem pompa e sem grandeza,

Que, aceitando viver em disciplina,

Vive ligada à usina,

Faz-se flâmula acesa,

Estrela maternal,

Que nos serve e ilumina,

A fim de que vejamos

Toda e qualquer lição que nos eleva,

Procurando mais luz que nos livre da treva.

Se te dizes no tempo, em tamanho cansaço

Que não podes ser útil a ninguém,

Contempla o chão que nos mantém

E se deixou cercar

Para que a nossa idéia tenha um lar.

Chão é que faixa de terra em estreito pedaço,

Que suportou enxadas e tratores,

Lamentando perder o seus lauréis de flores

E a música dos ninhos

Que lhe vinha da voz dos passarinhos,

Em troca de verdura e acolhimento,

Chão que prossegue sempre esquecido e pisado,

Prestimoso e calado,

Qual benfeitor sem voz,

Que nunca reclamou salário junto a nós.

Nunca digas “não posso”, “eu não tenho”, “é impossível”.

Seja qual for o nível

Que a existência te dá,

Alma querida, vem!...

Vem estender conosco a Seara do Bem,

Deus te utilizará.

Segue Adiante

Alma querida, às vezes te lamentas,

Vertendo pranto amargo às escondidas...

Sofres, na solidão, as horas lentas

De quem busca no arquivo das lembranças

Abrir de novo chagas esquecidas.

E padeces em vão e em vão te cansas,

Sob a angústia mortal com que te importas...

Mágoas passadas, lutas, cicatrizes,

Recordações de instantes infelizes

Nas quais te desconfortas.

Entretanto, alma boa,

Se alguém se te fez causa de amargura,

Segue à frente e perdoa...

Não te detenhas na clausura

Do pranto inútil que te desarvora.

Mesmo de coração alquebrado e sozinho

Procura compreender

Que além de cada noite no caminho

Haverá sempre um novo amanhecer.

Não tentes reaver

Os ídolos tombados sob o vento

Do desengano, erguido em sofrimento,

Que já varaste pela estrada afora.

Se a semente fugisse

De suportar a morte em seu próprio reduto,

Que seria da planta a levantar-se eleita?

E se a flor não caísse

Que seria do fruto

Destinado a manter a vida na colheita?

Se a fonte receasse

A pedreira de lâminas que a corta

E, às súbitas, parasse,

Todo campo traria sobre a face

Um charco de água morta.

Assim também, alma sempre querida,

Não te entregues à sombra e à solidão,

A fim de lastimar os desgostos da vida...

Segue adiante e verás

Quanta gente a esperar-te o coração

Suplicando-te apoio, afeto e paz,

Quantas almas lutando a esmolar-te esperança,

Quanta desolação, quanto lamento,

Quanta crença a tremer na insegurança,

Quanta angústia a rogar-te o alívio de um momento!...

Alma fraterna, escuta,

Não desprezes a fé, nem desistas da luta,

Esquece-te e prossegue, ama, eleva e auxilia!...

Dor é bênção do Céu que nos conduz

A caminhar servindo, dia a dia...

Por ela encontrarás chorando de alegria

A grandeza do Amor na vitória da Luz!...

Segue e Confia em Deus

Não te digas a sós, nas urzes do caminho,

Que Deus nunca te enxerga o coração sozinho

E que ninguém te escuta os gritos de aflição!...

Deus é o Amor Eterno que assegura

A existência de toda criatura,

Dos seres do abissal aos astros da amplidão.

Observa o lugar em que transitas...

Qualquer vida que vês, uma por uma,

Levanta-se do Amor, em toda parte,

De modo a que não falte amor em parte alguma.

Ainda hoje, varando um campo agreste,

Vi pobre coelho e um homem de espingarda;

O pequeno animal em correria

Viu no chão que se abria

A furna inesperada,

Por onde se escondeu, arfando de alegria,

Qual soldado, num pouso de vanguarda,

Fugindo ao caçador que o mataria;

Alguns passos a mais e encontrei charco imenso,

Escravizado à inércia entre barrancos

Que a Bondade do Céu enfeitara em silêncio,

Com grinaldas de verde ornando lírios brancos;

Mais adiante, achei, enternecida,

Singela fonte a dar-se com brandura

E junto à ela um doente estacara,

De mãos em concha, a sorver a água pura.

Descobri, mais à frente, um tronco morto,

Cuja desolação e desconforto,

Muito embora de pé, ele expunha por si;

E, no topo, eis que um pássaro em descanso,

Cantava, belo e nobre, em doce acento,

Que se falasse a Deus, fitando o firmamento:

- “Bem-te-vi!... Bem-te-vi...”

Assim também, alma querida e boa,

Não desanimes, age! Nem te ofendas, perdoa!...

A vida está repleta em todos os lugares

De sábias providências tutelares.

Da Terra à Altura Imensa, em sublime ascenção,

Temos refúgio, paz e segurança,

Em que o Céu nos alcança,

A doar-nos apoio ao coração!...

Apaga o mal com o bem, servindo, dia-a-dia;

Nunca nos faltarão amados cireneus;

Sofre e chora, porém, ama, serve e auxilia,

Segue e confia em Deus!...

Todos Nós

Escuta, coração!... Se choras não te agites,

Pensa em Deus, colocando a fé sobre o pesar...

Não olvides que o Céu é o poder sem limites

E que a força do Céu é luz a nos guardar.

Se problemas te afligem, não reclames,

Espera a solução, unindo-te ao dever...

O trabalho constante é um prodígio no tempo

Em que toda questão se põe a resolver.

Se sofreste agressões, que isso não te doa,

Nem mesmo se perdeste os próprios bens;

Desculpa, serve e segue... O irmão que te atordoa

Nem sempre traz consigo a idéia que já tens.

Ódio? Erro? Vingança? Amor que se transvia?

Todos temos na Terra amargoso quinhão...

Se hoje devo perdoar, amanhã eis meu dia

De rogar por socorro e de pedir perdão.

Seja qual for a mágoa que te busca,

Tentando impor o mal aos dias teus,

Asserena-te e ama, recordando

Que estamos todos nós, ante a bênção de Deus.

Transformação

Desencantado, quanto à própria vida,

Resolvera, agitado,

Colocar todo escrúpulo de lado

E fazer-se suicida.

Caíra a noite muito fria

E ele pensava:

De que lhe valeria

Tanta posse que, há muito, desfrutava?

De que lhe serviria

A bela moradia,

Tocada de supremo reconforto,

Se trazia no peito

O coração cansado e semi-morto?

Vivia desgostoso e insatisfeito...

A esposa o abandonara

Com sinais evidentes de loucura

E arrancara-lhe a filha

Que lhe era tão cara

Para o campo de sombra e de aventura...

Dizendo adeus aos mimos familiares,

Deixou o próprio carro e demandou a rua;

Queria caminhar com os seus próprios pesares

E seguiu, sob a noite fria e escura,

No intuito de alcançar antiga ponte,

De seu conhecimento,

Que se lhe erguia agora, em desafio

Para a liquidação de todo sofrimento

Ante a morte no rio...

Não havia avançado muitos metros,

Quando ouviu na calçada

A voz de pobre mãe agoniada:

- Senhor, salve meu filho,

Por amor a Jesus, e lhe rogo socorro...

Parou, vendo a mulher e a criança doente,

Tendo a pedra por leito e a marquise por forro...

Tateou o pequeno

Que lhe enviava o olhar quase sem brilho

E entendeu num instante

Que o menino lutava contra a morte,

Sob a pneumonia fulminante.

Cedeu farta moeda à mãe aflita

E depois de chamar por táxi vizinho,

Instalou mãe e filho com carinho

No carro que os levasse ao próximo hospital.

Que lhe importava agora o ouro da carteira,

Se admitia estar na hora derradeira?

Não dera muitos passos

E encontrou um ancião deitado a um canto,

A lhe pedir em voz recortada de pranto:

-          Uma esmola, senhor! Um café que me aqueça!...

Deus lhe dará em dobro o bem que me fizer...

Entregou ao pedinte uma certa quantia

E ao notar-lhe a alegria,

Indagou espontâneo: - O Senhor tem família?

E o velhinho falou, de olhar vago e incomum:

- Esse luxo, hoje em dia, não me cabe,

Não sei se o senhor sabe

Que um mendigo não tem parente algum.

E pondo-se de pé,

A erguer-se devagar,

Arrastou-se, pensando no café,

À procura de um bar...

O nosso companheiro

Continuou a caminhar;

Surgia a ponte à vista,

Mas na parte de cima havia muita gente

Dedicada ao lazer.

Ele, surpreendido e descontente,

Ágil, pôs-se a descer,

Buscando a solidão das grandes águas

Para a extinção de suas próprias mágoas...

Mas nisso, foi detido,

Por um colega conhecido

Que lhe informou com gentileza:

- Amigo, mais prudência,

Há sob a ponte enorme delinqüência;

Dizem por aí por baixo há cenas revoltantes

De foragidos e assaltantes

E sei que sob a guarda de uma bruxa

Moram juntos aí, dois terríveis bandidos,

Claramente escondidos...

O interpelado agradeceu

E disfarçou dizendo estar ali somente

À busca de um parente.

Atingindo, porém, o local que buscava

Viu tristes mãos ao seio aconchegando

Criancinhas em bando

A chorarem com frio...

Já não mais contemplou a vastidão do rio

E passou a estudar

O apoio que lhes era necessário.

Examinando o ambiente

Divisou de repente

Um pequeno recanto solitário

Qual barraca formada de improviso...

Avançou para lá, mas tristonha senhora

Disse-lhe em alta voz: - Senhor, não se aproxime!...

Ele obtemperou:

- Corre-se aqui o risco de algum crime?

A velhinha, no entanto, respondeu:

- Não, senhor!... É que eu

Tenho comigo aqui meus dois filhos leprosos,

Quis somente avisá-lo...

O senhor, entretanto, pode vê-los.

Ele fitou os jovens deformados,

As feridas em sangue entre os cabelos,

A pele em chaga, as magras mãos

A sorrirem na prova que sem dedos os feria

Demonstrando, decerto,

A valorização da própria luta,

No fel do dia-a-dia.

“Ah!...” – refletiu – “seriam eles

Os estranhos segredos

Que se ocultavam sob a ponte antiga,

Ante os cuidados da mendiga...”

Ao sentir, de tão perto, o sofrimento,

Mudou-se-lhe, de chofre, o pensamento...

Medita, sob a angústia que o invade:

“Por que morrer, chorando a esposa e a filha,

Se elas duas

Apenas lhe pediam a liberdade?

Por que aniquilar-se, inultimente,

Se podia amparar a tanta gente?

Por que menosprezar a vida alheia?”

Então, ajoelhou-se sob a areia,

Orando a soluçar...

O rio parecia acompanhar

Os gemidos que o homem desferia...

E, como a expulsar de si, em tremenda agonia,

A própria dor que atingira apogeus,

Relegou o suicídio às sombras do passado

E gritou, renovado:

- Obrigado, meu Deus!...

Um Caso da Vida

Perante vinte alunos reunidos,

O professor convidou, conselheiral:

- Apressem-se rapazes! Sigamos para a luta contra o mal.

Conheceremos hoje um menor, bandido dos bandidos,

É o famoso “Pé Ligeiro”...

Jovem falcatrueiro,

Que não tem mais que dezessete anos

E já se fez autor de crimes desumanos.

Um amigo delegado

Já nos comunicou que ele foi baleado

Pelo dono de nobre moradia;

Nós que nos dedicamos ao Direito

Devemos dissecar

Qualquer problema que interesse a vida.

Registremos o assunto:

Aqui e além, nos arredores,

Ampliam-se os delitos de menores...

Por que tantos meninos delinqüentes?

Taras congeniais? Leituras negativas?

Maus tempos sobre a Terra, com a infância

trazendo horrendas iniciativas

Ou descaso de pais indiferentes?

Sabemos que o rapaz foi alvejado,

Quando furtava jóias e dinheiro.

Agora, está na Detenção.

Entretanto, sabemos, de antemão,

Que o meliante

Mostra extrema exaustão,

Esperando-se dele a morte; a cada instante.

O Professor fez pausa,

Depois voltou a comentar:

- Creio que poderemos estudar

Certas lições do mundo em “Pé Ligeiro”,

Se ele estiver falando,

Já que foi baleado e está fora do bando.

Nesse clima de franca indagação

O grupo aconchegado,

Após cumprimentar o delegado,

Reúne-se, de novo, em úmido salão.

“Pé Ligeiro”, - explicou a autoridade, -

Está no fim... Fatigado e ferido,

Nada lhe estanca o sangue... Chora, mais abatido,

Não sei se ele agüentara qualquer conversação...

Dois soldados trouxeram-no na maca.

Era um rapaz franzino,

Temível delinqüente em corpo de menino...

No entanto, à frente dele, o professor estaca;

Ante o moço a morrer, pálido e maltrapilho,

Reconhecera ele o próprio filho...

Pai! – disse o ferido em voz dorida e fraca...

Trêmulo e acabrunhado,

O guia dos alunos respondeu:

- Pois é você, meu filho, assim caído?

O famoso bandido?

O rapaz replicou: - Eu,

Eu sei que estou perdido...

Há mais de nove anos,

Desde quando o senhor deixou a nossa casa,

Tenho vivido por aí...

Matei, roubei, bebi,

Fiquei desorientado...

Mas agora já sei que estou no fim,

Não há mais esperanças para mim...

Depois da longa pausa que se fez,

Voltou-se o professor e falou-lhe outra vez:

- Que quer você, meu filho, que se faça?

- Quero ver minha mãe... – pediu o interpelado.

O professor uniu-se à autoridade

E esclareceu, disfarçando o próprio acanhamento:

- Há tempos, anos bem antes de meu casamento,

Tive um caso infeliz, um laço antigo;

Uma jovem de vida irregular

Deu-me dois filhos, mas depois

Veio a separação entre nós dois...

Logo após, avisou, que a mulher

Sobre a qual o rapaz se referia,

Morava, longe, na periferia,

A cavaleiro da cidade...

Mas um carro ganhou distância e tempo...

Em minutos chegou a mãe desconsolada

Trajando roupa remendada;

Abeirou-se ao pobre agonizante

E exclamou: - Ah! meu filho, meu filho,

Eu pressentia

Que a sua estrada assim terminaria!...

Ele fitou-a, triste, e murmurou, cansado:

- Perdoe, mamãe! Eu fui o “Pé Ligeiro”

Mas fui sem companheiro!...

A pobre sem fitar a mais ninguém na sala

Beijou o agonizante e disse: - Diga, filho,

Que deseja você de mim, na angústia desta hora?

Ele coloca o olhar no rosto da senhora

E pede-lhe, por fim:

- Mãe, eu quero Jesus,

Peça a Deus por mim!...

Ela compreendeu que o filho na lembrança

Recordava-lhe as preces

Que ela mesma lhe dera ao tempo de criança...

Ajoelhou-se a pobre e murmurou, em pranto:

- Fale, filho,

Jesus!...

Nosso Mestre e Senhor,

Dá-nos de tua luz,

Perdoa as nossas faltas

E dá-nos teu amor!...

Mas o filho, ao ouvi-la, adormecera...

Dera-lhe a morte ao rosto estranha cor de cera.

E eu mesma, dominada de emoção,

A chorar, repetia a expressiva oração:

- Jesus!...

Nosso Mestre e Senhor,

Dá-nos a tua luz,

Perdoa as nossas faltas

E dá-nos teu amor!...

Vida e Palavra

“Palavras, o vento leva”,

O verbo seria nada,

Cinza dispersa na estrada,

Se fosse o que o povo diz.

Mas a verdade é que, às vezes,

Uma frase quase à-toa

Pode fazer a pessoa

Tão feliz quanto infeliz.

Pela expressão se revelam

As linhas do pensamento...

Agora, é um simples acento,

Depois, é força real.

Segundo a intenção que a dita,

Configura, mais além,

A luz que nasce do bem

Ou a treva que vem do mal.

Onde estiveres, não fales

Algo que fira ou deprima,

Conserva-te sempre acima

De toda perturbação;

Onde a discórdia apareça

E onde a vista se degrade

Falando, estende a bondade

Por bênção de contenção.

Usa a conversa, plantando

Correção e gentileza,

Observa a Natureza

Em todo e qualquer lugar;

A gleba produz sem queixas,

O sol não pede tributos,

O pomar entrega os frutos

Servindo sem reclamar.

Alma fraterna, trabalha,

Constrói, socorre, auxilia,

Acende a luz da harmonia,

Onde seja, com quem for.

Palavra é semente, vida,

Convite, aceno, promessa...

E o Reino de Deus começa

No verbo de paz e amor.