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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A Alma é Imortal-Parte 2-Gabriel Delanne

 

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Efeitos físicos produzidos por uma aparição

O Dr. Britten, no seu livro: Man and his' relations, cita o caso seguinte:

Um Sr. Wilson, residente em Toronto (Canadá), tendo adormecido no seu escritório, sonhou que se achava em Hamilton, cidade situada a 40 milhas inglesas a oeste de Toronto. Fez em sonho suas cobranças habituais e foi bater à porta de uma amiga, a Sr, D... Acudiu uma criada, que o informou de que sua patroa saíra. Apesar disso, ele entrou e bebeu um copo dágua, depois do que saiu, incumbindo a criada de apresentar seus cumprimentos àquela senhora. E o Sr. Wilson despertou após 40 minutos de sono.

Passados uns dias, uma Sra G... também residente em Toronto, recebe uma carta da Sr D..., de Hamilton, contando que o Sr. Wilson fora a sua casa, bebera um copo dágua e partira, não mais voltando, o que a contrariara, porquanto teria gostado imensamente de o ver. O Sr. Wilson afirmou que, havia um mês, não ia a Hamilton; mas, recordando-se do sonho que tivera, pediu à Sr, G... que escrevesse à Sra D.. ., rogando-lhe não falasse do incidente aos criados, a fim de verificar se estes, porventura, o reconheceriam. Foi então a Hamilton com alguns camaradas e todos juntos se apresentaram em casa da Sr• D... Duas das criadas reconheceram no Sr. Wilson a pessoa, que lá fora, batera à porta, bebera um copo dágua e deixara recomendações para a Sra. D...

Este caso nos apresenta a alma a realizar uma viagem durante o sono e lembrando-se, ao despertar, dos acontecimentos ocorridos no curso do desprendimento. O duplo se torna tão material, que bate à porta e bebe um copo dágua, é visto e reconhecido por estranhos. Claro que aqui já não se trata de telepatia; mas, sim, de bicorporeidade completa. A aparição, que anda, conversa, engole água, não pode ser uma imagem mental: é verdadeira materialização da alma de um vivo.

Algumas observações

Dentre os casos excessivamente numerosos, que a exigüidade do nosso quadro não nos permite reproduzir, referidos pelos autores ingleses, tomamos os que evidenciam a objetividade do fantasma vivo. Se, algumas vezes, possível se torna admitir a alucinação como causa do fenômeno, é, no entanto, fora de dúvida que não se pode compreender a maioria deles, sem que se admita a bicorporeidade do ser humano.

Suposto que os diferentes fatos que acabamos de enumerar são devidos à alucinação, somos forçados a fazer duas observações,muito importantes. Para que o cérebro do paciente seja impressionado, fora das condições habituais, necessário é que o agente exerça a distância uma ação de natureza especial, que não pode ser assimilada a nenhuma força conhecida.

Primeiramente, a distância não afeta o fenômeno. Esteja o agente em Melbourne e o paciente em Londres, a aparição se dá. Logo, a forma de energia que transmite o pensamento nada tem de comum com as ondas luminosas, sonoras, caloríficas, porquanto ela se propaga no espaço sem se enfraquecer e sem condução material. Ao demais, não se refrata em caminho; atravessando todos os obstáculos, alcança a meta que lhe está assinada.

Sabemos hoje que a eletricidade pode tomar a forma ondulatória e propagar-se sem condutor material. Poder-se-ia, pois, admitir que há uma semelhança entre a telegrafia sem fio e os fenômenos telepáticos. Evidentemente, se não houvesse mais do que uma simples transmissão de sensações, possível seria assimilar-se ao fluído elétrico o fluido que serve para transmitir o pensamento e, a um receptor telegráfico, o cérebro do paciente que vê. Mas, aqui, o fenômeno é muito mais complexo.

Se ponderarmos que o agente não teve vontade de se mostrar, torna-se difícil crer seja só o seu pensamento que, à sua revelia, disponha de tão singular poder. Se levarmos em conta que a imagem se materializa suficientemente para abrir ou fechar uma porta, para dar beijos, para segurar um livro de orações, para conversar, etc., teremos de admitir que em tais fatos há mais do que simples impressão mental do paciente. Melhor concebemos um desdobramento momentâneo do agente, que, voltando à vida ordinária, não conserva lembrança do ocorrido. Então, é a alma do próprio agente que se mostra e que se move no espaço, como o fazem os Espíritos desencarnados.

Precisamente por estar a causa do fenômeno no sair do corpo a alma é que geralmente não se conserva a lembrança desse êxodo, visto que o cérebro do agente não foi impressionado pelos acontecimentos que se deram sem participação sua. Para que houvesse lembrança, fora mister pôr o agente em estado de sonambulismo, isto é, num estado análogo ao em que ele se encontrava quando ocorreu o desdobramento.

Confrontando os caracteres diversos, peculiares a cada uma dessas aparições, podem formular-se observações gerais que nos instruam sobre tais manifestações da atividade psíquica, bem pouco conhecidas.

No curso da vida, a alma se acha intimamente unida ao corpo, do qual não se separa completamente, senão pela morte; mas, sob a ação de diversas influências: sono natural, sono provocado, perturbações patológicas, ou forte emoção, é-lhe possível exteriorizar-se bastante para se transportar, quase instantaneamente, a determinado lugar e, lá chegando, tornar-se visível de maneira a ser reconhecida. Vimos dois casos de ação desse gênero: o do noivo da Sra a Randolph Lichfield e o do jovem marinheiro.

A lembrança das coisas percebidas nesse estado pode às vezes conservar-se, como sucedeu ao reverendo Newnham, ao gravador e a Varley. Para isso, faz-se mister seja muito viva a impressão experimentada. Também é possível que subsistam algumas reminiscências vagas; mas, em geral, ao despertar, aquele com quem se deu o fenômeno do desdobramento nenhuma consciência tem do que se passou.

Esta, lacuna da vida mental assemelha-se ao esquecimento, por parte dos sonâmbulos, do que ocorreu enquanto estiveram em sono magnético. Desse fato apresentamos algures a explicação. (96)

Também pode acontecer que o desdobramento se produza, sem que o tenha desejado a pessoa com quem ele se verifica.

E o caso daquela senhora cujo duplo se mostrou em três ocasiões diferentes. Seu estado doentio faculta se suponha que a alma, por se achar menos fortemente ligada ao corpo, há podido desprender-se deste com facilidade. E uma possibilidade que, por muito freqüente, merece assinalada. Citemos alguns exemplos:

Refere Leuret (97) que um homem, convalescente de grave febre, se julgava formado de dois indivíduos, um dos quais se encontrava de cama, enquanto que o outro passeava. Embora lhe faltasse apetite, comia muito, porque tinha, dizia ele, dois corpos para alimentar.

Pariset, que fora atacado, quando muito jovem, de um tifo epidêmico passou muitos dias num aniquilamento bem próximo da morte. Certa manhã despertou-se nele um sentimento mais distinto de si mesmo. Pensou e foi como que uma ressurreição; mas, coisa maravilhosa! naquele momento, tinha dois corpos, ou, pelo menos, julgava tê-los, e esses corpos lhe pareciam deitados em leitos diferentes. Estando sua alma num, ele se sentia curado e gozava de delicioso repouso. Quando se achava no outro, a alma sofria e ele dizia para consigo mesmo: Como é que me sinto tão bem neste leito e tão mal, tão abatido no outro? Essa idéia o preocupou por muito tempo e ele, tão perspicaz na análise psicológica, me relatou muitas vezes a história pormenorizada das impressões que então experimentava. (98)

Cahagnet, o célebre magnetizador, também relata o seguinte (99):

Conheci muitas pessoas com quem se deram fatos desses (desdobramentos) que, aliás, são muito freqüentes em estado de doença. O venerável padre Merice me assegurou que, durante uma febre muito forte de que fora acometido se vira por muitos dias separado de seu corpo, que lhe aparecia deitado a seu lado, por ele se interessando como por um amigo. O reverendo se apalpava e procurava certificar-se, por todos os meios capazes de produzir convicção, de que aquele era um corpo ponderável, se bem pudesse nutrir a mesma convicção relativamente ao seu corpo material.

Vê-se, pois, que, de modo geral, para que a alma possa desprender-se, é preciso que o corpo esteja mergulhado em sono, ou que os laços que de ordinário a prendem ao corpo se hajam afrouxado por uma emoção forte, ou pela enfermidade. As práticas magnéticas ou os agentes anestésicos acarretam por vezes os mesmos resultados. (100)

Esta necessidade do sono durante o desdobramento se explica, primeiro, pelo fato de que a alma não pode estar simultaneamente em dois lugares diferentes; depois, a referida necessidade se pode compreender pela grande lei fisiológica do equilíbrio dos órgãos, segundo a qual todo desenvolvimento anormal de uma parte do corpo se opera em detrimento das outras. Se a quase totalidade da energia nervosa é empregada em produzir, no exterior, uma manifestação visível, o corpo, durante esse tempo, fica reduzido à vida vegetativa e orgânica; as funções de relação ficam temporariamente suspensas.

Pode-se mesmo, em certos casos, estabelecer uma relação direta entre a intensidade da ação perispiritual e o estado de prostração do corpo. A maior ou menor tangibilidade do fantasma se acha ligada, de maneira intima, ao grau de energia moral do indivíduo, à tensão de seu espírito para determinado objetivo, à sua idade, à sua constituição física e, sem dúvida, à condição do meio exterior, que depois será preciso determinar.

Em todos os exemplos acima citados, a forma visível da alma é cópia absolutamente fiel do corpo terrestre. Há Identidade completa entre uma pessoa e o seu duplo, podendo-se afirmar que esta semelhança não se limita à reprodução dos contornos exteriores do ser material, pois que alcança até a íntima estrutura perispirítica, ou, por outra: todos os órgãos do ser humano existem na sua reprodução fluídica. (101)

Notamos, em a narrativa concernente ao jovem marinheiro, que a aparição fala, o que faz supor tenha ela um órgão para produzir a palavra e uma força interior que põe em movimento esse aparelho. A máquina fonética é a mesma que a do corpo e a força é haurida no organismo vivo. No capitulo referente às materializações, veremos de que modo isso pode dar-se.

Assinalemos também, como um dos caracteres mais notáveis, o deslocamento quase instantâneo da aparição. Vimos que, na mesma noite, a alma do marinheiro, cujo corpo estava na Austrália, se manifestou à sua irmã na Inglaterra. Em todas as narrativas, a aparição viaja com vertiginosa rapidez; transporta-se, por assim dizer, instantaneamente ao lugar onde quer ir; parece deslocar-se tão depressa quanto a eletricidade. Essa velocidade considerável deriva da rarefação das moléculas que a formam, antes da materialização mais ou menos completa que ela opera para se tornar visível e tangível.

Encerraremos esta brevíssima exposição dos fatos com três casos típicos, em que se nos depararão reunidos todos os caracteres que até aqui temos observado isoladamente, nas aparições de vivos.

O adivinho de Filadélfia

O Sr. Dassier reproduz a seguinte história (102)

Stilling fornece pormenores interessantes sobre um homem que vivia em 1740 e que levava uma vida retirada, com singulares costumes, residindo nas cercanias de Filadélfia, Estados Unidos. Passava por possuir segredos extraordinários e por ser capaz de descobrir as coisas mais ocultas. Entre as provas mais notáveis que deu do seu poder, a que se segue Stilling a considerou bem verificada.

Um capitão de navio partira para longa viagem pela Europa e pela África. Bastante inquieta sobre a sua sorte, por não receber dele noticias desde muito tempo, sua mulher foi aconselhada a procurar o adivinho. Este pediu que ela o esperasse, enquanto ia colher informações acerca do viajante. Passou para um aposento ao lado e ela ficou à espera. Como sua ausência se prolongasse, a mulher se impacientou, julgando que fora esquecida. Aproximou-se devagarzinho da porta, espiou por uma fresta e ficou espantada de veio estendido imóvel num sofá, como se estivesse morto. Achou que não devia perturbá-lo e sim aguardar que voltasse.

Reaparecendo, disse ele à mulher que seu marido estivera impossibilitado de lhe escrever, por estas e aquelas razões; que, no momento, se achava num café em Londres e que, dentro em pouco, estaria de regresso ao lar.

Esse regresso, de fato, se verificou, acordemente com o que fora assim anunciado e, como a mulher perguntasse ao marido quais os motivos do seu tão prolongado silêncio, declinou ele precisamente as razões que o adivinho havia apresentado. Veio-lhe então a ela um grande desejo de verificar o que mais houvesse a propósito daquelas indicações. Completa foi a sua satisfação a esse respeito, porquanto, mal seu marido se achou em presença do mágico, logo o reconheceu, por tê-lo visto certo dia num café de Londres, onde lhe dissera que sua mulher estava muito apreensiva com a falta de noticias suas, ao que o capitão respondera, explicando como ficara impossibilitado de escrever e acrescentando que o fato se dera nas vésperas de embarcar para a América. Em seguida, perdera de vista o estrangeiro que lhe falara, por se ter este metido na multidão, e nunca mais ouvira falar dele.

Ainda aqui vemos desenrolar-se, mas, desta vez, voluntariamente, a série dos fenômenos já descritos: sono do paciente, separação entre seu corpo e sua alma, deslocamento rápido, materialização da aparição e lembrança ao despertar.

Na Revue Spirite de 1858, à pág. 328, encontra-se uma confirmação da possibilidade, que tem o espírito desprendido, de materializar bastante o seu envoltório, até torná-lo inteiramente semelhante ao corpo material. Aqui está o fato relatado naquela revista.

Uma viagem perispiritica

Um dos membros da Sociedade Espírita, residente em Boulogne-sur-Mer, a 2 de julho de 1856 escreveu a seguinte carta a Allan Kardec (Revue Spirite, 1858, p. 328)

Meu filho, desde que, por ordem dos Espíritos, o magnetizei, se tornou um médium excepcional. Pelo menos, foi o que ele me revelou no estado sonambúlico em que o pus, a seu pedido, no dia 14 de maio último, e quatro ou cinco vezes depois.

Para mim, é fora de dúvida que, desperto, ele conversa livremente com os Espíritos, por intermédio do seu guia a quem chama familiarmente de seu amigo; que, em Espírito, se transporta à vontade para onde queira e vou citar-lhe um exemplo, cuja prova tenho escrita, em meu poder.

Faz hoje precisamente um mês, estávamos ambos na sala de jantar, achando-me eu a ler o curso de magnetismo do Sr. du Potet, quando ele me toma o livro e se põe a folheá-lo. Chegado a certo ponto, diz-lhe o seu guia: lê isso. Era a aventura, na América. De um doutor cujo Espírito visitara um amigo, enquanto este dormia, a quinze ou vinte léguas de distância. Concluída a leitura, diz meu filho: Eu desejara muito fazer uma viagem semelhante. - Está bem! Onde queres ir? Pergunta-lhe o guia. - A Londres, respondeu o rapaz, ver meus amigos. E nomeou as pessoas que queria visitar.

Amanhã é domingo, foi-lhe respondido. Não és obrigado a levantar-te cedo para trabalhar. Dormirás às 8 horas e farás uma viagem a Londres até às 8 horas e meia. Na próxima sexta-feira, receberás de teus amigos uma carta, reprovando-te o teres passado com eles tão pouco tempo.

Efetivamente, no dia seguinte pela manhã, à hora indicada, ele caiu num sono de chumbo. Às 8 horas e meia, despertei-o. De nada se lembrava. Tive o cuidado de não lhe dizer palavra, aguardando o resultado.

Na sexta-feira seguinte, trabalhava eu com uma de minhas máquinas, como costumo, a fumar, pois que acabara de almoçar. Meu filho, olhando para a fumaça do meu cachimbo, diz: - Espera! há uma carta nessa fumaça. - Como podes tu enxergar uma carta na fumaça? - Vais ver, replica ele; ai está o carteiro que a traz. Com efeito, pouco depois o carteiro entregava uma carta vinda de Londres, em que seus amigos lhe censuravam o haver estado naquela cidade no domingo precedente e não ter ido vê-loa. Sabiam-no, porque uma pessoa das relações deles o havia encontrado. Possuo, como já lhe disse, essa carta, pela qual se prova que não estou inventando coisa alguma.

Este relato mostra a possibilidade de produzir-se artificialmente o desdobramento do ser humano. Veremos mais longe que esse processo foi utilizado por alguns magnetizadores.

Eis aqui o terceiro fato, que tomamos aos anais da Igreja Católica.

Santo Afonso de Liguori

A história geral da Igreja, pelo barão Henrion (Paris, 1851, tomo II, pág. 272) (103), narra do modo seguinte o fato miraculoso que se deu com Afonso de Liguori:

Na manhã de 21 de setembro de 1774, Afonso, depois de haver dito missa, atirou-se num sofá. Estava abatido e taciturno. Ficou sem fazer o menor movimento, sem articular uma só palavra de qualquer oração e sem se dirigir a pessoa alguma e assim passou o dia todo e a noite que se lhe seguiu. Nenhum alimento ingeriu durante todo esse tempo e ninguém notou que manifestasse o desejo de que lhe dispensassem qualquer cuidado. Logo que se aperceberam da situação em que ele se encontrava, os criados se colocaram próximos do seu quarto, mas não ousaram entrar.

A 22, pela manhã, verificaram que Afonso não mudara de posição e não sabiam o que pensar disso. Temiam fosse mais do que um êxtase prolongado. Entretanto, quando o dia já ia alto, Liguori tocou a campainha, para anunciar que queria celebrar missa.

Ouvindo aquele sinal, não só o irmão leigo que lhe ajudava a missa, como todas as pessoas da casa e outras de fora acorreram pressurosas. Com ar de surpresa, pergunta o prelado por que tanta gente. Respondem-lhe que havia dois dias ele não falava, nem dava sinal de vida. E verdade, replicou; mas, não sabíeis que eu fora assistir o papa que acaba de morrer?

Uma pessoa que ouviu essa resposta, no mesmo dia, a foi levar a Santa Ágata e a notícia ali se espalhou logo, como em Arienzo, onde Afonso residia. Julgaram que aquilo fora apenas um sonho; não tardou, porém, chegasse a noticia da morte de Clemente XIV, que a 22 de setembro passara a outra vida, precisamente às 7 horas da manhã, no momento mesmo em que Liguori recuperara os sentidos.

O historiador dos papas, Novaes, faz menção desse milagre, ao narrar a morte de Clemente XIV. Diz que o soberano pontífice deixou de viver a 22 de setembro, às 7 horas da manhã (a décima terceira hora para os italianos), assistido pelos gerais dos Agostinhos, dos Dominicanos, dos Observantinos e dos Conventuais e, o que mais interessa, assistido miraculosamente, pelo bem-aventurado Afonso de Liguori,se bem que desprendido de seu corpo, conforme resultou do processo jurídico do mesmo bem-aventurado, processo que a Sagrada Congregação dos Ritos aprovou.

Podem citar-se casos análogos ocorridos com Santo Antônio de Pádua, S. Francisco Xavier e, sobretudo, com Maria de Agreda, cujos desdobramentos se produziram durante muitos anos.

CAPITULO V

O CORPO FLUIDICO DEPOIS DA MORTE

SUMARIO: O perispirito descrito em 1804. - Impressões produzidas pelas aparições sobre os animais. - Aparição depois da morte. - Aparição do Espírito de um Índio. - Aparição a uma criança e a uma sua tia. - Aparição coletiva de três Espíritos. - Aparição coletiva de um morto. - Algumas reflexões.

O perispirito descrito em 1804

Sob o título: Aparição real de minha mulher depois de morta - Chemnitz, 1804 -, o Dr. Weetzel publicou um livro que causou grande sensação nos primeiros anos do século dezenove. Em muitos escritos foi ele atacado. Wieland, sobretudo, o meteu a ridículo na Enthauesia. (104)

Woetzel pedira à sua mulher, quando enferma, que, se viesse a morrer, lhe aparecesse. Ela prometeu; porém, mais tarde, a pedido seu, o doutor a desobrigou do prometido. Todavia, algumas semanas depois de ter ela morrido, sentiu ele no quarto, que se achava fechado, uma forte rajada de vento, que quase lhe apagou a luz e abriu uma janelazinha do aposento. A branda claridade reinante Woetzel viu a forma de sua esposa, que lhe disse com voz meiga: Carlos, sou imortal; um dia tornaremos a ver-nos A aparição e essas palavras se repetiram segunda vez, mostrando-se vestida de branco a morta e com o aspecto que tinha antes de morrer. Um cão, que da primeira vez não dera sinal de perceber coisa alguma, da segunda se pôs a farejar e a descrever um círculo, como se o fizesse em torno de alguma pessoa sua conhecida.

Noutra obra sobre o mesmo assunto (Leipzig, 1805), o autor fala de solicitações que lhe foram feitas no sentido de desmentir toda aquela história - porque, do contrário, muitos sábios serão forçados a repudiar o que, até então, tinham tido como opiniões verdadeiras e justas e a superstição encontraria naquilo farto alimento. Ele, porém, já pedira ao conselho da Universidade de Leipzig que lhe permitisse formular sobre o caso um juramento judiciário. O Dr. Wastzel desenvolveu assim a sua teoria: Depois da morte, a alma ficaria envolta num corpos etéreos, luminosos, por meio do qual poderia tornar-se visível, podendo também pôr outras vestes em cima desse invólucro luminoso. A aparição não atuara, com relação a ele, sobre o seu sentido interior, mas, unicamente, sobre o seu sentido exterior.

Temos, nesta observação, uma prova da objetividade da aparição, pela haver visto e reconhecido o cão. Indubitavelmente, uma imagem subjetiva, isto é, existente no cérebro do sábio, não houvera podido exercer aquela influência sobre um animal doméstico.

Impressões produzidas pelas aparições sobre os animais

No que escreveu sobre a vidente de Prévorst, Justinus Kerner alude a uma aparição que ela teve durante um ano inteiro. De cada vez que o Espírito lhe aparecia, um galgo negro, que havia na casa, como que lhe sentia a presença. Logo que a aparição se tornava perceptível à vidente, o cão corria para junto de alguém, como a pedir proteção, muitas vezes uivando forte. Desde o dia em que viu o vulto, nunca mais quis ficar só durante a noite.

No terrível episódio de casa mal-assombrada, que a Sr.a S. C. Hall narrou a Robert Dale Owen (105), se vê que foi impossível fazer-se que um cão permanecesse, nem de dia, nem de noite, no aposento onde as manifestações se produziam. Pouco tempo depois destas começarem, ele fugiu e não mais o encontraram.

John Wesley, fundador da seita que lhe tomou o nome, deu publicidade aos ruídos que se ouviam no curato de Epworth. Depois de descrever esses sons estranhos, semelhantes aos que produziriam objetos de ferro ou de vidro caindo ao chão, acrescenta ele:

Pouco mais tarde, o nosso grande mastim correu a refugiar-se entre mim e minha mulher. Enquanto duraram os ruídos, ele ladrava e pulava de um lado para outro, abocanhando o ar e isso, as mais das vezes, antes que alguém, no aposento, houvesse escutado coisa alguma. Ao cabo de três dias, tremia e se esgueirava rastejando, antes que começassem os ruídos. Era, para a família, o sinal de que estes iam principiar, sinal que nunca falhou.

Fazemos a respeito algumas observações, tomando-as ao ilustre naturalista Sir Alfred Russel Wallace. (106)

É sem dúvida notável e digna de atenção essa série de casos em que se puderam observar as impressões que os fantasmas produzem nos animais. Fatos tais certamente não se dariam, se fossem verdadeiras as teorias da alucinação e da telepatia. Eles, no entanto, merecem fé, porque quase sempre entram nas narrativas como episódios inesperados. Além disso, são anotados a fim de que não passem despercebidos, o que prova que os observadores conservavam o seu sangue-frio.

Mostram, irrefutavelmente, que grande número de fantasmas, percebidos pela visão ou pela audição, ainda quando seja uma única a pessoa que os perceba, constituem realidades objetivas. O terror que manifestam os animais que os percebem e a atitude que assumem, tão diferente da que guardam em presença dos fenômenos naturais, estabelecem, de modo não menos claro, que, embora objetivos, não são normais os fenômenos e não podem ser explicados por qualquer embuste, ou por eventualidades naturais mal interpretadas.

Continuaremos agora o estudo das aparições que se produzem após a morte. Salientaremos as semelhanças que existem entre essas aparições e as dos vivos e veremos que umas e outras apresentam clara analogia de caracteres, que implica a das causas. Se bem nos pareça pouco possível imaginar-se, para os casos precedentes, qualquer ação, ainda desconhecida, de um cérebro humano sobre outro cérebro humano, de maneira a alucinar completamente, impossível será, com as teorias materialistas, supor essa ação exercitada por um morto. Todavia, desde que os fatos são idênticos, ter-se-á que admitir, como causa verdadeira, a alma, quer habite a Terra, quer haja deixado este mundo.

É exato que os incrédulos são muito hábeis em forjar teorias, quando topam com fenômenos embaraçosos, cuja realidade não possam negar. Daí vem o terem estendido aos mortos a hipótese da telepatia, pretendendo que a ação telepática de um moribunda pode penetrar inconscientemente no espírito do paciente, de modo que a alucinação se dê muito tempo depois da morte daquele que a originou.

Apóia-se esta suposição nas experiências de sugestões em longo prazo. É sabido que se pode conseguir que pacientes muito sensíveis pratiquem atos bastante complicados, alguns dias e até alguns meses mais tarde. Despertado, o paciente nenhuma consciência tem da ordem adormecida no seu íntimo; mas, em chegando o dia determinado, executa fielmente a sugestão.

Se, pois, o pensamento de um morto é violentamente levado a um de seus parentes, pode este guardá-lo inconscientemente e, quando a alucinação se produzir, já não haverá uma aparição, mas apenas a realização de uma sugestão. É muito engenhoso este modo de conceber as coisas, porém, muito longe de explicar todos os fatos de aparição de mortos. Em primeiro lugar, a analogia entre a visão de um morto e uma sugestão retardada é absolutamente falsa, porquanto o agente - na maioria dos casos - não cogita de ordenar ao paciente que o veja mais tarde. Em segundo lugar, se, como nas aparições de vivos, há fenômenos físicos produzidos pela aparição, evidente se torna que não é uma imagem mental quem as executa: preciso se faz seja o ser desencarnado, o que demonstra a sua sobrevivência. Teremos adiante ocasião de mostrar quanto essas explicações, pretensamente cientificas, costumam ser falsas e quão incompletas são sempre.

Voltemos aos casos referidos nos Phantasms oj the living. Aqui temos um em que a aparição se produz pouco tempo após o trespasse. A narrativa é da Sra Stella Chieri, Itália (107)

Aparição depois da morte

18 de janeiro de 1884.

Contando eu mais ou menos quinze anos, fui passar algum tempo com o Dr. J. G., em Twyford, Hants, e lá me afeiçoei a um primo do doutor, rapaz de 17 anos. Tornamo-nos inseparáveis, juntos passeávamos de bote, juntos andávamos a cavalo, de todas as diversões participávamos, como irmãos.

Porque fosse de saúde muito delicada, eu cuidava dele, vigiando-o constantemente, de sorte que nunca passávamos, sequer, uma hora, longe um do outro.

Desço a estes pormenores todos, para lhe mostrar que não havia o menor vestígio de paixão entre nós. Éramos, um para o outro, como dois rapazes.

Certa noite, vieram chamar o Sr. G.. ., para ver o primo que caíra de súbito gravemente enfermo de uma inflamação dos pulmões. Ninguém nada me dissera da gravidade da doença; eu, por tanto, ignorava que o rapaz corria perigo de vida e, por isso, não me inquietava a seu respeito. A noite, ele morreu. O Sr. G. . . E sua irmã foram à casa de uma tia, deixando-me sozinha no salão de visitas. Ardia no fogão um fogo vivo e eu, como muitas moças, gostava de estar junto da lareira, para ler à claridade das chamas. Não sabendo que o meu amigo estava mal, conservava-me tranqüila, apenas um pouco aborrecida por não poder ele passar a noite ao meu lado, tão só me sentia.

Estava eu lendo calmamente, quando a porta se abriu e Bertie (o meu companheiro) entrou. Levantei-me bruscamente, a fim de aproximar do fogo uma poltrona para ele, pois me parecia estar com frio e não trazia capote, se bem na ocasião nevasse. Pus-me a repreendê-lo por haver saído sem se agasalhar bastante. Em vez de responder, ele colocou a mão no peito e abanou a cabeça, o que, a meu ver, queria significar que não sentia frio, que sofria do peito e perdera a voz, coisa que de vez em quando acontecia. Censurei-lhe ainda mais a imprudência. Estava a falar, quando o Sr. G... entrou e me perguntou a quem me estava dirigindo. Respondi: A este insuportável rapaz, que sai sem capote, com um resfriado tão sério, a ponto de não poder falar. Empreste-lhe o seu capote e mande-o para casa

Jamais esquecerei o horror e o espanto que se pintaram no semblante do doutor, porquanto sabia (o que eu ignorava) que o pobre rapaz morrera, havia uma meia hora, e vinha precisamente dar-me essa noticia. A sua primeira impressão foi a de que já eu a recebera e de que isso me ocasionara a perda da razão. Fiquei sem compreender por que me obrigou a sair do salão, falando-me como se o fizesse a uma criancinha. Durante alguns momentos trocamos observações incoerentes, explicando-me ele, depois, que eu tivera uma ilusão de óptica. Não negou que eu houvesse visto Bertie com meus próprios olhos; mas, apresentou-me uma explicação muito científica dessa visão, temendo que me assustasse ou ficasse debaixo de uma impressão aflitiva.

Até ao presente, não falei a quem quer que fosse desse acontecimento, em primeiro lugar, porque encerra para mim uma triste recordação e, também, porque temia me tomassem por espírito quimérico e não me acreditassem. Minha mãe, essa me disse que fora um sonho. Entretanto, o livro que eu lia na ocasião, intitulado O Sr. Vernant Oreen, não é dos que fazem dormir e recordo-me bem de que muito me ria de alguns disparates do herói, no instante mesmo em que a porta se abriu.

As diversas perguntas que lhe dirigiram os investigadores, a Sra Stella respondeu:

A casa do rapaz ficava mais ou menos a um quarto de hora de marcha da do Sr. G.. . E Bertie morreu cerca de vinte minutos antes que o doutor lhe deixasse a casa. Quando o Sr. G... entrou, havia perto de cinco minutos que a aparição estava na sala. O que sempre me pareceu muito singular é que eu tenha ouvido o ruído da maçaneta a girar e da porta a se abrir. Com efeito, foi o primeiro desses ruídos que me fez levantar do livro os olhos. A aparição caminhou, atravessando a sala, em direção à lareira e se sentou, enquanto eu acendia as velas. Tudo se passou de modo tão real e natural, que mal posso agora admitir que não fosse uma realidade.

Esta última observação mostra que a moça se achava em seu estado habitual. Ria, lendo um livro alegre e de modo nenhum se encontrava predisposta a uma alucinação. O Espírito de Bertie, que apenas acabara de abandonar o seu corpo, entra na sala, fazendo girar a maçaneta. da porta. O ruído é tão real, que a faz levantar a cabeça. Se tratasse de uma alucinação, quem a teria produzido?

Já vimos que a mãe de Helena (108) - fantasma de vivo - abriu uma porta; assistimos aqui ao mesmo fenômeno produzido por Bertie, no estado de Espírito. A alma do rapaz não é visível para o doutor - tal qual como o duplo de Frederico (109) para o amigo de Goethe - mas atua telepaticamente sobre Stella e objetivamente sobre a matéria da porta.

Começamos a aperceber-nos, diz F. H. Myers, um dos autores dos Phantasms, quão intimamente ligadas se acham as nossas experiências de telepatia entre vivos é telepatia entre os vivos e os mortos. Ninguém, todavia, quer com estas ocupar-se, de medo da pecha de misticismo.

A aparição se assemelhava tanto a Bertie quando vivo, que a moça lhe fala, o repreende por ter saído sem capote. Numa palavra: persuade-se de que ele lá está, pois que caminhou desde a porta até a poltrona em que se sentou.

Se o fenômeno se houvera produzido alguns minutos antes da morte de Bertie, em vez de se produzir depois, entraria na classe dos acima estudados. Aqui, porém, o corpo está sem vida, só a alma se manifesta, sem que, no entanto, qualquer mudança se haja operado nas circunstâncias exteriores pelas quais ela atesta a sua presença. Os traços fisionômicos são idênticos ao do corpo material. O talhe, o andar, tudo lembra o ser vivo.

Citemos outro caso, em o qual o Espírito que se manifesta imprime ao seu perispírito tangibilidade bastante para poder pronunciar algumas palavras, se bem já não pertencesse ao número dos vivos. (110)

Aparição do Espírito de um índio

A Sra Bishop, Bird em solteira, escritora muito conhecida, mandou-nos, em março de 1884, esta narrativa, quase idêntica a outra, de segunda mão, que nos fora remetida em março de 1883. Excursionando pelas Montanhas Rochosas, travou ela relações com um índio mestiço, chamado Nugent, porém, conhecido pelo nome de Mountain Jim, e sobre o qual adquirira considerável influência.

No dia, diz a narradora, em que dele me despedi, Mountain Jim estava muito comovido e muito excitado. Tivéramos uma longa palestra sobre a vida mortal e a imortalidade, palestra a que eu pusera fim proferindo algumas palavras da Bíblia. Muito impressionado, mas também muito exaltado, ele exclamara: Não tornarei talvez a vê-la nesta vida; vê-la-ei, porém, quando eu morrer. Repreendi-o brandamente, pela sua violência, ao que ele retrucou, repetindo, com mais energia ainda, a mesma coisa e acrescentando: Nunca esquecerei as palavras que a senhora acaba de me dirigir e juro que tornarei a vê-la, quando eu morrer. Dito isso, separamo-nos.

Durante algum tempo, tive notícias dele. Fui sabedora de que se conduzira mal, pois retomara seus costumes selvagens, e, mais tarde, vim, a saber, que se achava muito doente, em conseqüência de ferimentos que recebera numa rixa. Depois, que estava melhor, mas que formava projetos de vingança. Da última vez que me chegaram noticias suas, eu me achava no Hotel Interlaken, em Interlaken, na Suíça, em companhia da Srta. Clayson e da família Ker. Algum tempo depois de as ter recebido (fora em setembro de 1874), estava recostada na cama a escrever uma carta para minha irmã, quando, erguendo os olhos, vi Mountain Jim em pé diante de mim. Fitava-me e, quando lhe dirigi o olhar, disse-me em voz baixa, mas muito distintamente: Vim, como prometi. Em seguida, fez um sinal com a mão e disse: Adeus!

Quando a Srta. Bessie Ker me veio trazer o almoço, tomamos nota do acontecido, da data e da hora. Mais tarde, chegou-nos a noticia da morte de Mountain Jim e verificamos que, levada em conta a diferença das longitudes, a data coincidia com a da sua aparição.

Esta, na realidade, segundo os autores, se dera oito horas depois da morte, ou catorze horas, se ocorreu no dia seguinte ao indicado pela Sra Bishop.

Comprova-se invariavelmente que a distância não constitui obstáculo ao deslocamento do Espírito, pois que ele pôde manifestar a sua presença na Europa muito pouco tempo após sua morte na América. As observações precedentemente feitas aplicam-se aqui ao aspecto exterior do Espírito. Julgamos, entretanto, que a materialização, neste caso, foi mais completa do que no último citado, porquanto ele dirigiu um adeus à vidente, o que nos reconduz ao caso em que o fantasma de vivo igualmente pronuncia algumas palavras. Esta observação firma que também o Espírito dispõe de um órgão para produzir sons articulados e de uma força para acioná-lo. Veremos, dentro em pouco, que no perispírito não existe apenas o laringe, mas todos os órgãos do corpo material. O que, acima de tudo, nos importava assinalar é a notável uniformidade que se observa na maneira de agir dos fantasmas, quer se trate de um desdobramento, quer da materialização temporária de um habitante do espaço.

Mencionemos, por fim, mais um caso em que o mesmo Espírito se manifesta, com pequeníssimo intervalo, a duas pessoas.

Aparição a um menino e a uma sua tia

Senhora Cox, Summer Híll, Queenstown, Irlanda. (111)

Na noite de 21 de agosto de 1869, entre oito e nove horas, estava eu, sentada, no meu quarto de dormir, em casa de minha mãe, em Devonport. Meu sobrinho, um menino de sete anos, estava deitado no quarto ao lado. Tive de repente a surpresa de vê-lo entrar correndo no meu aposento e a gritar aterrorizado: Tia! Acabo de ver meu pai andando à volta da minha cama! Observei-lhe: Que tolice! estavas a sonhar! Ele: Não, não sonhei. E não quis voltar para o seu quarto. Vendo que não conseguia persuadi-lo a que voltasse, acomodei-o na minha cama. Entre dez e onze horas também eu me deitei.

Cerca de uma hora depois, creio, dirigindo o olhar para o lado da lareira, vi distintamente, com grande espanto, a forma de meu irmão, sentado numa poltrona, sendo que sobremaneira logo me impressionou a palidez mortal do seu semblante. (Nesse momento, meu sobrinho dormia a sono solto.) Fiquei tão aterrada (sabia que naquela ocasião meu irmão se achava em Hong Kong), que cobri a cabeça com o lençol. Pouco depois, ouvi-lhe nitidamente a voz, chamando-me pelo meu nome, que foi repetido três vezes quando de novo olhei para o lugar onde o vira, ele havia desaparecido. No dia seguinte, narrei o fato à minha mãe e à minha irmã e disse que tomaria nota de tudo e assim fiz. Pela primeira mala chegada da China, veio-me a triste notícia da morte súbita de meu irmão, ocorrida a 21 de agosto de 1869, na baía de Hong Kong, em conseqüência de um ataque de insolação.

MINNIE COX.

Segundo informações complementares, a data da morte precedeu de algumas horas a aparição.

É impossível admitir-se aqui a alucinação, porquanto o mesmo Espírito se faz visível a uma criança e a uma mulher que não estavam juntos. Cada uma dessas pessoas reconhece a aparição e, com a segunda, para atestar a sua identidade, o irmão chama pela irmã três vezes seguidas. A alma fazia empenho, evidentemente, em assinalar de modo positivo a sua presença, donde devemos legitimamente induzir que ela se achava materializada. A irmã olhou tão atentamente para o irmão, que lhe notou a palidez extrema do rosto. Afastemos, portanto, neste caso, qualquer outra interpretação diferente da que atribui à alma desencarnada o poder de mostrar a sua sobrevivência.

Encerremos a série dos casos que fomos pedir à Sociedade de Pesquisas Psíquicas com dois tão probantes, que tornam supérfluos quaisquer comentários.

Aparição coletiva de três Espíritos

19 de maio de 1883.

Srta. Catarina, Sr. Weld. (112)

Filipe Weld era o filho mais moço do Sr. James Weld, de Archers Lodge, perto de Southampton, e sobrinho do falecido cardeal Weld. Em 1842, seu pai o mandou para o colégio Saint-Edmond, próximo de Ware, no Hertfordshire, para fazer seus estudos. Rapaz de boas maneiras e amável fez-se muito estimado de seus mestres e camaradas. Na tarde do 16 de abril, Filipe, acompanhado de um de seus mestres e de alguns companheiros, foi passear de canoa pelo rio. Era esse um exercício de que gostava muito. Quando o mestre avisou que estavam na hora de regressar ao colégio, Filipe pediu licença, para mais uma corrida. O mestre consentiu e os rapazes rumaram até ao ponto onde faziam a virada. Chegados aí, Filipe, manobrando o barco para dar a volta, caiu acidentalmente ao rio e afogou-se, apesar de todos os esforços empregados para salvá-lo.

Transportaram-lhe o corpo para o colégio e o Reverendíssimo Dr. Cox, o diretor, ficou profundamente contristado e aflito. Resolveu ir a pessoa à casa do Sr. Weld, em Southampton.

Partiu naquela mesma tarde e, passando por Londres, chegou a Southampton no dia seguinte. Foi de carro a Archers Lodge, residência do Sr. Weld e, antes de entrar, viu o Sr. Weld a pequena distância do portão, dirigindo-se para a cidade. O Dr. Cox fez parar o carro, desceu e encaminhou-se para o Sr. Weld. Ao aproximar-se, disse-lhe este, impedindo-o de falar: Não precisa dizer coisa alguma, pois já sei que Filipe morreu. Ontem à tarde, estando a passear com minha filha Catarina, os dois de repente o vimos. Estava na alameda, do outro lado da estrada, entre duas pessoas, sendo uma delas um moço vestido de preto. Minha filha foi a primeira a percebê-lo e exclamou: Papai, já viste alguém tão parecido com o Filipe como aquele rapaz? - Como ele, não, respondi, pois que é ele próprio!

Coisa singular: minha filha nenhuma importância ligou a esse episódio. Para ela, apenas víramos alguém que se parecia extraordinariamente com seu irmão. Encaminhamo-nos para aquelas três formas. Filipe olhava sorridente e com uma expressão de ventura para o mancebo vestido de preto, que era mais baixo do que ele. De repente, como que se desvaneceram às minhas vistas e nada mais vi, senão um camponês que antes eu divisara através daquelas três formas, o que me levou a pensar que eram Espíritos. Contudo, a ninguém falei, temendo afligir minha mulher. Aguardei ansioso o correio do dia seguinte. Com grande satisfação para mim, nenhuma carta recebi. Esquecera-me de que as cartas de Ware só chegavam à tarde e os meus receios se acalmaram. Não mais pensei naquele acontecimento extraordinário, até ao momento em que o vi de carro perto do meu portão. Tudo então reviveu em meu espírito e logo compreendi que me vinha anunciar a morte do meu querido rapaz.

Imagine o leitor o inexprimível espanto do Dr. Cox ao ouvir essas palavras. Perguntou ao Sr. Weld se já vira alguma vez o rapaz trajado de preto para o qual Filipe olhava com um sorriso de grande satisfação. O Sr. Weld respondeu que jamais o vira, porém, que tão nitidamente os traços do seu semblante se lhe haviam gravado no espírito, que estava certo de o reconhecer imediatamente, assim o encontrasse. Narrou então o Dr. Cox ao amargurado pai todas as circunstâncias em que se dera a morte de seu filho, ocorrida precisamente à hora em que aparecera à sua irmã e ao seu genitor. O Sr. Weld foi ao enterro do filho e, ao deixar a igreja, após a triste cerimônia, olhou em torno de si para ver se algum dos religiosos se parecia com o moço que vira ao lado de Filipe, mas em nenhum descobriu a menor semelhança com a figura que lhe aparecera.

Cerca de quatro meses mais tarde partiu em visita a seu irmão, Sr. Jorge Weld, em Seagram Hall, no Lancashire, levando consigo toda a família. Certo dia, indo com sua filha Catarina, a passeio na aldeia vizinha de Chikping, depois de assistir a um ofício religioso na igreja, foi à casa do sacerdote visitá-lo. Enquanto esperavam que o padre aparecesse, os dois visitantes se entretiveram a examinar as gravuras dependuradas nas paredes da sala. Súbito, o Dr. Weid se deteve diante de um retrato (não se podia ler o nome escrito embaixo, porque a moldura o encobria) e exclamou: E a pessoa que vi com Filipe; não sei de quem é este retrato, mas, tenho a certeza de que foi esta a pessoa que vi com Filipe. Passados alguns instantes, entrou o sacerdote e o Sr. Weld imediatamente o interpelou com respeito à gravura. Respondeu ele que esta representava Santo Estanislau Kostka e que considerava aquele um bom retrato do jovem santo.

O Sr. Weld se tornou presa de grande emoção. Santo Estanislau fora um jesuíta que morrera muito moço. Tendo sido o pai do Sr. Weld grande benfeitor daquela ordem, sua família era considerada sob a proteção especial dos santos jesuítas. Ao demais, Filipe, havia pouco, se tomara, em conseqüência de circunstâncias diversas, de particular devoção a Santo Estanislau. Além disso, este santo é tido como o padroeiro dos afogados, conforme consta da história de sua vida. O reverendo logo ofereceu o retrato ao Sr. Weld que, naturalmente, o recebeu com a maior veneração e o conservou até à morte, passando, depois de ocorrida esta, à sua filha (a narradora), que vira a aparição ao mesmo tempo em que seu pai e que ainda o guarda consigo.

São típicas as circunstâncias deste relato. Não só o filho se apresenta a seu pai sob uma forma que, embora transparente, permite que aquele o reconheça perfeitamente, como também um de seus companheiros apresenta fisionomia tão característica, que o Sr. Weld pôde reconhecê-lo num retrato, depois de passados quatro meses. Sua filha igualmente o reconhece, o que excluí toda idéia de alucinação. Aliás, o fato de o Sr. Weld, antes da manifestação, não ter conhecido a imagem de Santo Estanislau mostra bem que ele não pode ter sido vítima de uma ilusão.

Eis agora um último caso em que a aparição é reconhecida por todas as pessoas da casa.

Aparição coletiva de um morto

Sr. Charles A. W. Lett, do Real Clube Militar e Naval, rua Albermale, Londres. (113)

A 5 de abril de 1873, o pai de minha mulher morreu na sua residência, em Cambrook, Rosebay, perto de Sydney. Umas seis semanas depois de sua morte, certa noite, pelas nove horas, minha mulher entrou acidentalmente num dos quartos de dormir da casa. Acompanhava-a uma jovem, a Srta. Berton. Ao entrarem no quarto - achava-se aceso o bico de gás - tiveram ambas a surpresa de dar com a imagem do capitão Towns, refletida na superfície polida do armário. Viam-se-lhe a metade do corpo, a cabeça, as espáduas e os braços. Dir-se-ia um retrato em tamanho natural. Tinha pálido e magro o rosto, como ao morrer. Trazia uma jaqueta de flanela cinzenta, com que costumava dormir. Surpreendidas e meio apavoradas, supuseram, a principio, ser um retrato que houvessem pendurado no quarto e cuja imagem viam refletida. Mas, não havia ali nenhum retrato daquele gênero.

Estando as duas ainda a olhar, entrou no quarto a irmã de minha mulher, Srta. Towns, e, antes que as outras lhe falassem, exclamou: Meu Deus! olhem o papai. Como na ocasião passasse pela escadaria uma das criadas de quarto, chamaram-na e lhe perguntaram se via alguma coisa. Ela respondeu: Oh! Senhorita, o patrão! Mandaram chamar Graham, ordenança do capitão Towns, o qual, assim chegou ao quarto, foi exclamando: Deus nos guarde! Senhorita Lett, é o capitão. Chamaram também o mordomo e, depois, a Sra Crane, ama de minha mulher, e ambos disseram o que viam. Finalmente, pediram à Sr Towns que viesse. Ao deparar com a aparição, encaminhou-se para ela de braços estendidos, como para segurá-la; mas, ao passar a mão pela face do armário, a imagem começou a desaparecer pouco a pouco e nunca mais foi vista, embora o quarto continuasse ocupado.

Tais os fatos como se deram, sendo impossível duvidar deles. As testemunhas de nenhum modo foram influenciadas. A todas era feita a mesma pergunta, logo que chegavam ao quarto, e todas responderam sem hesitação. Eu, no momento, estava em casa, mas não ouvi chamarem-me.

C. A. W. LETT.

As abaixo assinadas, depois de lerem a narrativa acima, certificam que está exata. Todas nós fomos testemunhas da aparição.

3 de dezembro de 1885.

Sara Lett. - Sibbie Singth (Towns em solteira).

Além dos casos citados, As Alucinações Telepáticas trazem sessenta e três outros análogos.

Tanto custa às verdades novas abrir caminho através da inextricável balseira das idéias preconcebidas, que a inevitável alucinação não deixou de ser invocada, para explicar os casos em que as aparições de Espíritos são vistas simultaneamente por muitas pessoas. Com a maior simplicidade imaginável, com espantosa desenvoltura, dizem os negadores que a alucinação, em vez de ser única, é coletiva. Em vão se lhes objeta que as testemunhas gozam de perfeita saúde e se acham no uso de todas as suas faculdades; que essas testemunhas, conquanto diversas, se referem a um mesmo objeto, descrito ou reconhecido identicamente por todos os observadores, o que constitui sinal certo da sua realidade: os incrédulos abanam a cabeça desdenhosamente e, fazendo garbo da sua ignorância, preferem atribuir o fato a um desarranjo momentâneo das faculdades mentais dos observadores, a uma ilusão que se apodera de todos os assistentes, antes que reconhecer lealmente a manifestação de uma inteligência desencarnada.

A negação, porém, para legitimar-se, precisa de limites, porquanto não lhe é possível manter-se, desde que seja posta em face das provas experimentais, que permanecem quais testemunhos autênticos da realidade das manifestações.

Notemos que, em todos os casos precedentemente referidos, a certeza da visão em si mesma não é contestada; o que os opositores negam é que seja objetiva, isto é, que se haja produzido algures, que não no cérebro do ou dos assistentes. Pretendem eles que os relatos das testemunhas não podem ter valor absoluto, dado que, a admitir-se uma coisa tão inverossímil como a aparição de um morto, ou a realidade de um fenômeno sobrenatural, mais vale se suponha, da parte dos vivos, uma aberração do espírito.

Mas, ainda aqui, os incrédulos desprezam um fato muito importante, pois, se há uma alucinação, não pode esta ser uma alucinação qualquer; tem que estar ligada a um acontecimento real e achar-se com este em íntima conexão. Não podem, conseguintemente, atribuir-se ao acaso ou a meras coincidências as visões telepáticas e, se demonstrarmos possível a provocação artificial de tais fenômenos, fica fora de dúvida que os que se produzem acidentalmente são devidos a uma lei natural ainda ignorada.

É precisamente o que vamos fazer no capitulo seguinte. Levando mesmo mais longe a experimentação, comprovaremos que certas aparições são tão reais, que se chega a fotografá-las. Desde então, nem sequer a sombra de uma dúvida poderá restar acerca da objetividade delas, tão obstinadamente contestada.

SEGUNDA PARTE

A EXPERIÊNCIA

CAPITULO I

ESTUDOS EXPERIMENTAIS SOBRE O DESPRENDIMENTO DA ALMA HUMANA

SUMARIO: O Espiritismo é uma ciência. - Aparição voluntária. - Vista a distância e aparição. - Fotografias dos duplos. - Efeitos produzidos por Espíritos de vivos. - Evocação do Espírito de pessoas vivas. - Espíritos de vivos manifestando-se pela mediunidade dita de incorporação. - Como pode o fenômeno produzir-se.

Uma ciência só se acha verdadeiramente constituída quando pode verificar, por meio da experiência, as hipóteses que os fatos lhe sugerem. O Espiritismo tem direito ao nome de ciência, porque não se há limitado à simples observação dos fenômenos naturais que revelam a existência da alma durante a encarnação terrena e depois da morte. Todos os processos o empregou para chegar à demonstração de suas teorias e pode dizer-se que o magnetismo e a ciência pura lhe serviram de poderosos auxiliares para firmar a exatidão de seus ensinos.

Os numerosos exemplos registrados, do desdobramento da alma, mostraram que havia de ser possível à reprodução experimental de tais fenômenos. Grande número de pesquisas feitas nesse sentido e coroadas de êxito confirmaram essa possibilidade. Deu-se a denominação de animismo à ação extracorpórea da alma; mas, semelhante distinção é puramente nominal, pois que tais manifestações são sempre idênticas, quer durante a vida, quer após a morte.

Com efeito, a ação da alma, fora das limitações em que o corpo a encerra, não se traduz apenas por fenômenos de transmissão do pensamento ou de aparições; pode também assinalar-se por deslocamentos de objetos materiais, que lhe atestam a presença. Acham-se então os assistentes diante de fatos iguais aos que a alma desencarnada produz.

É esta uma observação da mais alta importância, mas a que não se tem dispensado bastante atenção. Se, verdadeiramente, o Espírito de um homem que vive na Terra, saindo momentaneamente do seu invólucro corpóreo, pode fazer que uma mesa se mova, de maneira a ditar uma comunicação por meio de um alfabeto convencional; se o Espírito de um encarnado é capaz de atuar sobre um médium escrevente, para lhe transmitir seus pensamentos; se, enfim, é possível se obtenha o molde da personalidade exteriorizada desse indivíduo, ocioso se torna atribuir esses mesmos fenômenos a outros fatores, que não a almas desencarnadas, quando são observados nas manifestações espíritas, isto é, nas em que impossível se revela a intervenção de um ser vivo.

Segundo o método científico, desde que bem definidos ficam os efeitos de uma causa, basta depois se observem os mesmos efeitos, para haver a certeza de que a causa não mudou. Regra idêntica se deve aplicar no estudo dos fenômenos do Espiritismo. Pois que a alma humana tem o poder de agir fora do seu corpo, isto é, quando se acha no espaço, lógico é se admita que do mesmo poder dispõe ela depois da morte, se sobrevive integralmente e se põe em comunicação com uns organismos vivos, análogos ao que possuía antes de morrer. Ora, sabemos, por testemunhos autênticos, que ela conserva um corpo real, mas fluídico; que nada perdeu de suas faculdades, pois que as exerce como outrora; logo, se os fatos observados de animismo são inteiramente semelhantes aos do Espiritismo, é que a causa é a mesma, ou seja, a alma em nós encarnada.

Esta relação de causa e efeito, que assinalamos nos casos de telepatia, vamos criá-la voluntariamente, de sorte a não ser mais possível atribuírem-se ao acaso, ou a coincidências fortuitas, os fenômenos que produzirmos. Numa palavra, procederemos experimentalmente, tendo em mira obter resultados previstos de antemão. Se as previsões se realizarem, é que são exatas as hipóteses segundo as quais as pesquisas se intentaram.

Vejamos, pois, as experiências que já não permitem dúvidas sobre a possibilidade de a alma sair do seu envoltório corporal. Elas são múltiplas e variadas, como mostraremos.

Voltemos, por um instante, aos Phantasms of the living, a fim de extrairmos daí a narrativa seguinte, em que a manifestação é consecutiva à vontade de aparecer num lugar determinado.

Aparição voluntária

E interessante este caso (114), porque duas pessoas viram a aparição voluntária do agente. A narrativa foi copiada de um manuscrito do Sr. S. H. B. que o transcrevera de um diário em que ele próprio relatava os fatos que lhe sucediam cotidianamente.

Certo domingo do mês de novembro de 1881, à noite, tendo acabado de ler um livro em que se falava do grande poder que a vontade humana é capaz de exercer, resolvi, com todas as minhas forças, aparecer no quarto de dormir situado na frente do segundo andar da casa de Hogarth Road, 22, Kensington. Nesse quarto dormiam duas pessoas de minhas relações: as Srtas. L. S. V. e C. E. V., de 25 e 11 anos de idade. Eu, na ocasião, residia em Kildare Gardens, 23, a uma distância de mais ou menos três milhas de Hogarth Road, e não falara a nenhuma das duas senhoritas da experiência que ia tentar, pela razão muito simples de que a idéia dessa experiência me viera naquela mesma noite de domingo, quando me ia deitar. Era meu intento aparecer-lhes à uma hora da madrugada e estava decidido a manifestar a minha presença.

Na quinta-feira seguinte fui visitar as duas jovens e, no curso da nossa palestra (sem que eu fizesse qualquer alusão à minha tentativa), a mais velha me relatou o seguinte episódio:

No domingo anterior, à noite, vira-me de pé junto de sua cama e ficara apavorada. Quando a aparição se encaminhou para ela, gritou e despertou a irmãzinha, que também me viu.

Perguntei-lhe se estava bem acordada no momento e ela me afirmou categoricamente que sim. Perguntando-lhe a que horas se passara o fato, respondeu que por volta de uma hora da manhã.

A meu pedido, escreveu um relato do ocorrido e o assinou.

Era a primeira vez que eu tentava uma experiência desse gênero e muito me impressionou o seu pleno e completo êxito.

Não me limitara apenas a um poderoso esforço de vontade; fizera outro, de natureza especial, que não sei descrever. Tinha a impressão de que uma influência misteriosa me circulava pelo corpo e também a de que empregava uma força que até então me fora desconhecida, mas que, agora, posso acionar, em certos momentos, a meu bel-prazer.

S. H. B.

Acrescenta o Sr. B . . .

Lembro-me de haver escrito a nota que figura no meu diário, quase uma semana depois do acontecido, quando ainda conservava muito fresca a lembrança do fato.

A Srta. Vérity narra assim o episódio:

Há quase um ano, um domingo à noite, em nossa casa de Hogarth Road, Kensington, vi distintamente o Sr. B... em meu quarto, por volta de uma hora da madrugada. Achava-me inteiramente acordada e fiquei aterrada. Meus gritos despertaram minha irmã, que também viu a aparição. Três dias depois, encontrando-me com o Sr. B..., referi-lhe o que se passara. Só ao cabo de algum tempo, recobrei-me do susto que tive e conservo tão viva a lembrança da ocorrência, que ela não poderá apagar-se da minha mente.

L. S. VERITY.

Respondendo a perguntas nossas, disse a Senhorita Vérity:

Eu nunca tivera nenhuma alucinação.

São características muitas circunstâncias desta narrativa e nos vão facilitar emitamos a nossa opinião.

Primeiramente, convém notar que a Srta. Vérity não é um paciente magnético, que nunca teve alucinações e que goza de saúde normal. A aparição se lhe apresenta, com todos os caracteres da realidade. Ela se persuade tanto da presença física do Sr. B... no seu quarto, que solta um grito, quando o vê encaminhar-se para o seu leito. Verifica, portanto, que o fantasma se desloca com relação aos objetas circunjacentes, o que não se daria., se fosse interior a visão. Sua irmã desperta e também vê a aparição.

Ainda quando se suponha, o que já é difícil, dadas as circunstâncias, uma alucinação da Srta. Vérity, inteiramente improvável é que sua irmãzinha, ao despertar, também fosse presa imediatamente de uma ilusão. Na vida ordinária, não basta se diga a alguém: aqui está o Sr. tal, para que instantaneamente uma alucinação se produza. Logo, pois que a imagem do Sr. D... se-desloca, que é percebida simultaneamente pelas duas irmãs, evidencia-se que ela tem uma existência objetiva, que se acha realmente no quarto.

Que conseqüências tirar dessa presença efetiva?

Posta de lado a alucinação como causa do fenômeno, temos de admitir que o Sr. B... desdobrou-se, isto é, que, conservando-se o seu corpo físico onde estava, sua alma se transportou ao aposento de Hogarth Road e pôde materializar-se bastante para dar às duas moças a impressão de que era ele em pessoa quem lá estava. Notaremos que nesse estado a alma reproduz identicamente a fisionomia, o talhe, os contornos do ser vivo. Ao demais, a distância que separa o corpo do seu princípio inteligente parece que em nada influi sobre o fenômeno. Notaremos também que essas observações são gerais e se aplicam a todos os casos espontâneos já observados.

O agente, no caso em apreço, pôde desdobrar-se voluntariamente. No caso que se segue, vamos ver que ele teve necessidade do auxílio de outrem, para chegar ao mesmo resultado.

Efeitos físicos produzidos por Espíritos de vivos

Nesta outra experiência o duplo logrou provar a sua presença por uma ação física. Devemo-la a Sr.a de Morgan, esposa do professor que escreveu o livro: From matter to spirit (Da matéria ao Espírito). (115)

Ela tivera ocasião de tratar de urna moça por meio do magnetismo e muitas vezes se aproveitara da sua faculdade de clarividência para fazê-la ir, em Espírito, a diferentes lugares. Um dia, quis que a paciente se transportasse à casa que ela, Sr.a Morgan, habitava. Bem, disse a moça, aqui estou e bati com força à porta. No dia seguinte, a Sr.a Morgan se informou do que se passara em sua casa naquele momento. Responderam-lhe: Um bando de meninos endiabrados veio bater à porta e em seguida fugiu.

Noutro caso, o Espírito vivo que produziu a manifestação veio por causa de um dos assistentes. A narração fê-la o engenheiro Sr. Desmond Fitzgerald (116). Conta ele que um negro chamado H. E. Lewis possuía grande força magnética, da qual dava demonstração em reuniões públicas. Em Blackheath, no mês de fevereiro de 1856, numa dessas sessões, magnetizou uma moça a quem jamais .,ira. Depois de mergulhá-la em profundo sono, determinou-lhe que fosse a sua própria casa e revelasse ao público o que visse lá. Referiu ela então que via a cozinha, que ai se achavam duas pessoas ocupadas em misteres domésticos.

Ordenou-lhe então Lewis que tocasse numa dessas pessoas. A moça se pôs a rir e disse: Toquei-a. Como ficaram aterradas as duas! Dirigindo-se ao público, Lewis perguntou se algum dos presentes conhecia a moça. Como alguém lhe respondeu afirmativamente, propôs que uma comissão fosse à casa da paciente. Diversas pessoas para lá se dirigiram e, ao regressarem, confirmaram em todos os pontos o que, adormecida, a moça dissera. Toda a gente da casa estava atarantada e em profunda excitação, porque uma das pessoas que se achava na cozinha declarara ter visto um fantasma e que este lhe tocara no ombro.

Pode-se colocar em paralelo com esta observação a do Dr. Kerner, em que o duplo da sonâmbula Susana B... Apareceu ao Dr. Rufi e lhe apagou a vela.

Temos também um caso de batimentos, em completa analogia com os que os Espíritos produzem. (117)

Uma Sra. Lauriston, de Londres, tem uma irmã residente em Southampton. Certa noite, estando esta última a trabalhar em seu quarto, ouviu três pancadas na porta. Entre, disse ela. Ninguém, todavia, entrou. Como, porém, as pancadas se repetissem, ela se levantou e abriu a porta. Não havia pessoa alguma. A Sra Lauriston, que estivera gravemente enferma, voltando a si, referiu que, tomada do ardente desejo de rever a irmã antes de morrer, sonhara que fora a Southampton, que batera à porta do quarto da irmã e que, depois de bater segunda vez, sua irmã se apresentara na porta, mas que a impossibilidade em que ela, visitante, se achara para falar à outra a emocionara tanto, que a fez voltar a si.

Precisaríamos de muito maior espaço do que o de que podemos dispor, para citar os numerosos testemunhos existentes com respeito às ações físicas exercidas pela alma dos moribundos, com o intuito de se fazerem lembradas de parentes ou amigos distantes. A tal propósito, podem consultar-se as obras de Perty: Ação dos moribundos à distância e O Moderno Espiritualismo. Os Proceedings da Sociedade de Pesquisas e os Phantasms of the living relatam uma imensidade deles. Não insistiremos, pois, sobre esses fenômenos, fora que estão, absolutamente, de toda dúvida. (118)

Fotografias de duplos

Os fatos que até aqui temos relatado firmam a realidade dos fantasmas de vivos, isto é, a possibilidade, em certos casos, do desdobramento do ser humano. Tais aparições reproduzem, com todas as minúcias, o corpo físico e também às vezes manifestam a sua realidade por meio de deslocamentos de objetos materiais e por meio da palavra. Já expendemos as razões porque a hipótese da alucinação telepática nem sempre é admissível e, se essas razões não convenceram a todos os leitores, esperamos que os fatos que seguem bastarão para mostrar, com verdadeiro rigor científico, que, na realidade, a alma é a causa eficiente de todos esses fenômenos.

As objeções todas caem por si mesmas, diante da fotografia do espírito fora do seu corpo. Neste caso, nenhuma ilusão mais é possível; a chapa fotográfica é testemunho irrefutável da realidade do fenômeno e será precisa uma prevenção muito enraizada para negar a existência do perispírito. Vamos citar diversos exemplas que tomamos ao Sr. Aksakof. (119)

O Sr. Humber, espiritualista muito conhecido, fotografou um jovem médium, Sr. Herrod, a dormir numa cadeira, em estado de transe, e no retrato via-se, por detrás do médium, a sua própria imagem astral, isto é, do seu perispirito, em pé, quase de perfil e com a cabeça um pouco inclinada para o paciente.

Outro caso de fotografia de um duplo atesta-o o juiz Carter, em carta de 31 de julho de 1875 a Banner of Light, transcrita em Human Nature de 1875, págs. 424 e 425.

Finalmente, o Sr. Glandinning, no Spiritualist, numero 234 (Londres, 15 de fevereiro de 1877, pág. 76), assinala terceiro caso de fotografia de duplo, o de um médium em lugar que este ocupara alguns minutos antes.

Veremos que o pensamento é uma força criadora e que, assim sendo, se poderia imaginar que tais fotografias resultam de um pensamento que o agente exteriorizou. A seguinte experiência, porém, estabelece que semelhante hipótese carece de base, pois que o duplo não é simples imagem, mas um ser que atua sobre a matéria.

O caso do Sr. Stead

O Borderland, de abril de 1876, pág. 175, traz um artigo de W. T. Stead sobre uma fotografia do Espírito de um vivo. Eis o resumo do relatado ali:

A Sra...A é dotada da faculdade de se desdobrar e de apresentar-se a grande distância, com todos os atributos de sua personalidade. O Sr. Z... Lhe propôs fotografar-lhe o duplo e combinou que ela se fecharia no seu quarto, entre 10 e 11 horas, e que se esforçaria por aparecer em casa dele, no seu gabinete de trabalho.

A tentativa abortou, ou, pelo menos, se o Sr. Z... Sentiu a influência da Sra A..., não se serviu do seu aparelho fotográfico, temendo nada obter. A Sra A... concordou em repetir a experiência no dia seguinte e, como se achasse indisposta, deitou-se e dormiu. O Sr. Z... viu o duplo entrar-lhe no gabinete à hora aprazada e pediu licença para fotografá-lo, depois de lhe cortar uma mecha de cabelos para tornar-lhe indubitável a presença real. Batida a chapa e cortada a mecha, ele se meteu na câmara escura, para proceder à revelação do negativo.

Ainda não havia um minuto que para ali entrara, quando ouviu forte estalido, que o fez sair a verificar o que acontecera. Ao entrar no gabinete, encontrou sua mulher, que subira à pressa, por também haver escutado o estalido. O duplo desaparecera; mas, o quadro que servira de fundo durante a exposição da chapa fora arrancado do suporte, quebrado ao meio e atirado ao chão. A Sra A. . ., Que há esse tempo se achava deitada em sua cama, não tinha, ao despertar, a menor idéia do que se passara.

A fotografia do seu duplo existe e o Sr. Stead possui o negativo. A lembrança do que sucedera durante o desprendimento apagou-se com a volta da paciente ao estado normal.

Outro caso agora em que a lembrança permanece.

Outras fotografias de duplos

Em seu livro sobre a iconografia do invisível (120), o Dr. Baraduc, à pág. 122 (Explicações, XXIV bis), reproduz uma fotografia obtida por telepatia entre o Sr. Istrati e o Sr. Hasdeu, de Bucareste, diretor do ensino na Romênia. Eis aqui, textualmente, como foi ela conseguida:

Indo o Dr. Istrati para Campana, convencionou com o Dr. Hasdeu que, numa data prefixada, apareceria numa chapa fotográfica do sábio romeno, a uma distância mais ou menos igual à que há entre Paris e Calais.

A 4 de agosto de 1893, o Dr. Hasdeu, ao deitar-se à noite, evoca o Espírito de seu amigo, com um aparelho fotográfico nos pés da cama e outro à cabeceira.

Após uma prece ao seu anjo protetor, o Dr. Istrati adormece em Campana, formando, com toda a força de sua vontade, o desejo de aparecer num dos aparelhos do Dr. Hasdeu. Ao despertar, exclama: Tenho a certeza de que me apresentei ao aparelho do Sr. Hasdeu, como figurinha, pois sonhei isso muito distintamente. Escreve ao professor P... Que, levando consigo a carta, encontra o Sr. Hasdeu em preparativos para revelar a chapa.

Copio textualmente a carta do Sr. Hasdeu ao Sr. de R... que ma transmitiu:

Na chapa A, vêem-se três impressões, uma das quais, a que marquei no verso com uma cruz, extremamente satisfatória. Vé-se aí o doutor a olhar atentamente para o obturador do aparelho, cuja extremidade de bronze é iluminada pela luz própria do Espírito.

O Sr. Istrati volta a Bucareste e fica espantado diante do seu perfil fisionômico. E muito característica as suas imagens fluídicas, no sentido de que o exprime com mais exatidão do que o seu perfil fotográfico. Assemelham-se muito a reprodução, em tamanho pequeno, do retrato e a fotografia telepática.

Para terminar, lembraremos que o Capitão Volpi também conseguiu obter a fotografia do duplo de uma pessoa viva que se fora fotografar (121). A imagem astral é muito visível e apresenta características especiais, que não permitem se lhe ponha em dúvida a autenticidade.

Materialização de um desdobramento

O ponto culminante da experimentação, no que concerne ao desdobramento, foi alcançado com o médium Eglinton. Um grupo de pesquisadores, de que faziam parte o Dr. Carter Blake e os Srs. Desmond, G. Fitz Gerald, M. S. Tel ..., Engenheiros telegrafistas, afirma que, a 28 de abril de 1876, em Londres, obtiveram, em parafina, um molde exato do pé direito do médium, que nem um instante fora perdido de vista por quatro dos assistentes.

O atestado da realidade do fenômeno apareceu no Spiritualist de 1876, pág. 300, redigido nos seguintes termos:

Desdobramento do corpo humano. O molde em parafina de um pé direito materializado, obtido numa sessão à rua Great Rusaell, 38, com o médium Eglinton, cujo pé direito se conservou, durante toda a experiência, visível aos observadores colocados' fora do gabinete, verificou-se que era a reprodução exata do pé do Sr. Eglinton, verificação essa resultante do minucioso exame a que procedeu ao Dr. Carter Blake. (122)

Não é único o exemplo; mas, é notável pela alta competência científica dos observadores e pelas condições em que foi obtida tão palpável prova do desdobramento.

Nas experiências que o Sr. Siemiradeski realizou com Eusápia, foram conseguidas muitas vezes, em Roma, impressões do seu duplo sobre superfícies enegrecidas com fumaça. Veja-se a obra do Sr. de Rochas: A exteriorização da motricidade.

Como se há de negar, em face de provas tais. Todas as condições se acham preenchidas, para que a certeza se imponha com irresistível força de convicção.

Recomendamos estes notáveis estudos muito especialmente aos que negam ao Espiritismo o título de ciência. Eles mostram a justeza das deduções que Allan Kardec tirou de seus trabalhos, há cinqüenta anos, ao mesmo tempo em que nos abrem as portas da verdadeira psicologia positiva, da que empregará a experimentação como auxiliar indispensável do senso íntimo.

Que dizer e que pensar dos sábios que fecham os olhos diante dessas evidências? Queremos acreditar que não têm conhecimento de tais pesquisas; que, cegados pelo preconceito, estão ainda a imaginar que o Espiritismo reside inteiro no movimento das mesas, pois, se assim não fora, haveria, da parte deles, verdadeira covardia moral no mutismo que guardam em presença da nossa filosofia.

A conspiração do silêncio não pode prolongar-se indefinidamente. Os fenômenos hão repercutido e ainda repercutem fortemente; os experimentadores têm valor científico solidamente firmado, para que haja quem não se lance resolutamente ao estudo. Sabemos bem que esta demonstração irrefutável da existência da alma é a pedra de escândalo donde nos vêm às inimizades, os sarcasmos e a nossa exclusão do campo científico. Mas, queiram ou não, os materialistas já se acham batidos. Suas afirmações errôneas os fatos as destroem. Será inútil valerem-se das retumbantes palavras - superstição, fanatismo, etc. A verdade acabará por esclarecer o público, que lhes repudiará as teorias antiquadas e desmoralizadoras, para volver à grande tradição da imortalidade, hoje assente sobre bases inabaláveis.

Agora que temos a prova científica do desdobramento do ser humano, muito mais fácil será compreenderem-se os variados fenômenos que a alma humana pode produzir, quando sai do seu corpo físico.

Evocações do Espírito de pessoas vivas

Comunicações pela escrita

É doutrina constante do Espiritismo que a alma, quando não está em seu corpo, goza de todas as faculdades de que dispõe quando na erraticidade se encontra. Cada um de nós, durante o sono corporal, readquire parte da sua independência e pode, conseguintemente, manifestar-se. Allan Kardec consignou em sua revista muitos exemplos dessas evocações. (123)

Em 1860, foi o Espírito do Dr. Vignal que veio espontaneamente dar, por um médium escrevente, pormenores sobre esse modo de manifestação. Descreveu como percebia a luz, as cores e os objetos materiais. Não podia ver-se a si mesmo num espelho, sem a operação pela qual o Espírito se torna tangível (124). Comprovou a sua individualidade pela existência do seu perispírito que - embora fluídico - tinha para ele a mesma realidade que o seu envoltório material e também pelo laço que o prendia ao seu corpo adormecido.

Outro Espírito, não prevenido, se manifesta, no mesmo ano, em virtude de uma evocação. É o da Srta. Indermulhe, surda e muda de nascença que, entretanto, exprime com clareza seus pensamentos. Por certas particularidades características que lhe estabelecem a identidade, um seu irmão a reconhece. Sob o título: O Espiritismo de um lado e de outro lado o Corpo, em o número de janeiro, de 1860, a Revue relata a evocação de uma pessoa viva, feita com autorização sua. Daí resultou Interessante colóquio sobre as situações respectivas do corpo e do espírito, durante o transporte deste a distância; sobre o laço fluídico, que os prende um ao outro; e sobre ser a clarividência do Espírito ligado ao corpo, inferior à do Espírito desligado pela morte. Ainda neste caso, o Espírito emprega torneios de frases, idênticos aos de que habitualmente se serve na vida corrente.

Para os pormenores, recomendamos aos leitores os números citados da Revue. Eles poderão convencer-se de que há já 40 anos que os fenômenos do animismo foram bem estudados; que nenhum cabimento há para que deles se separem os fenômenos espíritas propriamente ditos, pois que uns e outros são devidos à mesma causa: à alma.

Pode quem quer que seja evocar o Espírito de um cretino ou o de um alienado e convencer-se experimentalmente de que o princípio pensante não é louco. O corpo é que se acha enfermo e não obedece por isso às volições da alma, donde dolorosa e horrível situação, constituindo uma das mais temíveis provas. (125)

O Sr. Alexandre Aksakof consagrou parte do seu livro: Animismo e Espiritismo a relatar casos, extremamente numerosos, de encarnados manifestando-se a amigos ou a estranhos, pelos processos espiríticos. Resumamos alguns dos mais característicos exemplos dessas observações. (126)

O muito conhecido escritor russo Wsevolod Solowiof conta que freqüentemente sua mão era presa de uma influência estranha à sua vontade e, então, escrevia com extrema rapidez e muita clareza, mas da direita para a esquerda, de sorte a não se poder ler o escrito, senão colocando-o diante de um espelho, ou por transparência.

Um dia, sua mão escreveu o nome Vera. Como perguntasse: Que Vera? Obteve por escrito o nome de família de uma jovem sua parente. Admirado, insistiu, para saber se era, na realidade, a sua parente quem assim se manifestava. Respondeu a inteligência: Sim; durmo, mas estou aqui e vim para lhe dizer que nos veremos amanhã, no Jardim de Verão. Efetivamente assim aconteceu, sem premeditação da parte do escritor. A moça, por seu lado, dissera à família que visitara em sonho o seu primo e lhe anunciara o encontro que teriam. (127)

Existe, pois, uma prova material: o escrito da visita perispiritica do Espírito da moça que, por clarividência, anuncia um acontecimento futuro. Passados dias, outro fato similar se produziu, quase nas mesmas condições e com as mesmas personagens.

Agora, um segundo exemplo extraído do artigo de Max Perty, intitulado: Novas experiências no domínio dos fatos místicos, exemplo que é dos mais demonstrativos.

A Srta. Sofia Swoboda, durante uma festa de família que se prolongou até muito tarde, lembrou-se de repente de que não fizera o seu dever de aluna. Como estimasse muito a sua professora e não quisesse contrariá-la, tentou pôr-se a trabalhar. Eis, porém, que, sem saber como e sem mesmo se surpreender, julgou achar-se na presença da Sra W..., a professora em questão. Fala-lhe e lhe comunica, em tom de aborrecimento, o que sucedera. Súbito, a visão desaparece e Sofia, calma de espírito, volta para a festa e narra aos convidados o que se passara. A professora, que era espírita, naquela mesma noite, por volta das dez horas, tomara de um lápis para se corresponder com o seu defunto marido e ficou espantada, ao verificar que escrevera palavras alemãs, com uma caligrafia em que reconheceu a de Sofia. Eram desculpas formuladas em tom jocoso, a propósito 40 esquecimento involuntário da sua tarefa. No dia seguinte, 'houve Sofia de reconhecer não só que era sua a caligrafia da mensagem, como também que as expressões eram as que empregara no fictício colóquio que tivera com a Sr.a W. . .

Em seu artigo, Perty relata outro caso, particularmente edificante pelas circunstâncias que o cercaram e devido ao Espírito da mesma Srta. Sofia:

A 21 de maio de 1866, dia de Pentecostes, Sofia, que morava ma Viena, depois de um passeio pelo Prater, foi tomada de violenta dor de cabeça que a obrigou a deitar-se, por volta das três horas da tarde. Sentindo-se em boas disposições para se desdobrar, transportou-se rápido em pensamento a Mcedling, à casa do Sr. Stratil, sogro de seu irmão Antônio. Viu, no gabinete do ar. Stratil, um moço, o Sr. Gustavo B.. ., A quem estimava muito e desejava dar uma prova da independência da alma com relação ao corpo. Dirigiu-se ao rapaz em tom jovial e carinhoso, mas, de repente, calou-se, chamada a Viena por um grito que partira do quarto vizinho ao seu, onde dormiam seus sobrinhos e sobrinhas. A palestra de Sofia com o Sr. B. . . Apresentava os caracteres de uma mensagem espírita dada a um médium.

Querendo certificar-se com relação à personalidade que se manifestara, o Sr. Stratil escreveu à sua filha, que se achava em Viena, em companhia da família da Srta. Sofia, fazendo-lhe estas perguntas: como passara Sofia o 21 de maio? Que fizera? Não estivera a dormir, naquele dia, entre três e quatro horas? No caso afirmativo, que sonho tivera?

Interrogada, a Srta. Sofia falou, com efeito, de um desdobramento seu, enquanto dormia; mas, a brusca chamada de seu espírito ao corpo lhe fizera esquecer a maior parte da conversa em que se empenhara. Entretanto, lembrava-se de ter conversado com dois senhores e de haver, em certo momento, experimentado desagradável sensação, proveniente de um dissídio Com os seus interlocutores. Respondendo a esses pormenores, o Sr. Stratil expediu para Viena, a seu genro, uma carta lacrada, Com o pedido de não falar dela a Sofia, enquanto esta não recebesse uma do Sr. B . . . Passados alguns dias, a tal carta se achava completamente esquecida, em meio das preocupações Cotidianas.

A 30 de maio, recebeu Sofia, pelo correio, uma carta galante do Sr. B..., com um retrato seu. Dizia assim:

Senhora,

Aqui me tem. Reconhece-me? Se assim for, peço me designe um lugar modesto, seja no rebordo do teto, seja na abóbada. Muito grato lhe ficaria se não me suspendesse, caso fosse possível. Mais valera que me relegasse para um álbum, ou para o seu livro de missa, onde eu facilmente poderia passar por um santo cujo aniversário se festejasse a 28 de dezembro (dia dos Inocentes). Se, porém, não me reconhece, nenhum valor poderá dar ao meu retrato e, nesse caso, eu muito lhe agradeceria que mo devolvesse.

Queira aceitar, etc.

(Assinado) : N. N.

Os termos e a fraseologia eram familiares à moça. Pareciam-lhe seus. Ela, entretanto, apenas vaga lembrança deles guardava. Como falasse do fato a seu irmão Antônio, abriram a carta do Sr. Stratil. Continha o texto de uma conversa psicografia com invisível personagem, numa sessão em que as perguntas eram formuladas pelo próprio Sr. Stratil, servindo de médium o Sr.B...

Segundo esse documento, o Espírito de Sofia diz que seu corpo se acha em profundo sono, que ela dita a carta que o Sr. B... Enviou-lhe e que ouve, como se estivesse sonhando, as crianças a gritar. Termina com estas palavras: Adeus... são quatro horas.

À medida que lia o referido documento, cada vez mais precisas se iam tornando as lembranças de Sofia que, de quando em quando, exclamava: Oh! sim; é bem isso. Concluída a leitura, ela, na posse plena da sua memória, se recordava de todos os pormenores que olvidara ao despertar. Antônio notou que a caligrafia do documento se assemelhava muito à de Sofia nos seus deveres em francês, mostrando-se ela do mesmo parecer.

Nesta observação se nos deparam todos os caracteres necessários a estabelecer a identidade do ser que se manifestara. Nada falta. Aquela carta ditada pelo Espírito de Sofia, numa escapada perispirítica, com o pedido da fotografia, lhe desperta as lembranças e, até mesmo a grafia, tudo confirma ter sido

Ela quem se manifestou. Há, pois, a mais completa semelhança a maior analogia entre essa comunicação dada pelo espírito de nana pessoa viva e as que todos os dias recebemos dos Espíritos que já viveram na Terra.

Deve ler também, na obra do sábio russo, os relatos da Sra. Adelina Von Vay, do Sr. Thomas Everitt, da Sra Florence, da Srta. Blackwell, do Juiz Edmonds, quem deseje verificar que a comunicação dos Espíritos dos vivos, pela escrita Mediúnica - se bem menos freqüente é tão possível e tão normal, quanto à dos mortos (128). A identidade desses seres invisíveis, mas ainda pertencentes ao nosso mundo, se estabelece da mesma maneira que a dos desencarnados.

Espíritos de vivos manifestando-se pela incorporação

A Sra Hardinge Britten, escritora espírita bastante conhecida, em muitos artigos publicados pelo Banner of Light (129) sobre os duplos, refere um caso interessante ocorrido em casa do Sr. Cuttler, no ano de 1853: Um médium feminino se pós a falar alemão, embora desconhecesse completamente esse idioma. A individualidade que por ela se manifestava dava-se como mãe da Srta. Brant, jovem alemã que se achava presente. Passado algum tempo, um amigo da família, vindo da Alemanha, trouxe a notícia de que a mãe da Srta. Brant, após séria enfermidade, em virtude da qual caíra em prolongado sono letárgico, declarara, ao despertar, ter visto a filha, que se encontrava na América. Disse que a vira num aposento espaçoso, em companhia de muitas pessoas, e que lhe falara. Ainda aí, é tão evidente a relação de causa e efeito, que não nos parece devamos insistir.

O Sr. Damiani (130), por seu lado, narra que nas sessões da baronesa Cerrapica, em Nápoles, receberam-se muitas vezes comunicações provindas de pessoas vivas. Diz, entre outras coisas:

Há cerca de seis semanas, o Dr. Nehrer, nosso comum amigo, que vive na Hungria, seu pais natal, se comunicou comigo por via do nosso médium, a baronesa. Não podia ser mais completa a personificação: com absoluta fidelidade o médium reproduzia os gestos, a voz, a pronúncia daquele amigo, de sorte a nos persuadirmos de que tínhamos em nossa presença o próprio Dr. Nehrer. Disse-nos que naquele momento cochilava um pouco, para repousar das fadigas do dia e nos comunicou diversos detalhes de ordem privada, que todos os assistentes ignoravam. No dia seguinte, escrevi ao doutor. Em sua resposta, ele afirmou exatos em todos os pontos os detalhes que a baronesa nos transmitira.

Outras materializações de duplos de vivos

Passamos em revista diversas manifestações da alma momentaneamente desprendida do seu corpo material. Nas materializações, porém, é que a ação extracorpórea do homem alcança o mais alto ponto de objetividade, visto que se traduz por fenômenos intelectuais, físicos e plásticos.

Só o Espiritismo faculta a prova absoluta desses fenômenos. Não obstante todas as controvérsias, já agora está perfeitamente firmado que os irmãos Davenport não eram vulgares charlatães. Apenas, o que deu lugar a supor-se houvesse embuste da parte deles, foi que as manifestações se produziam, as mais das vezes, por meio de seus perispírito materializados. (131)

Nas experiências levadas a efeito em presença do prof. Mapes, este, bem como sua filha, puderam comprovar o desdobramento dos braços e das mangas do médium.

Idênticas observações foram feitas na Inglaterra com outros médiuns. O Sr. Cox relata um caso em que as mais rigorosas condições de fiscalização foram postas em prática. Citemo-lo, segundo o Sr. Aksakof.

Trata-se de um médium de materialização, cuja presença no gabinete das experiências é garantida por uma corrente elétrica que lhe atravessa o corpo. Se o médium tentasse enganar, desligando-se, o embuste seria imediatamente denunciado pelo deslocamento instantâneo da agulha de um galvanômetro. Fala deste modo o Sr. Cox (132)

Em sua excelente descrição da sessão de que se trata, diz o Sr. Crookes que uma forma humana completa foi por mim vista, assim como por outras pessoas. E verdade. Quando me restituíam meu livro, a cortina se afastava bastante, para que se visse quem entregava. Era a forma da Sra Fay, integral, com a sua cabeleira, seu porte, seu vestido de seda azul, seus braços nus até ao cotovelo, adornados com braceletes de finas pérolas. Nesse momento, o aparelho nenhuma interrupção registrou da corrente galvica, o que inevitavelmente se teria dado, se a Sra Fay houvesse soltado das mãos os fios condutores. O fantasma apareceu do lado da cortina oposto ao em que se encontrava a Sra. Fay e a uma distância de, pelo menos, oito pés da sua cadeira, de sorte que lhe fora impossível, de qualquer maneira, alcançar aquele livro na estante, sem se desprender dos fios condutores. Entretanto, repito, a corrente não sofreu a mínima interrupção.

Outra testemunha viu o vestido azul e os braceletes. Nenhum de nós comunicou o que vira aos demais, antes de acabada a sessão. As nossas impressões, por conseguinte, são absolutamente pessoais e independentes de qualquer influência.

Estamos em presença de uma experiência concludente em absoluto, não só pela grande competência dos observadores, como também porque as precauções tomadas foram rigorosamente científicas. Tornado impossível o deslocamento do corpo, sem que fosse imediatamente denunciado pela variação da corrente elétrica, uma vez que a aparência da Sr.a Fay se mostrou com bastante tangibilidade para tomar de um livro e entregá-lo a uma pessoa, é claro que houve desdobramento daquele médium, com inegável materialização.

Já vimos que os Anais Psíquicos, de setembro-outubro de 1898, trazem uma narrativa da qual consta que o duplo de uma senhora foi observado por mais de uma hora, numa igreja, tendo nas mãos um livro de orações.

Nas experiências feitas com Eusápia Paladino e em que muitos eram os observadores, foi possível comprovar-se materialmente o seu desdobramento. Na Revue Spirite de 1889, o Dr. Azevedo publicou o relato de uma experiência em que a mão fluídica de Eusápia produzira, à plena luz, a marca de três dedos.

O coronel de Rochas, em sua obra A exteriorização da motricidade (133), publica o fac-símile de uma moldagem da mão natural do médium, ao lado de uma fotografia dos braços deixados na argila. Notam-se as maiores analogias entre as duas impressões. Aos apresentados poderíamos juntar muitos outros documentos; preferimos, porém, aconselhar aos leitores que se reportem aos originais. Temos dito a respeito o bastante para que a convicção se imponha de que a ação física e psíquica do homem não se limita ao seu organismo material.

Como se produz esse estranho fenômeno? As narrativas anteriormente reproduzidas não no-lo dão a saber. Nelas, vemos perfeitamente a alma fora dos limites do organismo; porém, não assistimos à sua saída do invólucro corpóreo. As pesquisas do Sr. de Rochas lançaram forte luz sobre esses desdobramentos. Vamos, pois estudá-las.

CAP II

AS PESQUISAS DO Sr. DE ROCHAS E DO Dr. LUYS

SUMÁRIO: Pesquisas experimentais sobre as propriedades do perispírito. - Os eflúvios. - A exteriorizarão da sensibilidade. - Hipótese. - Fotografia de uma exteriorização. - Repercussão, sobre o corpo, da ação exercida sobre o perispírito. - Ação dos medicamentos a distancia. - Conseqüências que dai decorrem.

.

A par das narrativas dos sonâmbulos e dos médiuns videntes, as comunicações dos Espíritos, confirmadas pelas fotografias e pelas materializações de vivos e de desencarnados, atestam que a alma tem sempre uma forma fluídica.

A existência desse envoltório da alma, a que os espíritas dão o nome de perispírito, também ressalta evidente dos fatos acima relatados. Esse duplo etéreo, inseparável do espírito, existe, pois, no corpo humano em estado normal e recentes experiências nos vão permitir o estudo experimental do novo órgão. Acabamos de apreciar a exteriorização completa da alma humana. Fotografamo-la no espaço, quando quase livre, e num estado próximo do em que virá a achar-se por efeito da morte Interessa saber por que processos podem esse fenômeno Produzir-se. - Ao mesmo tempo em que nos instruirá acerca da maneira por que se dá à saída astral, este estudo nos fará adquirir noções diretas sobre as propriedades do perispírito, conhecimentos que nos serão preciosos por esclarecer-nos quanto gênero da matéria que o constitui.

Pesquisas experimentais sobre as propriedades do perispírito

Um sábio investigador, o Sr. de Rochas (134), chegou a estabelecer a objetividade da luz ódica, que o barão de Reichenbach atribuía a todos os corpos cujas moléculas guardam uma orientação determinada (135). Ele examinou particularmente os eflúvios produzidos pelos pólos de um poderoso eletroímã - com o auxilio de um paciente hipnótico - fazendo-o analisar as luzes que via, mediante o espectroscópio, que dá os comprimentos de onda característicos de cada cor e verificando-lhe as informações por uma contraprova, isto é, por meio da luz polarizada. As interferências e as intensificações da luz se revelaram sempre de acordo com o que deve passar-se no estudo de uma luz realmente percebida.

Dessas experiências parece resultar que os eflúvios poderiam ser devidos unicamente às vibrações constitucionais dos corpos, transmitindo-se ao éter ambiente. Mas, será preciso talvez ir mais longe e admitir que há emissão, por arrastamento, de certo número de partículas que se destacam do próprio corpo, dado que os eflúvios ondulam, como as chamas, em virtude dos deslocamentos do ar. (136)

O corpo humano emite, pois, eflúvios de coloração variável, conforme os pacientes. Uns vêem vermelho o lado esquerdo, como vêem igualmente matizados os jatos fluídicos que saem de todas as aberturas da figura humana. Outros invertem essas cores, que, entretanto, se conservam dispostas sempre de maneira semelhante para o mesmo paciente, se a experiência não se prolonga demasiado. Avançando em seus estudos sobre a hipnose, o sábio pesquisador chegou a descobrir notáveis modificações na maneira por que se comporta a sensibilidade. Acreditava-se, até então, que o domínio desta não ia além da periferia do corpo. Houve, porém, de reconhecer-se que ela se pode exteriorizar.

Afirma o Sr. de Rochas:

Vou retomar agora o estudo das modificações da sensibilidade, servindo-me, primeiro, das indicações de um paciente A, cujos olhos foram previamente conduzidos ao estado em que vêem os eflúvios exteriores (137), o qual examina o que se passa quando magnetizo outro paciente B, que apresenta, no estado de vigília, normal sensibilidade cutânea.

Desde que, neste, a sensibilidade cutânea principia a desaparecer, a penugem luminosa que lhe recobre a pele no estado de vigília parece dissolver-se na atmosfera, para surgir de novo, ao cabo de algum tempo, sob a forma de ligeira névoa que, pouco a pouco, se condensa, tornando-se cada vez mais brilhante, de maneira a tomar, em definitivo, a aparência de uma camada muito delgada, acompanhando, a três ou quatro centímetros distante da pele, todos os contornos do corpo.

Se eu, magnetizador, atuo de qualquer modo sobre essa camada, B experimenta as mesmas sensações que experimentaria, se lhe atuasse sobre a pele, nada sente, ou quase nada, se atuo alhures, que não sobre a aludida camada. Nada sente, tampouco, se atuar uma pessoa que não esteja em relação com o magnetizador.

Se continuo a magnetização, A vê formar-se em torno de B uma série de camadas eqüidistantes, separadas por um intervalo de seis ou sete centímetros (o dobro da distância entre a primeira camada e a pele) e B só sente os contactos, as picadas e as queimaduras quando feitas nessas camadas, que se sucedem por vezes até dois ou três metros, interpenetrando e entrecruzando-se, sem se modificarem, pelo menos de maneira apreciável. A sensibilidade nelas diminui, à medida que se afastam do corpo.

Conhecido assim o processo de exteriorização da sensibilidade, Muito mais fácil se tornava continuar as observações, sem recorrer ao vidente A. Reconheci então, por meio de numerosas tentativas, que a primeira camada exterior sensível se formava geralmente no terceiro estado, que nalguns pacientes nunca se produz, ao passo que noutros se produzia sob a influência de alguns passes, desde o estado de credulidade, que é uma modificação quase imperceptível do estado de vigília, ou, até, sem qualquer manobra hipnótica, e a conseqüência de uma emoção, de uma perturbação nervosa e, porventura, de uma simples alteração do estado elétrico do ar.

Se é certo que a sensibilidade se transporta para as camadas concêntricas exteriores, aproximando as palmas de suas mãos, deverá o paciente experimentar a sensação de contacto, logo que duas camadas sensíveis se toquem. E, efetivamente, o que acontece. Ainda mais: se entremeiam as camadas sensíveis da mão direita com as da mão esquerda, de modo que fiquem regularmente alternadas, umas chamas que passe sobre essas camadas fará que o paciente tenha a sensação de uma queimadura nas duas mãos, sucessiva e alternativamente.

Hipótese

Que conseqüências devemos tirar de tão interessantes experiências?

Quando se examina o desenho representativo de um paciente exteriorizado e se notam essas camadas sucessivamente luminosas e obscuras, é-se impressionado pela analogia que há entre esse e o fenômeno conhecido em Física pela denominação de faixas de Fresnel. Sabe-se em que consiste esta experiência: se, numa câmara escura, um feixe luminoso for projetado sobre uma tela branca, notar-se-á que a iluminação é uniforme; se, porém, um segundo feixe, idêntico ao primeiro, cair sobre a tela, de forma que os dois se superponham em parte, toda a região comum a ambos se apresentará coberta de faixas paralelas, sucessivamente brilhantes e obscuras. Resulta isto de que a característica essencial dos movimentos vibratórios é a interferência, ou seja, a produção, por efeito da combinação das ondas, de faixas de movimentos, em que as vibrações são máximas, e faixas de repouso, nas quais o movimento vibratório é nulo, ou mínimo. (138)

Nas experiências do Sr. de Rochas, dá-se, ao que nos parece, lufa fenômeno análogo. Os máximos de sensibilidade se revelam ordenados segundo as camadas luminosas, separadas entre si

Por outras camadas insensíveis e obscuras. Como explicar isso?

E aí que a existência do perispírito claramente se afirma. A força nervosa, em vez de se espalhar pelo ar e dissipar, distribui-se em camadas concêntricas ao corpo. Faz-se, pois, necessário que uma força a retenha, porquanto, desde que normalmente ela se escoa pela extremidade dos dedos, conforme se observa, do mesmo modo que a eletricidade pelas pontas, forçosamente se perderia no meio ambiente, se não existisse um envoltório fluídico para retê-la ao sair do corpo.

A analogia permite se assimile à força nervosa, cuja existência Crookes demonstrou (139), às outras forças naturais: calor, luz, eletricidade, as quais, devidas a movimentos vibratórios do éter, se propagam em movimentos ondulatórios, cuja forma, amplitude e número de vibrações variam por segundo, conforme a força considerada. No estado normal, a força nervosa circula no corpo, pelos condutos naturais, os nervos, e chega à periferia pelas mil ramificações nervosas que se estendem par baixo da pele. Mas, sob a influência do magnetismo, o perispírito, segundo a natureza fisiológica do paciente, se exterioriza mais ou menos, isto é, irradia em volta de todo o seu corpo e a força nervosa se espalha no envoltório fluídico e ai se propaga em movimentos ondulatórios.

As mais das vezes, necessário se torna fazer que o paciente chegue aos estados profundos da hipnose, para que se produza a irradiação perispirítica, porquanto de certo tempo precisa o magnetizador para neutralizar, em parte, a ação da força vital, a fim de que o duplo possa exteriorizar-se parcialmente. O estado de relação só se acha estabelecido, quando começa o desprendimento, ou, por outra, nesse momento, as ondulações nervosas do magnetizador vibram sincronicamente com as do paciente, interferem e produzem exatamente aquelas camadas alternativamente sensíveis e inertes.

Em suma, a experiência é talvez idêntica à de Fresnel. Nessa hipótese, em lugar de ondulações luminosas, há ondulações nervosas, os dois focos luminosos são substituídos pelo magnetizador e o seu paciente, figurando de tela o perispírito.

O lugar dos pontos onde se mostram as zonas sensíveis é limitado pela expansão da substância perispirítica. Temos assim um meio de estudar esse envoltório fluídico que se nos revelou e que não era conhecido antes dos ensinos do Espiritismo.

Atribuindo maior extensão à precedente experiência, é-nos fácil conceber que a exteriorização seja mais completa. Chegaremos então a compreender como pode a alma sair do corpo e manifestar-se debaixo da forma de aparição. Foi o que o Sr. de Rochas verificou experimentalmente (140) e, para comprovar-se esta afirmativa, basta se encontrem pacientes aptos a produzir fenômenos desse gênero, o que não é impossível, pois que o médium de Boulogne-sur-Mer, assim como os pacientes do magnetizador Lewis e da Sr.a de Morgan, nos ofecereram exemplos disso.

Vimos que os fantasmas de vivos falam, o que implica a existência neles, além dos órgãos da palavra, de certa quantidade de força viva, cuja presença é também atestada por deslocamentos de objetos materiais, como o abrir e fechar uma porta, agitação de campainhas, etc. Necessário é, portanto, que eles tirem de qualquer parte essa força. Nos casos que examinamos, tiram-na provavelmente de seus corpos materiais, o que faz evidente a necessidade de estarem ligados a estes.

Ensina Allan Kardec, de acordo com os Espíritos, que a alma, quando se desprende, seja durante o sono, seja nos casos de bicorporeidade, permanece ligada sempre ao seu envoltório terreno por um laço fluídico.

Podemos justificar esta maneira de ver por meio das experiências seguintes:

Prosseguindo em seus estudos, notou o Sr. de Rochas que, se fizer que uma zona luminosa, isto é, sensível, de um paciente exteriorizado atravesse um copo dágua, interrompidas se mostrarão as camadas que ficarem atrás do copo, com relação ao corpo. Quanto à água existente no copo, essa se ilumina rapidamente em toda a sua massa, desprendendo-se dela, ao fim de algum tempo, uma espécie de fumaça luminosa.

Ainda mais: tomando do copo dágua e transportando-o a certa distância, verificava o experimentador que ele se conservava sensível, isto é, que o paciente ressentia todos os toques que se fizessem na água, embora àquela distância já não restassem vestígios de camadas sensíveis.

O Sr. de Rochas pesquisou em seguida sobre quais as substâncias que armazenam a sensibilidade e verificou serem quase sempre as mesmas que guardam os odores: os líquidos, os corpos viscosos, sobretudo os de origem animal, como a gelatina, a cera, o algodão, os tecidos de malhas frouxas ou que se desfiam, como os veludos de lã, etc.

Refletindo, diz ele, sobre o fato de que os eflúvios das diferentes partes do corpo se fixavam de preferência nos pontos da matéria absorvente que mais próximos se lhe achavam, fui levado a crer que uma localização muito mais perfeita se me ofereceria, se eu chegasse a reunir, em certos pontos da matéria absorvente, os eflúvios de tais ou tais partes do corpo e a reconhecer quais eram esses pontos. Como os eflúvios se espargem de modo análogo à luz, uma lente que reduzisse a imagem do corpo atenderia à primeira parte do programa. Já só se tratava então de ter uma matéria absorvente sobre a qual se houvesse fixado a imagem reduzida. Ocorreu-me que uma chapa de bromo-gelatina poderia dar resultado, principalmente se fosse ligeiramente viscosa.

Fotografia de uma exteriorização

Daí os meus ensaios com um aparelho fotográfico, ensaios que vou relatar de conformidade com o meu registro de experiências. 30 de julho de 1892. - Fotografei a Sra. Lux, primeiramente desperta, depois adormecida, sem estar exteriorizada; por fim, adormecida e exteriorizada, servindo-me, neste último caso, de uma chapa que tive o cuidado de conservar por alguns instantes em contato com o seu corpo, dentro do chassis, antes de colocá-la na máquina.

Comprovei que, picando com um alfinete a primeira chapa, a Sra. Lux nada sentia; picando a segunda, sentia um pouco; na terceira, sentia vivamente e tudo isso poucos instantes após a operação.

2 de agosto de 1892. - Presente a Sra. Lux experimentei a sensibilidade das chapas impressionadas a 30 de julho e já reveladas. A primeira nada produziu; a segunda pouca coisa; a terceira estava tão sensível quanto na data anterior. Para ver até onde ia a sensibilidade da terceira chapa, dei dois golpes fortes de alfinete na imagem de uma das mãos, de forma a cortar a camada de bromo-gelatina.

A Sra. Lux, que se achava dois metros distantes de mim e não podia ver em que parte me dava à picada, fez logo uma contração, soltando gritos de dor. Tive grande trabalho para fazê-la voltar ao seu estado normal. Acusava sofrimentos na mão e, passados alguns momentos, vi que lhe apareciam na mão direita, aquela cuja imagem recebera a picada, dois traços vermelhos, em situação correspondente à dos arranhões na imagem. O Dr. P..., que assistia à experiência, verificou que na epiderme não havia incisão nenhuma e que a vermelhidão era na pele. Verifiquei, ao demais, que a camada de gelatina bromada (muito mais sensível do que a chapa que a suportava) emitia radiações com máximos e mínimos, tal qual a própria paciente. Essas radiações quase não se apresentavam do outro lado da chapa.

Paremos aqui com a nossa citação, que já nos permite comprovar a existência de uma relação, estabelecida de modo contínuo, entre a Sra. Lux e a sua fotografia, estando aquela exteriorizada. De 30 de julho a 2 de agosto, sem embargo do prolongado afastamento da paciente, não se rompeu a relação, tanto que toda ação exercida na fotografia se transportava para o corpo, de maneira a deixar traços visíveis. É, pois, legitimo admitir-se que a ligação é ainda mais íntima, quando o próprio perispirito se acha inteiramente exteriorizado, qualquer que seja a distância que o separe do corpo físico.

As experiências do Sr. de Rochas foram verificadas pelo Dr. Luys, na Charité (141) e pelo Dr. Paul Joire, que já assinalara essa exteriorização no seu tratado de hipnologia, publicado em 1892. Muito recentemente (142) o reconheceu que a exteriorização da sensibilidade é um fenômeno real, de forma nenhuma dependente da sugestão oral, conforme o Dr. Mavroukakis pretendera insinuar, e independente também de qualquer sugestão mental, porquanto, se quatro ou cinco pessoas de mãos dadas separam do paciente o operador, há regular e progressivo retardamento na sensação que o hipnotizado experimenta, o que evidentemente não se daria, se a sensação fosse produzida por uma sugestão mental do operador.

Repercussão, sobre o corpo, da ação exercida sobre o perispírito

O magnetizador Cahagnet, como vimos, cria firmemente na possibilidade do desprendimento da alma. Relata, sem a poder explicar, uma experiência que, como tudo parece indicar, resultou de ação material exercida sobre o perispírito, de envolta, provavelmente, com uma auto-sugestão. Eis aqui o fato. (143)

Um Sr. Lucas, de Rambouillet, muito inquieto pela sorte de um cunhado seu que desaparecera do país, havia uns doze anos, em conseqüência de discussão que tivera com o pai, deliberou recorrer à clarividência de Adèle Maginot, para saber se o cunhado ainda vivia. A clarividente viu o indivíduo de quem se tratava e o descreveu de maneira que sua mãe e seu cunhado o reconheceram. Aí, porém, começa a experiência a complicar-se. Vamos, pois, citá-la textualmente:

Não contribuiu menos para espantar àquela boa senhora, assim como ao Sr. Lucas e às outras pessoas presentes à curiosa sessão, o verem que Adèle, como que para se defender dos raios ardentes do Sol naquelas terras, punha as mãos do lado esquerdo do rosto, parecendo sufocada pelo calor. O mais maravilhoso, no entanto, dessa cena foi que ela recebeu um golpe de sol, que lhe tornou vermelho-azulado aquele lado do rosto, desde a fronte até a espádua, ao passo que o outro lado conservou a sua coloração branco-mate. Somente 24 horas depois principiou a desaparecer a cor carregada. Era tão violento o calor, naquele instante, que não se podia ter dadas às mãos. Achava-se presente o Sr. Haranger-Pirlat, antigo magnetizador, honrosamente conhecido, havia mais de 30 anos, no mundo do magnetismo.

Para explicar o caso, cremos que a idéia do calor intenso do sol do Brasil há fortemente sugestionado a paciente, cujo perispírito talvez estivesse muito pouco desmaterializado e, em conseqüência, ainda bastante sensível às radiações caloríficas. Houve, pois, parece-nos, repercussão da ação física do sol sobre o corpo material, facilitada e provavelmente aumentada pela auto-sugestão de que naquele país o calor é tórrido.

O fato da passagem da alteração do perispírito para o corpo físico já foi observado inúmeras vezes, de sorte que nos achamos em condições de lhe conceber o mecanismo (144), tendo-se mesmo chegado a verificá-lo experimentalmente, como vamos mostrar.

O Sr. Aksakof, numa experiência realizada em S. Petersburgo, com a célebre médium Kate Fox, observou que, enfulijada a mão fluídica do médium, a fuligem foi transportada para a extremidade dos seus dedos materiais, que se não tinham movido, porquanto o sábio russo colocara as mãos da Sr.a Fox sobre uma placa luminosa, de modo a certificar-se bem da imobilidade delas e, por maior precaução, espalmara suas próprias mãos sobre as do médium.

Vê-se, pois, que há mais do que simples presunções no que respeita à existência de solidariedade entre o corpo e o seu duplo fluídico. No seu tratado de Magia Prática (145), Papus refere o caso de um oficial russo que, presa de obsessão por uma Individualidade encarnada, lançou-se de espada em punho sobre a aparição e lhe fendeu a cabeça. O ferimento feito no perispírito se reproduziu na mulher causadora do fenômeno, a qual, no dia seguinte, morreu das conseqüências do golpe recebido pelo seu corpo fluídico.

Dassier cita muitos casos semelhantes, extraídos dos arquivos judiciários da Inglaterra (146). Uma certa Joana Brooks, em se desdobrando, causara muitos malefícios àqueles de quem não gostava. Havendo atacado uma criança, esta entrou a deperecer rapidamente, sem que ninguém soubesse a que atribuir o mal que a tomara, quando, em dado momento, disse a criança, apontando para um ponto da parede: E Joana Brooks, que está ali! Um dos presentes saltou e deu um golpe de punhal no lugar indicado e a criança declarou que a mulher ficara ferida na mão. No dia seguinte, foram à casa da feiticeira e verificaram que ela estava realmente ferida, como o afirmara a criança.

Em circunstâncias quase semelhantes, outra mulher, Juliana Cox, foi ferida em sua perna fluídica, por uma moça a quem ela obsidiava e, indo-lhe depois a casa algumas pessoas, comprovaram que a lamina da faca, que lhe atingira o duplo fluídico, se adaptava exatamente à ferida que se lhe abrira na perna material.

Recordemos a última frase do Sr. de Rochas: A imagem da Sr.a Lux emitia radiações com máximas e mínimas. Ora, como essas radiações são imperceptíveis à visão ordinária, temos per demonstrado ser possível fotografar-se matéria invisível, o que pode fazer se compreenda a fotografia dos Espíritos.

Ação dos medicamentos a distância

Por outra série de provas, podemos evidenciar a existência do perispírito no homem. Fa-lo-emos examinando os efeitos que se produzem em certos pacientes hipnotizados, quando se lhes aproximam do corpo substâncias encerradas em frascos cuidadosamente arrolhados.

Os fatos expostos pelos Srs. Bourru e Burot (147) escapam a toda explicação científica, pela boa razão de que, desconhecendo o perispírito e suas propriedades, era impossível aos sábios compreender o gênero de ação que nesse caso se exerce. Graças às experiências do Sr. de Rochas, fazendo intervir nelas o perispirito exteriorizado, torna-se mais fácil explicar os fenômenos.

Depois de haver tomado todas as precauções, para evitar a simulação ou as sugestões, aqueles observadores comprovaram os fatos seguintes:

Conservada a uma distância de dez a quinze centímetros de um paciente adormecido, a cuba de um termômetro lhe produzia dor muito viva, convulsões e uma contração do braço. Um cristal de iodeto de potássio determinava espirros. O ópio fez dormir. Um frasco de jaborandi acarretava salivação e suor. Continuadas com a valeriana, a cantárida, a apomorfina, a ipecacuanha, o emético, a escamônea, o aloés, as mesmas experiências deram resultados precisos e concordantes. Apenas colocados perto da cabeça do paciente, mas sem contacto, cada um daqueles medicamentos produzia efeito de acordo com a sua natureza, isto é, verdadeira ação fisiológica, como se o aludido paciente o houvesse introduzido em seu organismo.

Foi também experimentada a ação de venenos diluídos na água e comprovaram-se os mesmos sintomas que se produziriam se o paciente os houvesse ingerido pelas vias ordinárias. O louro-cereja determinou uma crise de êxtase numa mulher judia, que acreditou ver a Virgem Maria.

O Dr. Luys, muito céptico a princípio, afinal se convenceu. Refere ele que dez gramas de conhaque num tubo selado a fogo e aproximado da cabeça de um paciente hipnotizado causam a embriaguez ao cabo de dez minutos. Dez gramas dágua, sempre em tubo selado, produzem, depois de alguns minutos, a constrição da garganta, a rigidez do pescoço e os sintomas da hidrofobia. Quatro gramas de essência de tomilho, encerradas da mesma maneira num tubo e postas diante do pescoço de uma mulher hipnotizada, perturbaram-lhe a circulação, fizeram-lhe sair das órbitas os olhos, intumesceram-lhe o pescoço de modo assustador e ocasionaram, na inervação circulatória do pescoço, da face e dos músculos inspiratórios, uma crescente desordem, acompanhada de um ruído de pulmoeira de caráter sinistro, que aterrou o experimentador e o obrigou a deter-se, para evitar acidentes fulminantes. (148)

Diante de tão claras manifestações tangíveis, escreve o Dr. Luys, e tão precisas, de que fui com freqüência testemunha; diante de tão surpreendentes casos de repercussão das ações a distância sobre a inervação visceral dos pacientes, em os quais ocasionei náuseas e vômitos, apresentando-lhes um tubo que continha ipecacuanha em pó, e vontade de defecar, colocando-lhes no pescoço um tubo com vinte gramas de óleo de rícino, não hesito em reconhecer que assistimos a uma série de fenômenos singulares que se desenvolvem com exclusão das leis naturais, e à evolução normal deles, fenômenos que derrocam o que julgamos saber sobre a ação dos corpos. Mas, eles existem, impõem-se à observação e, cedo ou tarde, servirão de ponto de partida para a explicação de grande número de fenômenos invulgares da vida normal. (149)

Sem dúvida alguma, são singulares esses fatos, mas não é impossível explicá-los, depois que a exteriorização do perispírito e do fluído nervoso se tornou fenômeno demonstrado. Numa das experiências do Sr. de Rochas, observamos que a água acumula a sensibilidade e que, atuando-se sobre essa água, se transmitem sensações ao corpo. Devemos admitir que no mesmo caso estejam outros líquidos; mas, então, as sensações experimentadas estarão em relação com as propriedades desses líquidos, podendo-se notar no paciente os mesmos fenômenos que apresentaria, se os houvesse ingerido naturalmente.

Nas experiências precedentes, as substâncias estavam encerradas em frascos fechados a esmeril, ou selados a fogo. O fluido perispírítico, porém, penetra todos os corpos, o mesmo fazendo o fluido nervoso em grande número deles. Somente, pois, se observaram fenômenos, quando o medicamento em experiência era capaz de ser assimilado, quanto à sua parte volátil, pela força nervosa.

CAPITULO III

FOTOGRAFIAS E MOLDAGENS DE FORMAS DE ESPIRITOS DESENCARNADOS

SUMARIO: A fotografia dos Espíritos. - Fotografias de Espíritos desconhecidos dos assistentes e identificados mais tarde como sendo de pessoas que viveram na Terra. - Espíritos vistos por médiuns e ao mesmo tempo fotografados. - Impressões e moldagens de formas materializadas. - História de Katie King. - As experiências de Crookes. - O caso da Sra. Livermore. - Resumo. - Conclusão. - As conseqüências.

A fotografia dos Espíritos

Vimos que um dos fenômenos que de modo autêntico demonstram a existência da alma durante a vida é a fotografia do duplo, durante a sua saída temporária do corpo. A grande lei de continuidade, que rege os fenômenos naturais, havia dê conduzir os espíritas a ponderar que, sendo a alma humana - durante o seu desprendimento - capaz de impressionar uma chapa fotográfica, a mesma faculdade há de ela ter após a morte. E efetivamente o que se chegou a comprovar, desde que se puderam estabelecer as condições necessárias a essas manifestações transcendentes.

Aqui, nenhuma objeção pode prevalecer. A prova fotográfica tem um valor documentário de extrema importância, porque mostra que a famosa teoria da alucinação é notoriamente inaplicável a tais fatos. A chapa sensível constitui um testemunho científico que certifica a sobrevivência da alma à desagregação do corpo; que atesta conservar ela uma forma física no espaço e que a morte não lhe pode acarretar a destruição.

Em face de semelhantes resultados, que restará de todas as costumeiras declamações acerca do sobrenatural e do maravilhoso? Há-se de convir em que os Espíritos se obstinaram singularmente em contrapor-se aos que lhes negam a existência. Não satisfeitos com o se fazerem visíveis aos seus parentes e amigos, apareceram em fotografias e forçoso foi se reconhecesse que dessa vez o fenômeno era verdadeiramente objetivo, pois que a chapa fotográfica lhes conservava indelével a imagem. Resumamos sumariamente, segundo o eminente naturalista Russel Wallace, alguns fatos bem verificados. (150)

E freqüente zombarem do a que se chamou fotografias espíritas, porque algumas podem ser facilmente imitadas. Refletindo-se, porém, um pouco, ver-se-á que essa mesma facilidade também faz que a gente se precate da impostura, pois bastante conhecidos são os meios de imitação. Em todo caso, ter-se-á de admitir que um fotógrafo experimentado não pode ser iludido a tal ponto, desde que ele próprio forneça as chapas e fiscalize as operações, ou as execute.

Aliás, há um meio muito simples de se verificar se a figura que aparece é a de um Espírito desencarnado. Consiste esse meio em ver se a pessoa que posa ou os membros da sua família reconhecem a figura que se apresenta na chapa. Se reconhecerem, o fenômeno é real. E o caso de Wallace, que o narra assim:

A 14 de março de 1874, convidado, fui pela primeira e única vez ao gabinete do Sr. Hudson, acompanhado da Sra. Guppy, como médium. Contava eu que, se obtivesse algum retrato espírita, fosse o de meu irmão mais velho, em cujo nome freqüentes mensagens eram recebidas por intermédio da Sra. Guppy, com quem eu fizera uma sessão antes de ir ao Sr. Hudson, sessão essa na qual recebera, pela tiptologia, uma comunicação onde se dizia que minha mãe se fosse possível, apareceria na chapa.

Posei três vezes, sempre escolhendo eu próprio a posição que tomava. De todas as vezes, apareceu no negativo, juntamente com a minha imagem, uma segunda figura. A primeira era a de uma pessoa, do sexo masculino, trazendo à cinta um sabre curto; a segunda, uma pessoa de pé, aparentemente a meu lado, um pouco por trás de mim, olhando para baixo, na minha direção, e empunhando um ramo de flores. Na terceira sessão, depois de haver tomado a posição que escolhi e quando já a chapa preparada fora colocada na câmara escura, pedi que a aparição se apresentasse junto de mim e nessa terceira chapa apareceu uma figura de mulher encostada a mim e à minha frente, de tal sorte que os panos que a revestiam cobriram toda a parte inferior do meu corpo.

Vi todas as chapas reveladas e, em cada caso, a figura se mostrou no momento em que o liquido revelador foi derramado sobre o negativo, ao passo que a minha imagem só se tornou visível uns vinte segundos mais tarde. Não reconheci nenhuma das figuras nos negativos, mas, logo que obtive as provas, ao primeiro golpe de vista verifiquei que a terceira chapa continha um retrato incontestável de minha mãe, muito parecido quanto aos traços fisionômicos e à expressão do semblante. Não era uma semelhança como a que existe num retrato tirado em vida, mas uma semelhança um pouco idealizada, se bem fosse, para mim, uma semelhança que não me permitia qualquer equívoco.

A segunda fotografia é muito menos distinta: o olhar se dirige para o chão; o rosto tem uma expressão diferente da terceira, a tal ponto que, a principio, achei que era outra pessoa. Tendo enviado os dois retratos de mulher à minha irmã, ela foi de opinião que o segundo se parecia muito mais com minha mãe do que o terceiro e que, de fato, apresentava boa semelhança com ela como expressão, mas com alguma coisa de inexato na boca e no queixo. Verificou-se que isso era devido, em parte, a que o fotógrafo retocara os brancos. Efetivamente, ao ser lavada, a fotografia se mostrou toda coberta de manchas brancas, mas melhor, quanto da semelhança, com minha mãe. Eu ainda não verificara a semelhança do segundo retrato, quando, ao examiná-lo algumas semanas mais tarde com um vidro de aumento, imediatamente percebi um traço especial e notável do rosto natural de minha mãe, a saber: o lábio e o maxilar inferiores bastante salientes.

Os dois espectros trazem iguais ramos de flores. E de notar-se que, quando eu posava para o segundo grupo, o médium haja dito: Vejo alguém e há flores.

Esse retrato também foi reconhecido pelo irmão de R. Wallace (151), que não é espírita.

Se um médium declara que vê um Espírito, quando as outras pessoas presentes nada vêem, e que o Espírito está em tal lugar; se lhe descreve o aspecto e as vestes e, em seguida, a chapa fotográfica confirma a descrição em todos os pontos, não se poderá negar que, positivamente, o Espírito existe no lugar indicado. Damos a seguir muitos exemplos de tão notáveis manifestações.

E autor dessas experiências o Sr. Beattie, de Clinton, de quem o editor do British Journal of Photography fala nestes termos:

Todos os que conhecem o Sr. Beattie o consideram hábil e cuidadoso fotógrafo, uma das últimas criaturas, no mundo, passíveis de ser enganadas, pelo menos em tudo o que diga respeito à fotografia. Também é incapaz de enganar os outros.

O Sr. Beattie teve a ajudá-lo em suas pesquisas o Dr. Thomson, médico em Edimburgo, que durante vinte e cinco anos praticou a fotografia como amador. Os dois fizeram experiências no gabinete de um amigo não espiritualista, mas que se tornou médium no curso das experimentações. Auxiliou-os como médium um negociante muito amigo dos dois. Todo o trabalho fotográfico era executado pelos Srs. Beattie e Thomson, conservando-se os dois outros sentados junto de uma mesa pequena. As provas foram tiradas por séries de três, com poucos segundos de intervalo e muitas dessas séries foram feitas numa mesma sessão...

Há duas provas, tiradas como as antecedentes, em 1872 e cujas fases todas o médium descreveu durante a exposição das chapas. Apareceu primeiro, diz ele, um denso nevoeiro branco. A prova saiu toda sombreada de branco, sem nenhum vestígio dos modelos. A outra fotografia ele a descreveu previamente, como tendo de ser um nevoeiro em forma de nuvem, com uma pessoa no meio. Na prova, vê-se apenas uma figura humana, branca, dentro de uma superfície quase uniformemente enevoada. Durante as experiências de 1873, em cada caso o médium descreveu minuciosa e corretamente as configurações que haviam de em seguida aparecer na chapa. Numa delas, há uma estrela luminosa de grande dimensão, em cujo centro se mostra bem visível um rosto humano. E a última das três em que se manifestou uma imagem, tendo o médium anunciado cuidadosamente o conjunto.

Noutra série de três, o médium, primeiro, descreveu o seguinte: Uma luz nas suas costas, vinda do chão; depois: uma luz a subir pelo braço de outra pessoa e provindo ou parecendo provir da perna; em terceiro: existência da mesma luz, mas com uma coluna que se eleva da mesa, como que incandescente, até às suas mãos. E exclamou de súbito: Que luz brilhante lá no alto! Não na vedes? E apontava com a mão o lugar. Todas essas palavras descreviam muito fielmente o que depois apareceu nas três provas, sendo que na última se percebia a mão do médium indicando uma mancha branca existente acima da sua cabeça.

Mencionemos ainda uma fotografia isolada e muito marcante.

Durante a pose, disse um dos médiuns estar vendo, no plano posterior, uma figura negra, enquanto que o outro médium dizia perceber uma figura brilhante ao lado daquela. Na fotografia, aparecem as duas figuras, muito fraca a brilhante, muito mais nítida a escura, que é de gigantesca dimensão, de talhe maciço, traços grosseiros e longa cabeleira.

Tais experiências só puderam realizar-se com muito trabalho e perseverança. As vezes, vinte provas consecutivas nada de anormal revelavam. Passaram de cem as que se tiraram, havendo completo malogro na maioria delas. Mas, os êxitos alcançados valeram bem a pena que custaram. Demonstram de modo a não admitir dúvidas: 1 - a existência objetiva dos Espíritos; 2 - a faculdade, que possuem alguns seres chamados médiuns, de ver essas formas que se conservam invisíveis para toda gente.

Sendo da mais alta importância a prova fotográfica da visão mediúnica, citaremos o fato que segue, extraído da obra de Aksakof, Animismo e Espiritismo, págs. 67 e seguintes:

O Banner of Light, de 25 de janeiro de 1873, publicou uma carta do Sr. Bromson Murray (152) concebida nestes termos:

Senhor Diretor,

Num dos últimos dias do mês de setembro último, a senhora W. H. Mumler, residente na cidade de Boston, à rua West Springfield, achando-se em estado de transe, durante o qual dava conselhos médicos a um de seus doentes, interrompeu-se de súbito para me dizer que, quando o Sr. Mumler me fotografasse„ apareceria na chapa, ao lado do meu retrato, a imagem de uma mulher, segurando na mão uma âncora feita de flores. Essa mulher desejava ardentemente afirmar sua sobrevivência ao marido e inutilmente procurara até então uma oportunidade de aproximar-se dele. Achava que o conseguiria por meu intermédio. Acrescentou a Sra. Mumler: Por meio de uma lente, poder-se-ão perceber nessa chapa as letras R. Bonner. Perguntei-lhe, mas em vão, se essas letras queriam dizer Robert Bonner. No momento em que me preparava para a pose, a fim de me ser tirada a fotografia, cai em transe, o que jamais me acontecera. Apesar de todos os esforços, Mumler não conseguiu colocar-me na posição desejada. Foi-lhe impossível fazer que eu ficasse ereto e com a cabeça apoiada no suporte. Meu retrato, pois, ele o tirou na posição que a prova indica, aparecendo a meu lado a figura de mulher com a âncora e as letras formadas de botões de rosas, como fora predito. Infelizmente, eu não conhecia com o nome de Bonner pessoa alguma que pudesse estabelecer a identidade da figura fotografada.

De volta à cidade, referi a várias pessoas o que se dera. Disse-me uma delas que recentemente encontrara um Sr. Bonner, da Georgia. Queria mostrar-lhe a fotografia. Decorridos quinze dias, essa pessoa me pediu que passasse pela sua casa. Alguns instantes depois de haver eu lá chegado, entrou um visitante: Sr. Robert Bonner. Declarou-me que era de sua mulher a fotografia, que a vira em poder da senhora que no momento nos recebia e que achava perfeita a semelhança. Aliás, não há aqui quem conteste a semelhança que aquela fotografia apresenta com um retrato da Sra Bonner, tirado dois anos antes de sua morte. (153)

O Sr. Bonner ainda obteve a fotografia de sua defunta mulher numa posição previamente designada por um médium de Nova York que não a conhecia, nem vira a fotografia que se achava em Boston.

O jornal O Médium, de 1872, também fala de uma fotografia de Espírito, obtida ao mesmo tempo em que o médium declarava o que se ia dar. Diz o jornal:

No momento em que a chapa ia ser exposta, a Sr.a Connant (o médium) voltou-se para a direita e exclamou: Oh! Aqui está a minha Was-Ti! (Era uma menina índia, que se manifestava freqüentemente por seu intermédio.) E estendeu a mão esquerda, como se quisesse pegar a da aparição. Na fotografia, vê-se, perfeitamente reconhecível, a figura da indiazinha, com os dedos da mão direita na mão da Sr.a Connant.

Temos, pois, aqui, a fotografia de uma figura astral, assinalada e reconhecida pelo paciente sensitivo, no momento da exposição da chapa. É mais uma confirmação das experiências do Sr. Beattie.

Poderíamos multiplicar o número das citações deste gênero; mas, a exigüidade do nosso quadro nos obriga a remeter o leitor às mencionadas obras do eminente naturalista e do sábio russo. Em precedente trabalho (154), reproduzimos a fotografia de um Espírito obtida em plena obscuridade, pelo Sr. Aksakof, com o médium Eglinton. Veremos, dentro em pouco, que também o grande físico inglês William Crookes obteve uma série de fotografias de uma forma materializada.

Examinemos outro aspecto do fenômeno.

Impressões e moldagens de formas materializadas

Os casos de aparições de duplos de pessoas vivas ou de Espíritos após a morte terrestre, comprovadas e referidas pela Sociedade de Pesquisas Psíquicas, são manifestações isoladas, reais, porém, relativamente muito raras e que se produzem somente em circunstâncias tão excepcionais, que se torna difícil fazer delas outra análise além da que resulta da narração verídica do acontecimento. Os espíritas, familiarizados desde longo tempo com esses fenômenos, hão feito um estudo minucioso de todos os possíveis gêneros de comunicação dos Espíritos conosco. Entre os mais notáveis de tais fenômenos, podem citar-se as diversas impressões deixarias em substâncias moles ou friáveis, pelos seres do espaço, durante sessões em que foram evocados. Resumamos em poucas palavras tão probantes experiências, de que voltaremos a tratar no capítulo seguinte.

Pretendem os cépticos que ninguém pode estar certo de não se achar alucinado, ao observar a presença de uma aparição, senão se esta houver deixado, da sua passagem, um traço que subsista após o desaparecimento da imagem.

Os fatos que se seguem respondem a esse desideratum.

O eminente astrônomo alemão Zoellner obteve, em folhas de papel enegrecido e postas entre ardósias, colocadas estas sobre os seus joelhos, duas marcas, de um pé direito uma, a outra de um pé esquerdo, sem que o médium houvesse tocado as lousas. Doutra vez, colocou o papel enegrecido sobre uma prancheta e a marca de um pé foi aí feita, medindo quatro centímetros menos do que o pé de Slade (155). Num vaso cheio de farinha finíssima, achou-se a marca de uma mão, com todas as sinuosidades da epiderme nitidamente visíveis.

Já fizemos notar que as aparições sempre se assemelham, traço a traço, às pessoas de quem elas são o desdobramento. Faremos notar agora que os Espíritos que se materializam momentaneamente tomam um corpo físico idêntico a um corpo material ordinário, porquanto as marcas ou impressões que eles deixam revelam semelhança perfeita com as que as mesmas partes de um corpo vivo produziriam.

O professor Chiaia, de Nápoles, experimentando com Eusápia Paladino, teve a idéia de se munir de argila dos escultores e o Espírito imprimiu nessa matéria plástica o seu rosto. Derramando gesso no molde assim produzido, obteve ele uma bela cabeça de homem, de melancólico semblante. (156)

Na América, conseguiram-se resultados do mesmo gênero, chegando-se até a descobrir um novo meio de se obterem reproduções fiéis das aparições. Derretendo-se parafina em água quente, aquela sobe à superfície desta. Pede-se então ao Espírito que mergulhe repetidas vezes na parafina a parte do seu corpo que se deseja conservar. Feito isso e desmaterializando-se, quando o envoltório de parafina se ache seco, a aparição deixa um molde perfeito. Derrame-se gesso dentro deste e ter-se-á uma lembrança duradoura do Espírito desencarnado que se prestou à operação. Vamos transcrever o relato de uma dessas sessões, reproduzindo o que publicou o célebre sábio russo Aksakof. (157)

Para completar as experiências do Sr. Reimers acrescentar-lhes-ei a resenha de uma sessão que se realizou em Manchester, a 7 de abril de 1875, e à qual deu publicidade The Spiritualist de 12 de maio seguinte. Da mesma resenha apareceu uma tradução alemã no Psychische Studien de 1877, páginas 550-553. Dentre as cinco testemunhas, conheço pessoalmente os Srs. Marthèze, Oxley e Reimers, dignos todos de absoluto crédito:

Nós, abaixo assinados, certificamos pela presente os fatos seguintes, que se produziram na nossa presença, em casa do Sr. Reimers a 7 de abril de 1875. Pesamos cuidadosamente três quartos de libra de parafina, pusemo-los numa cuba e despejamos em cima água a ferver, o que logo a derreteu. Se introduzir muitas vezes uma mão nesse liquido, a parafina que sobre ela se depositar, forma, depois de resfriada, um molde perfeito. A cuba, assim como outro vaso contendo água fria, fora colocada a um canto da sala. Duas cortinas de seis pés de altura e quatro de largura, suspensas por varões de ferro, formavam um gabinete quadrado, tendo em cada extremidade aberturas de quinze polegadas de largo. A parede ficava distante da casa ao lado e, quase cheio de móveis o gabinete, a ninguém podia acudir a idéia da existência de alçapões, tanto mais que também o assoalho estava coberto de vasos, cadeiras, etc.

Uma senhora de nossa amizade, dotada desse misterioso poder a que se dá o nome de mediunidade, foi envolvida numa rede de malhas, que lhe cobria a cabeça, os braços, as mãos e cujos cordões, passando em corrediças, foram apertados o mais possível e amarrados com um nó. Meteu-se ao demais na rede um pedaço de papel que cairia se desfizesse o nó. Todas as testemunhas foram acordes em declarar que seria impossível ao médium, por si só, libertar-se, sem se trair. Nessa situação foi ela conduzida ao canto do gabinete onde só havia a cadeira, alguns vasos e uma estante de livros. Nada que se visse havia perto desses objetos, que examinamos a toda luz do gás.

Fechou-se a sala. Baixamos a luz, mas de modo que alguma coisa sempre se podia distinguir no aposento, e sentamo-nos a distância de quatro ou seis pés da cortina. Decorrido algum tempo, que passamos a cantar ou a ouvir música, uma figura apareceu na abertura do meio da cortina e se moveu para o lado. Todos os assistentes notaram distintamente a bela e brilhante coroa que trazia à cabeça e a fita preta que lhe rodeava o pescoço e da qual pendia uma cruz de ouro. Logo outra figura feminina surgiu, também com uma coroa visível. Mostrando-se ao mesmo tempo em que a primeira elevou-se acima do gabinete em direção ao teto e graciosamente saudou os assistentes. Uma voz fortíssima de homem, vinda do canto, anunciou que ia tentar fazer moldes.

Então, na abertura da cortina apareceu de novo a primeira figura, fazendo sinal ao Sr. Marthèze para que se aproximasse, a fim de lhe apertar a mão. Tirou-lhe do dedo o anel e o Sr. Marthèze viu, naquele mesmo instante, o médium no canto oposto, envolto na rede já descrita. A figura, porém, se desvaneceu rapidamente na direção do médium.

Tendo o Sr. Marthèze voltado à sua cadeira, a voz perguntou de dentro do gabinete que mão desejávamos e pouco depois aquele senhor foi outra vez chamado à abertura da cortina, para receber o molde de uma mão esquerda. Inspecionando-a, descobriu-se-lhe num dos dedos o anel do Sr. Marthèze. O Sr. Reimers foi chamado a seu turno e recebeu da mesma maneira a mão direita destinada a seus sábios amigos de Leipzig, em cumprimento da promessa que lhes ele expressamente fizera. Em seguida, ouviu-se tossir o médium, cuja tosse desaparecera durante todo o tempo (mais de uma hora), tosse que fizera recear um malogro, tão violentos tinham sido em começo os acessos. Quando ela saiu do gabinete, examinamos os nós e... achamos tudo no mesmo estado que anteriormente. Retiramos toda a parafina que restava no vaso e, pesando-a juntamente com os dois moldes obtidos, encontramos pouco mais de três quartos de libra, sendo o pequeno excesso devido ao anel que aderira à parafina, como se verificou, tirando-o do molde. A proporção dágua dos moldes correspondia perfeitamente ao restante. Com isso terminaram as nossas experiências.

As mãos obtidas diferem consideravelmente, sob todos os aspectos, das do médium, mas ambas revelam as pequenas marcas (muito bem visíveis com o auxílio de um vidro de aumento) de uma mão pequenina, da mesma individualidade que por mais de uma vez nos deu, moldes em condições idênticas de experimentação.

Assinados: J. N. Tiedman Marthèze, Palmeira Square, Brington. - Christian Reimers, 2, Ducie Avenue, Oxford Road, Manchester. - William Oxley, 65, Burwen Road, Manchester. – Thomas Gaskell, 69, Oldham Road, Manchester. - Henry Marsh, Birch Cottage, Fairy lane, Bury new-road Manchester.

É de notar-se que os experimentadores espíritas tomaram todas as precauções para evitar qualquer causa de erro, da parte deles ou da do médium. Essas experiências, como outras análogas, freqüentemente repetidas hão dado lugar a que já se eleve a algumas centenas o número de moldes reproduzindo partes diversas das materializações de Espíritos de todas as idades e de ambos os sexos. Em todas as experiências, as peças obtidas se assemelham às que se obteriam, se a operação fosse praticada em corpos de vivos.

O Sr. de Bodisco, camareiro do czar (158), publicou o relato de curiosas experiências de materialização, feitas com o médium Srta. K . . .

Não hesito, diz ele, em declarar que o corpo astral (ou psíquico) é, na natureza, o mais importante de todos os corpos, sem embargo da pertinácia com que as ciências experimentais se obstinam em ignorá-lo. Esse corpo tem a governá-lo leis cujo estudo lançará luz em muitos corações, que desejam ser consolados por uma prova real da vida futura. Ele constitui a única parte imperecível do corpo humano. É o zoo-éter, ou matéria primordial, ou força vital.

Quatro fotografias tirou ele, mostrando diversas fases da materialização, desde a em que a aparição astral ou psíquica cerca o corpo do médium, até a da condensação de uma forma, da qual se vê a cabeça, parecendo envolto numa espécie de gaze o resto do corpo. Ao lado da forma, percebe-se o corpo do médium, em letargia, na poltrona.

História de Katie King

Os fenômenos de materialização constituem as mais altas e irrefragáveis demonstrações da imortalidade.

Surgir um ser defunto diante dos espectadores com uma forma corpórea, conversar, caminhar, escrever e desaparecer, quer instantaneamente, quer gradativamente, sob as vistas dos observadores, é decerto o mais empolgante e o mais singular dos espetáculos. Isso, para um incrédulo, ultrapassa os limites da verossimilhança e provas físicas irrefutáveis se fazem necessárias, para que o fenômeno não seja lançado à conta de fraude ou de alucinação.

Felizmente, porém, bom número existe de observações, relatadas por homens imparciais e, ainda, dotados da isenção e da competência indispensáveis a dar a tais experiências o apoio da autoridade de que eles desfrutam.

O Sr. Aksakof fez com o médium Eglinton uma série delas, em que as mais minuciosas precauções foram tomadas, o que lhe facultou chegar a resultados absolutamente inatacáveis, do ponto de vista científico. O avultado número de matérias de que temos de tratar nos obriga, com muito pesar nosso, a remeter o leitor às obras originais onde esses casos se encontram longamente expostos. Serão consultadas com proveito: Animismo e Espiritismo, de Aksakof; Ensaio de Espiritismo Científico, de Metzger; Depois da morte, de Léon Denis, e Psiquismo Experimental, de Erny.

Aqui, agora, nos limitaremos a apresentar alguns dados geralmente desconhecidos sobre a célebre Katie King, cuja existência foi posta fora de dúvida pelos trabalhos, que se tornaram clássicos, de William Crookes, consignados em seu livro: Pesquisas experimentais sobre o Espiritismo. Servir-nos-emos dos estudos que na Revue Spirite (159) publicou a Sr.a de Laversay, resumindo o mais possível essa interessante tradução da obra de Epes Sargent, editada em Boston, no ano de 1875.

Muitas pessoas, pouco a par da literatura espírita, supõem que o Espírito Katie King só foi examinado por William Crookes. Vamos mostrar que há elevadíssimo número de atestados relativos à sua existência, procedentes de testemunhas bastante conhecidas no mundo literário e científico. Quando o ilustre químico teve de verificar a mediunidade da Srta. Cook, já muito tempo havia que Katie se materializava. Os grandes médiuns, por demais raros, não se revelam de improviso. Faz-se necessário certo tempo para que cheguem a produzir fenômenos físicos. Por um lado, o médium precisa de adestramento e, por outro, o Espírito que dirige as manifestações é obrigado a exercitar-se longo tempo, para manipular com a indispensável exatidão os fluidos sutis que tem de empregar.

Em 1872, contava a Srta. Cook dezesseis anos. Desde a mais tenra idade via Espíritos e ouvia vozes; mas, como somente ela observava esses fatos, seus pais nenhuma confiança depositavam em suas narrativas. Depois de haver ela assistido a algumas sessões espíritas, veio-se a saber que a mocinha era médium e que obteria as mais belas manifestações. A princípio, o Sr. e a Sra. Cook se opuseram. Entretanto, depois de assediados pelos Espíritos, resolveram ceder aos desejos dos atores invisíveis e foi então que se deram fenômenos absolutamente probantes.

A 21 de abril de 1872, diz o Sr. Harrison, no jornal O Espiritualista, ocorreu um curioso incidente. Ouviram de súbito bater nos vidros de uma janela; aberta esta, ninguém viu coisa alguma. Fez-se, porém, ouvir a voz de um Espírito, dizendo: Senhor Cook, precisa mandar limpar suas calhas, se não quiser que os alicerces de sua casa sejam abalados. As calhas estão entupidas. Muito surpreendido, procedeu ele a uma exame imediato. Era exato! Chovera e o pátio da casa estava cheio da água que transbordara das calhas. Ninguém sabia desse acidente, antes que o Espírito o houvesse revelado daquela forma notável. Acompanhando-se a marcha da mediunidade da Srta. Cook, observa-se o desenvolvimento de uma série de fenômenos, que se produzem sucessivamente, tornando-se cada dia mais espantosos, até chegarem à materialização de Katie. Correu assim a primeira sessão em que ela se mostrou.

Até então, as sessões se haviam realizado no escuro. Querendo remediar isso, o Sr. Harrison fez muitos ensaios em casa do Sr. Cook com luzes diferentes. Conseguiu uma luz fosforescente, aquecendo uma garrafa revestida interiormente de uma camada de fósforo, misturada com óleo de cravo. Graças a esse engenho, podia-se ver o que se passava durante a sessão às escuras. A 22 de maio de 1872, a Sr.a Cook, seus filhos, uma tia destes e a criada se reuniram e o Espírito Katie King se materializou parcialmente. A Srta. Cook não estava a dormir, como o faz certo uma carta que ela no dia seguinte dirigiu ao Sr. Harrison, nestes termos:

Ontem à noite, Katie King nos disse que tentaria produzir alguns fenômenos, mas se concordássemos em armar um gabinete escuro com o auxílio de cortinas. Acrescentou que precisava lhe déssemos uma garrafa de óleo fosforescente, visto não lhe ser possível tomar de mim o fósforo necessário, devido ao fraco desenvolvimento da minha mediunidade. Ela quer iluminar a sua figura, para se tornar visível.

Encantada com a idéia, fiz os preparativos necessários, ficando tudo pronto ontem à noite, às 8 e meia. Minha mãe, minha tia, os meninos e a criada sentaram-se fora, nos degraus da escada. Deixaram-me sozinha na sala de jantar, o que nada me agradou, porque estava com muito medo.

Katie mostrou-se na abertura das cortinas. Seus lábios se moveram e, por fim, conseguiu falar. Conversou durante alguns minutos com a mamãe. Todos puderam ver-lhe o movimento dos lábios. Como eu, do lugar onde estava, não a visse bem, pedi-lhe que se voltasse para mim. O Espírito me respondeu: Mas, decerto; fa-lo-ei. Vi então que só estava formada a parte superior do seu corpo, o busto, sendo o resto da aparição uma espécie de nuvem, ligeiramente luminosa.

Após breves instantes de espera, o Espírito Katie começou por trazer algumas folhas frescas de hera, planta que não existe no nosso jardim. Depois, todos vimos aparecer, fora da cortina, um braço cuja mão segurava a garrafa luminosa. Mostrou-se uma figura com a cabeça coberta de uma porção de pano branco. Katie aproximou do seu rosto o frasco e todos a percebemos distintamente. Esteve dois minutos e em seguida desapareceu. O rosto era oval, aquilino o nariz, vivos os olhos e a boca lindíssima.

Disse Katie à mamãe que a olhasse bem, pois sabia que tinha um ar lúgubre. Eu, pelo que me diz respeito, fiquei muito impressionada quando o Espírito se aproximou de mim. Emocionadíssima, não pude falar, nem mesmo esboçar um gesto. Da íntima vez que se apresentou na junção das cortinas, demorou-se uns bons cinco minutos e incumbiu a mamãe de lhe pedir que venha aqui um dia desta semana... Katie King encerrou a sessão, implorando para nós as bênçãos de Deus. Exprimiu a sua alegria por se ter podido mostrar aos nossos olhares.

O Sr. Harrison atendeu a 25 de abril ao convite de Katie e na sua presença se verificou a segunda sessão de materialização. Ele tomou interessantes notas que publicou depois no seu jornal, The Spiritualist, donde extraímos os tópicos seguintes

Testemunho do Sr. Harrison - Com a minha presença, uma sessão se realizou a 25 de abril, em casa do Sr. Cook. O médium, Srta. Cook, sentou-se no interior de um gabinete escuro. De tempos a tempos, ouvia-se um ruído de raspagem com unhas. O Espírito Katie segurava um tecido leve, por ela mesma fabricado e no qual procurava recolher, em torno do médium, os fluidos necessários à sua materialização completa. Para esse efeito, atritava o médium com o mencionado tecido. Dali a pouco, travou-se em voz baixa, entre o médium e o Espírito, o seguinte diálogo:

Srta. Cook - Vamos, Katie, não gosto de ser friccionada assim. Katie - Não sejas tolinha, tira o que tens na cabeça e olha-me. (E continuava a friccionar.)

Srta. Cook - Não quero. Deixa-me, Katie. Já não gosto de ti. Metes-me medo.

Hatie - Como és tola! (E não cessava de friccionar.)

Srta. Cook - Não me quero prestar a estas manifestações. Não gosto disto. Deixa-me sossegada.

Katie - És apenas o meu médium e um médium é uma simples máquina de que os Espíritos se servem.

Srta. Cook -Pois bem! Se não sou mais do que máquina, não gosto de ser assombrada deste jeito. Vai-te embora.

Katie - Não sejas estouvada.

Vê-se, por este diálogo, que a aparição não é o duplo do médium, pois que a vontade consciente da moça se revela em oposição absoluta à do fantasma, que se acha na sua presença.

A Sr.a d Espérance, outro médium célebre (160), resolveu não mais cair em transe durante as manifestações e o conseguiu, o que mostra a independência da sua individualidade psíquica no curso das aludidas manifestações. O Sr. Harrison, em sessões ulteriores, pôde apreciar o desenvolvimento do fenômeno e o descreveu assim:

A figura de Katie nos apareceu com a cabeça toda envolta num pano branco, a fim, disse ela, de impedir que o fluido se dispersasse muito rapidamente. Declarou que apenas o seu rosto se achava materializado. Todos puderam ver-lhe distintamente os traços do semblante. Notamos que tinha fechados os, olhos. Mostrava-se durante meio minuto e desaparecia. Depois, disse-me: Willie, olha como sorrio; vê como falo. E exclamou: Cook, aumenta a luz. Imediatamente isso foi feito e todos puderam observar a figura de Katie King brilhantemente iluminada. Tinha uma fisionomia jovem, linda, jovial, olhos vivos um tanto maliciosos. Sua tez já não era mate e imprecisa, como da sua primeira aparição, a 22 de abril, porque, explicava ela: já sei melhor como devo fazer. Quando a sua figura se apresentou em plena luz, suas faces pareciam naturalmente coloridas. Todos os assistentes exclamaram: Vemos-te agora perfeitamente. Katie manifestou a sua alegria, estendendo o braço para fora da cortina e batendo na parede com um leque que achara ao seu alcance.

As sessões continuaram com bom êxito. As forças de Katie King aumentaram de mais em mais; porém, durante longo tempo, ela só consentiu uma luz muito fraca, enquanto se materializava. A cabeça trazia sempre envolta em véus brancos, porque não a formava completamente, a fim de empregar menor quantidade de fluido e não fatigar a médium. Ao cabo de bom número de sessões, conseguiu mostrar-se em plena luz, com o rosto, os braços e as mãos descobertos.

Naquela época, a Srta. Cook permanecia quase sempre acordada, enquanto se achava presente o Espírito. Algumas vezes, porém, quando fazia mau tempo, ou eram desfavoráveis outras condições, a mocinha adormecia sob a influência espírita, o que aumentava o poder da médium e obstava a que a sua atividade mental perturbasse a ação das forças magnéticas. Depois, Katie não mais apareceu sem que a médium estivesse em transe. Realizaram-se algumas sessões para a aparição de outros Espíritos; mas, essas sessões tiveram que ser efetuadas com muito pouca luz e foram menos perfeitas do que as em que Katie se mostrava. Contudo, verificou-se a aparição de figuras conhecidas, cuja autenticidade ficou bem comprovada. Apreciaremos daqui a pouco o testemunho da Sr.a Florente Marryat, conhecida escritora.

Numa sessão feita a 20 de janeiro de 1873, em Hackney, sua face se transformou, tornando-se, de branca, negra, em poucos segundos, fato que depois se reproduziu muitas vezes. Para mostrar que suas mãos não eram movidas mecanicamente, ela fez uma costura na cortina que se havia rasgado. Noutra sessão, a 12 de março e no mesmo local, as mãos da Srta. Cook foram atadas, sendo postos selos de cera sobre os nós. Katie King se mostrou então a certa distância, à frente da cortina, com as mãos inteiramente livres.

Como se vê, só ao fim de longas experiências, a princípio imperfeitas e que com a continuação foram melhorando, o Espírito Katie King alcançou o desenvolvimento que lhe possibilitou manifestar-se livremente, em plena luz, sob forma humana, fora e à frente do gabinete escuro, diante de um círculo de espectadores maravilhados.

A partir desse momento, organizaram-se controles muito severos e, somente depois de os terem estudado com todo o rigor possível, foi que o Sr. Benjamin Coleman, o Dr. Gully e o Dr. Sexton proclamaram a realidade daquelas manifestações transcendentes. Tiraram-se à luz do magnésio muitas fotografias de Katie King, estando ela completamente materializada, de pé na sala, sob severíssima fiscalização. Desde os primórdios da mediunidade da Srta. Cook, o Sr. Ch. Blackburn, de Manchester, com ponderada liberalidade, lhe fez importante dote que lhe assegurou a subsistência. Assim procedeu ele, tendo em vista o progresso da ciência. Todas as sessões da Srta. Cook se realizaram gratuitamente.

Primeiras fotografias de Katie King

Na primavera de 1873, muitas sessões se realizaram com o fito de obterem-se fotografias de Katie King. A 7 de maio, tiraram-se quatro com bom resultado. Uma delas foi reproduzida em gravura.

As experiências fotográficas se acham bem descritas na resenha que abaixo transcrevemos, elaborada depois de uma sessão e assinada com os seguintes nomes: Amélíe Corner, Caroline Corner, M. Luxmore, G. Tapp e W. Harrison. Ao começar a sessão, tomaram-se as seguintes precauções: a Sra Corner e sua filha acompanharam a Srta. Cook ao seu quarto, onde lhe pediram que se despisse, a fim de serem examinadas suas roupas. Fizeram-na envergar um grande roupão de pano cinzento, em substituição do vestido que despira e depois conduziram-na à sala das sessões, onde lhe ataram solidamente os pulsos com as fitas. O gabinete foi examinado em todos os sentidos, após o que a Srta. Cook se sentou dentro dele. As fitas que lhe atavam os punhos foram passadas por um anel fixado no assoalho, em seguida por baixo do manto, sendo, afinal, amarradas a uma cadeira colocada fora do gabinete. Desse modo, se a médium se movesse, logo o perceberiam.

A sessão principiou às seis horas da tarde e durou cerca de duas horas, com um intervalo de trinta minutos. A médium adormeceu logo que se instalou no gabinete e, decorridos poucos instantes, Katie apareceu e se encaminhou para o meio da sala. Também assistiam à sessão a Sra Cook e seus dois filhos que muito se divertiam a conversar com o Espírito.

Katie vestia de branco. Aquela noite, seu vestido era decotado e de mangas curtas, de sorte que se lhe podiam admirar o maravilhoso pescoço e os belos braços. A própria coifa que, como sempre, lhe envolvia a cabeça, estava ligeiramente afastada, deixando ver seus cabelos castanhos. Os olhos eram grandes e brilhantes, de cor cinzenta, ou azul escuro. Tinha a tez clara e rosada, os lábios corados. Parecia inteiramente viva. Notando o prazer que experimentávamos em contemplá-la assim diante de nós, Katie redobrou de esforços para que tivéssemos uma boa sessão. Depois, quando acabou de posar em frente do aparelho, passeou pela sala, conversando com todos, criticando os assistentes, o fotógrafo e seus dispositivos, completamente à vontade. Pouco a pouco, aproximou-se de nós, animando-se cada vez mais. Apoiou-se ao ombro do Sr. Luxmore, enquanto a fotografavam. Chegou mesmo, uma vez, a segurar a lâmpada, para melhor iluminar o seu rosto.

Consentiu que o Sr. Luxmore e a Sr.a Corner lhe passassem as mãos pelo corpo, para se certificarem de que trazia apenas um vestido. Depois, divertiu-se em apoquentar o Sr. Luxmore, dando-lhe tapas, puxando-lhe os cabelos e tomando-lhe os óculos para com eles mirar os que estavam na sala. As fotografias foram tiradas à luz de magnésio. A iluminação permanente era dada por uma vela e uma lâmpada pequena. Retirada a chapa para a revelação, Katie deu alguns passos, acompanhando o Sr. Harrison, a fim de assistir a essa operação.

Outro fato curioso também se deu essa noite. Estando Katie a repousar diante do gabinete, à espera de se colocar em posição para ser fotografada, todos viram aparecer por sobre a cortina um grande braço de homem, nu até a espádua e a agitar os dedos. Katie voltou-se e repreendeu o intruso, dizendo que era muito malfeito vir outro Espírito perturbar tudo, quando ela se preparava para lhe tirarem o retrato, e ordenou-lhe que sem demora se retirasse. No dia da sessão, declarou Katie que suas forças desfaleciam, que ela estava a pique de dissolver-se. Com efeito, suas forças haviam diminuído tanto, que, à luz que penetrava no gabinete para onde se retirara, ela pareceu esvair-se. Todos então a viram achatar-se, destituída totalmente de corpo e com o pescoço a tocar o chão. A médium se conservava ligada como no começo.

Chamamos muito particularmente a atenção do leitor para este último pormenor, que mostra, a toda evidência, que a aparição não é um manequim preparado, nem o médium com um disfarce. Sobre esse ponto, outro testemunho probante é o da Sr.a Florente Marryat. (161)

Perguntaram um dia a Katie King por que não podia mostrar-se sob uma luz mais forte. (Ela só permitia aceso um bico de gás e esse mesmo com a chapa muito baixa.) A pergunta pareceu irritá-la enormemente. Respondeu assim: Já vos tenho declarado muitas vezes que não me é possível suportar a claridade de uma luz intensa. Não sei por que me é isso impossível; entretanto, se duvidais de minhas palavras, acendei todas as luzes e vereis o que acontecerá. Previno-vos, porém, de que se me submeterdes a essa prova, não mais poderei reaparecer diante de vós. Escolhei.

As pessoas presentes se consultaram entre si e decidiram tentar a experiência, a fim de verem o que sucederia. Queríamos tirar definitivamente a limpo a questão de saber se uma iluminação mais forte embaraçaria o fenômeno de materialização. Katie teve aviso da nossa decisão e consentiu na experiência. Soubemos mais tarde que lhe havíamos causado grande sofrimento.

O Espírito Katie se colocou de pé junto à parede e abriu os braços em cruz, aguardando a sua dissolução. Acenderam-se os três bicos de gás. (A sala media cerca de dezesseis pés quadrados.)

Foi extraordinário o efeito produzido sobre Katie King, que apenas por um instante resistiu à claridade. Vimo-la em seguida fundir-se, como uma boneca de cera junto de ardentes chamas.

Primeiro, apagaram-se-lhe os traços fisionômicos, que não mais se distinguiam. Os olhos enterraram-se nas órbitas, o nariz desapareceu, a testa como que entrou pela cabeça. Depois, todos os membros cederam e o corpo inteiro se achatou, qual um edifício que desmorona. Nada mais restava do que a cabeça sobre o tapete e, por fim, um pouco de pano branco, que também desapareceu, como se o houvessem puxado subitamente. Conservamo-nos alguns momentos com os olhos fitos no lugar onde Katie deixara de ser vista. Terminou assim aquela memorável sessão.

Com o exercício, o Espírito adquirira maior força, pois que William Crookes pôde, a seguir, bater mais de quarenta chapas com auxílio da luz elétrica. Vimos acima que um Espírito tentara materializar-se ao mesmo tempo em que Katie. 1; que, com efeito, este último não era o único Espírito a mostrar-se. Eis aqui um novo testemunho da Sr.a Marryat que, numa aparição que se lhe lançou nos braços, reconheceu uma deformação característica que sua filha apresentava num dos lábios. Ouçamo-la.

A sessão se realizou numa pequenina sala da associação, sem móveis, nem tapete. Apenas três cadeiras de vime foram ali colocadas, para que pudéssemos estar sentados. A um canto, dependurou-se um velho xale preto, para formar o necessário gabinete, em o qual foi posto um coxim para servir de travesseiro à Srta. Cook.

Esta, moreninha, delgada, de olhos pretos e cabelos anelados, trazia um vestido de merinó cinzento, guarnecido de fitas cor de cereja. Informou-me, antes de começar a sessão, que, desde algum tempo, se sentia enervada durante os transes e que lhe acontecia vir adormecida para a sala. Pediu-me então que a repreendesse, caso tal coisa ainda se desse, e que lhe ordenasse voltar para o seu lugar, como se fora uma criança. Prometi fazê-lo e logo a Srta. Cook se sentou no chão, por trás do xale preto que fazia de cortina. Víamos o ,seu vestido cinzento, por isso que o xale não chegava até ao assoalho. Baixou-se a chama do gás e tomamos assento nas três cadeiras de vime.

A médium, a principio, parecia não se sentir à vontade. Queixava-se de que a maltratavam. Decorridos alguns instantes vimos o xale agitar-se e uma mão aparecer e desaparecer, repetindo-se isso várias vezes. Apareceu depois uma forma a se arrastar com os joelhos, para passar por baixo do xale, acabando por ficar de pé, perfeitamente ereta. A luz era insuficiente para se lhe reconhecerem os traços fisionômicos. O Sr. Harrison perguntou se quem ali estava era a Sra Stewart. O Espírito abanou a cabeça, em sinal negativo. Quem poderá ser? Perguntei ao Sr. Harrison.

- Não me reconhece, minha mãe?

Quis lançar-me em seus braços; ela, porém, me disse: Fique no seu lugar; irei lá ter. Momentos depois, Florence veio sentar-se nos meus joelhos. Tinha soltado os longos cabelos, nus os braços, assim como os pés. Suas vestes não apresentavam forma determinada. Dir-se-ia estar envolta nalguns metros de musselina. Por exceção esse Espírito não trazia coifa, estava com a cabeça descoberta.

- Minha querida Florence, exclamei, és mesmo tu?

- Aumentem a luz, respondeu ela, e olhem a minha boca.

Vimos então, distintamente, num de seus lábios, a deformação com que nascera e que os médicos que a examinaram haviam declarado constituir um caso muito raro. Minha filha viveu apenas alguns dias. Na sessão em que se me apresentou parecia contar 17 anos.

Diante dessa inegável prova de identidade, fiquei banhada em lágrimas, sem poder dizer palavra.

A Srta. Cook estava muito agitada por detrás do xale e logo, de súbito, correu para nós, exclamando: E demasiado, já não posso mais.

Vimo-la então fora do gabinete, ao mesmo tempo em que o Espírito de minha filha sentado no meu colo. Isso, porém, durou apenas um instante. A forma que eu abraçava se lançou para o gabinete e desapareceu. Lembrei-me então de que a Srta. Cook me pedira que a repreendesse, caso viesse andar pela sala. Repreendi-a, pois, severamente. Ela tornou ao seu lugar no gabinete e logo o Espírito voltou para junto de mim, dizendo: Não deixes que ela volte; causa-me um medo horrível.

Retruquei-lhe: Mas, Florence, nós outros, mortais, neste mundo, temos medo das aparições e tu, ao que parece, tens medo da tua médium!

Tenho medo de que ela me faça partir, respondeu ela. A Srta. Cook, porém, não tornou a sair do gabinete e Florence esteve mais algum tempo conosco. Lançou-me os braços ao pescoço e me beijou repetidas vezes. Nessa época, eu me achava muito atribulada. Disse-me Florence que, se pudera aparecer-me com a marca que me permitira reconhecê-la, fora para bem me convencer das verdades do Espiritismo, no qual eu encontraria copiosas fontes de consolação.

- Tu algumas vezes duvidas, minha mãe, disse ela, e supões que teus olhos e teus ouvidos te enganam. Nunca mais deves duvidar e não creias que, como Espírito, eu me conserve desfigurada.

Retomei hoje este defeito apenas para melhor te convencer. Lembra-te de que estou sempre contigo.

Eu não conseguia falar, tão emocionada me sentia à idéia de que tinha em meus braços a filha que eu própria depositara num esquife, de que ela não estava morta, de que presentemente era uma mocinha. Fiquei muda, com os braços passados pela sua cintura, com o coração a bater de encontro ao seu. Em seguida, a força diminuiu. Florence me deu um último beijo, deixando-me estupefata e maravilhada com o que se passara.

Acrescenta a Sr.a Florence Marryat que tornou a ver aquele Espírito muitas vezes, em outras sessões e com diferentes médiuns, recebendo dele ótimos conselhos.

Facilmente se concebe que os incrédulos hajam negado com obstinação tão extraordinários fenômenos. Calorosas polêmicas se travaram, mesmo entre espíritas, e só as experiências e as afirmações de William Crookes puderam confirmar a autenticidade absoluta de Katie King. Recomendamos ao leitor a obra desse sábio; todavia, precisamos assinalar, de modo especial, que Katie é um ser em tudo semelhante, anatomicamente, a um ser vivo.

As experiências de Crookes

São particularmente interessantes os trabalhos do grande sábio inglês, do ponto de vista em que nos colocamos (162), pelo que reproduziremos aqui uma pequena parte da sua narrativa, tão completamente probante ela é. Ele nos mostra um Espírito tão bem materializado, que se não poderia distingui-lo de uma pessoa normal.

Essa notável experiência estabelece, pertinentemente, que o perispírito reproduz não só o exterior de uma pessoa, mas também todas as partes internas do seu corpo.

Uma das mais interessantes fotografias é a em que estou de pé ao lado de Katie, tendo esta um pé nu em determinado ponto do assoalho. Em seguida, vesti a Srta. Cook tal qual o estava Katie e nos colocamos, ela e eu, na mesma posição em que estivéramos Katie e eu, e fomos fotografados pelas mesmas objetivas, situadas estas absolutamente como na outra experiência e iluminadas pela mesma luz. Superpostas as duas fotografias, as minhas imagens numa e noutra coincidem exatamente, quanto ao talhe, etc.; ao passo que a de Katie se demonstra maior, de uma meia cabeça, do que a da Srta. Cook, junto de quem aquela parece uma mulher gorda. Em muitas das fotografias, o tamanho do seu rosto e a sua corpulência diferem essencialmente dos de seu médium, podendo-se ainda notar muitos outros pontos de dessemelhança...

Isto responde à objeção, tantas vezes formulada, de que, nas sessões espíritas, as aparições que se fotografam são desdobramentos do médium. Continuemos.

Recentemente, vi Katie tão bem, à claridade da luz elétrica, que se me torna fácil acrescentar mais algumas diferenças às que, em precedente artigo, assinalei entre ela e seu médium. Tenho a mais absoluta certeza de que a Srta. Cook e Katie são duas individualidades distintas, pelo menos quanto aos corpos. Pequenas marcas que em grande número se encontram no rosto da Srta. Cook não existem no de Katie. Os cabelos daquela são de um castanho tão escuro que parecem pretos! Tenho sob os olhos uma madeixa que Katie permitiu lhe eu cortasse da luxuriante cabeleira, depois de meter nesta os meus próprios dedos até ao alto da cabeça e de me haver certificado de que ela dai nascia realmente. É de um lindo castanho dourado.

Uma noite, contei as pulsações de Katie. Eram em número de 75 e seu pulso batia regularmente. As da Srta. Cook, alguns instantes após, chegaram a 90, algarismo que lhe era habitual. Aplicando o ouvido ao peito de Katie, pude ouvir-lhe o coração a bater no interior, sendo os seus batimentos mais regulares do que os do coração da Srta. Cook quando, depois da sessão, ela me permitiu fazer a mesma experiência. Auscultados de igual modo, os pulmões de Katie se revelaram mais sãos do que os de sua médium, porquanto, no momento em que fiz a experiência, a Srta. Cook estava em tratamento de um grande resfriado.

Tais as primeiras manifestações de Katie King. Eis agora o que se passou da última vez que ela apareceu, achando-se entre os espectadores a Sr.a Florence Marryat, o Sr. Tapp, William Crookes e a doméstica Mary. (163)

A última sessão

As 7 horas e 23 minutos da noite, o Sr. Crookes conduziu a Srta. Cook para o gabinete escuro, onde ela se deitou no chão, com a cabeça sobre um travesseiro. As 7 horas e 28 minutos, Katie falou pela primeira vez e às 7 horas e 30 mostrou-se fora da cortina e em toda a sua estatura. Estava vestida de branco, de mangas curtas e o pescoço nu. Trazia soltos os seus longos cabelos castanho-claras, de tom dourado, a lhe caírem em cachos dos dois lados da cabeça e pelas costas até à cintura. Também trazia um longo véu branco que apenas uma ou duas vezes abaixou sobre o rosto, durante a sessão.

O médium trajava um vestido de merinó azul-claro. Durante quase toda a sessão, Katie se conservou em pé diante dos assistentes. Corrida que fora a cortina do gabinete, todos viam distintamente o médium adormecido, com o rosto coberto por um xale vermelho, para preservá-lo da luz. Não deixara a posição que havia tomado desde o começo da sessão, que transcorreu a uma luz que espalhava viva claridade. Katie falou da sua próxima partida e aceitou um ramo de flores que o Sr. Tapp lhe trouxera, assim como um apanhado de lírios que o Sr. Crookes lhe ofereceu. Pediu ao Sr. Tapp que desmanchasse o ramo e colocasse diante dela as flores, no chão. Sentou-se, então, à moda turca e pediu que todos fizessem o mesmo, ao seu derredor. Distribuiu as flores, fazendo com algumas um raminho, que atou com uma fita azul.

Escreveu cartas de adeuses a alguns de seus amigos, pondo-lhes a assinatura: Annie Owen Morgan, dizendo que fora este o seu verdadeiro nome na vida terrena. Escreveu também uma carta ao seu médium e escolheu um botão de rosa para lhe ser entregue como presente de despedida. Pegou de uma tesoura, cortou uma mecha de seus cabelos e ofereceu certa porção destes a cada um. Enfiou depois o braço no do Sr. Crookes e deu volta à sala apertando a mão de todos, um por um. Sentou-se de novo, cortou vários pedaços do seu vestido e do seu véu, presenteando com eles os assistentes. Como fossem visíveis os grandes buracos que lhe ficaram nas vestes e estando ela sentada entre o Sr. Crookes e o Sr. Tapp, alguém lhe perguntou se poderia reparar aqueles estragos, como já o fizera noutras ocasiões. Ela então expôs à luz a parte cortada, bateu em cima com uma das mãos e imediatamente aquela parte do vestido se tornou tão perfeita como era antes. Os que lhe estavam próximos examinaram e tocaram, com sua permissão, a fazenda e afirmam que não mais havia nem buraco, nem costura, nem a aposição de qualquer remendo onde um momento antes tinham visto rasgões do diâmetro de muitas polegadas.

Transmitiu a seguir suas últimas instruções ao Sr. Crookes e aos outros amigos sobre como deviam proceder com relação às manifestações ulteriores, que prometera, com o auxílio do seu médium. Essas instruções foram cuidadosamente anotadas e entregues ao Sr. Crookes. Parecendo então fatigada, Katie dizia com tristeza que precisava ir-se embora, que a sua força decaía. Reiterou muito afetuosamente seus adeuses a todos e todos lhe agradeceram as maravilhosas manifestações que lhes havia proporcionado.

Dirigindo a seus amigos um último olhar, grave e pensativo, desceu a cortina e tornou-se invisível. Ouviram-na despertar o médium, que lhe pediu, banhado em lágrimas, que se demorasse mais um pouco. Katie, porém, lhe respondeu: Minha querida, não posso. Está cumprida a minha missão. Deus te abençoe! E todos ouviram o som do seu beijo de despedida no médium. Logo depois, a Srta. Cook vinha ter com os presentes, inteiramente esgotada e profundamente consternada.

Vê-se assim quanto a moça, rebelde a princípio, se afeiçoara à sua amiga invisível. Katie dizia que dali em diante não mais poderia falar nem mostrar-se; que, realizando, por três anos, aquelas manifestações físicas, passara vida bem penosa, para expiar suas faltas; que decidira elevar-se a um grau mais alto da vida espiritual; que só a longos intervalos poderia corresponder-se por escrito com o seu médium, mas que este poderia vê-la sempre, por meio da lucidez magnética. (164)

O caso da Sra Livermore

As aparições de Katie King foram tão numerosas e tantas vezes observadas, que não se pode duvidar um instante de que fosse um Espírito quem assim se manifestava; mas, não era possível verificar-se-lhe a identidade, pois, segundo declarava, vivera, havia muitos séculos, com o nome de Annie Morgan, sob Carlos I. Vimos que Florence, a filha da Sra. Marryat se fez reconhecer por um sinal particular do lábio. Vamos ver, segundo o Sr. Aksakof (165), ser impossível deparar-se com um caso mais concludente, mais perfeito, como prova de identidade da aparição de uma forma materializada, do que o de Esteia, morta em 1860, ao seu marido Sr. Livermore.

Esta observação reúne todas as condições necessárias a ser considerada clássica; responde a todas as exigências da crítica. A narração detalhada desse caso encontra-se em The Spiritual Magazine de 1861, nos artigos do Sr. B. Coleman, que lhe obteve todos os pormenores diretamente do Sr. Livermore, pormenores que foram publicados depois, numa brochura intitulada: Spiritualisrn in América, Londres, 1861, e, finalmente, na obra de Dale Owen, Debatable Land, que lhe tirou os detalhes do manuscrito do Sr. Livermore.

Duraram cinco anos, de 1861 a 1866, as materializações daquela figura e em todo esse tempo o Sr. Livermore realizou com o médium Kate Fox 388 sessões, cujas particularidades ele publicou num jornal. Foram feitas em completa obscuridade. As mais das vezes o Sr. Livermore realizava a sessão a sós com o médium, cujas mãos segurava o tempo todo. Kate Fox se conservava sempre em estado normal, sendo, pois, testemunha consciente de tudo o que se passava.

Foi gradual a materialização visível da figura de Estela; somente na 43.A sessão pôde seu marido reconhecê-la, sob Intensa claridade, de origem misteriosa, ligada ao fenômeno, e, em geral, sob a direção de outra figura que a acompanhava e auxiliava em suas manifestações. Essa outra aparição dava o nome de Franklin.

A partir de então, a aparição de Estela se tornou cada vez mais perfeita, chegando mesmo a suportar a luz de uma lanterna que o Sr. Livermore levava para a sessão. Felizmente para a apreciação do fato, a figura não pôde falar, limitando-se a pronunciar algumas palavras. Todo o lado intelectual da manifestação teve de revestir uma forma que deixou traços indeléveis. Referimo-nos às comunicações, em número de uma centena, escritas todas pela própria Estela em folhas de papel que o Sr. Livermore levava, marcadas pelas suas mãos. Enquanto a aparição escrevia, ele, segurando as mãos de Kate Fox, via perfeitamente a mão e toda a figura de quem escrevia.

A caligrafia dessas comunicações é reprodução exata da Sr.a Livermore, quando viva. Lê-se, numa carta do Sr. Lívermore ao Sr. B. Coleman, de Londres, a quem o primeiro conhecera na América: Acabamos, afinal, por obter cartas datadas. A primeira das desse gênero tem a data de 3 de maio de 1861, sexta-feira, e foi escrita com muito cuidado e muito corretamente e pôde comprovar-se, de maneira categórica, por meio de minuciosas comparações, a identidade da escrita com a de minha mulher. O estilo e a grafia são para mim provas positivas da identidade da autora, mesmo deixando de lado as outras provas, ainda mais concludentes, que obtive. Mais tarde, noutra carta, acrescentava o Sr. Livermore: Sua identidade foi estabelecida, de modo a não deixar subsistisse a menor dúvida: primeiro, pela sua aparência, em seguida pela sua caligrafia e, finalmente, pela sua individualidade mental, sem falar de numerosas outras provas, que seriam concludentes nos casos ordinários, mas que não levei em conta, senão como provas complementares.

O testemunho do Sr. Coleman confirma o do Sr. Lívermore e no Spiritualist Magazine de 1861 foram publicados muitas espécimes da caligrafia de Estela em vida e depois de morta. O caráter da letra é sem dúvida uma prova absoluta e de todo concludente da identidade do ser que se materializa, porquanto é uma espécie de fotografia da personalidade, da qual foi ela considerada sempre como expressão fiel e constante. Além dessa prova, material e intelectual ao mesmo tempo, outra ainda se nos depara em multas das comunicações que Estela escreveu em francês, língua que o médium desconhecia inteiramente. A esse propósito, é decisivo o testemunho do Sr. Livermore: Uma folha de papel que eu mesmo levara me foi arrebatada da mão e, após alguns instantes, foi-me restituída de modo visível. LI, escrita nela, uma mensagem admiravelmente redigida em puro francês, idioma que minha mulher conhecia muito bem, em o qual falava e escrevia corretamente, ao passo que a Srta. Fox não tinha dele a mais ligeira noção. (166)

O Sr. Aksakof, tão difícil em matéria de provas, escreveu:

Temos aqui uma dupla prova de identidade, dada não só pela caligrafia, semelhante, em todos os pontos, à do defunto, mas também por ser desconhecida do médium a língua em que está escrita a mensagem. O caso é extremamente importante e, ao nosso parecer, apresenta uma prova absoluta de identidade.

A cessação das manifestações de Estela por meio da materialização oferece notável semelhança com o termo das aparições de Katie. Lê-se, com efeito, em Owen:

Foi na 388 sessão, a 2 de abril de 1866, que a forma de Estela apareceu pela última vez. Depois daquele dia, o Sr. Livermore não mais tornou a ver a figura que lhe era tão conhecida, se bem haja recebido, até ao momento em que escrevo (1871), numerosas mensagens repassadas de simpatia e de afeto.

Afigura-se-nos bem firmado que a imortalidade ressalta, em completa evidência, dessas manifestações sugestivas. As mais ousadas teorias não poderão lutar contra fatos desta natureza que, por si sós, atestam a realidade da vida de Além-túmulo, cuja existência já se havia tornado mais que provável, por todos os outros gêneros de comunicações entre os homens e os Espíritos

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Resumo

Na brevíssima exposição que vimos de colocar sob as vistas do leitor, apenas possível nos foi reproduzir a narrativa de um só dos casos particulares que desejáramos citar em grande número. Fácil, porém, é a consulta às obras mencionadas e quem a fizer se convencerá de que é considerável a quantidade dos testemunhos autênticos concernentes a aparições de vivos e de mortos, emanando, a maior parte deles, de pessoas dignas de fé, que nenhum interesse tinham em enganar. Ao demais, a veracidade dessas afirmações foi verificada, com todos os cuidados possíveis, por homens sábios, prudentes e imparciais. Entretanto, mesmo que se suponham falsos alguns desses relatos e inexatamente reproduzidos outros, resta deles um número suficiente (muitas centenas) para dar a certeza do desdobramento do ser humano e da sobrevivência da alma após a morte.

Foi-nos fácil comprovar, em quase todas as narrações, que o corpo dormia, enquanto o Espírito manifestava ao longe a sua presença. A realidade da alma, isto é, do eu pensante e volitivo, ao mesmo tempo em que a sua individualidade distinta do corpo se impõem como corolários obrigatórios do fenômeno de desdobramento.

Com efeito, por testemunhos precisos, quais os de Varley, do jovem gravador citado pelo Dr. Gibier e pelos casos de Newnham e de Sofia, pudemos verificar que durante o sono a alma humana tem a capacidade de desprender-se e demonstrar sua autonomia. Ela é, pois, distinta do organismo material e impossível se torna explicar esses fenômenos psicológicos por uma ação do cérebro, pois que o sono, segundo a ciência, se caracteriza pelo desaparecimento da atividade psíquica. (167)

Este eu que se desloca não é uma substância incorpórea, é um ser bem definido, com um organismo que reproduz os traços do corpo e, quando se mostra, é graças a essa identidade absoluta com o envoltório carnal que pode ser reconhecido.

Varia o grau de materialidade do perispirito. Ora é uma simples névoa branca que desenha os traços, atenuando-os; ora apresenta contornos muito nítidos e parece um retrato animado. Acontece também mostrar-se com todos os caracteres da realidade, reconhecendo-se-lhe suficiente tangibilidade para exercer ações físicas sobre a matéria inerte e para revelar a existência de um organismo interno semelhante ao de um indivíduo vivo.

Em nada influi sobre a intensidade das manifestações a distância que separe do corpo a sua alma. Vimos disso muitos exemplos probantes.

Esse envoltório da alma, que somente em circunstâncias muito raras acusa a sua existência distinta do corpo, aí se acha, entretanto, no seu estado normal, como o indicam as experiências sobre a exteriorização da sensibilidade e sobre a ação dos medicamentos a distância. Aliás, a certeza da coexistência do corpo e do perispírito resulta da sobrevivência deste último à destruição do invólucro carnal. Essa imortalidade se encontra estabelecida por experiências variadas, oferecendo todos os caracteres que impõe a convicção.

São idênticas as aparições de vivos e de mortos; atuam da mesma maneira, produzem os mesmos resultados; logo, a causa de onde derivam é a mesma: é a alma desprendida do corpo. Nem poderia ser de outro modo, note-se, pois, que, em ambos os casos, a alma se encontra liberta da sua prisão carnal.

Se, pois, descobrimos, nas aparições dos mortos, caracteres que não foram postos em evidência nas aparições de pessoas vivas, podemos concluir legitimamente que também o duplo humano os possui.

A continuidade que existe entre todos os fenômenos da natureza nos facultará perceber a ligação existente entre as manifestações da alma produzidas pela sua ação a distância e as que são devidas à sua saída do corpo. Transmissão de pensamento, telepatia, exteriorização parcial, desdobramento, são fenômenos que formam uma cadeia ininterrupta, uma gradação dos poderes anímicos.

As circunstâncias que acompanham as aparições de vivos são, em geral, bastante demonstrativas por si mesmas, para estabelecerem a objetividade do fantasma. Evidenciamos esse caráter em todos os casos citados; mas, não foi possível dar dele provas absolutas, por isso que esses fenômenos, pela sua raridade, pela sua espontaneidade se opõem a toda pesquisa metódica. O mesmo já não se dá quando as aparições se produzem nas sessões espíritas, em que são provocadas. Aí, conta-se que elas se produzam e todas as precauções são tomadas para que se lhes verifique cuidadosamente a objetividade.

A fotografia é uma das garantias mais fortes que podemos fornecer. Se, a rigor, é possível se admita, para explicar as aparições, uma alucinação a efetivar-se em cérebros predispostos a sofrê-la, essa explicação cal redondamente diante da realidade brutal que se inscreve na camada sensível da chapa fotográfica. Ora, tem-se fotografado o corpo fluídico durante a vida e depois da morte, o que dá a certeza absoluta de que a alma existe sempre, tanto na Terra, como no espaço.

Aliás, a continuidade do ser se revela bem claramente pelas aparições que se verificam algumas horas depois da morte. Tudo se passa como se o indivíduo que aparece ainda estivesse vivo. O perispírito que acaba de deixar o corpo lhe retraça fielmente não só a imagem, como também a configuração física, que se patenteia pelas marcas que deixa no papel enegrecido e pelas moldagens! Que descoberta maravilhosa essa possibilidade de qualquer um se convencer da sobrevivência integral do ser pensante, por meio de provas materiais!

Vemos, finalmente, nas experiências de Crookes, que o Espírito materializado é, por completo, um ser que vive temporariamente, como se houvesse nascido na Terra. Bate-lhe o coração, funcionam-lhe os pulmões, ele vai e vem, conversa, dá uma mecha de cabelos existentes na própria cabeça. Seu perispírito tem, pois, em si tudo o que é necessário à criação de todos esses órgãos, com a força e a matéria que haure do médium. É o desdobramento completo do fenômeno, que vimos apenas esboçado nas aparições falantes. (168)

Pouco importa que os sábios oficiais fechem os olhos, que a imprensa, obstinadamente, guarde silêncio sobre tão notáveis fatos. Isso não impedirá que a verdade brilhe aos olhos dos que não sejam espíritos prevenidos. Essa demonstração material da sobrevivência tem capital importância para o futuro da humanidade. Ninguém poderá destruir o feixe de provas que apresentamos. Cedo ou tarde, ainda os mais orgulhosos terão que se curvar à evidência e de reconhecer que os espíritas, tão escarnecidos, hão, todavia, dotado a ciência com a maior e a mais fecunda descoberta que já se fez na Terra.

Conclusão

Parece-nos, conseguintemente, firmado pela observação e pela experiência, que:

1 - o ser humano pode desdobrar-se em duas partes: o corpo e a alma;

2 - a alma, separada do corpo, lhe reproduz exatamente a imagem;

3 - as manifestações anímicas independem do corpo físico; durante o desprendimento, quando a alma está totalmente exteriorizada, o corpo nada mais é do que uma massa inerte;

4 - a aparição pode denotar todos os graus de materialidade, desde a de uma simples aparência até a de uma realidade concreta, que lhe permite andar, falar e atuar sobre a matéria bruta;

5 - a forma fluídica da alma pode ser fotografada;

6 - a forma fluídica da alma, durante a vida, ou depois da morte, pode deixar marcas ou moldes;

7 - durante a vida, pode a alma perceber sensações, sem o concurso dos órgãos dos sentidos;

8 - a forma fluídica reproduz não só o exterior, mas também toda a constituição interna do ser;

9 - a morte não destrói a alma; esta subsiste com todas as suas faculdades psíquicas e com um organismo físico, visível e imponderável, dotado, em estado latente, de todas as leis biológicas do ser humano.

As conseqüências

Que se deve concluir de todos esses fatos? Em primeiro lugar, somos forçados a admitir que o corpo e a alma são duas entidades absolutamente distintas, que se podem separar, cada uma delas com caracteres inequívocos de substancialidade. Também devemos notar que o organismo físico não passa de um envoltório que se torna inerte, logo que o princípio pensante se separa dele. A parte sensível, inteligente do homem reside no duplo e se mostra como causa da vida psíquica. Desde então, será lógico que, para explicar os fenômenos espíritas, se imaginem outros fatores, com exclusão da alma humana?

Evidentemente não e todas as teorias que recorrem à intervenção de seres extraordinários, como demônios, elementais, elementares, ogros, idéias coletivas, não suportam o exame dos fatos, nem explicam os fenômenos observados. No caso em que o Espírito de um vivo se manifesta de qualquer maneira, possível se nos torna remontar do efeito à causa e descobrir a razão eficiente do fenômeno: é a psique humana, em ação temporária fora dos limites do seu organismo.

Sabemos que ela haure do corpo material a força de que necessita para suas manifestações. Abandone definitivamente o seu corpo material, e essa alma será obrigada a recorrer a um médium, para dele tomar aquela energia indispensável. Assim, claramente se explicam todas as manifestações. Há nesses fatos, que se desenrolam em séries paralelas, não só evidente parentesco, mas uma semelhança tão grande, que chega à identidade. Logo, em boa lógica, a causa é necessariamente a mesma: em todos os casos, a alma.

Essa continuidade foi tão bem sentida, que alguns incrédulos, como Hartmann, tentaram explicar todos os fatos espíritas pela ação incorpórea e inconsciente do médium. Mas, os fenômenos, em grandíssimo número, responderam vitoriosamente a essa inexata asserção. Os Espíritos, por provas irrecusáveis, revelaram-se dotados de uma personalidade inteiramente autônoma e independente por completo das dos assistentes. Demonstraram de modo peremptório a sobrevivência de que gozavam, por uma quantidade prodigiosa de comunicações, fora, em absoluto, dos conhecimentos de todos os experimentadores (169). Firmaram sua identidade, por meio de assinaturas autênticas; pela narração de fatos que só eles podiam conhecer; por predições que minuciosamente se cumpriram. Numa palavra: provaram cientificamente a imortalidade.

Foi certamente a mais importante e a mais fecunda descoberta do século XIX. Chegar a conhecimentos positivos sobre o amanhã da morte é revolucionar a humanidade inteira, dando à moral uma base científica e uma sanção natural, à revelia de todo e qualquer credo dogmático e arbitrário.

Sem dúvida, mesmo quando essas consoladoras certezas hajam penetrado as massas humanas, a humanidade não se achará só por isso bruscamente mudada, nem se tornará melhor subitamente; disporá, todavia, da mais forte alavanca que possa existir para derribar o montão de erros acumulados desde há seis mil anos. Seus instrutores poderão falar com autoridade dos deveres que correm a todo aquele que vem a este mundo. Exporão aos olhos dos mais recalcitrantes os destinos que os aguardam, e a vida futura, na qual a maioria já não crê, se tornará tão evidente quanto a claridade do Sol. Compreender-se-á então que a morada terrestre não é mais do que um degrau nos destinos do homem; que alguma coisa de mais útil há do que a satisfação dos apetites materiais e que cada um terá que conseguir, a todo custo, refrear suas paixões e domar seus vícios. Esses os benefícios indubitáveis que o Espiritismo traz consigo.

Bendita e emancipadora doutrinam! Que as tuas irradiações se estendam rapidamente por toda a Terra, a fim de levarem a certeza aos que duvidam, de abrandarem as dores dos corações dilacerados pela partida de seres amados com ternura e de darem aos que lutam com as asperezas da vida a coragem de superar as duras necessidades deste mundo ainda tão bárbaro.

TERCEIRA PARTE

O ESPIRITISMO E A CIÊNCIA

CAPITULO I

ESTUDO DO PERISPIRITO

SUMARIO: De que é formado o perispírito? - Obrigação que tem a ciência de se pronunciar a respeito. - Princípios gerais. - O ensino dos Espíritos. - O que é preciso se estude.

De que é formado esse perispírito, cuja existência, assim durante a vida, como durante a morte, se acha demonstrada? Qual a substancia constituinte desse envoltório permanente da alma? Tal a primeira questão que tentaremos resolver.

Nenhuma das narrativas, nenhuma das experiências acima referidas nos instruíram sobre esse ponto importante. Não tendo sido possível submeter esse corpo abmaterial aos reativos ordinários, forçoso é, ainda agora, que nos atenhamos à observação e ao que os Espíritos hão dito a tal respeito. Aliás, dificilmente poderíamos encontrar melhores instrutores do que aqueles mesmos que produzem as aparições. Não esqueçamos que eles põem em jogo leis que ainda teremos de descobrir, pois mostraram que Una matéria invisível aos olhares humanos pode impressionar uma chapa fotográfica, mesmo na mais absoluta obscuridade (170). Os fenômenos de trazimento constituem outra prova da ação dos Espíritos sobre a matéria, ação que se opera por processos de que nem sequer suspeitamos. E que dizer dessas materializações que engendram, por alguns instantes, um ser tangível, tão vivo quanto os assistentes, senão que a ciência humana é de todo impotente para explicar tais manifestações de uma biologia extraterrena?

Até mais amplos esclarecimentos, contentar-nos-emos com os que nos queiram ministrar as individualidades do espaço e tentaremos demonstrar que eles nada têm de contrário às leis conhecidas, não tomadas em sua acepção acanhada, mas consideradas em sua filosofia. Nestes estudos, não se deve pedir uma demonstração em regra, que seria impossível produzir-se. Desde que, porém, por meio de analogias tiradas das leis naturais, possamos formar idéia bastante clara da causa dos fenômenos e do modo provável por que se operam, sensível progresso teremos realizado na senda da investigação, banindo das nossas concepções a idéia de sobrenatural.

O conhecimento do perispírito tem grande importância para a explicação das anomalias que os pacientes sonambúlicos apresentam, nos casos, bem comprovados, de visão a distância, de telepatia, de transmissão de pensamentos e de perda da lembrança de tudo ao despertar. Do mesmo modo, os fenômenos de personalidades múltiplas, os casos de bicorporeidade e as aparições tangíveis, de que temos falado, podem ser muito bem compreendidos, desde que se admita a nossa teoria, ao passo que se conservam inteiramente inexplicáveis por meio do ensino materialista.

Em presença de tais fatos, os sábios oficiais guardam prudente mutismo. Se, pelo maior dos acasos, falam dessas experiências, é para as declarar apócrifas, indignas de prender a atenção de homens inteligentes e, então, as assinalam como últimos vestígios atávicos das superstições dos nossos antepassados.

Importa, porém, que, de uma vez por todas, nos entendamos a esse respeito. Não ignoramos que não se pode absolutamente discutir com quem esteja de parti pris e que o Espiritismo, hoje, se acha mais ou menos na mesma situação em que se encontrava o magnetismo há uma vintena de anos. A história aí está a nos mostrar a obstinação estúpida dos que se petrificaram nas suas idéias preconcebidas.

Sabemos o que pensar da penetração de espírito dos sucessores daqueles que acreditavam que as pedras talhadas eram produzidas pelo trovão; que negaram a eletricidade, zombando de Galvani; que vituperaram e perseguiram Mesmer; que qualificaram de loucura o telefone e o fonógrafo, como, aliás, todas as descobertas novas. Por isso mesmo, sem dar atenção ao banimento mais ou menos sincero a que eles condenam o fenômeno espírita, corajosamente exporá a nossa maneira de ver, apoiando-a em fatos positivos e bem estudados.

A despeito de todas as negações possíveis, o fenômeno espírita é uma verdade tão bem comprovada hoje, que não há fatos científicos mais bem firmados do que eles, entre os que não são de observação cotidiana, tais como: a queda dos aerólitos, as auroras boreais, as tempestades magnéticas, a raiva, etc.

A ciência está neste dilema: ou os espíritas são charlatães e é falso tudo o que eles proclamam e, nesse caso, ela os deve desmascarar, pois que lhe incumbe a instrução do povo; ou os fatos que os espíritas têm observado são reais, porém mal referidos e, portanto, errôneas as conclusões que eles daí deduzem, caso em que a ciência se acha obrigada a lhes retificar os erros. Assim, qualquer que seja a eventualidade que se considere, vê-se que o silêncio ou o descaso nenhum cabimento têm. Essa a razão por que sinceramente chamamos a atenção dos homens de boa-fé para as nossas teorias que, embora ainda muito incompletas, explicam com lógica os diferentes fenômenos de que acima falamos.

Eis, sucintamente, os princípios gerais sobre que nos apoiaremos. São os de Allan Kardec, que magistralmente resumiu em sua obra todos os ensinos dos Espíritos que o assistiram. (171)

Princípios gerais

Reconhecemos a existência de uma causa eficiente e diretora do universo: a sublimada inteligência que, pela sua vontade onipotente, imutável, infinita, eterna, mantém a harmonia do Cosmos. A alma, a força e a matéria são igualmente eternas, não podem aniquilar-se.

A Ciência admite a conservação da matéria e da energia (172), prova rigorosamente que são indestrutíveis, mas indefinidamente transformáveis. Do mesmo modo, o Espiritismo dá a certeza da imortalidade do eu pensante.

O princípio espiritual é a causa de todos os fenômenos intelectuais que se dão nos seres vivos. No homem, esse princípio se toma à alma, que se revela à observação como absolutamente distinta da matéria, não só porque as faculdades que a determinam (tais como a sensação, o pensamento ou a vontade) não se podem conceber revestidas de propriedades físicas, mas, sobretudo, por ser ela uma causa de movimento e por se conhecer plenamente a si mesma, o que a diferencia de todos os outros seres vivos e, com mais forte razão, dos corpos brutos.

E desconhecida a natureza da alma. Tentar defini-la, dizendo que é imaterial, nada significa, a menos que com essa palavra se queira precisar a diferença que há entre a sua constituição e a da matéria. Qualquer, porém, que seja o seu modo de existir, ela se mostra simples e idêntica. Aliás, a nossa ignorância acerca da natureza da alma é da mesma ordem e tão absoluta, quanto acerca da natureza da matéria ou da natureza da energia. Até agora, somos de todo impotentes para penetrar as causas primárias e temos que nos contentar com o definir a alma, a matéria e a energia pelas suas manifestações, sem pretendermos indagar se, de qualquer maneira, procedem umas das outras.

Certamente a alma não é a resultante das funções cerebrais, pois que subsiste após a morte do corpo. Da análise de suas faculdades ressalta que ela é simples, isto é, indivisível e a experiência espírita confirmam essa verdade, mostrando que a sua personalidade se mantém integral depois da morte. O Espiritismo, com o apoiar-se exclusivamente nos fatos, reduz a nada todas as teorias segundo as quais a alma sofre uma desagregação qualquer. O que, ao contrário, se verifica é a indestrutibilidade do princípio pensante.

Suas faculdades a alma as desenvolve por uma evolução incessante que tem por teatro, alternativamente, o espaço e o mundo terrestre. Em cada uma dessas suas passagens, adquire ela nova soma de conhecimentos intelectuais e morais, que são conservados, aperfeiçoados e aumentados por uma evolução sem-fim.

Possui um livre-arbítrio proporcional ao número de suas encarnações, dependendo a sua responsabilidade do grau do seu adiantamento moral e intelectual. Assim como o mundo físico tem a regê-lo lei imutável, também o mundo espiritual é regido por uma justiça infalível, de sorte que as leis morais têm sanção absoluta após a morte. Como o Universo não se limita ao imperceptível grão de areia por nós habitado, como o espaço formiga de sóis e planetas em número indefinido, admitimos que as futuras existências do princípio pensante podem desenvolver-se nesses diferentes sistemas de mundos, de maneira que a nossa vida se perpetua pela imensidade sem limites.

Como pode a alma executar esse processo evolutivo, conservando a sua individualidade e os conhecimentos que adquiriu? Como atua sobre a matéria tangível, durante a encarnação? E o que tentamos determinar em o nosso estudo sobre a Evolução anímica. Aqui, temos que começar por compreender o papel de cada uma das partes que formam o homem vivo.

O ensino dos Espíritos

Se a questão do homem espiritual se conservou por tão longo tempo em estado hipotético, é que faltavam os meios de investigação direta. Assim como as ciências não puderam desenvolver-se seriamente, senão depois que se inventaram o microscópio, o telescópio, a análise espectral e, ultimamente, a radiografia, também o estudo do Espírito tomou prodigioso impulso com a hipnose e, principalmente, depois que a mediunidade tornou possível o estudo do Espírito desprendido da matéria corpórea. Aqui está o que as nossas relações com os Espíritos nos ensinaram relativamente à constituição da alma.

Das numerosas observações feitas no mundo inteiro resulta que o homem é formado da reunião de três princípios: 1 - a alma ou espírito, causa da vida psíquica; 2 - o corpo, envoltório material, a que a alma se associa temporariamente, durante a sua passagem pela Terra; 3 - o perispírito, substrato fluídico que serve de liame entre a alma e o corpo, por intermédio da energia vital. Do estudo desse órgão decorrem conhecimentos novos, que nos permitem explicar as relações da alma e do corpo; a idéia diretora que preside à formação de todo indivíduo vivo; a conservação do tipo individual e específico, sem embargo das perpétuas mutações da matéria; enfim, o tão complicado mecanismo da máquina vivente.

A morte é a desagregação do invólucro carnal, aquele que a alma abandona ao deixar a Terra; o perispírito a acompanha, conservando-se-lhe sempre ligado. Forma-o a matéria em estado de extrema rarefação. Esse corpo etéreo, que no estado normal nos é invisível, existe, portanto, no curso da vida terrestre por seu intermédio que o eu percebe as sensações físicas e é também por seu intermédio que o espírito pode revelar, no exterior, o seu estado mental.

Tem-se dito que o Espírito é uma chama, uma centelha, etc. Assim, porém, se deve entender com relação ao espírito propriamente dito, como princípio intelectual e moral, ao qual não se poderia atribuir forma determinada. Em qualquer grau que ele se encontre na animalidade, está sempre intimamente associado ao perispírito, cuja eterização corresponde ao seu adiantamento moral, de sorte que, para nós, a idéia de espírito é inseparável de uma forma qualquer, de maneira a não podermos conceber um sem a outra.

O perispírito, pois, faz parte integrante do Espírito, como o corpo faz parte integrante do homem. Mas, o perispírito, por si só, não é o Espírito, como o corpo não é, por si só, o homem, visto que o perispírito não pensa, não age por si só. Ele é para o espírito o que o corpo é para o homem: o agente ou instrumento da sua ação.

Segundo o ensino dos Espíritos, essa forma fluídica é extraída do fluído universal, sendo deste, como tudo o que existe materialmente, uma modificação. Justificaremos, dentro em pouco, essa maneira de ver.

Malgrado à tenuidade extrema do corpo perispirítico, ele se mantém constantemente unido à alma, que se pode considerar um centro de força. Sua constituição lhe permite atravessar todos os corpos com mais facilidade do que a que tem a luz para atravessar o vidro; do que o calor ou os raios-X para atravessar os diferentes obstáculos que se lhes oponham à propagação. A velocidade do deslocamento da alma parece superior à das ondulações luminosas, diferindo destas, porém, essencialmente, em que nada a detém, deslocando-se ela pelo seu próprio esforço. Por ser muito rarefeito o organismo fluídico, a vontade atua sobre o fluído universal e produz o deslocamento. Concebe-se facilmente que, sendo quase nula a resistência do meio, a mais fraca ação física acarretará uma translação no espaço, cuja direção estará submetida à vontade do ser.

O perispírito se nos afigura imponderável, pelo que a ação da gravidade parece inteiramente nula sobre ele; mas, daí não se deverá concluir que, desprendido do corpo, possa o Espírito transportar-se, segundo a sua fantasia, a todas as partes do Universo. Veremos, daqui a pouco, que o espaço é pleno de matérias variadas, em todos os estados de rarefação, de modo que, para o Espírito, existem certos obstáculos fluídicos de tanta realidade, quanta a que para nós pode ter a matéria tangível.

Nos seres muito evolvidos, o perispírito carece, no espaço, de forma absolutamente fixa; não é rígido, nem está condensado, como o corpo físico, num tipo particular. Regra geral, predomina no corpo fluídico as formas humanas, à qual ele naturalmente retorna, quando haja sido deformado pela vontade do Espírito.

Por intermédio do envoltório fluídico é que os Espíritos percebem o mundo exterior; mas, suas sensações são de outra ordem, diversas das que tinham na Terra. A luz deles não é a nossa; as ondulações do éter, quais as ressentimos, como calor ou luz, são por demais grosseiras para os influenciar normalmente. São, do mesmo modo, insensíveis aos sons e aos odores terrestres. Referimo-nos aqui aos Espíritos adiantados. Mas, todas as nossas sensações terrestres têm, para eles, equivalentes mais apurados. Dá-se, a esse respeito, uma como transposição para mais elevado registro da mesma gama. Além disso, eles percebem vibrações em muito maior número do que as que nos chegam diferenciadas pelos sentidos e as sensações determinadas por esses diferentes movimentos vibratórios criam uma série de percepções de ordem diversa das de que temos consciência.

Os Espíritos inferiores, que formam a maioria no espaço que circunda a Terra, podem ser acessíveis às nossas sensações, sobretudo se seus perispírito são grosseiros de todo, porém, isso se dá de maneira atenuada. A sensação neles não é localizada: experimentam-na em todas as partes do corpo espiritual, enquanto que, nos homens, é experimentada no ponto do corpo onde teve origem.

Estes os dados gerais que se encontram na obra de Allan Kardec, a mais completa e a mais racional que possuímos sobre o Espiritismo. A bem dizer, é mesmo a única que trata, em todas as suas partes, da filosofia espírita e fica-se espantado de ver com que sabedoria e prudência esse iniciador traçou as grandes linhas da evolução espiritual.

A dedução rigorosa é o caráter distintivo desta doutrina. Em vez de forjar seres imaginários para explicar os fatos mediúnicos, o Espiritismo deixou que o fenômeno se revelasse por si mesmo. Em todas as partes do mundo, há 70 anos, são as almas dos mortos que, vindo confabular conosco, afirmam ter vivido na Terra e dão dessas afirmativas provas que os evocadores verificam mais tarde e reconhecem exatas. Numa palavra, achamo-nos em presença de um fato real, visível, palpável, que coisa alguma poderia infirmar. Não há negações que prevaleçam contra a luminosa evidência da experiência moderna. Não há demônios, nem vampiros, nem lêmures, nem elementais ou outros seres fantásticos, imaginados para aterrorizar o vulgo, ou desviar, em proveito de obscuros engrimanços, a atenção dos pesquisadores a alma dos mortos que se revela pela mesa, pela escrita direta e pelas materializações.

O que é preciso se estude

Pela observação e pela experiência, fomos levados a comprovar que o invólucro da alma é material, pois que pode ser visto, tocado, fotografado. Mas, é evidente que essa matéria difere, pelo menos quanto ao seu estado físico, da matéria com que estamos diariamente em contacto.

O perispírito existente no corpo humano não nos é visível; não tem peso apreciável e, quando saí do corpo para se mostrar longe deste, verifica-se que nada lhe pode opor obstáculo. Destas observações, temos de concluir que é formado de uma substância invisível, imponderável e de tal sutileza, que coisa alguma lhe é impenetrável. Ora, estes são caracteres que parecem em absoluta contradição com os que a Física nos revela como sendo os da matéria.

Temos, pois, que procurar saber o que se deve entender pelo termo matéria e, para isso, urge conhecer o que são o átomo, o movimento e a energia. Adquiridas estas noções, poderemos inquirir como é que uma matéria fluídica tem a possibilidade de conservar forma determinada e, sobretudo, como é que a morte não acarreta a dissolução desse corpo espiritual, uma vez que ocasiona a do corpo físico.

Tornar-se-á então necessário nos familiarizemos com a idéia da unidade da substância, porquanto, admitida essa idéia, claro fica que, se o perispírito é formado da matéria primordial, não poderá decompor-se em elementos mais simples e, como a alma já se acha revestida dele antes de nascer, isto é, anteriormente à sua entrada no organismo humano, Irá com ele, ao deixar o seu corpo terreno.

Se for verdadeiramente possível demonstrar que as concepções científicas atuais nos permitem conceber semelhante matéria, poder-se-á empreender, racionalmente, o estudo do perispírito, estudo que então sairá do domínio do empirismo para entrar no das ciências positivas.

Vejamos, pois, desde já, como é constituída a matéria.

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