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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A Evolução Anímica-Parte3-Gabriel Delanne

 

ÍNDICEPARTE 1PARTE 2- PARTE3

propriedades, permite-nos marchar firmes no dédalo complicado das experiências, tantas vezes contraditórias na aparência. O estado oriundo das manobras retrodescritas é, portanto, uma exaltação da sensibilidade. É uma espécie de desprendimento da alma. O perispírito fica menos tolhido pelo corpo, os liames habituais momentanea­mente se afrouxam.

Esta ação pode ser levada até ao desdobramento, adqui­rindo os sentidos uma acuidade extrema, visto que a sensação não mais se exerce pelos órgãos dos sentidos. Eis por que um surdo ouvirá perfeitamente (90) e outro, cego e insensível, de­monstra um tato refinado e enxerga até no escuro (91), como vimos no caso da senhorita R. L.

A célebre Estela do Dr. Despine (de Aix) era, quando em vigília, impotente e paralítica, e, no entanto, sonambulizada, podia correr e saltar com agilidade (92). Subentende-se que o fenômeno pode apresentar-se em todos os graus, mas, nos indivíduos mais desenvolvidos é que a telestesia se torna mais freqüente. Os tratados dos velhos magnetistas estão repletos de exemplos e lamentável é que os hipnotizadores hodiernos os deixem em silêncio.

É fato que os modernos investigadores ocupam-se mais com o estudo do mecanismo do Espírito do que com o conheci­mento da sua verdadeira natureza.

Em sua maioria, profundamente materialistas, eles afastam sistematicamente tudo o que lhes possa perturbar as idéias pre­concebidas. Muitas vezes, acontece que os hipnotizados descre­vem os Espíritos e fácil se tornaria aos investigadores levá-los a esclarecer o que houvera de real em tais descrições. Mas, para isso, necessário fora sair do campo da banalidade, além de uma grande coragem para proclamar resultados tão insólitos e im­previstos, qual o fez o Dr. Gibier, que teve a audácia de publicar as suas experiências espiritistas.

Isto, convenha, não é para todos, e também é verdade que a coragem custou-lhe caro, porque foi obrigado a exilar-se nos Estados Unidos.

Nada obstante, a verdade acabará por sair da toca. Assim como o magnetismo acabou, mascarado, forçando a porta das Academias, assim também o Espiritismo acabará recebendo, com um pseudônimo arrevesado, a consagração oficial. E nós vere­mos, então, a turba dos imitadores atirar-se aos fenômenos, a qualificarem-nos como novidades; veremos inúmeros pseudo­-sábios se vangloriarem de redescobrir o que já sabemos há mais de 50 anos.

Voltando ao nosso assunto, diremos: a modificação dos cen­tros nervosos determina uma alteração correspondente no esta­do perispiritual. O Espírito, menos peado pela matéria, desen­volve as suas faculdades, os sofrimentos físicos restringem o seu domínio sobre ele, o caráter modifica-se e proporciona manifestações intelectuais elevadas e fulgurantes, como as não possui no estado normal. É o que temos anotado nos casos de sonambulismo espontâneo, com Félida e R. L., e é o que se verifica geralmente no sonambulismo provocado.

Se bem que a nossa opinião a respeito provenha dos nossos conhecimentos espíritas, ela tem sido compartilhada por um certo número de experimentadores.

Se o paciente apresenta-se, no estado normal, deprimido, peco, o estado hipnótico proporciona-lhe as faculdades intelec­tuais que teria na vida comum, se a enfermidade não entor­pecesse o seu funcionamento. É o que Janet verificou nos seus pacientes Lúcia, Rosa ou Leonina, que se mostravam mais inte­ligentes no sono do que quando acordados. O Sr. Baragnon (93) pensa, que "este último fenômeno - o esquecimento ao desper­tar - faz crer seja o sonambúlico o estado perfeito".

Myers, nos seus interessantíssimos estudos sobre a escrita automática, pergunta a si mesmo se o estado sonambúlico, ao invés de "estado regressivo", não poderá ser algumas vezes um "estado evolutivo". (94)

Nós não temos a menor dúvida a respeito. Quanto menos preso ao corpo estiver o Espírito, mais as suas faculdades inde­penderão das condições materiais para se manifestarem, e de feição superior às que revela no estado comum.

A duração longa dos estados sonambúlicos espontâneos não deve causar-nos admiração, de vez que temos podido reprodu­zir, experimentalmente, sonos artificiais muito prolongados.

O célebre abade Faria, que descobriu o hipnotismo antes de Braid, atesta (95) que alguns dos seus pacientes ficavam adormecidos durante anos e olvidavam, ao despertar, tudo quanto ocorrera no período da hipnose.

Um magnetizador chamado Chardel adormeceu duas moças no inverno e só as despertou meses depois, em plena primavera. As moças, ao despertar, ficaram surpresas com o viço e a flo­ração das árvores, que se lembravam ter visto cobertas de neve, antes de serem adormecidas. (96)

“Muitas vezes, conta-nos outro autor, eu deixava as minhas sonâmbulas adormecidas vários dias, de olhos abertos, no intuito de levá-las a passeio, sem despertar a curiosidade pública”.

Cheguei a prolongar por 14 ou 15 dias o transe de uma mocinha, minha empregada, e vi que, nesse estado, ela continuava desem­penhando seus misteres, como se estivera no estado normal. E, quando despertava, ficava como que desambientada, não mais se lembrando, absolutamente, do que ocorrera. (97)

Isto nos reconduz ao esquecimento que caracteriza as alter­nativas de sono e vigília normais. Estudemos o que se passa no sonambulismo artificial.

Duas proposições resumem as principais modificações da memória, que acompanham o sonambulismo provocado:

1 - O paciente no estado de vigília não se recorda abso­lutamente de quanto se passou no estado sonambúlico;

2 - Pelo contrário, uma vez sonambulizado, ele se recor­da, não só dos seus estados sonambúlicos transatos, como dos pertinentes ao seu estado de vigília.

A exatidão da primeira proposição pôde ser verificada fa­cilmente por todos os experimentadores e assistentes.

As mais das vezes, quando se sonambuliza uma pessoa, dei­xamo-la nesse estado uma hora, mais ou menos, e empregamos esse tempo em promover uma série de experiências; ao voltar ao estado normal, o paciente de nada se lembra. Assim, terá de fitar o ponteiro se quiser ver as horas que esteve adorme­cido; se lhe apresentamos alguém no estado secundário, não o reconhecerá, não se lembrará, mesmo vagamente, de j á o ter visto; mostre-se-lhe uma carta que acabou de escrever sonam­bulizado e ver-se-á que, reconhecendo a própria letra, não se lembra de tê-la escrito, nem pode dizer uma palavra sobre o seu conteúdo. (98)

O esquecimento, porém, não constitui regra absoluta. Pode dar-se que, sendo breve o transe, o paciente desperto recorde-se de uns tantos episódios sonambúlicos. Se lhe citarmos, por exemplo, ao despertar, os primeiros versos de uma poesia antes lida, ele poderá lembrar-se dos restantes, ou ainda, como fez Delboeuf, poderemos despertá-los enquanto realizam um ato sugerido, e neste caso eles poderão recordar-se da ordem rece­bida. Isto, porém, não passa de raras exceções. O esquecimento é a regra geral.

Os diferentes graus do sonambulismo

Acreditou-se por muito tempo que só havia uma espécie de sonambulismo, isto é, que era um fenômeno simples e sem­pre idêntico. A escola da Salpêtrière demonstrou, porém, que era preciso distinguir, no estado hipnótico, três fases, a sa­ber: - a letárgica, a cataléptica e a sonambúlica. Cada qual desses estados assinala-se por caracteres físicos a eles ligados, e por uma mnemônica peculiar. Já Bertrand (99) assinalava, em 1823, uma moça que evidenciava três sonam­bulismo e três memórias particulares, respectivamente, algo encadeadas, mas, de tal sorte que a última conhecia as outras, sem que fosse conhecida pelas que a precediam.

"Ainda que a paciente - diz ele - exercesse livremente a sua inteligência nos três estados, quando no estado normal nada recordava do que dissera ou fizera nos três estados; mas, o que surpreende é que, no sono magnético, dominando, por assim dizer, todas as modalidades das vidas que vivia, ela re­cordava-se de tudo o que ocorria, fosse no estado sonambúlico, fosse nas crises nervosas, ou fosse em vigília.

No sonambulismo, perdia a memória do sono magnético e a sua memória apenas se estendia aos estados inferiores.

Nas crises nervosas, tinha, de menos, a lembrança do so­nambulismo, e; finalmente, no estado de vigília, como se esti­vesse no grau mais baixo, perdia a lembrança de tudo o que ocorrera."

O Dr. Herbert Mayo cita um caso de memória quíntupla: "o estado normal do paciente era interrompido por quatro mo­dalidades de estados mórbidos, dos quais ele não retinha qual­quer lembrança ao despertar. Entretanto, cada qual dos estados conservava uma forma de memória que lhe era própria". (100)

Sr. Rochas (101), no seu livro sobre as forças não definidas e sobre os estados profundos da hipnose, distingue oito estados diferentes, ou antes, quatro estados: de creduli­dade, de catalepsia, de sonambulismo e de relação, todos eles separados por uma fase letárgica, que se acompanha de pro­fundo suspiro. A cada estado prende-se uma lembrança peculiar.

Pierre Janet (102) ilustra bem o fenômeno, referindo-se a um de seus pacientes. Assim, numera ele, para maior clareza, cada um dos estados, na ordem em que se produziram.

“Comecei, diz, por adormecer Lúcia, simplesmente, pelo processo comum, e verifiquei, a propósito deste segundo estado, os fenômenos mnemônicos peculiares a todos os sonâmbulos. Um dia, a propósito de uma sugestão que tinha em vista e não surtia efeito, ensaiei adormecê-la por mais tempo, esperando com isso aumentar o grau de sugestibilidade. Recomecei, por­tanto, os passes sobre Lúcia 2, como se ela já não estivesse sonambulizada. Os olhos, até então abertos, fecharam-se, ela pendeu a fronte e pareceu dormir mais profundamente”.

"Houve, em primeiro lugar, uma contratura geral, que não tardou a dissipar-se, os músculos tornaram-se-lhe flácidos, como na letargia, mas sem a aptidão das contraturas provoca­das. Nenhum sinal, nenhuma palavra podia produzir o mais leve movimento. Este o estado de síncope hipnótica, j á por mim assinalado. Tive ocasião de observá-lo mais tarde, muitas vezes, parecendo-me que, em alguns pacientes, constituía uma transição inevitável entre os diversos estados psicológicos. De­pois de meia hora nesse sono, a paciente endireitou-se por si mesma e os olhos, antes cerrados, abriram-se a meu pedido, entrando ela a falar espontaneamente.

“A personagem que agora me falava, Lúcia 3 da nossa convenção, apresentava, sob todos os aspectos, toda uma cole­tânea de fenômenos curiosos. De momento, não posso assinalar mais que um - o estado da memória. Lúcia 3 lembrava-se perfeitamente da sua existência normal, assim como dos esta­dos sonambúlicos antecedentemente provocados, e de tudo quanto Lúcia 2 houvera dito. Além disso, podia referir-se, com minúcias, às suas crises histéricas, aos terrores que lhe causavam as figuras masculinas ocultas nos reposteiros, aos seus sonos naturais, em que se via a cuidar da cozinha e dos arranjos domésticos, aos seus pesadelos e episódios outros, en­fim, que as Lúcias 1 e 2 jamais haviam recordado”.

"Longo e trabalhoso impôs-se-me, então, o seu despertar. Após uma passagem através da síncope já descrita, encontrou­-se ela em estado de sonambulismo comum; mas, Lúcia 2 já me não pôde dizer o que acabava de passar-se com Lúcia 3. Afirmava ter adormecido sem nada dizer, e quando, mais tarde, e com menor dificuldade, a reconduzi ao mesmo estado, Lúcia 3 recobrou facilmente as lembranças na aparência desa­parecidas."

Com a nossa hipótese das modificações que a vontade do operador produz sucessivamente sobre a força psíquica e, indi­retamente, sobre o perispírito, é fácil compreender a formação de várias zonas, ou camadas perispirituais, cada qual caracte­rizada por um movimento vibratório especial, de mais a mais rápido, à medida que a ação se prolongue.

A alma registra em cada uma dessas camadas fluídicas as sensações percebidas nesse estado, e como o último é sempre superior ao antecedente, em movimento vibratório, poderá co­nhecer a todos eles, visto ser o seu mínimo de duração e inten­sidade o mais reduzido de quantos lhe eram necessários. Depois, cessada a ação magnética, a vibração nervosa e perispiritual diminui, uma zona mergulha no inconsciente e sucessivamente outra e outra, até que se reintegre no estado normal.

Compreende-se facilmente que, sempre que uma causa qualquer acarrete um estado vibratório já produzido, todas as lembranças desse estado reaparecerão, assim como as das zonas menos vibrantes, obnubilando a memória dos estados superiores.

Esquecimento de existências anteriores

Podemos agora compreender a impossibilidade de recordar as existências pregressas, visto que o perispírito, conjugado à força vital, tomou, ao encarnar, um movimento vibratório assaz fraco para que o mínimo de intensidade necessário à renova­ção de suas lembranças, ou seja a sua passagem ao estado cons­ciente, possa ser atingido.

Para que isso aconteça, é preciso que o ser encarnado se separe completamente do corpo físico, que tanto vale dizer - que morra. Neste caso, retoma ele a sua vida própria, o pe­rispírito irradia com a sua tonalidade vibratória natural e a memória abrange, então, o panorama imenso das pregressas existências.

Nisso compreendemos, ademais, que o poder de evocação depende da elevação do Espírito. Assim como na vida sonam­búlica acabamos de ver diversas fases de memória e lembrança mais ou menos amplos, segundo o grau de liberdade do Espírito, assim também, depois da morte tem ele todas as possíveis va­riações na força renovadora, conforme a potência vibratória do perispírito, que é sempre proporcional ao progresso moral e intelectual do ser.

Aqui na Terra é possível desdobrar a memória total do sonâmbulo, atuando sobre ele pela vontade. No espaço, os Espíritos superiores têm a mesma prerrogativa e podem, tem­porariamente, para melhora de um Espírito atrasado, despertar nele a lembrança de suas vidas anteriores, atuando sobre o seu invólucro perispirítico, para que reconsidere o que lhe falta, e julgue, pelo passado, o que lhe cumpre de futuro fazer para melhorar-se.

Não é por simples indução que admitimos a conservação indefinida, no perispírito, de todas as sensações, julgados e atos voluntários de nossa vida, de vez que é a experiência que no-lo prova. Existem depoimentos diversos, de criaturas afo­gadas (103) e salvas in extremis, perfeitamente concordes neste ponto: "que no princípio da asfixia tinham a noção de toda a existência transcorrida, com todos os seus mais insignifi­cantes incidentes". Um dos depoentes presume que os quadros de sua existência anterior ter-se-iam desdobrado em sucessão regressiva e não como simples esboço, mas com pormenores muito nítidos, formando um como panorama completo dessa existência, mesmo porque todo ato acompanhava-se de um sentimento -de bem ou de mal-estar.

Em circunstâncias análogas, um homem de inteligência notavelmente lúcida transpunha a via férrea no momento em que um comboio chegava a toda velocidade. Não teve ele mais que o tempo de cair a fio comprido na entrelinha. Pois enquan­to por sobre ele deslizava o comboio, a noção do perigo proporcionou-lhe à memória todos os incidentes da vida, como se o livro da consciência lhe estivesse aberto diante dos olhos.

Ainda que dando de barato qualquer exagero, diz Ribot, estes fatos nos revelam uma superatividade da memória, de que não podemos fazer nenhuma idéia, no estado normal.

Não há nisso, porém, nenhum exagero, e todas as comunica­ções concernentes à passagem para a vida espiritual estabele­cem que, no momento da morte, dá-se uma revivescência de todos os acontecimentos da existência terrena. (104)

Nenhum fato se perdeu; as boas e as más ações apresen­tam-se à consciência; há como que um balanço instantâneo, do qual resultará a nossa futura situação. Podemos, aqui em baixo, esquecer, mais ou menos, as horas aziagas em que cede­mos às nossas paixões; a atividade dos negócios, prazeres e gozos, podem obliterar-se aleatoriamente, mas, chegará a hora em que tudo isso haverá de ressurgir, aclarado por uma justiça inexorável. É o momento da morte. Nem uma só das testemu­nhas falta à chamada, a se levantarem do passado, como acusadores inevitáveis, e nós, unicamente nós, somos o juiz dessa hora solene, para pronunciar o veredito que determina nossa vida futura.

O que acabamos de dizer não é simplesmente paralogismo. Aqui mesmo, neste mundo, já é possível adquirir a prova de que nada se perde. Assim, o hipnotismo faculta-nos a certeza de que todos os atos da nossa vida mental deixam em nós este­reotipada uma impressão indelével. Assim como na casca de uma carvalheira cada ano transcorrido deixa um traço ina­pagável, assim no perispírito os nossos anos de vida terrestre formam umas zonas indestrutíveis, que retraça fielmente os mais fugazes movimentos do pensamento.

Nossos sentimentos, idéias, e julgamentos modificam-se profundamente no decurso de uma existência. Não obstante, conservamos a mesma individualidade, os atos que praticamos aos 20 anos são outros que não os da madureza dos 40. A contradição é, muitas vezes, tão radical que chegamos a presumir dois seres distintos, a se sucederem no mesmo indivíduo. Mas, se colocarmos o paciente nas condições da respectiva época; se revocarmos à sua consciência as horas desaparecidas, veremos que lhe renascem os acontecimentos passados, susci­tados por associações de idéias formadas nessa época, e que vivem eternamente conosco, ainda quando pareçam desapare­cidas para sempre nas brumas de insondável esquecimento. Deixemos falar os fatos, cuja eloqüência é sempre significa­tiva. (105)

Se conseguirmos, por sugestão, colocar o paciente num pe­ríodo anterior da sua existência, revivendo nele, por momentos, uma época do seu passado, veremos que a lembrança do eu atual se lhe desvanece, assim como todos os conhecimentos adquiridos posteriormente à data fixada pela sugestão. Veri­fica-se uma separação entre o estado atual e o estado sugerido. É toda uma coleção de fenômenos atuais que desaparece, para ensejar uma síntese do passado.

Esta sugestão é a mais instrutiva, pois, em vez de uma per­sonalidade fantástica, criada pela imaginação, o que se revela é um personagem verdadeiro. Não é, repetimos, um ser fictício, que jamais poderia manifestar-se novamente. Para levar o paciente a uma fase anterior de sua existência, os Srs. Bourru e Burot socorreram-se de dois processos: - um, simplíssimo, consiste em sugestionar o paciente, persuadindo-o de que vive em tal idade, ou de que nos encontramos no ano tal; o segundo, mais complexo, mas, sem dúvida, mais interessante, é a invo­cação direta dum estado psicológico antigo, em data determi­nada. Uma vez emergente, esse estado suscita, por associação de idéias, toda uma série de fenômenos coetâneos. Assim, se o paciente fora paralítico do braço direito aos 15 anos, dando­-se-lhe a sugestão da paralisia desse braço, há muitas proba­bilidades do reaparecimento de todas as lembranças correlatas a essa paralisia, e o paciente terá a ilusão de ter mesmo 15 anos. Podemos comparar esse fenômeno a uma corrente de idéias: se lhe puxarmos um elo, a atração transmitir-se-á aos outros elos e arrastará toda a corrente.

Eis um exemplo:

Joana R..., 24 anos, é uma moça muito nervosa e pro­fundamente anêmica. Sujeita a crises de choro e soluços, não sofre convulsões, mas é passível de freqüentes desfalecimentos.

Facilmente hipnotizável, mergulha num sono profundo e de nada se lembra ao despertar. Ordenam-lhe que desperte na idade de 6 anos. Ela se vê no lar paterno: a hora é de serão, as castanhas estão no braseiro. Tem vontade de dormir, pede que a deixem deitar-se; chama pelo irmão André, para que a ajude a concluir a tarefa, mas André diverte-se a fazer casinhas com as castanhas, em vez de trabalhar. "Preguiçoso, contenta­-se em descascar dez, e eu que descasque o resto..." (106)

De notar que, nesse estado, fala no calão da sua terra, não sabe ler, e apenas conhece o alfabeto. Sua irmãzinha Luísa não quer dormir. "É preciso sempre niná-la... a esta irmãzinha de 9 meses..."

Suas atitudes, vê-se, são infantis. Depois de lhe imporem a mão sobre a cabeça, dizem-lhe que, dentro de dois minutos, ela estará com 10 anos. Ei-la já com outra fisionomia, com outras atitudes. Agora, encontra-se em Fraiss, no castelo dos Moustiers, perto da sua residência. Vê e admira os quadros, pergunta onde estão as irmãs que a acompanharam, vai ver se elas vêm lá na estrada e fala como quem está aprendendo a exprimir-se. Diz que está matriculada a dois anos no colégio das freiras, mas que deixou muito tempo de freqüentá-lo, porque sua mãe estava quase sempre doente e era obrigada a tomar conta dos irmãos. Começara a escrever ao fim de seis meses, recordou um ditado que lhe deram na quarta-feira e escreveu, correntemente e de cor, uma página inteira. Justamente o dita­do que escrevera aos 10 anos. Disse não estar muito adiantada. "Marie Coutureau terá menos faltas do que eu; estou sempre atrás de Marie Puybaudet e de Marie Coutureau, mas Louise Roland está depois de mim. Penso que Joanne Beaulieu é a que mais gazeteia."

Disseram-lhe, ainda, que se visse com 15 anos e ela diz que está em Mortemart, em casa da senhorita Brunerie: "amanhã vamos a uma festa, ao casamento de Baptiste Colombeau, o marechal. Léon será o meu par. Oh! vamos divertir-nos muito. Mas... oh! ... Não irei ao baile! ... A senhorita Brunerie não quer que eu vá... Entretanto, lá estarei por um quarto de hora, sem que ela o saiba". A sua conversa, agora, é mais desembara­çada do que há pouco. Escreve Le Petit Savoyard. A diferença de letra é enorme... Ao despertar, ficou muito admirada de haver escrito Le Petit Savoyard, do qual já não se recorda. Quando lhe mostraram o ditado dos 10 anos, limitou-se a negar que o tivesse escrito.

Vemos, nesta experiência, muitas vezes repetida por vários pesquisadores, que os fatos mais comezinhos, as reflexões mais fúteis, não se perderam. O perispírito tudo registrou, e para sempre. São recordações que dormitam dentro de nós. Estas investigações permitem compreender nitidamente que o esque­cimento das passadas vidas é apenas passageiro, temporário, limitado a uma etapa terrena e que, uma vez restituída à sua verdadeira pátria, liberta das peias carnais, a alma recupera a plenitude do seu eu. Nada se destrói; as aquisições feitas subsistem, eternamente guardadas. Nenhum esforço ficará perdido, e volveremos a encontrar, intacto e incessantemente acres­cido, o mealheiro dos nossos conhecimentos. É que o progresso espiritual segue uma rota ascendente e nada o poderia entravar. Eis por que nenhum retrocesso, nenhuma decadência se possi­bilitam. Quando houvermos, à custa de muitas lutas, fixado em nós um novo conhecimento e o tenhamos bem compreendido, ele poderá apagar-se momentaneamente, mas sempre havere­mos de reencontrá-lo no dia da libertação, e tão vivo e tão fresco como quando o adquiríramos. Há muito que os desen­carnados nos revelaram estas leis, e só hoje podemos delas fa­cultar a prova material. Pois bem: a prova aí está feita, agora, mais uma vez, para que se reconheça que os ensinos espíritas estão de acordo com a ciência.

Resumo

Vimos que, para compreender os fenômenos da vida intelectual no seu conjunto, a psicologia necessita examinar as condições coincidentes com a produção do pensamento.

Durante a reencarnação, o Espírito está, pelo perispírito, tão intimamente ligado ao corpo, que toda e qualquer modifi­cação mórbida, na célula nervosa do cérebro, equivale a uma alteração das faculdades espirituais.

No estado normal, as sensações, que não passam de formas de movimento, alteram a natureza do movimento vibratório da força psíquica, e se essa modificação for muito acentuada, isto é, se os mínimos de intensidade e duração forem ultrapassados, a sensação registra-se no perispírito de maneira consciente, haverá percepção, o que vale dizer que o Espírito toma conhe­cimento do que se passa. Se, pelo contrário, faltarem uma ou ambas as condições, a sensação registrar-se-á, mas inconscien­temente.,

É assim que em nós se gravam os estados da consciência: é a memória de fixação. Temos, porém, verificado que todas as sensações, como todas as recordações, não podem existir simul­taneamente, e isso em conseqüência do enfraquecimento do seu próprio ritmo, que as faz descer, pouco a pouco, até abaixo do mínimo de perceptibilidade e entrar, assim, no inconsciente.

Todos os atos da vida vegetativa e orgânica hão sido con­servados no perispírito, por essa maneira, durante a evolução da alma através da série de formas inferiores.

Assim, nós, em cada encarnação, adquirimos hábitos que acabam tornando-se semi-intelectuais, semi-orgânicos, como sejam, andar, falar, escrever, esgrimir, nadar, etc. Todos estes movimentos foram originariamente conscientes, desejados. De­pois, a repetição constante criou um hábito, formaram-se associações dinâmicas estáveis no perispírito com os movimentos fundamentais, estes se tornaram mais rápidos à força de repe­tição e, exigindo cada vez menos tempo e menos esforços, aca­baram tornando-se inconscientes.

O estudo do Espírito tem de ser feito, portanto, abrangendo os seus dois aspectos: um, ativo, que é o da alma propriamente dita, ou seja, o que em nós sente, pensa, quer, e, sem o qual nada existiria; outro, passivo - o do perispírito, inconsciente, almoxarifado espiritual, guardião inalterável de todos os conhecimentos intelectuais, tanto quanto conservador das leis orgânicas que regem o corpo físico.

A memória evocativa, que nos faculta recordar os conhe­cimentos anteriores, realiza-se por meio dos pontos de refe­rência, cuja localização no passado nos seja bem conhecida.

Os acontecimentos agrupados em torno desses pontos, por associação de idéias, permitem, por conseguinte, transportar­mo-nos a épocas desaparecidas e conhecer o seu afastamento em relação a nós.

Essa revivescência efetua-se pela vontade auxiliada pela atenção, que tem por objeto aumentar o movimento perispiri­tual e imprimir a essas imagens um mínimo de movimento vi­bratório, suficiente para que elas se tornem conscientes.

Estudando as perturbações da memória no sonambulismo espontâneo, fomos levados a perguntar se, quando a vida mental se secciona em dois períodos e o paciente em cada es­tado ignora o outro estado, haveria realmente dois seres distin­tos, duas individualidades diferentes. Posto que a memória seja, comumente, o fundamento da personalidade, notamos ser pre­ciso levar em conta um outro fator, qual a noção da existência. Para poder afirmar-se, no caso da memória alternativa, que existe realmente uma segunda personalidade substituindo a personalidade normal, seria preciso que a segunda diferisse radicalmente da primeira, e tivesse faculdades não possuídas pelo paciente no seu estado normal.

Entretanto, qual vimos nos casos de Félida e R. L., tais variações, por maiores ou menores, não bastam para admitir­-se o surgimento de uma personagem parasitária.

Pensamos que só através de uma psicologia deficiente se possa ver duas individualidades diferentes, nos estados de me­mória alternante.

Comparemos, por exemplo, o mesmo indivíduo aos 20 e aos 50 anos. Veremos que a evolução do eu foi radical, a vida se lhe modificou profundamente, outro é o seu critério, o conceito que faz do mundo, dos homens, das coisas.

A evolução operou-se em nossos conhecimentos, acrescidos e retificados em muitos pontos; as opiniões políticas, religiosas, literárias, sociais, transformaram-se; o caráter variou de um modo considerável. Poderemos inferir, daí, que tenha surgido uma outra individualidade? Jamais, visto que a memória aí está para entrosar todos os sucessivos estados consciências, e mostrar-nos a trama que atravessamos.

Mas, suprimidas de chofre todas as lembranças dos estados intermédios, a individualidade desprovida de recursos de con­trole poderia acreditar-se outra. Nem poderia compreender como pensava tão mal aos 20 anos, e acabaria por abrir um vácuo enorme entre o seu eu atual e o daquela época.

Pois é o que sucede com os sonâmbulos, que, desprendidos, se amesquinham a si mesmos. É a senhorita R. L. referindo-se a moça estúpida.

Alguns pacientes dizem - a outra, quando a si aludem no estado normal e que eles estabelecem grandes diferenças nos estados de transe e de incorporação, conquanto sejam espi­ritualmente idênticos. Não são mudanças e sim aspectos diver­sos da personalidade.

Também sabemos que, no estado secundário, a memória é completa, o indivíduo sente-se mais inteligente, mas não deixa de reconhecer que é sempre ele. É fácil compreender o meca­nismo perispiritual que lhe assegura esse domínio.

Quando as relações de corpo e alma se alteram, produz-se um novo movimento vibratório, mais rápido; as novas sensa­ções registram-se com os mínimos de intensidade e duração, superiores aos do estado normal, a alma tem consciência das duas vidas, dos dois estados, sua memória é integral. Reaparecendo o estado primário, as sensações do secundário voltam ao inconsciente, visto já não ter a relação normal um período vibratório capaz de as fazer renascer.

Igualmente, temos visto que o sonambulismo provocado apresenta os mesmos caracteres. Podemos provocar, artificial­mente, casos análogos aos de Félida, provando, assim, que a denominação de sonambulismo espontâneo é bem justificada para esses casos de alternativas da memória.

Mas, aqui, complica-se o fenômeno porque, ao invés de existirem simplesmente o estado natural e o sonambúlico, ocor­rem diferentes sonos, mais ou menos profundos, e cada qual assinalado por uma memória particular, abrangendo a última todas as outras, sem delas ser conhecida. Em regra, cada memória tem conhecimento das que lhe antecedem, mas ignora as que lhe sucedem.

Ampliando, então, a nossa primeira hipótese, concluímos que há no perispírito zonas vibratórias de movimentos variados, a cada uma das quais corresponde um mínimo de intensidade, que aumenta à proporção que o sono se profunda, ou seja, à medida que a alma se desprende do corpo, para concluir que o movimento seria máximo, quando completa a separação, isto é, na morte.

E como o desenvolvimento da memória segue em marcha paralela, inferimos desse fato uma confirmação do ensino dos Espíritos, no tocante à revivescência da memória no transe da morte.

Estes fenômenos abonam a nossa opinião, visto que as pes­soas milagrosamente salvas da morte viram desdobrar-se, no momento agônico, o panorama global de sua existência.

Provando as experiências hipnóticas, por outro lado, que nem uma só lembrança se perde, é fácil compreender que, no espaço, possa o Espírito recapitular todo o seu passado.

Assim se explicam, então, essas comunicações de longo fôlego, reportando-se a uma existência terrena de muitos séculos. Não de outra forma Luis XI teria ditado sua vida à Srta. Hermance Dufaux, criança de 14 anos apenas, e médium mecânico. Os pormenores circunstanciados, que dão a esta obra um cunho tão pessoal, teriam, só por si, exigido um labor extre­mo de qualquer historiador erudito, e, supondo-se mesmo não fosse Luís XI o inspirador, é força reconhecer que o feito pro­vém de um Espírito dele contemporâneo e grandemente do­cumentado. É um exemplo, entre muitos, do grande valor das mensagens de além-túmulo.

Os negadores do Espiritismo sentem fugir-lhes o terreno de sob os pés, e não tarda o momento em que estas verdades, tão longamente desprezadas, ganharão foros científicos.

As experiências diárias, em campos aparentemente estra­nhos ao Espiritismo, trazem-lhe, não obstante, um forte con­tingente de peremptórios argumentos.

Pelos fatos que acompanham a encarnação terrestre, vamos certificar-nos de que tudo se esclarece, desde que admitamos a verdadeira natureza da alma, ao passo que tudo se baralha e confunde em obscuridades, quando pretendemos atribuir so­mente à matéria as faculdades do Espírito.

CAPÍTULO V

O PAPEL DA ALMA DO PONTO DE VISTA DA ENCARNAÇÃO, DA HEREDITARIEDADE E DA LOUCURA

SUMÁRIO: A força vital. - O nascimento. - A hereditariedade. - Pangénese. - A hereditariedade fisiológica. - A hereditariedade psicológica. - A obsessão e a loucura. - Resumo.

A força vital

No capitulo I procuramos evidenciar a existência real da força vital, independente das forças físico-químicas que regem o organismo. Nossa concepção difere dos velhos animistas e vitalistas, por não conceituarmos o princípio vital uma entidade distinta das forças naturais, e sim, apenas, uma forma de energia que até agora não se conseguiu isolar, o que o futuro, contudo, logrará fazer.

A Natureza opera sempre em continuidade nas manifesta­ções sucessivas que perfazem o conjunto dos fenômenos ter­restres.

Já no reino mineral se torna possível encontrar o traço de uma futura vida orgânica. O cristal é quase um ser vivente, visto que difere completamente da matéria amorfa, tendo as moléculas orientadas por uma ordem geométrica, fixa e, por tanto, uma tal ou qual individualidade. Nele existem os primei­ros lineamentos da reprodução, visto como a mínima de suas parcelas, mergulhada num soluto idêntico, permitirá o desen­volvimento regular e indefinido dessa partícula, constituindo um cristal semelhante ao primeiro. Não há, finalmente, uma só parte do seu bloco, cuja avaria não se possa reparar.

A seguinte experiência não comporta qualquer dú­vida (107)

O Sr. Loir toma de um cristal de alúmen, octaédrico (sulfato de alumínio e potássio), mutila-lhe os seis vértices, mais ou menos profundamente, e lima, depois, as doze arestas. Isto feito, mergulha o octaedro de alúmen de potassa - que é incolor - em solução saturada de alúmen de cromo (sulfato de alumínio e cromo) - que é violeta. Ao fim de alguns dias, verificou que os seis vértices e as doze arestas se reconstituíram perfei­tamente por meio do alúmen de cromo dissolvido. Era um octae­dro perfeito, com vértices e arestas violeta. Terminada a repa­ração das fraturas, deixando-se o octaedro na dissolução violeta, começará, então, a formar-se uma camada em suas faces. Este depósito jamais se forma enquanto as fraturas dos vértices e arestas não estiverem reparadas, o que vale dizer - enquanto a forma geométrica não for absolutamente restabelecida.

Com isto, certo, muito falta para que estejamos fronteando um ser vivo. Trata-se, na verdade, de rudimentar esboço. A ma­téria é ainda muito rígida; precisa maleabilizar-se; e a Natu­reza vai pedir essa maleabilidade aos compostos ternários e quaternários do carbono.

A medida que aumentam esses elementos, a coordenação molecular, o grupamento dos átomos e as proporções de sua agregação vão-se tornando necessariamente mais complexas, e, se os elementos químicos forem dotados de propriedades favo­ráveis - quais uma forte afinidade química, por exemplo - eclodirão matérias proteiformes engendrando fenômenos de na­tureza semelhante a dos fenômenos que caracterizam a vida, ou seja, uma extrema instabilidade do edifício molecular, uma agregação íntima muito frouxa, a faculdade de entrai em di­versos estados sob a ação dos agentes externos, ou, por outra - uma tendência sempre progressiva de adaptação ao meio.

É precisamente o que se dá com os seres animados. A mais ínfima das células contém, não diferenciados, os caracteres todos da vida. Possui, em primeiro lugar, o movimento espontâ­neo, que o cristal jamais teve; depois, a faculdade de assimilar a matéria e desenvolver-se, não já por justaposição, como no cristal, mas, por integração e transformação do alimento, do qual só absorve o assimilável; em terceiro lugar, a reprodução opera-se de motu proprio, segmentando-se ao atingir um certo volume e seguindo a parte segmentada a viver, por seu turno, e a formar uma segunda célula.

Finalmente, temos as características únicas e distintivas, que é a da evolução celular.

Apoiemo-nos nesta última característica, visto ser a que traça as linhas divisórias, absolutas, entre a matéria organizada e a matéria bruta.

A primeira vista, parece que a morte seja a coisa mais fácil de explicar. Diariamente, vemos morrerem os seres ani­mados, isto é, deixarem de si um cadáver incapaz de prosseguir em suas funções, desde que os abandona esse algo a que cha­mamos vida. Mas, por que se dá isso? Por que os alimentos que desenvolveram e fortaleceram o corpo não continuam a susten­tá-lo? Por que cessou, num dado tempo, o crescimento, ao invés de prosseguir indefinidamente? Problemas são estes, insolúveis para a ciência atual, visto que a noção de usura dos órgãos perdeu o sentido, depois das modernas descobertas.

Outrora, acreditava-se que o corpo humano era formado dos mesmos elementos, desde o nascimento até a morte; e nada fora mais compreensível do que as usuras orgânicas, utilizadas por tanto tempo: hoje, porém, sabemos de fonte segura que essa crença não mais se justifica.

O corpo humano, longe de ser fixo, imutável em sua composição, varia constantemente, renova-se integralmente e essa renovação decresce à proporção que a idade aumenta.

Ora, tendo nós constatado que as variações não poderiam provir do perispírito, por ser este inalterável; nem da matéria, por ser inerte, é lógico que só ao desaparecimento da força vital podemos atribuir a morte.

Vejamos, pois, como se transmite essa força.

O nascimento

Primeiro, vamos ver as condições materiais do nascimento, e depois procuraremos determinar o coeficiente de influência cabível a cada um dos fatores já estudados, separadamente, quais sejam: a matéria física, a força vital e a alma revestida do seu perispírito.

No gérmen que deve constituir mais tarde o indivíduo - gérmen formado pelo ovo fecundado -, reside uma potência inicial, resultante da soma das potências vitais dos genitores no instante da procriação.

Empregando a linguagem da mecânica, poder-se-ia dizer que o gérmen encerra uma energia potencial que se transforma em energia atual para o curso todo da existência. É uma força assaz variável, essa, segundo a natureza dos seus componentes.

Se os genitores se encontram no vigor da idade, possuindo ambos uma vida intensa, o gérmen acumula em si uma grande energia latente; mas, se ao invés, a vida está em declínio, num ou em ambos os genitores -, ultrapassado um certo limite, não mais se transmite e a fecundação não se dará. Entre esses extremos podem existir todas as graduações de potência ger­minal.

A força vital é, portanto, uma energia de capacidade va­riável, conforme a sua intensidade primitiva, e também segundo as circunstâncias em que se desenvolve.

Poder-se-ia, grosseiramente, representá-la pelos diferentes estados de energia condensada em uma mola. A mola, compri­mida, contém a força a restituir, quando se distender. De começo, ela vence as resistências e aumenta de poder, mas chega o momento em que a energia se iguala à resistência, até que esta se torna preponderante. A mola distendeu-se, desa­pareceu-lhe a força. Esta força, originariamente potencial, transformou-se insensivelmente em energia atual, até que seja completamente usada. E tanto que o seja sobrevém à morte.

Convém chamemos, aqui, a atenção do leitor para um ponto muito importante, em se tratando de fenômenos vitais, que é a extrema complexidade resultante da união de vários ele­mentos.

Importa, neste caso, precatarmo-nos da simplicidade de uns tantos conceitos, como este - tal causa, tal efeito, na causa deve haver, no mínimo, quanto haja nos efeitos. Isso é exato, mas, para os casos em que não entrem componentes outros que os de ordem puramente mecânica. A vida, porém, resulta não só de considerações semelhantes, mas, também, de misturas, de combinações chamadas catalíticas, em química, que são de ordem físico-química e que escapam a toda e qual­quer determinação rigorosa.

Conforme uma observação profunda de Stuart Mill (108), todas as vezes que um efeito é o resultado de várias causas (e nada é mais freqüente na natureza), podem apresentar-se dois casos: ora o efeito é produzido por leis mecânicas, ora por leis químicas. No caso das leis mecânicas, cada uma das causas se encontra no efeito complexo, como se elas somente houvessem agido: o efeito das causas concorrentes é, precisamente, a soma das partes separadas de cada uma. Na química, pelo contrário, a combinação de duas substâncias produz uma terceira, cujas propriedades são inteiramente diferentes das duas outras, quer as tomemos separadamente ou em conjunto.

Assim, o conhecimento das propriedades do enxofre (S) e do oxigênio (O) não nos dispensa de estudar as do ácido sul­fúrico (H SO ). É que as propriedades dos corpos dependem dos movimentos atômicos de cada uma das substâncias em jogo, e, quando a combinação é perfeita, o corpo dela resultante toma um movimento atômico inteiramente diverso do peculiar aos seus componentes.

O peso da matéria resultante é igual ao dos corpos que en­tram na composição, mas as propriedades são de ordem dinâ­mica, até agora inacessível a toda e qualquer previsão.

Nos fenômenos vitais a complexidade é muito maior que nos fatos químicos, propriamente ditos, e eis por que existe, muitas vezes, tão grande desproporção entre a causa e o efeito.

Uma partícula de pus no cérebro ou uma lesão apenas visível ao microscópio determinam, por vezes, a loucura, a monomania. O afluxo, ao mesmo órgão, de quantidade mínima de sangue alcoolizado engendra o delírio, e uma simples gotícula de ácido cianídrico produz a morte. Por outro lado, um espermatozoário, penetrando no óvulo, fecunda-o, engendra um novo ser, que possui formidáveis energias latentes (109). Não se pode, pois, ver, neste nosso exemplo da mola reprimida, mais do que um esquema rudimentar, uma analogia, para recordar muito de longe os fenômenos numerosos, complexos e delicados, que ocorrem no momento da concepção.

A matéria protoplásmica do gérmen é de natureza compli­cadíssima, e já vimos que a multiplicidade dos elementos que a compõem, que a sua instabilidade química, a predispõem a variações rápidas, a mudanças bruscas, a múltiplos aspectos inteiramente diferentes uns dos outros.

E preciso é que assim seja, pois essa pequenina massa, da qual vai abrolhar um ser organizado, é obrigada a transfor­mar-se radicalmente, a evolver com celeridade prodigiosa, a revestir formas mutáveis, que fluem umas das outras, até que chegue ao tipo definitivo do ser vivente.

Vamos, agora, determinar o papel de cada um dos elemen­tos constituintes. Segundo a hipótese das Gêmulas de Darwin, que mais de espaço exporemos com o nome de pangénese, é a matéria do gérmen que encerra as modificações particulares do corpo, transmitidas hereditariamente de pais a filhos.

Estamos, aqui, no terreno das hipóteses, visto que nenhum instrumento, por mais eficiente que o seja, permite lobrigar qualquer organização na matéria do óvulo. O ser vivo - diz o Ilustre Baer (110) - provém de uma célula primitivamente idêntica - o ovo primordial. Este se edifica por formação progressiva ou epigênese, conseqüente à proliferação desta célula primigena, que forma novas células, as quais, diferenciando-se cada vez mais, se associam em cordões, tubos, lâminas, até constituírem os diferentes órgãos.

"Esta estrutura vai-se complicando sucessivamente, de ma­neira que as formas se particularizam num crescendo, à medida que o desenvolvimento progride. A mais geral forma e a que primeiro se manifesta é a de ramificação, vindo, sucessivamen­te, a de classe, a de ordem, até à de espécie.

Portanto, de inicio, identidade fundamental de óvulo para animais e plantas; depois, nos animais, desenvolvimento serial, até o ponto atingido pelo animal na escala dos seres. No ho­mem, o embrião reproduz, mediante rápida evolução, todos os seres pelos quais passou a raça. Todos nós fomos, no ventre materno, monera, molusco, peixe, réptil, quadrúpede, homem enfim. E, porque tenhamos visto o Espírito passar sucessiva­mente em todos os reinos, e completar, lento, o seu progresso, fixando no invólucro um mecanismo vital cada vez mais com­plicado, é à influência do perispírito, atuando na matéria, que atribuímos a rapidez dessa evolução embrionária.

A natureza, como tantas vezes temos assinalado, não dá saltos, nada organiza de chofre, e, num ser perfeito, com todas as peças, ela parte sempre do simples para o complexo.

Assim como começou, originariamente, pelas manifestações mais rudimentares, para desenvolver, em seguida, a vida em formas cada vez mais complexas, assim também, em cada in­divíduo, ela parte da primitiva simplicidade para atingir o ser superior. Somente, o que se dá é que hoje a evolução abscon­dida na vida uterina é infinitamente mais rápida, de modo que, se não conhecêssemos as diversas fases da vida fetal, pode­ríamos presumir que o ser nasce conformado, sem precedência de estados anteriores. A embriogenia, porém, instrui-nos sobre este ponto, a saber: que cada qual de nós é uma história abreviada da raça, levando em nosso ser o timbre indelével e grandioso de uma existência mil vezes secular. Portanto, a força vital, contida no gérmen, anima o perispírito e este desenvolve as suas leis. Essa força vital, contudo, foi mais ou menos mo­dificada pelos genitores, e são estas modificações parciais que se vão reproduzir no novo ser, visto que a matéria física tem de ser organizada pelo perispírito, segundo a influência da força vital. Adiante, veremos numerosos exemplos dessa ação.

E qual será o estado da alma nesse instante? Os conheci­mentos que temos, neste particular, advêm-nos Os ensinos ministrados pelos Espíritos, de uma época em que as pesquisas científicas ainda não nos haviam instruído de todos os fatos que acabamos de expor. Nada obstante, eles estão concordes com os dados da ciência, como é fácil de verificar-se. (111)

A união de alma e corpo começa na concepção, mas só se completa no instante do nascimento. O invólucro fluídico é que liga o Espírito ao gérmen, e essa união vai-se adensando, torna-se mais íntima de momento a momento, até que se com­pleta quando a criança vem à luz. No período intercorrente, da concepção ao nascimento, as faculdades da alma são pouco a pouco assomadas pelo poder sempre crescente da força vital, que diminui o movimento vibratório do perispirito, até o mo­mento em que, não atingido o mínimo perceptível, o Espírito fica quase totalmente inconsciente. Dessa diminuição de amplitude do movimento fluídico é que resulta o esquecimento.

O estado do princípio inteligente, nos primeiros tempos, é comparável ao do Espírito encarnado, durante o sono corporal: à medida que se aproxima o nascimento, suas idéias se obum­bram, vai-se-lhe a noção do passado, do qual não mais tem consciência, desde que nasce na Terra. Que a operação se verifique em sentido inverso, isto é, voltando o Espírito ao espaço e retomando o seu dinamismo vibratório anterior, explícita se nos depara a restauração da sua memória.

As aquisições do passado permanecem latentes, não são destruídas; e como têm o seu fulcro, as suas raízes, no incons­ciente, serão tanto mais opulentas e brilhantes, quanto mais longa tenha sido a trajetória da alma. Essas aquisições é que fazem o substrato do Espírito, isso que denominamos o caráter, a marca própria de cada qual, assim como os seus pendores cada vez mais amplos para as ciências, artes, letras, indús­trias, etc. Há fatos irrecusáveis que o atestam, sem sombra de quaisquer dúvidas.

Se pretendermos inculcar a um Espírito menos evoluído, ou insuficientemente desenvolvido, conhecimentos muito superio­res ao seu estado mental inconsciente, poderá parecer-nos que ele os assimila, mas a verdade é que apenas dormitarão nele e acabarão presto esquecidos.

Tem-se notado, muitas vezes, que, nas raças inferiores, as crianças mandadas à escola mostram, a princípio, uma facili­dade de compreensão surpreendente, que cessa, depois, brusca­mente. Assim é que os habitantes das Sandwich têm excelente memória, decoram com rapidez maravilhosa, mas não poder, quase exercer o raciocínio. "Na infância, diz Samuel Baker, o negrinho é mais lúcido do que o branco da mesma idade, mas seu intelecto não chega a dar o prometido fruto. Na Nova Zelândia, conta o professor Thomson, as crianças de 10 anos são mais inteligentes do que as crianças inglesas, mas poucos neozelande­ses comportariam, em altas faculdades, uma cultura igual à dos ingleses. Uma das razões alegadas nos Estados Unidos, para não instruir os pretos em pé de igualdade com os brancos, é que, depois de uma certa idade, o seu aproveitamento como que se paralisa, como se a inteligência do negro fora incapaz de ultra­passar um certo grau." (112)

Se a evolução da alma não for lenta, não se consolidar com o tempo, a tenacidade dos instintos selvagens apresenta-se-nos quase erradicável. Eis um exemplo colhido num relatório de viagem às Filipinas, publicado na Repue des Deus-Mondes, 15 de junho de 1869:

“O que distinguiu sempre estes selvagens das outras raças da Polinésia é a sua paixão indômita pela liberdade. Essa re­pulsa dos Negritos (nome dado aos selvagens das Filipinas) por tudo que os possa submeter a qualquer jugo ou a regula­rizar-lhes a existência há de parecer sempre interessante ao viajante. Eis um exemplo do seu amor à independência”:

"Numa batida de soldados indígenas à ilha Luçon, sob as ordens de um oficial espanhol, apresaram um negrito dos seus 8 anos... Conduzido a Manila, um americano requereu a sua adoção e o negro foi batizado com o nome de Pedrito.

“Logo que atingiu a idade escolar, esforçaram-se por ensi­nar-lhe tudo o que fora possível adquirir naquelas regiões re­motas. Os velhos moradores da ilha, que conheciam a índole dos negritos, riam-se à socapa das tentativas para civilizá-lo e prediziam que, mais cedo ou mais tarde, ele voltaria às suas montanhas. O tutor não ignorava a zombaria que dele faziam por tanta solicitude e, tomando o pião na unha, anuncia que levaria Pedrito à Europa. E, de fato, fê-lo visitar New York, Paris, Londres, só regressando ao fim de dois anos”.

“Com aquela facilidade própria do negro, Pedrito voltou falando o espanhol, o francês, o inglês; só calçava botas finas, de verniz, e toda a gente ainda se lembra, em Manila, da gravi­dade digna de um gentleman com que ele aguardava o cumprimento das pessoas que lhe não eram apresentadas”.

"Dois anos apenas transcorreram após o seu regresso, quan­do, certo dia, desapareceu da casa do protetor. Os maldizentes haviam triunfado. Nunca mais, provavelmente, poderiam saber que rumo tomara o pupilo do ianque filantrópico, se não fora o singular encontro de um europeu.

"Um naturalista prussiano, parente do célebre Humboldt, resolvera fazer uma escalada ao Marivelez (montanha não dis­tante de Manila). Estava a pique de galgar o cimo, quando se viu rodeado de uma nuvem de negrinhos... Aprestava-se para tirar, alguns retratos, quando se lhe aproximou um indígena sorridente e perguntou-lhe, em inglês, se conhecia em Manila um americano chamado Graham... Pois era o nosso Pedrito, que logo entrou a contar a sua história. Mas, foi em vão que o naturalista procurou reconduzi-lo a Manila."

O que assim se revela em toda uma raça igualmente sucede com os indivíduos. É notório que todos revelamos aptidões do berço. Nosso entendimento não é a tabula rasa imaginada pelos filósofos do século XVIII, pois a criança traz consigo, vindo ao mundo, aptidões intelectuais e vícios ou paixões que jazem latentes no seu invólucro perispiritual, para aflorarem, depois, sob o influxo das circunstâncias contingentes da vida terrena. As sensações, as idéias, as volições desta nova vida vão regis­trar-se no perispírito em condições particulares, mas já encon­trarão um terreno preparado, não serão únicas, isoladas, e farão renascer, mais ou menos, alguns estados de consciência ante­riormente percebidos. Mais: - poderão revivificar certas im­pressões, cujas vibrações lentas se acentuarão. E assim, quanto mais velha for a alma; quanto mais tempo tiver vivido na terra, maior será a sua bagagem inconsciente, e menores esfor­ços lhe cabem fazer para ressuscitar seus antigos conhecimen­tos. Dai, o profundo sentido e a absoluta justiça do apotegma de Platão: aprender é recordar.

Assim se explicam as aptidões extraordinárias e precoces para as artes, ciências, etc. Pico de Ia Mirandola, senhor, aos 16 anos, de todos os conhecimentos do seu tempo; Pascal compon­do, aos 13, um tratado das secções cônicas de Euclides; Mozart, escrevendo uma ópera, aos 12, mais não fizeram que prosseguir na faina de encarnações anteriores. Certo, não se lembrariam de as ter vivido, mas, sem embargo, as aquisições anteriores aí afloravam brilhantes, porque eram Espíritos avançados, reve­lando-se numa idade em que todas as crianças se mostram intelectualmente incipientes.

Por outro lado, pode inverter-se o fenômeno. O Espírito faceta o corpo, mas as leis da hereditariedade podem acarretar­-lhe entraves, de maneira que, durante a existência corporal, cerceada lhe fique a manifestação da inteligência em toda a sua amplitude e fulgurância. Em se lhe facultando, acidental­mente, um pouco de liberdade, vê-la-emos, então, demonstrar talentos que mal lhe suspeitaríamos em estado normal.

Vejamos um exemplo: Brierre de Boismont conta o seguinte caso, colhido de Abercombie (113)

Uma pequenita, de 7 anos e de ínfima condição, pastora de rebanhos, costumava dormir num cômodo contíguo ao de um tocador de violino, apenas separados por tabique. O violinista, músico ambulante e assaz vigoroso, freqüentemente executava, noite a dentro, trechos escolhidos, que, para a menina, não pas­savam de ruídos incomodativos. Ao fim de seis meses, a pe­quena adoeceu e foi transferida para casa de uma dama cari­dosa, que a tomou, depois, ao seu serviço doméstico. Aí, passados alguns anos, eis que certa noite começaram a ouvir uma como bela récita musical. Verificaram, então, que o som partia de junto ao quarto da criada e, uma vez lá chegando, encontraram­-na adormecida, a modular sons absolutamente idênticos aos de um violino. Ao fim de duas horas, começou a agitar-se e prelu­diou acordes que pareciam provir de um violino, visto que atacou trechos clássicos, com muito cuidado e precisão. Os sons emi­tidos dir-se-iam as mais delicadas modulações desse instru­mento. Durante a execução, a sonâmbula detinha-se, às vezes, como para afinar o instrumento, e prosseguia com perfeita se­gurança o trecho interrompido, no ponto em que o deixara. Esses paroxismos sucediam-se a intervalos desiguais, variantes de 14 a 20 noites. Ao fim de dois anos, o sentido musical da sonâmbula já se não limitava ao violino, pois reproduzia os acompanhamentos do piano de casa, até que acabou cantando e imitando as vozes de todas as pessoas da família. Dentro de três anos, entrou a falar dormindo, como se estivesse lecionando a uma companheira mais nova. Era de vê-la, então, versar com exuberância e clareza temas políticos e religiosos, assuntos de atualidade, homens públicos em evidência, etc., e, mais par­ticularmente, sobre os membros da família e visitas da casa.

Nas suas preleções, demonstrava, amiúde, admirável discer­nimento, a par de uma ironia e vigor mnemônico prodigiosos. A exatidão e veracidade dos seus conceitos, fosse qual fosse o assunto, causavam sempre surpresa a quantos lhe conheciam a exigüidade dos dotes intelectuais e a limitada cultura...

Durante os acessos, era muito difícil acordá-la; as pupilas como que se insensibilizavam à luz; mas, aos 16 anos, ela come­çou a ocupar-se com as pessoas que a rodeavam, determinando quantas lá estivessem, posto que o quarto ficasse, de propósito, mergulhado em absoluta escuridade. Apta a responder às per­guntas que lhe faziam, demonstrava, neste particular, uma argúcia surpreendente. Suas observações eram, não raro, de grande beleza, e tanto se identificavam com os acontecimentos que o povo do lugar lhe atribuía poderes sobrenaturais. Em todo o período dessa anomalia, longo, de onze anos, ela sempre se revelou, no estado normal, o que realmente era: tacanha, de­sajeitada, refratária a qualquer ensino, por maior que fosse o cuidado em lho ministrar. Enfim, uma inteligência em tudo inferior à das outras serviçais.

Em vigília, não tinha o mínimo gosto para a música e tampouco indiciava a mais leve reminiscência do que lhe ocor­ria no sono.

Essa observação denuncia-nos um caso de sonambulismo natural, quando o Espírito, momentaneamente desprendido do corpo, recobrava uma parcela de suas faculdades musicais e intelectuais, embotadas durante a vigília. O sono magnético pôde revelar, espontaneamente, a natureza culta do Espírito encarnado, o qual, no estado normal, parecia inculto.

Claro que em todas as criaturas não sonâmbulas difícil seria discernir a verdadeira natureza intelectual, pois vimos à Terra muitas vezes, e preciso é desenvolver, em cada vez, virtu­des como a humildade, por exemplo, cuja aquisição se torna quase incompatível com um intelectualismo brilhante.

O Espírito escolhe, então, um invólucro refratário, que lhe impede as mais altas expressões da atividade intelectual, e, durante uma etapa terrena, poderá consagrar-se a tarefas mais humildes, e, no entanto, imprescindíveis ao seu progresso espi­ritual.

Importa, todavia, notar que a alma nem sempre pode dar ao corpo físico a forma que desejaria. Não, ela não tem esse poder, uma vez que o invólucro corporal é construído mediante as leis invariáveis da fecundação, e a hereditariedade individual dos genitores, transmitida pela força vital, opõe-se ao poder plástico da alma. É ainda por força dessa hereditariedade que uma raça não produz seres doutra raça; que de um cão nasça um coelho, por exemplo, e mesmo, para não irmos mais longe, - que uma mulher de pura raça branca possa gerar um negro, um pele-vermelha, e vice-versa. Sumamente impor­tante o estudo das leis da hereditariedade, de vez que elas faci­litam compreender, naturalmente, a transmissão de afecções mórbidas, em muitas famílias. Assim, também, as faculdades intelectuais parece que se podem transmitir de pais a filhos. Compreende-se que, se a alma ao encarnar fosse estranha aos genitores, ou deles independesse, não devera herdar-lhes as dis­posições, nocivas ou benéficas ao seu progresso.

E como a tese materialista, que presume seja a alma uma função do cérebro, escuda-se nestes fatos para reivindicar pro­babilidades, preciso se torna aclarar porque assim se passam as coisas e demonstrar que as crenças espiritualistas não são, de modo algum, infirmadas.

A hereditariedade

O Sr. Ribot estudou perfeitamente a hereditariedade. Colo­cando-se num ponto de vista experimental estrito, ele procurou demonstrar que esse fenômeno obedece a leis físicas e que há uma hereditariedade fisiológica e outra psicológica, resultando esta daquela.

Recusando-lhe a teoria, que não nos parece justificada, porquanto sabemos que as almas têm existência individual e, por conseqüência, que se não engendram mutuamente, vamos utilizar grande número de fatos recolhidos por esse mesmo sábio filósofo, para delimitar o coeficiente que importa atribuir à hereditariedade, nos fenômenos intelectuais.

Hereditariedade, subentende-se, é lei biológica mediante a qual todos os seres dotados de vida procuram repetir-se nos seus descendentes. A ciência contemporânea está inibida de dar qualquer noção positiva a respeito, para só se manter no ter­reno das hipóteses. Destas, a mais recente e melhor elaborada é a de Darwin, no seu livro A variação dos animais e das plan­tas, cujos traços gerais se encontram em Princípios de Biologia, de Herbert Spencer. Chama-se Pangênese.

Para bem compreender essa teoria, há lembrarmos que não só o organismo é um composto de células, como também que cada um desses microrganismos tem vida própria e possui as propriedades fundamentais da vida, a saber: - a nutrição, que as leva a assimilar e eliminar continuamente; a evolução, que lhes faculta avolumarem-se e complicarem-se de partes mais perfeitas e numerosas; a reprodução, em virtude da qual cada célula pode engendrar outra, esta uma segunda, e assim por diante. Wirchow demonstrou que a moléstia pode limitar-se a uma única célula, de sorte que, não obstante a submissão às leis gerais do organismo, existe uma certa autonomia, poden­do dizer-se, então, que esse elemento anatômico representa, no organismo, o mesmo papel do indivíduo no Estado, isto é, goza de tal ou qual independência e participando, sem embargo, do corpo social.

Já vimos que os organismos inferiores possuem um grande poder de reprodução. Mas, também algumas plantas gozam dessa propriedade em alto grau. A Begonia phylomaniaca pode reproduzir-se simplesmente por meio de uma partícula mini­missima de suas folhas, de sorte que uma só folha poderá ori­ginar uma centena de plantas. Estas, por sua vez, desenvolvem nas hastes e nas folhas miríades de células semelhantes, deposi­tárias da mesma propriedade. Assim, pois, a célula original, destacando-se da planta-mãe, levou consigo não apenas a capa­cidade reprodutiva, senão que a multiplicou e distribuiu por todas as células reproduzidas, e tudo sem diminuição de energia própria, durante gerações inumeráveis.

Pangênese

Para poder explicar essa potencialidade de reprodução,. e, em geral, a transmissão hereditária em todos os seres vivos, Darwin propõe a teoria pangenética, segundo a qual em todo o organismo cada átomo, ou unidade componente, se reproduz por si mesmo.

"Admite-se quase universalmente, diz ele, que as células se propagam por divisão espontânea, ou proliferação, conservando a mesma natureza, e convertendo-se, ulteriormente, em diversas substâncias e tecidos corporais. Ao lado dessa forma de multi­plicação, suponho que as células, antes de se converterem em materiais formados e completamente passivos, emitem pequenos grânulos ou átomos que circulam livres em todo o sistema e que, ao receberem nutrição suficiente, se desenvolvem em células semelhantes às de sua origem. A esses grânulos denominaremos gêmulas.

"Suporemos que sejam transmitidas pelos ascendentes aos descendentes, desenvolvendo-se, em geral, na geração imediata; mas, também se podem transmitir e conservar latentes através de várias gerações, reaparecendo mais tarde. E de supor que as gêmulas sejam emitidas pela célula, ou unidade, não apenas no estado adulto, mas em todos os estados de desenvolvimento.

"Finalmente, teriam as gêmulas mútuas afinidades entre elas, daí resultando a agregação em gomos e em elementos sexuais.

"De sorte que, estritamente falando, não são os elementos reprodutores que engendram novos organismos, e sim as células ou unidades do corpo inteiro." (114)

Não se pode fazer qualquer objeção séria contra a tenuidade extrema das gêmulas, de vez que, a noção de grandeza sendo meramente relativa, nada poderemos julgar impossível no mundo físico.

Se considerarmos que o ascáride pode gerar sessenta e quatro milhões de ovos; que uma só orquídea tem, mais ou menos, igual quantidade de grãos; que as parcelas orgânicas, emitidas pelos animais odorantes, e que os micróbios das mo­léstias contagiosas devem ser de pequenez inconcebível e se multiplicam com celeridade fulminante, qualquer objeção tor­na-se precária.

Portanto, "é preciso considerar cada ser vivo como um macrocosmo, um pequeno universo formado da multidão de orga­nismos de uma tenuidade inconcebível e numerosos como as estrelas do firmamento".

Esta hipótese permite a Darwin explicar um grande número de fenômenos muito diferentes na aparência, mas que a fisio­logia considera fundamentalmente idênticos.

Tais são a gemiparidade, ou reprodução por gomos; a cissi­paridade, mediante a qual o ser reproduz-se por seccionamento natural ou artificial das partes; a geração sexual; a geração independente de fecundação, ou partenogênese; as gerações alternantes; o desenvolvimento do embrião, a reprodução dos tecidos, o crescimento de novos membros em substituição dos perdidos, qual se dá com a salamandra, o caranguejo, a lesma, o lagarto, etc.; todas as modalidades de reprodução, enfim, e quaisquer que sejam as formas hereditárias.

Concebe-se que essas gêmulas, machos e fêmeas, estejam contidas no gérmen em grande número, e que, em conseqüência de sua evolução, o indivíduo que nasce herde as disposições particulares dos seus genitores.

A importância desse legado assinalar-se-á melhor ainda por um estudo rápido da hereditariedade propriamente dita. Concebe-se que não possamos entrar aqui num exame cir­cunstanciado da hipótese darwiniana. Nada obstante, adverti­mos desde logo que, modificadas em cada encarnação do Es­pírito as propriedades do seu perispírito, ficam, ipso lacto, explicados todos os fenômenos acima enumerados.

E, assim, cremos que a nossa teoria esclarece, mais que qualquer outra, a evolução do feto. Mas, seja como for, vamos ao estudo dos fatos.

A hereditariedade fisiológica

Um fato vulgar que não escapa ao observador, por mais superficial que ele seja, é a semelhança física. Talvez não haja frase mais corrente do que esta: - "Tal pai, tal filho."

E a influência hereditária não se restringe a uma seme­lhança geral, porque afeta todos os membros do corpo, notada­mente o rosto. Podem citar-se exemplos notáveis desse fenômeno. O cantor Nourrit tinha um filho, verdadeiro sósia (115). Mais impressionante, contudo, torna-se o fato quando a semelhança se estende a ambos os genitores.

Girou de Busareigne, num livro sobre a geração, conta que conheceu um casal com três filhos, dos quais dois rapazes eram, na infância, o retrato da mãe, ao passo que a menina se parecia com o pai. Semelhança absoluta, essa, impressionava a toda gente: mas, o fato é que, na adolescência, as coisas mudaram, tornando-se os rapazes parecidos com o pai e a moça não.

A hereditariedade atua não só na conformação interna, como na estrutura externa. Nada mais comum que a transmis­são do volume e mesmo das anomalias do aparelho ósseo. A proporcionalidade, em qualquer sentido, do crânio, do tórax, da bacia, da coluna vertebral e dos menores ossos do esqueleto, é um fato de observação quotidiana.

Os sistemas circulatório, digestivo, muscular, nervoso, se­guem as mesmas leis. Também os líquidos do organismo res­sentem-se da influência hereditária. Famílias há nas quais o sangue é, mais do que noutras, abundante, predispondo-as a apoplexias, hemorragias, inflamações. Coisa notável: não so­mente os caracteres gerais internos se transmitem, mas também os subordinados, e, assim, até as atitudes pessoais se reprodu­zem por via seminal. Há exemplos que demonstram o fato.

Não se pode duvidar da influência hereditária no potencial de reprodução. Uma criatura teve 24 filhos, dos quais 5 mu­lheres, que deram por sua vez 45 filhos ao mundo. Entre a nobreza da França, os Montmorency tornaram-se célebres por sua fecundidade. Os quatro primeiros Guise tiveram, ao todo, 43 filhos, dos quais 30 masculinos. Achille de Harlay teve 9 filhos, o pai 10, o bisavô 18. Famílias há em que essa força prolífica mantém-se por cinco e seis gerações. (116)

Dissemos, mais acima, que a força vital do nascituro re­sulta da força vital dos genitores no momento de procriar. Vamos, agora, demonstrar essa proposição com os seguintes raciocínios.

Geralmente se reconhece que a longevidade depende muito menos da raça, do clima, da profissão, do gênero de vida e da alimentação, do que da transmissão hereditária. Consultando-se os tratados especiais a respeito, ver-se-á que o coeficiente de macróbios é muito maior na raça preta do que na branca, tanto ao Norte como ao Sul; e não só entre os cuidadosos, como entre os descuidosos de si mesmos.

Um mineiro escocês fruiu o triste privilégio de viver 133 anos, dos quais 80 trabalhando no seu mister.

Entre prisioneiros e galés encontramos muitos fatos análogos. O Dr. Lucas diz, e muito bem, que a média da vida depende, evidentemente, do lugar, da higiene, da civilização; mas, que a longevidade humana forra-se inteiramente a essas condições.

"Tudo demonstra - escreve ele - que a vida longa possui uma potência de vitalidade interna, visto como os privilegia­dos a carreiam já do berço. Essa vitalidade está de tal modo impressa na natureza que se revela em todos os atributos da organização." Este fato tornou-se tão notório na Inglaterra que as companhias de seguros de vida houveram de instituir a sin­dicância sobre a longevidade dos ascendentes do segurado.

Também se notou que a força muscular e as diversas formas de atividade motora são hereditárias, bem como os fenômenos dependentes da voz, quais a gagueira e o rotacismo.

O albinismo, o raquitismo, a manqueira, o beiço-rachado, enfim, todas as anomalias orgânicas, podem ser transmissíveis na procriação. Mas, ainda bem que elas nem sempre se repro­duzem e a descendência tende a regredir ao tipo primitivo. A medicina, a partir dos seus primórdios, notou a hereditariedade de umas tantas moléstias, ou, pelo menos, a predisposição do organismo para umas tantas enfermidades semelhantes às dos ascendentes. Em suma, vê-se que a hereditariedade modifica todas as formas de atividade vital, o que, aliás, não surpreende, visto que a força vital provém do casal - e que o perispírito da alma a encarnar-se é movido por essa força modificada, que será mais ou menos eficiente em certas regiões fluídicas do invólucro espiritual, correspondendo, no feto, às partes fortes ou fracas dos genitores.

Se a transmissão hereditária não se faz de um modo abso­luto, é que a força vital do recém-vindo deriva de dois fatores que se modificam reciprocamente, e também ao fato de o peris­pírito do encarnante prestar-se, mais ou menos, a essas modi­ficações.

Neste caso, é claro que se tornam imprescindíveis muitas e reiteradas experiências para determinar a importância de cada um dos diversos elementos concorrentes à magna obra. Nada obstante, podemos desde já prismar, de conjunto, a série dos fenômenos que desfecham nesta coisa maravilhosa - a produção de um ser vivo.

A hereditariedade psicológica

Haverá uma hereditariedade psicológica? Não, se por isso entendermos uma transmissão das faculdades intelectuais em si mesmas; sim, se quisermos com isso dizer transmissibilidade dos órgãos adequados à manifestação do pensamento.

Aqui, tocamos na questão tão delicada e tão controvertida das relações entre o físico e o moral. Os adversários da espiri­tualidade da alma tentaram fazer da hereditariedade uma arma contra ela. De fato, uma vez demonstrado que os pais trans­mitem aos filhos não só o corpo físico como as faculdades intelectuais, lógico fora presumir que alma e corpo promanam dos genitores. Contudo, não é bem assim, uma vez que temos a prova da encarnação e reencarnação do Espírito. Dir-se-á, então, que, neste caso, não haveria encarnações possíveis, senão entre Espíritos e homens perfeitamente identificados no físico como no moral. Os fatos não permitem dar a esta ilação um ascendente absoluto. Não é raro vermos numa família filhos nada parecidos com os pais, quer física, quer intelectual e moral­mente falando.

E, se é fácil demonstrar que o organismo material nem sem­pre é transmissível, mais fácil é admitir que a hereditariedade intelectual venha a falhar muitíssimas vezes. A História mos­tra-nos, a cada passo, filhos de homens notáveis, que são ou foram verdadeiras antíteses das virtudes e talentos paternos, ficando abaixo mesmo da craveira comum. Na antiguidade, o sábio Péricles teve dois filhos cretinos - Paralas e Xantipo, e um outro, louco furioso - Clinias. O íntegro Aristipo engen­drou o infame Lisímaco. De Tucídides proveio Milésias. Fócion, Aristarco, Sófocles, Sócrates, Temístocles, todos tiveram filhos degenerados.

A história romana contemporânea é todo um quadro de filhos nada comparáveis aos pais.

Nos domínios da Ciência é que vemos surgir os gênios, a cada momento, de meios rústicos e de pais ignorantes ou me­diocremente inteligentes. Os nomes de Bacon, Berzelius, Blu­menbach, Brewster, Comte, Copérnico, Descartes, Galeno, Gal­vani, Hegel, Hume, Kant, Kepler, Locke, Malebranche, Priestley, Réaumur, Rumford, Spinoza, etc., atestam que a genialidade não é hereditária.

Julgando supérfluo insistir neste ponto, por se tratar de uma regra geral, preferimos explicar o mais difícil de compreen­der à primeira vista, ou seja, aqueles casos em que se indica uma transmissão hereditária das faculdades.

As faculdades sensoriais e os hábitos corporais podem trans­mitir-se hereditariamente, e os atributos mais preciosos do Espírito, quais a percepção, a memória, a imaginação, encon­tram-se, muitas vezes, na mesma família. Citam-se numerosos casos de pintores, músicos, estadistas, em que a aptidão pa­recem comunicar-se de pais a filhos.

O problema, neste caso, apresenta-se-nos dúplice: - temos de considerar, em primeiro lugar, a função, que pertence à alma, e depois o órgão, que lhe serve à manifestação. Para que lhe seja possível evidenciar as suas faculdades em toda a pleni­tude, a alma necessita de um organismo material em perfeita correlação com o seu desenvolvimento intelectual.

Já vimos que o perispírito é a condição fluídica do meca­nismo de atuação da alma sobre o corpo; de sorte que racional se torna admitir que a alma, desejosa de encarnar, procure na Terra genitores cujo valor intelectual e, por conseguinte - cons­tituição física, tenham com ela maior afinidade, assegurando-se, dessarte e desde logo, dentro das leis mesmas da hereditarie­dade, um corpo propício ao desenvolvimento das suas aspirações.

Para ser bom pintor ou excelente musicista é necessário possuir algumas aptidões orgânicas especiais, como sejam, para um a memória das cores e a precisão visual; e, para outro, a justeza do ouvido e o aumento de sensibilidade. Podemos, per­feitamente, admitir que, em certas famílias, o cultivo persis­tente das artes, de geração a geração, acabe facultando corpos com disposições peculiares. São precisamente estas preforma­ções que determinam a escolha dos Espíritos em via de encar­nação. Identificam-se moral e intelectualmente com os pais, senão que dispõem de um organismo mais apto à manifes­tação de seus pendores.

Nada a estranhar, portanto, que um músico prefira a pa­ternidade de um maestro à de um pedreiro. Os materialistas tomaram aqui, aliás como sempre, o efeito pela causa, querendo atribuir à matéria o que deriva do Espírito.

Esta observação leva-nos a acentuar que o Espírito não encarna onde quer. No mundo sideral há leis tão ou mais rigo­rosas do que as do nosso mundo físico. As afinidades perispiríti­cas e as leis magnéticas do pensamento e da vontade represen­tam, no feito, um grande papel. Os Espíritos errantes, os retardatários, que não compreendem as grandes leis da evolução, são propensos a reencarnar na Terra, por darem livre curso às paixões que, no espaço, não podem satisfazer.

Fosse-lhes permitido fazê-lo e eles assediariam as classes ricas, tomariam os ambientes bem ou mal havidos como pri­vilegiados. Em geral, porém, falta-lhes a correspondência fluí­dica com esses encarnados, e, assim, se lhes veda o acesso a esses ambientes. Todos pertencemos a uma certa categoria de Espí­ritos, que, mais ou menos no mesmo ritmo, procuram conjugar a sua evolução, ajudando os mais adiantados aos que se retar­dam. Através das vidas sucessivas podemos escalar todas as posições sociais e, alternativamente, pais, mães, esposas, filhos,parentes, prestarmo-nos socorro mútuo. Compreende-se, então, que os Espíritos de uma certa gradação reencarnem no seu grupo, ou noutro em que se lhes deparem as mesmas afinidades espirituais.

Nem doutra maneira é que se desenvolve, pouco a pouco, o sentimento de fraternidade que, um dia, nos levará a abranger todos os seres num único amor.

Se há famílias de artistas que honram as artes, nem por isso deixa de haver, infelizmente, famílias outras nas quais os vícios constituem o traço hereditário dominante. Conta o Dr. Morel (117) a história de uma família dos Vosges, na qual o bisavô dipsômano, isto é, beberrão inveterado, sucumbira ao próprio vício. O avô, assaltado pela mesma paixão do álcool, morreu maníaco. Este, teve um filho muito mais sóbrio, não escapando, porém, da hipocondria, com tendências homicidas, e cujo filho, por sua vez, acabou atingido de idiotia.

Assim, temos na primeira geração excessos alcoólicos; na segunda, embriaguez hereditária; na terceira, díátese hipocon­dríaca; na quarta, estupidez e possível extinção da prole.

Muitas vezes, é como prova que o Espírito encarna nessas famílias, por querer adquirir forças para domar a matéria. Não traz o Espírito consigo a tara viciosa de pregressas encarna­ções; entretanto, -o organismo inquinado ao vício suscita-lhe necessidades contra as quais tenta reagir, mas cujo domínio não é fácil de conseguir.

O Sr. Trélat, na sua Loucura Lúcida, conta que uma senhora morigerada e econômica era assaltada de crises dipsomaníacas irresistíveis. Furiosa consigo mesma, injuriava-se, chamava-se miserável, bêbeda; misturava ao vinho as substâncias mais " repulsivas, mas, debalde, porque a paixão era cada vez mais forte. Note-se que a mãe e uma tia dessa criatura também eram dipsômanas.

Certo, há casos em que o crime e a loucura são heredi­tários.

"Nada há estanque ou isolado na natureza, diz o Dr. Des­pines.

Tudo se encadeia por anéis intermediários que a nossa observação acurada acaba encontrando, lá onde menos pudéra­mos suspeitar.

Seria para desejar, no interesse da Ciência, que se promovessem investigações sobre os ascendentes dos crimi­nosos, remontando a duas ou três gerações, pelo menos. Seria um excelente meio para evidenciar as relações exis­tentes entre as enfermidades cerebrais que ensejam as anoma­lias psíquicas, geradoras de crimes, e as afecções patológicas dos centros nervosos e do cérebro, em particular.

O fato verificado pelos Drs. Férus e Lélut, de ser a loucura muito mais freqüente nos criminosos do que nos outros homens, não prova a existência de laços íntimos entre a loucura e o crime? Cirande é o número de criminosos, cujos ascendentes deram mostras de loucura. Está nesse número o célebre Verger, assassino do arcebispo de Paris. A mãe e um irmão desse homem morreram loucos, da loucura do suicídio." (118)

A loucura

A loucura, propriamente dita, faz-se acompanhar sempre de um estado mórbido dos órgãos, que se traduz, as mais das vezes, por uma lesão. A alienação será, pois, uma enfermidade física quanto à sua causa, embora mental quanto à maioria dos seus efeitos. Pode a loucura transmitir-se por via heredi­tária, mas, às vezes, se transforma, quando manifesta nos descendentes.

Nada tão comum como vermos a loucura degenerar em suicídio, ou o suicídio degenerar em loucura, alcoolismo, hipo­condria.

"Um ourives, restabelecido do primeiro acesso de alienação mental causado pela revolução de 1789, acabou suicidando-se. Mais tarde, a filha mais velha desse homem foi acometida de monomania e acabou demente. Um seu irmão esfaqueou o ventre, e outro se entregou à embriaguez, morrendo na via pública. Ainda um terceiro deu para recusar toda e qualquer alimen­tação, a pretexto de íntimos desgostos, e morreu de anemia. Uma segunda irmã, aliás dotada de gênio caprichoso, casou-se e teve um casal de filhos: o rapaz morreu louco e epiléptico, e a moça também enlouqueceu de um parto, tornou-se hipocon­dríaca e queria deixar-se morrer à fome.

Dois dos filhos desta mesma senhora morrem de uma febre cerebral e outro sucumbe ao nascer." (119)

Há famílias cujos membros, com raras exceções, são aco­metidos de loucura, com a mesma idade. Toda a prole de uma nobre família hamburguesa tornou-se notável, depois que o bisavô, justamente conceituado pelos seus grandes talentos mi­litares, enlouquecera aos 40 anos. Dele não restava mais que um rebento, militar também, ao qual o Senado proibiu casar-se. Isso não impediu que, ao atingir os 40 anos, perdesse a razão.

Impossível percorrer, aqui, todos os casos de loucura. Pre­cisamos, contudo, assinalar que muitos deles, atribuídos a en­fermidades do cérebro, são produzidos pela ação dos Espíritos desencarnados.

A obsessão, que mais além estudaremos, apresenta, amiúde, todos os sintomas da legítima loucura, e fora muito de desejar que os médicos conhecessem o Espiritismo, podendo, então, curar muitos doentes considerados perdidos.

Nesta conjuntura, não é do corpo e sim da alma que im­porta cuidar. Dirigindo-nos ao Espírito obsessor, é certo que conseguimos, algumas vezes, fazê-lo abandonar a presa. A bibliografia espírita menciona algumas curas deste gênero.

Se nos dermos ao cuidado de observar um grande número de fatos chamados alucinatórios, facilmente concluiremos que muitas vezes não passam de pura e simples vidência mediúnica. Eis aqui alguns exemplos:

Sully conta-nos que as horas solitárias de Carlos IX tor­naram-se, horríveis, pela reprodução dos gritos e berros que o assaltaram enquanto durou o massacre de S. Bartolomeu.

"O rei Carlos - diz o ministro ilustre - ouvindo, naquela mesma noite, e por todo o dia seguinte, a narrativa das atroci­dades praticadas com velhos, mulheres e crianças, chamou de parte o mestre Ambroise Paré, seu médico assistente - a quem muito prezava, posto professasse outra religião - e disse: - "Não sei o que comigo se está passando nestes dois ou três dias, mas a verdade é que me sinto muito abaiado, de corpo e alma, e que, dormindo ou acordado, tenho diante de mim essas criaturas mutiladas, semblantes horrendos, masca­rados de ódio e sangue! Oh! quisera eu que em tudo isso não entrassem os inconscientes e os inocentes!" (120)

Tudo faz crer ali estivessem, em torno do sanguinário rei, Espíritos a clamar vingança.

Outro fato da mesma natureza (121)

O cirurgião Manoury, inimigo de Urbain Grandier, foi, aos 26 de abril de 1634, escolhido para examinar se, de acordo com a declaração da madre-abadessa, o acusado tinha algum ponto insensível no seu corpo. (122)

Manoury desempenhou-se da tarefa com a maior crueza. Não se pode imaginar, sem horror, os padecimentos e torturas infligidos à pobre vítima. Mas, o fato é que ele se arrependeu mais tarde da sua barbaridade, pois, "certa noite em que re­gressava dos subúrbios, acompanhado do seu assistente, dete­ve-se de súbito e exclamou, sobressaltado: Oh! eis Grandier! que queres tu? - e começou a tremer, a ponto de mal o pode­rem sustentar dois homens. Afinal, assim caminhando a custo, continuava a repelir o Grandier, como se o tivesse diante dos olhos. Nem no leito o terror se lhe desvaneceu e, durante os poucos dias de vida que lhe restaram, a situação em quase nada se modificou. Afinal, expirou como se estivesse vendo Grandier, e praguejando por afastá-lo".

Não há que ver em tudo isto uma simples alucinação, e sim uma provável aparição. Mas, ainda bem que hoje não mais se usa trancafiar em manicômios os indivíduos que vêem os Espíritos.

Abercombie cita o caso de um médium vidente, que ele considera, é claro, um doente: "Conheci, diz, um homem que sofreu de alucinação, enquanto viveu. A coisa chegava ao ponto de encontrar na rua um amigo e não saber de pronto diferençar se era uma entidade real ou um fantasma.

Só depois de prestar muita atenção é que podia identificar uma diferença entre elas. Para isso, costumava corrigir a visão pelo tato e pela audição, atentando ao ruído dos passos. Este homem está no vigor da idade, é são de espírito, goza excelente saúde e está envolvido em muitos negócios."

Citemos um último caso, que nos levará ao estudo da obsessão.

Uma senhora, Ohlaven, fora acometida de grave enfermi­dade, sendo obrigada a desmamar a filhinha, apenas com seis semanas de nascida. A moléstia começara por um desejo irre­sistível de estrangular a criancinha. Felizmente, o sinistro intento pôde ser conjurado a tempo. A seguir, declarou-se uma febre violenta, que, parece, lhe desvaneceu da mente o tenebroso desígnio, pois voltou a afagar a criancinha, quanto a mais desvelada das mães.

Temos, aqui, evidente, um caso de obsessão, pois é inadmissível que uma criatura, que sempre deu provas de acendrado amor materno, pudesse afagar a idéia de matar a filhinha ino­cente. O que podemos admitir é que, no estado de fraqueza e de enfermidade conseqüente ao parto, um mau Espírito pudesse empolgá-la e sugerir-lhe o monstruoso atentado. Restabelecida, ela readquiriu sua liberdade moral e, portanto, os pendores naturais.

Quando o corpo não goza saúde perfeita, isto é, quando as relações normais de alma e corpo se perturbam, a força vital pode exteriorizar-se parcialmente, dando azo a que Espíritos malévolos e, sem embargo, conhecedores das leis fluídicas, disso tirem o seu partido. Assim, nestes casos peculiares, importa cuidar simultaneamente do corpo e da alma. E a cura será tanto mais rápida, quanto melhor conheçamos a natureza do mal.

É com profundo sentimento de piedade que pensamos nas vítimas sem conta do fanatismo religioso da Idade Média.

Os feiticeiros eram infelizes obsidiados, inconscientes e irres­ponsáveis, as mais das vezes levados a pagarem com a vida uma imaginária possessão demoníaca. Quando lemos, hoje, os requi­sitórios dos Bodins, dos Delancres, dos De Loyers, dos Del Rio, não podemos elidir a surpresa de tamanha estupidez.

Entretanto, uma que outra vez é possível fixar fatos bem averiguados, que se não podiam produzir senão mediante a in­tervenção dos Espíritos.

As respostas em latim aos exorcistas, as levitações, eram freqüentes, de permeio às crises da grande histeria.

Hoje, a Salpêtrière guarda enfermos que seriam fatalmente queimados, se tivessem a desventura de ter nascido há 200 anos. Nesta altura, parece-nos útil pôr sob as vistas do leitor os estudos de Allan Kardec sobre a obsessão, aconselhando-o a que recorra aos seus livros, para curar as enfermidades desta espécie.

A obsessão e a loucura

Há que fazer rigorosas distinções entre a obsessão, a fasci­nação, a possessão e a loucura propriamente dita, que compreen­de a alucinação, a monomania, a mania, a demência e a idiotia.

Só o Espiritismo permite estabelecer essas diferenças, que a ciência médica ainda não sancionou e que a levam, muitas vezes, a atribuir à loucura fatos que aberram do seu domínio.

Allan Kardec (123) definiu perfeitamente estas enfermi­dades espirituais, que dizem mais com a alma do que com o organismo material. Nosso intuito, aqui, é despertar atenção para as condições físicas que acompanham essas turbações da inteligência.

Ainda não sabemos se, nos casos de obsessão e possessão, inexiste uma desorganização cerebral, correspondente ao dis­túrbio moral.

Somos, porém, levados a presumi-la, e isto porque tão ínti­mas são as relações da alma com o corpo, do perispírito com o sistema nervoso, que podemos, sem temor, afirmar que a todo e qualquer determinado estado físico vem a corresponder um estado intelectual, e vice-versa.

Mas, assim como entre a obsessão e a subjugação integral podem existir todas as gradações, assim devem elas correspon­der a desordens orgânicas no corpo, de começo pouco impor­tantes, mas suscetíveis de se agravarem com o tempo, produ­zindo verdadeiras lesões cerebrais.

Em O Livro dos Médiuns, verifica-se que a subjugação, ou a obsessão simples, não são, a bem dizer, um estado consciencial. Trata-se, mui simplesmente, da intermissão e da imposição constante de um Espírito a comunicar-se, a impedir que outros o façam, ou a substituir os evocados.

Neste caso, o médium tem a noção do que se passa e fica obsidiado, isto é, exausto.

Quando atingimos a fascinação, o fenômeno acentua-se e as conseqüências tornam-se mais graves. O médium não se julga ludibriado, já não goza do seu livre-arbítrio integral, só obedece às injunções do Espírito, é a hipnotização espiritual a exercer-se. Mercê da liberdade que o médium outorga ao Espírito, pode este atuar intensamente sobre o perispírito dele, médium, e isso com tanto mais facilidade quanto já não en­contra obstáculo, de vez que a vontade mediúnica se lhe rendeu complacente.

Derivam daí as sugestões simples, que redundam no fal­seamento da razão e da imaginação do paciente. Compreende-se que, se tais sugestões forem freqüentes e persistentes, acabem produzindo desordens no cérebro da criatura perseguida.

Às vezes, são vários os Espíritos que se agregam para ator­mentar a vítima; de sorte que, simplesmente obsidiada de co­meço, ela acaba realmente louca.

Estranha-se, comumente, que almas desencarnadas possam assim empregar seu tempo em torturar os encarnados.

Mas, basta lançar os olhos à Gazeta dos Tribunais para nos certificarmos de quanta baixeza é suscetível a Humanidade.

Os Espíritos atrasados alimentam as paixões mais ignóbeis e, sobretudo, a da vingança, de sorte que, se puderem identi­ficar na carne um ser que lhes tenha feito mal, ou impedido de o fazerem eles, nesta ou noutras encarnações, votam-lhe ódio inexorável, muitas vezes só extinguível com a morte da vítima, se esta tiver a desdita de lhes facultar acesso, mesmo inconscientemente.

Assim é que muitos obsidiados são tratados como loucos, porque se atribui à alucinação o que de fato não passa de sugestão espiritual incoercível.

Quando vemos um hipnotizado rir, chorar, manifestar ale­gria, dor, admiração, medo; executar, passivamente, os atos mais extravagantes, mais ridículos e até perigosos, conforme os qua­dros alucinatórios que lhes sugerimos, compreendemos que a atuação do Espírito é substancialmente idêntica à do hipnoti­zador humano sobre o seu paciente.

A única diferença é que, na obsessão, a vontade operante tanto pode ser de um como de alguns agentes invisíveis e ina­cessíveis aos processos correntes de que dispõe a medicina.

Citemos um exemplo, tomado ao célebre alienista Brierre de Boismont. (124)

“Senhorita M..., 40 anos, muito nervosa e, por isso mesmo, muito impressionável. Sempre se revelou de uma versatilidade extrema. Quando jovem, jamais pôde dedicar-se a estudos sé­rios, tanto que os médicos recomendaram aos pais que prefe­rissem dar-lhe exercícios de ginástica. Bem de fortuna, filha de pais robustos e sensatos, tem, contudo, um irmão de tem­peramento muito semelhante ao seu, sob vários aspectos. De aparência saudável, tem os cabelos castanhos, tez rosada, esta­tura normal. De 10 anos a esta parte começou a sentir os pri­meiros sintomas do mal que agora a tortura. Assim que via personagens bizarras. Essas aberrações visuais não a impediam, contudo, de cuidar das suas tarefas. Há seis meses, as alucina­ções, até então toleráveis e espaçadas, tornaram-se mais fre­qüentes e já não era só a vista a faculdade lesada, de vez que as outras se foram alterando a seu turno. Evidente desordem empolgava-lhe o espírito; ela ouvia, a cada instante, vozes que, dizia, lhe vinham do”. estômago e lhe causavam o maior tormen­to. Essas vozes ditavam-lhe a conduta, advertiam-na do que com ela se passava, forneciam-lhe dados sobre a sua enfermi­dade e receitavam remédios que lhe pareciam muito razoáveis.

"Igualmente lhe forneciam informes precisos do caráter e dos pendores de outras pessoas, com o que teria podido, então, revelar particularidades curiosíssimas.

"Ocasiões havia em que se exprimia em linguagem mais apurada, com termos escolhidos, que lhe não eram comuns. Essa abundância, fluência e riqueza verbal, ela as devia às suas vozes, pois, quando falava por si mesma, fazia-o de modo muito simples. Muitas vezes, as vozes ocupavam-se de assuntos elevados, recaindo na geografia, na gramática, na oratória. E, o que mais é: - repreendiam-na quando se exprimia mal, apon­tando-lhe as faltas cometidas.

"Essas vozes diziam-lhe as coisas mais estranhas: um dia, convenceram-na de estar possessa, coisa estranha na verdade, porque não fora educada com idéias supersticiosas. E foi, então, procurar um padre que a exorcismasse. De então por diante, ficaram-lhe idéias muito pessimistas, quanto à eternidade e às penas futuras, que a mergulharam, momentaneamente, num profundo desespero. Certa feita, revelaram-lhe que ainda seria rainha, que representaria um grande papel no cenáculo do mundo. Esse vaticínio, teve ela o cuidado de o guardar consigo, na expectativa de que se realizasse, até que percebeu que a enganaram, como o costumavam fazer freqüentemente. Não raro, impingiam-lhe os discursos mais extravagantes, diziam­-lhe gracejos e zombarias, até que passaram a inusitadas vio­lências, corrompendo, quais harpias, tudo quanto tocavam. Ordenaram-lhe que se afogasse e, contudo, sentiu dentro em si uma força que a impediu de obedecer. As vezes, tem visões sin­gulares: o quarto enche-se de personagens de todos os matizes. Os alimentos têm para ela sabores nauseantes. Basta meter a mão num prato para que a voz logo lhe transmita um tem­pero, que a impede de comer. Se caminha, logo começa a suar frio, de um frio que lhe penetra o corpo. Enxuga, então, com as mãos, as vestes molhadas.

"Essa criatura afirma que as vozes provém de uma afecção nervosa; que as vozes são mais fortes que o seu raciocínio; que a subjugam, que a dominam. Seu poder é tanto que a obrigam a ir onde desejam que vá... Agora, já não querem que fale, perturbam-lhe as idéias e ela apenas se exprime com grande dificuldade. Não é raro perceber que as vozes levam-na a come­ter desvarios, e bem que desejaria contrariá-las, mas é cons­trangida a obedecer-lhes, porque dispõem de um poder irresis­tível."

Vejamos, agora, as reflexões de Brierre de Boismont: "Um fato psicológico que não escapará, certo, à atenção dos observadores, é esta nova manifestação do princípio de dualidade, em virtude do qual essa enferma, acabrunhada pelas chalaças, zombarias, ameaças, projetos sinistros, prestes a ceder ao desespero, vê-se, de súbito, consolada com palavras de bene­volência e animação. Dir-se-ia coexistirem nela dois Espíritos, um bom e outro mau, assomando-a cada qual a seu modo."

Mas, evidentemente, é isso o que se dá. Essa moça é presa de Espíritos perversos, que lhe produzem alucinações de toda espécie, e este exemplo de obsessão completa é bem de molde a inspirar maduras reflexões. Inicialmente, distúrbios de todas as sensações e, a seguir, a desordem do "eu", a luta da inteligência com os sentidos revoltados; consciência momentânea das ilusões, e, depois, a vitória dessas mesmas ilusões; engre­namento da vontade, a debater-se com a força que a empolga.

Haverá espetáculo mais digno da meditação de um filósofo, que o dessa mulher, que reconhece o desregramento dos senti­dos, que sabe ser joguete de puras quimeras, sem poder, con­tudo, subtrair-se à sua influência? Cem vezes ludibriada e persuadida de que o será sempre, não deixa, por isso, de fazer o que as vozes lhe ordenam, indo a toda parte onde elas man­dam. Essa anulação da vontade diante da sugestão dos Espíritos prende-se à fraqueza do sistema nervoso, e torna-se fácil re­produzi-la artificial e transitoriamente com um indivíduo hip­notizável. Pode comparar-se, então, os obsidiados com os sonâmbulos em vigília, que, não obstante sofrendo a ação do magnetizador, têm consciência do seu estado.

Richet (125) demonstra, com experiências hoje bem conhe­cidas, como se podem obter de um sonâmbulo alucinações da vista e do paladar, fazendo-lhe ver alternativamente quadros belos e quadros horríveis, e comentando-os, o que torna mais profunda a impressão alucinatória. De ver-se como eles se inte­ressam e utilizam as aventuras dos heróis descritos, de molde a ficarem violentamente impressionados. Choram ou riem, conforme a narrativa seja triste ou alegre, anulando-se-lhes, em suma, o império das suas idéias pessoais. Este pertence, de fato, ao hipnotizador, e o hipnotizado já não resistirá às im­pressões que lhe vêm do exterior, transformado em autômato intelectual.

O mais notável é que alguns indivíduos têm consciência do seu estado, se bem que incapazes de o modificarem.

Eis um exemplo a mais, tirado de Richet (126)

"Não há, então, nenhuma desordem intelectual, mas já existe, por uma espécie de ação eletiva, inibição e paralisia da vontade.

"Com a Sra. X... podíamos acompanhar muito bem esse fenômeno singular. Assim é que, capaz de analisar-se a si mes­ma, dizia-me: "Não tenho idéia alguma, sinto-me incapaz de prestar atenção seja ao que for. Tenho a cabeça vazia, pare­ce-me tudo ver através de um nevoeiro."

Esta sensação de vácuo é da mesma natureza da mani­festada pela senhorita de que nos fala Brierre de Boismont, que confessava ter a cabeça e a coluna vertebral como que cheias de ar. - Continuemos: - Agora, o paciente é um homem:

"Tomo, então, de um livro qualquer, entrego-lho e digo: "Não o dês a ninguém." Ele bem sabe que tudo isso não passa de uma experiência sem maior importância, mas ninguém lhe obterá o livro. Amigos presentes insistem: "dá-me este livro..." Recusa, alegando motivos e pretextos vários. Por fim, diz: - "não precisais do livro; dá-lo-ei, sim, mas não agora..."

Instado, ainda, e dizendo-se-lhe que a experiência visa, pre­cisamente, avaliar a sua força de vontade para dar o livro, diz que poderia dá-lo, mas não dá. E segue resistindo uns dez minutos a todas as instâncias, procurando arrazoar a sua resistência, e encontrando argumentos que justifiquem a negativa. "Bruscamente despertado por insuflação, cede logo o livro, dizendo que agora pode querer.

"Esta experiência é característica. Eu já a fizera com mui­tos sonâmbulos, mas, com este, torna-se ela mais interessante, porque ele conserva a noção de si mesmo e pode analisar muito bem as próprias sensações. É a inibição da vontade em toda a sua nitidez e simplicidade.

"Essa suspensão da vontade impede toda e qualquer reação às diversas injunções impostas aos sonâmbulos. Ordeno a -M... que ria e ele adverte: - rir de quê? Isso não é sério, é pro forma e eu não tenho vontade de rir... E, não obstante, ri-se, ou antes, careteia algo de riso, e por tanto tempo quanto me praza. Se lhe mando chorar, começa dando um suspiro, tapa os olhos com as mãos, e as lágrimas entram a deslizar-lhe pelas faces.

Podemos, então, analisar-lhe as sensações: é um especta­dor de si mesmo e, sem embargo, um autômato incapaz de resistência, a chorar sem motivo e sabendo que não há mesmo motivo algum para chorar."

Nesta experiência estamos a ver que o sonâmbulo sabe que nela toma parte como instrumento; que é o seu amigo Richet quem nele atua; mas, se o operador estivesse invisível, a situa­ção de M... seria a mesma da senhora mencionada por Brierre de Boismont. Esta não era louca, tinha consciência do seu estado, pois que, a não ser sob a influência incoercível das vozes, entregava-se, normalmente, aos seus misteres, sem que algo denunciasse os distúrbios intercorrentes.

"Durante 10 anos nesse estado patológico - diz o autor -, a enferma não deixou de ocupar-se com os seus negócios, che­gou mesmo a administrar seus bens, cumpriu todos os deveres sociais e, ainda que depois desse tempo as vozes não lhe fa­cultassem um instante de repouso, em nada alterou os seus hábitos. Compreendeu, apenas, de um modo intuitivo, que a razão lhe fugia e procurava, nos avisos e conselhos impossíveis de executar, um alívio para os seus males."

Eis como o Espiritismo oferece uma explicação lógica de certos estados da alma, averbados de loucura e que, absoluta­mente, nada têm de comum com as falsas percepções e com as perturbações cerebrais, porque se prendem a uma certa ação análoga à da sugestão hipnótica, cuja causa há que procurar­mos no mundo espiritual.

O que torna assaz difícil distinguir a loucura da obsessão, é que os sentidos são suscetíveis de alucinação conseqüente a desordens do sistema nervoso, independente de uma intervenção externa e ostentiva.

Torna-se preciso, portanto, uma grande prática e muito discernimento para reconhecer a origem do mal, e os especia­listas acostumados a tratar de alucinações deveriam dispor-se a focalizar o assunto sob este ponto de vista, certos de que daí só poderia resultar enorme progresso neste ramo da medicina.

Na subjugação, antigamente chamada possessão (127), o domínio do Espírito é completo. O subjugado é um instrumento absolutamente dócil às sugestões do Espírito, que chega mesmo a não lutar contra esse poder oculto, quer física, quer moral­mente falando. Torna-se-lhe, assim, inteiramente passivo.

A vontade do obsessor avassalou, substituiu totalmente a sua vontade. Com mais um pouco, acabará perdendo a noção de si mesmo, passando a crer-se um personagem célebre, um reformador do mundo, etc.

Numa palavra: tornar-se-á louco, pois não é impunemente que a influência perturbadora se exerce por longo tempo e, uma vez sobrevindo as lesões do cérebro, a moléstia torna-se in­curável.

Pode o enfermo apresentar diversos tipos de subjugação. Assim que, às vezes, a subjugação é apenas moral e, neste caso, o indivíduo tomará as resoluções mais extravagantes, até contraria aos seus interesses, ou ilegais, firmemente convicto de estar procedendo com absoluto bom senso.

De caráter material, a subjugação pode apresentar moda­lidades bem diferentes.

Allan Kardec conheceu um homem, nem jovem nem bonito, que, impelido pelo Espírito obsessor, ajoelhava-se aos pés de todas as moças. Outro, sentia nas costas e nos tornozelos uma pressão tão forte que o levava a genuflectir-se e beijar o chão, em plena rua, diante de todo o mundo. Este homem era tido por louco, mas ainda não o era, por isso que percebia o seu estado e com isso muito sofria.

O hipnotismo veio dar-nos a chave destes fenômenos. O indivíduo obedece, mais ou menos passivo, a quem o imergiu nesse estado; não pode oferecer resistência eficaz à sugestão, sejam quais forem as conseqüências que lhe possam daí advir.

Suponhamos que essa situação se prolongue por semanas, meses, anos, e teremos as desordens físicas, difíceis de curar, mesmo depois de afastado o Espírito obsessor.

Até agora, ignorava-se que uma causa espiritual extra­-orgânica pudesse originar a loucura e, consecutivamente, de­sordens encefálicas; de sorte que, cuidando apenas do corpo, negligenciava-se quanto ao Espírito.

O Espiritismo veio demonstrar a necessidade de um trata­mento moral do enfermo, coincidente com a intervenção junto do obsessor, e mais, que, em muitos casos, se a lesão não for irremediável, torna-se possível restituir ao alienado o seu vigor orgânico e, com ele, a razão.

Os médicos têm o dever de estudar nossa doutrina, uma vez que sua profissão obriga-os a investigar todos os meios de sarar os enfermos. Mais tarde, quando a fenomenologia espíri­ta estiver mais conhecida, muitas formas de loucura, até agora reputadas incuráveis, poderão ceder a uma terapêutica já não sistematicamente materialista.

O voluntário abandono a que relegam a causa psíquica da enfermidade é o que faz que a Ciência se torne impotente, tantas vezes. Não diremos que se não tenha procurado tratar a loucura do ponto de vista intelectual, o que seria passar atestado de ignorância. O que pretendemos dizer é que se tem tomado uma falsa direção, deixando de cogitar da parte condizente ao obsessor, isto é, do hipnotizador desencarnado.

A este é que importa rechaçar, antes de tudo o mais, com os recursos preconizados pelo Espiritismo. Isto feito, vencida estará a maior dificuldade e não restará mais que reparar o corpo, tarefa que incumbe naturalmente à medicina, desde que, como acima dissemos, as degradações orgânicas não sejam de maior vulto.

Voltando a tratar da loucura em suas relações com a here­ditariedade, é incontestável que, em muitos casos, ela é devida a uma lesão do sistema nervoso e manifesta-se em certas fases da vida, provindo dos pais, por vias hereditárias.

Neste caso, não há que presumir se trate de Espíritos obses­sores. Trata-se do próprio organismo viciado, deteriorado, e que, não mais obedecendo à alma, pode engendrar alucinações radi­cadas no falseado mecanismo cerebral.

Também é freqüente a complicação do fenômeno, podendo a hereditariedade apresentar metamorfoses: assim, um alcoólico pode procriar idiotas, caso em que o encéfalo fica parcialmente destruído por influência alcoólica, de sorte que, na criança, o cérebro não ocupa toda a caixa óssea. Outras vezes, as convul­sões dos ascendentes transmudam-se em histeria, ou epilepsia nos descendentes.

Cita-se um caso de hiperestesia paterna (desenvolvimento doentio da sensibilidade), que se estendeu aos netos e produziu a mania, a hipocondria, à histeria, às convulsões, os espas­mos... Casos são estes abundantes (128), que a teoria da reen­carnação expiatória explica satisfatoriamente. Vamos dar alguns exemplos:

O perispírito não é criador, é simplesmente organizador da máquina, mas, se a hereditariedade apenas lhe faculta mate­riais viciados ou incompletos, ele é incapaz de os regenerar e sempre restam partes do cérebro forradas à sua influência.

Ora, tão complexa é a vida mental, o jogo de faculdades tais como memória, ideação, imaginação, julgamento, etc.; e tão íntima é a sua ligação, que a deficiência de uma só faculda­de entrava a manifestação das outras. E, daí, as desordens a que aludimos.

Guitras também nos conta o seguinte: - Um homem aco­metido de loucura tem filhos normais, que exercem cargos pú­blicos com muito critério. Isto, bem entendido, de começo, porque, aos 20 anos, ficam loucos. Sobre 22 casos de loucura hereditária, Aubanel e Thoré notaram episódios deste gênero.

Famílias há cujos membros, salvo raras exceções, são atin­gidos da mesma espécie de loucura. De uma feita, internaram­-se, no mesmo dia, três parentes, num hospício de Filadélfia. No de Connecticut, havia um louco que era o undécimo da família. Lucas refere-se a uma senhora que era o oitavo, e o mais curioso é que o mal manifestava-se na mesma idade, através de sucessivas gerações.

Um negociante suíço viu morrerem-lhe dois filhos loucos, ao completarem os 19 anos. Uma senhora enlouqueceu de parto aos 25 anos, e teve uma filha que enlouqueceu na mesma idade, depois de repetidos partos. Em dada família, pai, filho e neto suicidaram-se aos 50 anos (Esquirol).

Nada obstante todos estes fatos que acabamos de citar, a hereditariedade intelectual não se faz regra, pois se nota que são as enfermidades e não as faculdades propriamente ditas que se transmitem por via seminal. As qualidades inatas são muito mais freqüentes, em que pesem às numerosas exceções.

Foi o que sustentou o Dr. P. Lucas, cuja opinião compar­tilhamos, visto sabermos que o Espírito, ao encarnar, traz a sua individualidade, quase sempre diferente da dos pais. Não vemos, às vezes, homens de gênio nascidos de troncos medío­cres? E, por outro lado, celerados oriundos de famílias honestas?

A lei da reencarnação explica perfeitamente estas anoma­lias aparentes, visto que neste estudo, como em todos os que afetam o físico e o moral, importa não nos colocarmos num ponto de vista exclusivista, sob pena de ficarmos sempre adstri­tos a um só lado da questão. O sábio que só encara a matéria engana-se tão redondamente quanto o espiritualista que só enxerga o Espírito.

Ao Espiritismo cabe esclarecer a Ciência, dilatando-lhe os domínios até ao mundo invisível. Diremos, portanto, que o Es­pírito, encarnando, traz consigo, incontestavelmente, as aqui­sições de vidas anteriores, mas são preciso termos em conta as disposições orgânicas, que podem ser favoráveis ou prejudiciais ao desenvolvimento das faculdades inatas.

Eis o que, a respeito, diz o Dr. Moreau (de Tours) (129), que não admite a hereditariedade senão do ponto de vista fisioló­gico, quando afirma ser a transmissão hereditária das falhas orgânicas que produz as moléstias mentais nos descendentes. Outra coisa não dizemos nós, embora divergindo, em absoluto, do Dr. Moreau, quanto à natureza do princípio inteligente.

Para os materialistas, sendo a alma uma resultante do organismo, só pode adoecer dele e por ele: nós, porém, que acreditamos na independência constitutiva da alma, dizemos que ela não adoece jamais, e somente não pode manifestar suas faculdades num corpo mal aparelhado, a que faltem quais­quer elementos indispensáveis ao bom funcionamento integral do Espírito.

Seria o mesmo que pretender que um pianista timbrasse a nota sol num piano a que faltasse, em todas as oitavas, a corda correspondente a esse som.

Estamos, pois, com a Ciência, no convir que a loucura re­sulta, as mais das vezes, de uma lesão ou perturbação nervosa, transmissível por hereditariedade; mas, nossa explicação do fenômeno difere em absoluto, visto que a alma é uma entidade independente e sobrevivente à morte, qual o demonstra o Espiritismo.

Uma citação tomada ao Dr. Moreau fará melhor compreen­der a nossa divergência: "É, diz ele, compreender mal a lei da hereditariedade o esperar a repetição de fenômenos idênticos em cada nova geração.

“Houve quem recusasse subordinar as faculdades mentais à hereditariedade, porque pretendiam fossem o caráter e a inte­ligência dos descendentes exatamente semelhantes aos dos as­cendentes; que uma geração fosse cópia da sua predecessora; que pai e filho dessem a impressão da mesma criatura binas­cida, e percorrendo consecutivamente a mesma via, nas mesmas condições. Mas, não é na identidade das funções, dos fatos orgânicos ou das faculdades intelectuais que importa procurar a aplicação da lei de hereditariedade. É, sim, na fonte mesma da organização, é na constituição íntima...”.

"Uma família cujo chefe morreu louco, epiléptico, não se compõe de loucos e epilépticos, mas os filhos podem sair idiotas, paralíticos, escrofulosos. O que o pai transmitiu não foi a loucura, mas o vício de sua constituição, que vai aflorar sob formas diferentes pela histeria, epilepsia, escrofulose, raquitis­mo. Assim é que se deve entender a transmissão hereditária.

" Eis um outro testemunho, a confirmar o do Dr. Moreau. Re­ferindo-se aos jovens reclusos das casas de correção, o Dr. Le­grand du Saule mostra-nos toda uma categoria de "criaturas rixentas, irritadiças, violentas, nada inteligentes, refratárias a qualquer princípio de honestidade, indisciplinadas e incorrigí­veis". Quem foram, porém, seus pais?

Foram valetudinários, ou consangüíneos, alcoólatras, epiléticos, alienados; ou foram - os que são mais comuns - filhos de um pai ignorado e de mãe raquítica, histérica - filhos de um pai ignorado e de mãe raquítica, histérica, prostituída ou prostituta.

Fatos são estes que evidenciam o papel e a importância do corpo nos casos de anormalidade. Eles nos elucidam e facilitam compreender por que tal ou qual criança apresenta pendores para a loucura, mas, em absoluto, não destroem a lei da reen­carnação e a identidade do ser que vem encarnar-se. Ao demais, a observação estabelece, de modo direto, que a hereditariedade intelectual não é o que se dá, e que, sempre e por toda parte, o que há é apenas transmissão dos caracteres físicos.

Firmemo-nos bem neste ponto tão importante para nós outros:

1 - O que prova a reencarnação, diz Burdach, é que, por vezes, tendo os pais uma inteligência assaz limitada, os filhos revelam as mais auspiciosas disposições. É comumente de pais medíocres que derivam homens superiores, espíritos cuja in­fluência se faz sentir por milênios, e cuja presença na Terra dir-se-ia necessária à Humanidade, na época em que surgiram.

Veja-se que os maiores expoentes nasceram de famílias pobres, vulgares, quase anônimas. Exemplos: o Cristo, Sócrates, Joana d'Arc.

2 - Temos os filhos indignos de pais ilustres: assim o de Cícero; Germanicus e Calígula, Vespasiano e Domiciano, Marco Aurélio e Cômodo; os filhos de Henrique IV, de Luís XIV, de Cromwell; de Pedro, o Grande; de Lafontaine, de Crébillon, de Goethe, de Napoleão.

3 - As raças inferiores podem produzir grandes homens, como, por exemplo, entre os negros, Toussaint Louverture.

4 - É muito comum observar que, a despeito de grandes semelhanças físicas, os filhos podem, moralmente, em nada se parecerem com os pais.

O Espiritismo, graças à lei hoje bem demonstrada da reen­carnação, explica essas anomalias da hereditariedade, anoma­lias desconcertantes para quantos teimam em recusar a inter­venção do elemento espiritual como individualidade bem definida, nos problemas que não dispensam esse postulado para a sua resolução.

E eis por que ficam adstritos a dizer com Ribot:

"Quais as causas dessa metamorfose? Por qual transmu­tação misteriosa a natureza extrai o melhor do pior, e vice­-versa?

De nós nada podemos responder, senão que é questão fora do alcance da ciência atual. Nós não podemos explicar por que tal ou qual atividade se transforma ao transmitir-se, tampouco por que reveste uma que não outra modalidade."

Vé-se, pois, em suma, que, para bem compreender a natu­reza humana, é preciso considerar a hereditariedade que se exerce sempre do ponto de vista fisiológico, e que, sem admi­tirmos sejam transmissíveis às faculdades do Espírito - o que é impossível, segundo o Espiritismo - haja disposições orgâni­cas, dos pais, a se revelarem em seus descendentes.

Dai, uma grande responsabilidade para quantos, sabendo-se atingidos de moléstias incuráveis, ou de vícios que lhes deixa­ram estigmas indeléveis, não temem procriar seres que, fatal­mente, trarão esse estigma indelével pela leviandade ou im­previdência dos genitores.

Ouçamos, a propósito, o sábio e consciencioso naturalista Quatrefages:

"Há muito se vem notando que os filhos concebidos em estado de embriaguez apresentam, às vezes permanentes, uns tantos sinais característicos desse estado, como sejam - senti­dos obtusos e faculdades intelectuais quase nulas.

"Ora, em Tolosa, durante curto estágio clínico, tive ocasião de observar um destes casos. Um casal de operários, oriundos de famílias sadias de corpo e de alma, tinha quatro filhos, dos quais os dois mais velhos eram vivos e inteligentes; o terceiro, imbecil e quase surdo, e o quarto, parecendo com os mais velhos. Informações recolhidas da genitora, a quem muito afligia a condição do terceiro, permitiram-me saber que ele fora conce­bido estando o pai embriagado.

"Este caso, por si só, teria pouca ou nenhuma significação, mas, aditado aos divulgados por Lucas, Morel, etc., tem uma grande importância."

Não há como o alcoolismo para produzir esses tristes resul­tados, e, sem querer alongar o assunto, pensamos ter tido o suficiente para que se compreenda a gravidade inerente a estas questões tão delicadas.

As disposições orgânicas herdadas são, por conseguinte, vantajosas ou nefastas, e o Espírito, que se encarna de acordo com o seu grau de progresso, submete-se a uma família ou escolhe (130) a que lhe permita realizar, na Terra, as suas as­pirações. Se deve cultivar a ciência, a arte ou as letras, as afi­nidades perispirituais levá-lo-ão, de preferência, aos centros onde se apuram essas atividades. Se, ao invés, precisa sofrer para depurar-se, será atraído para famílias nas quais as tendências hereditárias manifestam-se intensamente, fazendo, assim, da vida terrena uma provação dolorosa.

Desse modo se explicam as enfermidades terríveis que pa­recem assaltar arbitrariamente umas tantas famílias, e que le­variam a duvidar da Justiça divina, se o Espiritismo não acla­rasse o porquê da aparente iniqüidade.

Resumo

No momento de encarnar, o perispirito une-se, molécula a molécula, à matéria do gérmen. Possui este uma força vital, cuja energia mais ou menos vigorosa, transformando-se em energia atual durante a existência, determina a longevidade do indivíduo.

Esse gérmen também contém gémulas modificadoras do or­ganismo, em virtude das leis da hereditariedade, ou melhor - a força vital, modificada pelos pais, transmite as disposições or­gânicas da progenitura. É, pois, sob a influência da força vital, que o perispírito desenvolve as suas propriedades funcionais.

A evolução vital do gérmen recapitula, de um modo rápido, as conformações ancestrais que a raça experimentou.

Assim como o duplo fluídico encerra, sob a forma de movi­mentos, o traço indelével de todos os estados da alma após o nascimento, assim também o gérmen material contém em si a impressão indefectível de todos os sucessivos estados do peris­pírito.

A idéia diretriz que determina a forma está, por conseguinte, contida no fluido vital, e o perispírito dele se impregnando, nele se transfundindo, a ele unindo-se intimamente, materializa-se o bastante para tornar-se o diretor, o regulador, o suporte da energia vital modificada pela hereditariedade. É graças a ele que o tipo individual se forma, desenvolve-se, conserva-se e se destrói.

Eis por que o perispírito é o decalque ideal do corpo, a rede fluídica estável através da qual passa a torrente de matéria flutuante, que a cada instante destrói e reconstrói todo o orga­nismo. É ao perispírito que o Espírito deve a conservação de sua identidade física e moral, visto ser possível ligar o tão pro­fundo quão persistente sentido do ego à matéria em constante renovação.

O que torna essa força invencível com a certeza de sermos sempre nós mesmos, desde que nascemos, até à morte, é a memória.

Ora, as moléculas do corpo renovam-se, foram em todos nós renovadas milhares de vezes no curso da vida, e, assim sendo, ela - a memória, visto que só ela persiste, não pode haver-se como propriedade do que é de si mesmo instável, isto é, a matéria. A memória é atributo do invariável, do invólucro fluídico - o perispírito.

Também verificamos no homem instintos específicos, ou seja, privativos da raça.

É coisa que não nos deve surpreender, visto que a alma, com o seu invólucro, não atinge o período humano senão quan­do apta para dirigir um corpo humano. Portanto, os instintos primordiais são os mesmos para todos; mas, outros há, indivi­duais, que dependem dos progressos particulares, realizados autonomicamente, de sorte que a reação aos estímulos exterio­res varia conforme a natureza particular de cada um.

A transmissão dos pendores orgânicos permite-nos com­preender porque os Espíritos encarnam antes nuns que nou­tros meios; é que eles buscam os elementos adequados ao de­senvolvimento de tais ou quais faculdades.

As afinidades fluídicas têm, portanto, grande importância no ato do nascimento. Se, igualmente, admitirmos a evolução por grupos, teremos demonstrado que os Espíritos não podem encarnar onde desejam. Um selvagem, cujo desenvolvimento intelectual e moral seja muito inferior à média atingida nos povos civilizados, não poderá colher aí um corpo físico, já que suas afinidades constrangem-no a regressar ao seu ambiente, até que tenha progredido o bastante para harmonizar o invólucro fluídico com um meio mais elevado.

Todos os seres evoluem por gradações insensíveis, por tran­sições imperceptíveis; mas, se quisermos avaliar o caminho percorrido, basta comparar os extremos de uma série: o selva­gem e o, homem civilizado, para vermos a diferença que separa o homem contemporâneo do seu ancestral quaternário.

Temos visto que as disposições mórbidas são transmissíveis, e que, não sendo o espírito engendrado pelos genitores, nem por isso deixa de ser coagido, no exercício de suas faculdades, à mercê de uma organização defeituosa.

É uma das mais dolorosas provações. Sucede, às vezes, que a loucura não é real, não se radica no organismo, é produzida por Espíritos obsessores, cuja influência vai da obsessão à subju­gação. Nestes casos é que podemos considerar o Espiritismo um benefício social. Ele pode ir ao encontro de milhares de cria­turas, pobres vítimas enclausuradas nos manicômios, e que, de simples obsidiados que são, acabam realmente loucos, quando atirados a tais ambientes.

CAPITULO VI

O UNIVERSO

SUMARIO: A matéria e o espírito. - A evolução cósmica. - A evolução terrestre.

Religiões e filosofias que na Terra se têm sucedido sempre estiveram estreitamente ligadas e adstritas aos conhecimentos humanos do tempo em que foram concebidas. No Cristianismo é fácil encontrarmos o traço das falsas idéias cosmogonias da época romana. A Terra era o centro do Universo, e nada do que pudesse existir fora criado senão para a Terra. Os pro­gressos da ciência, contudo, têm modificado muito esse con­ceito. De fato, sabe-se hoje que a nossa Terra não passa de pequeno planeta caudatário do sistema solar, e que mundos outros, em profusão, estendem-se por todas as regiões do es­paço, bem como que o Universo é infinito em todas as direções.

Estas verdades atingiram fundo os velhos dogmas, e liber­taram o espírito humano com o lhe dar uma noção mais alta do poder eterno que preside às evoluções do Cosmo.

Elevando-se acima das concepções antropomórficas, o ho­mem entreviu o incriado e j á se permite sondar todos os mis­térios, sem temer ser castigado por sua ousadia.

Foi a lente astronômica o primeiro aparelho que revelou a nossa verdadeira posição no Universo, por demonstrar que os outros planetas são astros como a Terra. Sua forma, cons­tituição, seus movimentos, são semelhantes aos do nosso globo; e, portanto, nossos irmãos do Infinito.

Galileu mostrou que, em vez de pontos luminosos, há terras do céu, com os seus continentes, atmosferas e satélites, tal como aqui mesmo.

Maravilhosa descoberta! Se esses mundos apresentam ca­racterísticas tão semelhantes às nossas, é força concluir que tenham tido a mesma origem, e as fases por nós percorridas hão de ser as que eles percorreram, ou hajam de percorrer.

Descartes, chamando à Terra um sol encrostado, tinha pressentido essa grande verdade. Deixando de lado o sistema solar, já então acanhado para o seu arrojo, o espírito humano, mercê do telescópio, voa com Herschell para os astros longín­quos, abismalmente separados do nosso sistema. E são as es­trelas e nebulosas a estadearem esplendores diante do nosso olhar maravilhado! Aqui, é a vastidão dos céus que nos desafia a imaginação aturdida com as perspectivas insondáveis. A dis­tância das estrelas, uma nebulosa com o diâmetro da órbita terrestre, ou seja, 74.000.000 de léguas, seria invisível! Percep­tível, apenas, sé-lo-ia a que o tivesse igual à órbita de Júpiter, ou de Saturno. As mais compactas ultrapassam a órbita de Netuno, computada em 22.222.000.000 de léguas! Outras, ainda mais gigantescas, mal pudera o espírito humano imaginar-lhes as proporções.

Esses formidáveis amálgamas de matéria cósmica mostram, às vezes, pontos brilhantes que, não já considerados em uma só, mas em muitas nebulosas, nos aparecem cercados de nebu­losidades mais ou menos extensas. É de se presumir que esses núcleos nos oferecem todos os graus de condensação da maté­ria que os compõe', desde a nuvem mais difusa até a estrela mais bem formada.

Surge, então, a magnífica concepção da gênese dos mundos, a prosseguir-se incessante nas solidões do espaço infinito.

Para presenciar essas transformações ciclópicas, preciso fora utilizar períodos de tempo ante os quais a vida e a ciência humanas não representam, certo, mais do que um minuto. Con­siderando, porém, uma série de astros em todos os graus de transformações, a ciência imita o naturalista, que, ao percorrer uma floresta, examina as árvores da mesma essência ern diver­sas fases de crescimento, e infere das suas observações o ciclo que a planta percorreu nas diversas épocas de sua existência.

Na conquista do astral, onde e como deter a pesquisa auda­ciosa deste pigmeu, ínfimo entre os mais ínfimos pigmeus do universo? A fotografia recuou os limites de acesso a distâncias incalculáveis, mas, quem revelará ao pigmeu a natureza desses mundos longínquos, intervalados de abismos vertiginosos, imen­suráveis? O Espírito está, porém, senhor da matéria e do es­paço, visto que um novo meio, eficiente quão inesperado, vai permitir-lhe analisar esses mundos perdidos nas insondáveis profundezas do infinito.

Em vez de considerar a luz do ponto de vista das imagens que ela rios pode facultar, fazemos-lhe a análise, e esta nos revela a natureza química do corpo que no-la envia, e mesmo dos corpos que, colocados no trajeto dos seus raios, podem mo­dificá-los por absorção.

É uma descoberta de alcance filosófico incalculável, de vez que prova materialmente a grandiosa unidade das leis naturais que regem todo o Cosmo.

Essa análise espectral, extensiva a estrelas e nebulosas, afirma que a matéria, idêntica por toda parte é, portanto, o alicerce fundamental das nossas induções filosóficas.

Entretanto, nesta senda, podemos ir ainda mais longe. Não satisfeitos de podermos calcular, com rigorosa justeza, a tra­jetória desses astros, de os pesar e analisar, ainda nos foi dado avaliar-lhes a idade no conjunto da criação. Possível, então, decifrar os maravilhosos hieróglifos dessa imagem prismática, que nos mostra o conjunto dos raios de um astro e permite separá-lo classificá-los, ordená-los, segundo a sua composição química, o seu movimento e a sua temperatura. (131)

"Se o corpo fosse simplesmente' aquecido, sem ser levado à incandescência, o seu espectro advertir-nos-ia dessa circuns­tância, por esses raios que nos dão a sensação luminosa. Mas, desde que a incandescência se produz, os raios luminosos e fo­tográficos aparecem. Mais ativada a incandescência, mais se enriquece o espectro no campo violeta, que é sempre indício de alta temperatura.

"Que mais se elevasse essa temperatura, o violeta e os raios invisíveis que o acompanham tornar-se-iam mais abundantes. Pode mesmo conceber-se, por uma espécie de abstração, um corpo levado a tal temperatura que já não emitisse mais que esses raios invisíveis, situados além do violeta, que a vista não mais perceberia e só reveláveis pela fotografia, pela fluores­cência ou pelos aparelhos termoscópicos." (132)

Sabemos, assim, que as estrelas mais aquecidas são as mais novas e poderemos classificá-las pela sua idade. Existem astros em todos os graus de evolução, desde os sóis mortos até os que ainda não entraram em atividade.

Que dizer desses mundos que, qual o nosso, mais não são que satélites de sóis mil vezes maiores e poderosos?! Descobriu-se, diz o Pe. Secchi, que Sírius tem, efetivamen­te, um satélite difícil de ser entrevisto, porque está imerso na irradiação do astro principal; contudo, puderam achá-lo e medi-lo, graças aos possantes telescópios modernos.

Se consideramos, por um momento, as conseqüências físicas da multiplicidade desses sistemas luminosos e dos astros apa­gados que os acompanham, logo a surpresa nos empolga.

Num sistema de grande excentricidade, como o da Alfa do Centauro, os planetas devem ser aquecidos ora por dois sóis muito vizinhos, ora por um sol muito próximo e outro muito afastado. Junte-se a isso o que as estrelas duplas muitas vezes apresentam de matizes variados e complementares, e teremos que ainda o mais imaginoso dos poetas seria incapaz de expri­mir as fases de um dia aclarado por um sol vermelho; de uma noite com revérberos de sol verde; de outro dia banhado por dois sóis de cores diferentes e rivais no brilho; de uma noite a preceder-se de aurifúlgido crepúsculo, e seguida de azulínea aurora. (133)

Calculados, como foram, os movimentos desses astros de maravilhosas cambiantes, temos, hoje, por certo, que a lei de atração não vige apenas para o nosso orbe, mas para todos os ocupantes do espaço infinito. (134)

Sábios houve que presumiram o fim do Universo. Estri­bando-se nas leis de conservação da energia, eles demonstra­ram que todas as transformações que se operam num sistema fechado, qual o formado pelo Sol com os planetas que lhe gra­vitam em torno, têm por fim transformar a energia potencial em atual, ou seja, produzir uma temperatura igual em todas as partes integrantes do sistema. Se a vida deriva - o que é certo - de um determinado grau de temperatura, depreende­-se que, extinguindo-se o Sol, é indubitável que a vida desapa­recerá da Terra e dos planetas. Mas, nós não sabemos ainda qual o momento em que haja de verificar-se esse fenômeno.

As experiências mais perfeitas, os cálculos mais autoriza­dos, não permitiram verificar, desde que se entrou a observar o Sol, qualquer diminuição apreciável da sua energia. Mas, em suma, admitamos que, ao fim de tempos incalculáveis o foco radiante vai esfriar-se, apagar-se, morrer. Será certo mesmo que, daí por diante, não haja mais possibilidade de vida?

Ninguém poderia afirmá-lo, ainda que o Sol fosse fixo, e muito menos sendo móvel, a deslocar-se para a constelação de Hércules com a velocidade de cento e onze milhões de léguas por ano. E ninguém poderá dizer que, decorridos períodos assim milenários, a lhe esgotarem a energia, não venha ele a encon­trar-se numa região sideral, onde outro sol possa fornecer-lhe o que nos deu, isto é: o calor, a luz, a vida.

Mas, mesmo supondo que todo o nosso sistema solar pu­desse ser atingido de morte, lícito não fora presumir tivesse o Universo a mesma sorte. A verdade acidental para um siste­ma fechado não pode generalizar-se ao infinito. Nós ignoramos totalmente se o poder organizador, que faz evoluir a matéria, tem fixado limites às suas manifestações.

Tudo, ao contrário, nos induz a crer na eternidade do mo­vimento e da vida. As descobertas astronômicas atestam que a matéria existe em todos os graus de condensação, e que, muito antes da formação da Terra, as estrelas já fulgiam no firma­ do Universo e nas manifestações criadoras a se desdobrarem ao infinito, no tempo e no espaço.

A Matéria e o Espírito

Não conhecemos a matéria, substancialmente, em si mesma, tal como se dá com a força ou o espírito, que apenas podemos perceber em suas mútuas relações. Eis por que não podemos formular uma teoria completa, abrangendo todos os fenômenos sucessivos. Não nos é dado saber se uma dessas realidades en­gendrou as outras por via evolutiva.

Os filósofos, conformes com as suas tendências espirituais, deram ascendente de prioridade a um ou a outra, mas, de qualquer forma, esbarraram todos com dificuldades lógicas in­transponíveis.

Se admitirmos que a força é uma maneira de ser, um aspec­to da matéria, não haverá mais do que dois elementos distintos no. Universo - matéria e espírito - irredutíveis entre si. O que caracteriza essencialmente o espírito é a consciência, isto é, o eu, mediante o qual ele se distingue do que não está nele, isto é, da matéria. Desde as primeiras manifestações vitais, o eu evidencia a sua existência reagindo, espontaneamente, a uma excitação exterior. No mundo inorgânico tudo é cego, passivo, fatal; jamais se verifica progresso, não há mais que mudanças de estados, as quais em nada modificam a natureza intima da substância. No ser inteligente há aumento de poder, desenvol­vimento de faculdade latente, eclosão do ser, a traduzir-se por exaltação íntima do indivíduo.

As modalidades da matéria ou da força movimentam-se num ciclo fechado - o ciclo das transformações. Elas podem mover-se umas nas outras, substituírem-se alternativamente por mudanças na freqüência, na amplitude ou na direção dos movimentos vibratórios. A alma, essa, é una, e cada essência espiritual é individual, é pessoal. Nenhuma alma pode trans­mutar-se noutra, substituir outra. Portanto, uma unidade irre­dutível, que tem a existência em si.

Suas faculdades posto que semelhantes as das outras almas, tem contudo um desenvolvimento próprio peculiar

Para a alma há progresso, modificação intima, ascensão sem um retorno a um estado menos desenvolvido. Esse progresso manifesta-se por um poder sempre crescente sobre o não-eu, isto é - a matéria.

Já vimos como se pode compreender a evolução espiritual no tempo, engendrando formas materiais, cada vez mais per­feitas, e, agora, vamos sumariar o conjunto desses conhecimen­tos, partindo da matéria primordial.

A evolução cósmica

Estudando a matéria através dos seus diferentes estados físicos, sabemos que ela vai-se rarefazendo à proporção que a formos passando do estado sólido ao gasoso. Chegada a este estado, as moléculas adquirem grande instabilidade, porque animadas de movimento rotativo extremamente rápido, e de outro movimento retilíneo em todas as direções. Este último resulta do choque mesmo das moléculas animadas do movi­mento rotatório, que é, com efeito, a força viva, armazenada e capaz de engendrar todos os demais movimentos. Representa, portanto, a soma de trabalho disponível, isto é, energia. Se­gue-se, daí, que é nas moléculas gasosas que a energia poten­cial se nos apresenta no mais alto grau.

De fato, a natureza mostra-nos que a matéria nebulosa afeta, implica um estado de grande rarefação. Supuséssemos toda a matéria do sistema solar uniformemente repartida no espaço esférico abrangido pela órbita de Netuno, e teríamos uma nebulosa gasosa, homogênea, quatrocentos milhões de vezes menos densa do que o hidrogênio à pressão ordinária, que pesa por si mesmo quatorze vezes menos que o ar. (135)

Nesse estado, a matéria deve ser ultra-radiante, apresen­tando todos os caracteres da energia.

Nem por isso deveremos considerá-la sob a sua forma pri­mordial, de vez que ainda tem peso. Não ignoramos que sábios ilustres quais Helmholtz, Crookes, Carnellay, baseando-se no estudo da energia, admitem possa a matéria afetar estados extremes de peso. Possível se nos torna, assim, imaginar uma substância primitiva, invisível e imponderável; que corresponda ao estado primordial da matéria, ou seja, o fluido universal. A idêntica conclusão chegaremos, examinando as propriedades químicas da matéria. Trata-se, pois, de uma indução muito le­gítima e de inteiro acordo com as descobertas e tendências da ciência contemporânea.

Isto posto, é possível compreender que todos os fenômenos físicos da formação de um planeta dependem de condensações sucessivas, cada vez mais completas, do fluido universal.

A matéria, sob sua forma primitiva, ocupa a extensão infi­nita. Ela existe em todos os graus de rarefação, desde o estado inicial ao de materialidade visível e ponderável.

O éter dos físicos não é senão modalidade já bastante dis­tanciada da matéria universal. Ensinam os Espíritos que esses estados diferenciais de rarefação representam o que denomina­mos fluidos, e existem em grande número, tão diferentes por suas propriedades quanto para nós o são os estados da maté­ria. É no estudo desses fluidos que vamos encontrar a explica­ção de inúmeros fenômenos cuja causa atualmente nos escapa. Prosseguindo a condensação da matéria única, o movimento atômico, que se mantinha no seu potencial máximo, vai dimi­nuindo e dando ensejo ao surgimento de múltiplas manifestações da energia a que chamamos forças naturais. Depois, dimi­nuindo sempre de amplitude o movimento original, a rarefação primitiva torna-se menor e aparece-nos a matéria nessas tênues nebulosidades, que ocupam no espaço infinito regiões determi­nadas, nas quais se hão de desenvolver os mundos do futuro. Quem, no entanto, poderia calcular a série de séculos neces­sários à formação desses mundos?

Para que o Espírito pudesse ter uma idéia a esse respeito, precisas lhe seriam unidades tais de tempo, que, tomado o pe­ríodo de desenvolvimento e transformações do nosso globo, nem assim chegaríamos a um resultado. A propósito, a Astronomia fornece-nos alguns dados positivos: sabemos como a matéria cósmica se concentra lentamente para o seu centro. A queda de todos os átomos para o centro de atração desenvolve um grande calor, ao mesmo passo que a nebulosa toma um movi­mento de rotação circular, formando zonas girantes, de veloci­dades desiguais, segundo o seu maior ou menor afastamento do centro. Cada um desses anéis condensar-se-á para formar uma pequena nebulosa, rodando no sentido da nebulosa inte­gral e em torno do seu centro particular. A medida que a con­centração molecular for aumentando, o calor engendrado irá produzindo sóis que iluminarão a noite profunda.

Se examinamos um desses mundos secundários, como a Terra, por exemplo, chegamos a reconstituir a sua história side­ral: temos, de princípio, uma estrela branca e fulgurante qual Sírius, muito quente, e onde a matéria ponderável começa a diferençar-se, dando nascimento ao mais leve de todos os corpos - o hidrogênio. Durante muito tempo, esse novo mundo lançará radiações luminescentes em todas as direções do espa­ço, até que, diminuindo-lhe o calor, ou seja - tornando-se o movimento vibratório menos intenso, se ensejam outras con­densações. A sua luz tornar-se-á amarela como a solar, e pos­sível será o aparecimento sucessivo dos diferentes metais que aqui existem. Por fim, os metalóides e as combinações dos metais entre si poderão verificar-se, e a luz já será dum verme­lho vivo, a sombrear-se de mais a mais, até extinguir-se de todo. Completa-se, nesse instante, a diferenciação; em temperatura decrescente, as diversas condensações tomaram posições de equilíbrio estável não mais suscetível de modificar-se. Estão, assim, engendrados os corpos simples.

Disso não se deve concluir que esse decréscimo de tempera­tura possa, de qualquer modo, comparar-se ao que hoje persiste.

Devemos figurar a Terra como um laboratório imenso, onde os corpos ainda se encontram no estado vaporoso, liquefeitos em parte, isto é, sob uma temperatura de 2.000 graus, aproxi­madamente. Apenas uma leve camada de escórias reveste o enorme braseiro ígneo. A atmosfera apresenta-se-nos carregada de vapores, sulcada de formidandas descargas elétricas. Mas, o frio dos espaços interplanetários atua ainda de longada, as con­densações metálicas operam-se mediante forças físico-químicas desencadeadas, e a crosta sólida vai aumentando, até que chega a interceptar os raios do foco central. Já, então, os vapores aquosos ter-se-ão condensado e todo o globo apresenta-se co­berto pelas águas.

Durante essa fase, nascera a Lua, destacada da nebulosa terrestre pela rapidez do movimento de rotação, muito mais célere que o atual.

E no seio tépido dos mares primitivos, sob a ação da luz, do calor e de uma pressão hoje difícil, senão impossível de reproduzir-se, que se formou essa massa viscosa chamada pro­toplasma, primeira manifestação da vida inteligente, que deve desenvolver-se progressiva e paralelamente, e produzir a inumerável multidão de formas vegetais e animais, para chegar, após uma série de séculos ou milênios, à obra tão pacientemente perseguida: - a aparição do ser consciente - o homem.

A evolução terrestre

Não encerrando os terrenos primitivos qualquer traço de matéria organizada, temos por certo que a vida surgiu na Terra em um dado momento. Vimos que ela, a vida, não é mais que uma modificação da energia, a preludiar-se naturalmente na construção geométrica dos cristais que se organizam, reparam as fraturas e reproduzem-se acidentalmente, quando, cindidos por uma força exterior, se mergulha em água-mãe a parte lascada.

Essa matéria, porém, é inerte, desprovida de espontanei­dade; torna-se-lhe necessária a adjunção do princípio intelec­tual para poder animar-se. É um problema que fica resolvido com o protoplasma. Não há individualidade nessas massas gela­tinosas, moles, viscosas, que tomam indiferentemente todas as formas; mas, logo que se opera uma condensação na massa, como sucedeu com as nebulosas, essa condensação chama-se núcleo. Depois, o protoplasma reveste-se de uma camada mais densa e é o começo do invólucro membranoso-A partir desse momento, está o ser vivo constituído; é a célula que há de ser molécula vital, de que se formam todos os seres organizados. Animais ou vegetais, do mais simples ao mais complexo, não passam de associação de células mais ou menos diferenciadas. Todo o trabalho futuro consistirá nesse agrupamento, e os meios utilizados pela Natureza, para variar a sua obra primiti­va, são bem simples, resumem-se em duas proposições: seleção natural ou, melhor dito - luta, pela vida, e influência do meio, cuja ação é enérgica para variar as formas, a alimentação e os instintos.

Os primeiros habitantes dos mares laurentianos são, por­tanto, células albuminóides, microzimas, moneras, amebas, cujas primeiras associações irão formar essas algas que tapeçam o fundo dos mares. No princípio, a vida é incerta, os animais e os vegetais como que se confundem; mas, não tardarão a diferen­çar-se: as células de envoltório flexível engendrarão os seres móveis, os animais; as de invólucro resistente, da natureza da celulose, engendrarão os vegetais imóveis. Nascidos diretamente do protoplasma, os primeiros organismos animais são células livres, dotadas de vida própria. As amebas, bastante parecidas com uma gota de óleo, contraem-se e caminham penosamente, não têm uma forma bem definida ainda. Um primeiro aperfei­çoamento verifica-se nas moneras esféricas, providas de cílios retráteis, que lhes permitem deslocarem-se. Os volvoces são animados por movimento de contínua rotação. Nestes seres primários, surdos, cegos, mudos, o único sentido é o tato. Repro­duzem-se por fracionamento; quando a célula ultrapassa um certo volume, opera-se o estrangulamento da massa, seccionada em duas partes, a formar cada qual uma nova célula. Desses primitivos organismos, cuja espécie deve ser contemporânea do surgimento da vida no Planeta, ainda se encontram exemplares submarinos. Sua alimentação opera-se por simples absorção, como nas plantas e, no entanto, as células possuem todos os caracteres da vida, são efetivamente os antepassados de todos os animais superiores.

Um pouco mais tarde, essas células já se não separam em se reproduzindo, e apenas ficam associadas por filamentos, tal como se dá com o myxodictyum sociale. Os protistas ou zoófitos oferecem o exemplo da primeira vida celular em comum. Va­riável a forma desses animais, temo-los ovóides e avermelha­dos, achatados como folhas, vivendo outros encasulados, rami­ficados em colônias arborescentes. Contudo, a fusão entre indi­vidualidades distintas, que formam o animal, ainda não está feita e só se fará lenta e progressivamente. Nos protistas, cada parte vive de sua própria conta, e preciso se torna um entendimento da vida em comum, uma divisão do trabalho geral, para engendrar um progresso. As esponjas patenteiam já uma tal ou qual individualidade obscura. É uma sociedade de amebas e de infusórios flagelíferos, que se soldam em massa comum que se retrai ou se dilata em bloco, absorve e expele a água de que se nutre.

As hidras, os polipeiros, as medusas, são formas transitó­rias que a natureza emprega para fundir as unidades particula­res numa individualidade total. Aí, já existem músculos rudi­mentares, que dão à massa movimentos de conjunto. Já há um estômago e alguns rudimentos de nervos. Faltam ainda, porém, a vista, o olfato, a audição. Na hidra, por exemplo, as proprie­dades diferenciam-se tão pouco, que, se lhe invertermos a bolsa, o exterior torna-se interior e continua absorvendo o alimento como se nada de extraordinário houvera sucedido. Os tuniceiros já nos apresentam um progresso notável, qual a existência de um como líquido nutriente, que um coração rudimentar, a bater indiferentemente em todos os sentidos, envia a todas as partes do organismo. E aí temos o animal respirando pelas guelras. Uns há que segregam uma substância da qual se formam con­chas arborescentes, como o coral.

Aqui, vemos que a Natureza já tem percorrido longo trecho na elaboração das formas. Contudo, só temos assinalado seres difusos, amorfos, vegetando nas profundezas oceânicas, ilimi­tadas. Milhares de anos foram precisos para se produzirem os anelados, imediatos sucessores dos animais precedentes.

Como os tuniceiros, tampouco a minhoca passa de um tubo; tem brônquios, mas o seu sistema cardíaco é já um tanto aperfeiçoado; rasteja para a frente, isto é, na direção da ex­tremidade em que tem a boca, como se soubesse que é por aí que deve buscar e encontrar o alimento. Nos anelídeos também já se entremostram nervos visuais, tanto quanto um sistema nervoso rudimentar. Vimos que, até então, a individualidade pouco se caracterizou. Vimos como se pode conceber a formação de um primeiro nervo sensitivo, diferenciado da sensibilidade geral, mediante a repetição, longamente reiterada, de um mo­vimento vibratório a incidir no mesmo ponto do organismo, e temos admitido que o perispírito acabasse incorporando-se nesse movimento. Concluímos, então, que, em retornando o princípio inteligente a ocupar a nova forma, esta se organizaria de acor­do com a modificação do perispírito.

Não havia, até então, individualidade real, mas, com o nas­cimento de um sistema nervoso, a vida esparsa, difusa, entra a concentrar-se. Cada parte do corpo desempenhará determi­nado trabalho. A respiração, a digestão, a circulação, a reprodu­ção, vão localizar-se nos tecidos especiais, que hão de formar órgãos particulares, e o sistema nervoso será o coordenador, o regulador dessa atuação. A partir desse momento, a vida pes­soal do princípio pensante acentuar-se-á cada vez mais, e os instintos poderão nascer e tornar-se mais complicados, mais identificados com a mudança das condições exteriores.

A vida é ainda submarina, os terrenos primitivos jazem cobertos de água e é no seio dela que os crustáceos vão suceder os anelídeos. O crustáceo, precursor do peixe, tem já uma ca­rapaça, enxerga e pode conduzir-se na água - é a trilobite do terreno siluriano. Mas, a partir desse momento, a vida pôde tornar-se aérea. A crosta frágil dos terrenos primários teve de ceder muitas vezes à pressão dos gases interiores, uma luta titânica empenhou-se entre o fogo e a água, e, no báratro de cataclismos gigantescos, a força central vomitou, ígnea, as suas escórias, lavas, basaltos, pórfiros, formadores das primeiras ilhas, alicerces de futuros continentes. A ação pluvial, os sais, a temperatura, acarretam as erosões, a desagregação das rochas, formando a primeira camada humosa e propícia ao desenvolvi­mento das plantas. A atmosfera ainda se apresenta saturada de umidade e, sobre essas plagas baixas e lodosas, vamos sur­preender o primeiro crustáceo terrestre, o escorpião, irmão do crustáceo marinho.

Durante muito tempo, será ele o único habitante dos do­mínios consolidados. As ilhas recobrem-se de plantas primiti­vas e nas brenhas sombrias nenhum ruído se ouve, além do vento. Todos os seres são mudos.

Vai surgir uma outra fase. Depois dos primeiros ensaios, vai a natureza caminhar mais ousadamente no aperfeiçoamen­to da sua obra. Alteiam-se os terrenos, a terra vai, lenta, con­quistando os seus domínios ao elemento líquido, que se refugia nas depressões mais fundas. Enquanto duram essas mudanças aéreas, um progresso enorme completa-se no seio dos mares.

É no período primário que aparecem os primeiros vertebrados marinhos - os peixes. O cefalópodes e o pterigotos têm uma coluna vertebral, e transitando do estado ganglionar ao cére­bro-espinal revestido de ossificação perfectível, a natureza como que arma as suas novas criações para uma vida ativa.

Certos peixes tendem a viver, de preferência, nas plagas lodosas, e adquirem traços da respiração aérea, ensejando o advento dos batráquios.

A época carbonífera, a seguir-se, caracteriza-se pelo desen­volvimento extraordinário da vegetação. Condensou-se o Sol enorme e nebuloso das idades pregressas, aumentando o seu aquecimento; e, como o calor central da Terra e a umidade são ainda muito fortes - o reino vegetal vai atingir proporções descomunais. Os fetos arborescentes, as sigilárias desmesuradas, atingiam, às vezes, quarenta metros de altura. São os gigantes petrificados das nossas minas carboníferas.

Os batráquios, que não passavam de peixes na primeira fase, transformam-se em animais aéreos na segunda, e vão, pouco a pouco, deixando o mar pela terra. E, com isso, já se revelam mais inteligentes do que os primeiros. São, de fato, os primeiros a emitir sons, pouco harmoniosos de começo, mas, sem embargo, precursores de vozes que jamais se extinguiriam na escala dos seres.

A esse período, sucede a era dos répteis; a natureza inau­gura uma série de formas fantásticas, horrendas e colossais. Após os precedentes ensaios, ela parece colimar a perfeição na grandeza das mais bizarras e atormentadas formas.

Preciso é ver-se estes animais reconstituídos, para ter uma idéia dessas concepções monstruosas, que, felizmente, não se transferiram à posteridade. Contemplando-as hoje, elas nos de­monstram a potência e facúndia dos meios utilizados, bem como a infinidade e diversidade de engenho dessa operária infatigá­vel que é a natureza. Entretanto, o progresso interior prosse­gue em sua marcha, o cérebro e a medula espinhal aí já estão mais fortemente defendidos por um sistema nervoso.

Com os marsupiais, apresentam-se-nos os primeiros mamí­feros. A cria nasce incompletamente formada, embrionária, para terminar seu desenvolvimento na bolsa materna. É o princípio inteligente a esboçar-se em primórdios de sentimentalidade, é o amor materno que desponta com o nascimento dessa criatura informe, a qual, quanto mais fraca, mais cuida­dosamente assistida. Bem conhecida é a ternura da fêmea do gambá para com a sua prole. Da necessidade originou-se o pri­meiro instinto superior. Os sentimentos mais elevados, que, mais tarde, se vão patentear nos animais e no homem, não deriva­riam doutras causas, concluindo-se, destarte, que os fenômenos materiais e intelectuais têm uma conexidade absoluta e racional.

Todos os monstros que povoavam os mares triássicos, ju­rássicos, cretáceos, desapareceram no período secundário. As condições de vida j á lhes não podiam convir. As terras, mais extensas, cobriam-se e recobriam-se de milhões de conchas mi­croscópicas; os continentes destacavam-se mais nítidos, melho­ravam-se as condições gerais da vida. Com o período terciário a natureza sai dos limbos da infância e, já instruída pelos ta­teamentos e experiências sucessivos, desafogada dos empecilhos da gênesis, tendo eliminado os animais inúteis à sua empresa, entra a marchar mais rápida e resoluta numa senda mais clara e mais acelerada.

É neste período que despontam todos os antepassados da fauna contemporânea, e a Ciência, que acompanhou passo a passo o desenvolvimento progressivo das formas, leva-nos in­sensivelmente dos lêmures aos símios. Simultaneamente, tudo progride em nosso globo: o solo, as plantas, os animais. Mu­dam-se os ambientes, as ilhas fazem-se continentes, o fogo dá lugar à água, diminui a umidade, o solo saneia-se, o Sol der­rama torrentes de luz e calor, as plantas abandonam os abismos marinhos, conquistam a gleba e desenvolvem-se, diversificam­-se, florejam, dão frutos. As estações diferenciam-se, regulari­zam-se os climas, as formas tornam-se mais apropriadas ao meio, e o nível da criação eleva-se num ritmo constante.

Que grande trajeto percorrido! Os seres diversificaram-se a tal ponto que, antes, parecem estranhos entre si. Mas, nós vimos que todos partiram da monera primitiva, e o estudo de sua com­posição demonstrou-nos que eles não passam, a todo tempo, de associações mais complexas do elemento primitivo. Todos eles, ao nascerem, são ainda essa monera que se fragmenta, que se associa às nascentes da sua própria substância, a fim de cons­tituir o recém-vindo, cujo lugar na escala dos seres depende do grau de sua evolução. O desenvolvimento do cérebro prosse­guiu independentemente das formas.

Os primitivos zoófitos não apresentam indícios de cérebro, não têm sentidos nem sexo. Com os moluscos, temos um sistema nervoso obtuso, mal definido, geração rudimentar, sentidos imperfeitos. Nos crustáceos, já se nos deparam, coincidentes com o sistema nervoso ganglionar, a visão, a audição, o tato. Depois, os peixes têm um cérebro e uma medula espinal defendidos, são os primeiros vertebrados, os sentidos se extre­maram. Seguem-se os anfíbios e os répteis, que implicam na sucessão da geração ovípara pela vivípara, e apresentam uma ossatura endurecida.

Os marsupiais, mamíferos inferiores, apresentam-se com um encéfalo muito simples, que se vai complicar nos seus su­cessores para chegar à divisão em lóbulos e formar as circunvo­luções, observáveis nos macacos e no homem.

Macaco e homem são primos, procedem de antepassados primevos, da época terciária, e possível se torna vermos os sucessivos progressos realizados pela nossa raça, acompanhando o desenvolvimento do homem quaternário, cujo crânio, costelas e fêmur oferecem caracteres simiescos, ainda não desaparecidos inteiramente em certas raças inferiores, quais os australianos, os fueguianos, etc.

Nenhuma teoria filosófica pode, como o Espiritismo, expli­car todos estes fenômenos. Graças à lei da reencarnação e ao conhecimento da natureza da alma, fácil se torna compreender o progresso do Espírito, desde as modalidades mais rudimenta­res até as suas manifestações mais altas.

O princípio pensante percorreu, lentamente, todas as esca­las da vida orgânica, e foi por meio de uma ascensão ininter­rupta, em transcurso de séculos inumeráveis, que ele pôde pouco a pouco, demoradamente, fixar no invólucro fluídico todas as leis da vida vegetativa, orgânica e psíquica.

Foi-lhe preciso rematerializar-se um sem-número de vezes para que todos esses movimentos, sentidos, conscientes, deseja­dos, chegassem à inconsciência e ao automatismo perfeito, que caracterizam as reações vitais e as ações reflexas. Não é de improviso que o ser, seja qual for, chega a esse resultado, pois a Natureza não faz milagres, e opera sempre do simples para o complexo. Para que um ser tão complexo quanto o homem, que reúne os caracteres mais elevados de todas as criaturas vivas, possa existir, importa, absoluta e necessariamente, tenha percorrido toda a série, cujos diferentes estados ele em si resume.

CONCLUSÃO

Temos visto como o movimento perispiritual explica, de um modo simples, a passagem do consciente ao inconsciente, e como se registram, automaticamente, no perispírito, todos os estados da alma.

As condições de percepção prendem-se a duas causas, que são a intensidade e a duração da sensação, variáveis segundo o estado vibratório do invólucro.

Nos primórdios da vida, o invólucro da alma é grosseiro, mesclado dos fluidos mais próximos da matéria, com movimen­tos tardos, por assim dizer, incipientes. O trabalho da alma consiste na depuração desse invólucro, em desembaraçá-lo das suas gangas fluídicas, isto é, em dar-lhe um movimento cada vez mais radiante.

Cada existência terrena deixa no perispirito a sua impres­são. Assim como, ao cortar-se uma árvore secular, se torna pos­sível saber-lhe a idade contando as camadas concêntricas anual­mente deixadas pela casca, assim também existem zonas fluí­dicas que se vão superpondo, à medida que o Espírito se vai distanciando da sua origem. As lembranças gravadas no invó­lucro são, como ele mesmo, inextinguíveis. Posto não passe de simples analogia, é possível comparar essas camadas sucessivas às impressões fotográficas que se podem superpor na mesma placa sem se confundirem. Todos esses movimentos vibratórios têm uma existência própria, um grau vibratório que lhes é peculiar, sendo o último sempre superior aos demais.

Note-se bem que se não trata, aqui, de uma superposição de impressões físicas. Assim como o fenômeno da alotropia nos mostra, tangivelmente, que as propriedades de um corpo pren­dem-se a um movimento particular das moléculas desse corpo, e que essas propriedades mudam quando o movimento mole­cular tem outro modo vibratório, assim também, no perispírito, cada zona atômica pode ser constituída pelos mesmos átomos, mas com associações vibratórias inteiramente diferentes, cor­respondendo cada um destes arranjos à determinada posição de equilíbrio.

Chegada à humanidade, a alma já está amadurecida, e o seu invólucro tem fixado, sob a forma de leis, de linhas de força, os estados sucessivamente percorridos, e será talvez essa a causa da evolução fatal do embrião, repassando por todos os estágios da escala anteriormente percorrida.

No homem primitivo, o inconsciente fisiológico é muito rico e não terá quase de enriquecer-se mais, senão de atos auto­máticos secundários, ou seja, de hábitos manuais; o incons­ciente psíquico, pelo contrário, está quase virgem, constituído pelas modalidades mais apuradas do instinto, e das mais inci­pientes da consciência e da inteligência.

De fato, o animal apenas possui faculdades simples, rudi­mentares. Tem o sentimento da existência, mas não tem a consciência do eu. Os primeiros homens deveriam aproximar-se muito dos antropóides atuais, e não resta dúvida de que a longa duração do período quaternário foi indispensável à elaboração dessa consciência, que os deveria destacar definitivamente da animalidade.

Insensivelmente, contudo, foi-se a alma desprendendo das brumas que a envolviam; o raciocínio, que apenas lucilava in­termitente, afirmou-se como o fundo mesmo do Espírito; o pensamento, a inteligência, exercendo-se por sensações mais nítidas, mais delicadas, ensejaram observações sempre mais exatas, relações melhor estabelecidas, generalizações e abstra­ções cada vez mais amplas, à medida que a linguagem se aper­feiçoava.

Trazendo cada encarnação um aperfeiçoamento, o incons­ciente psíquico enriqueceu-se progressivamente, e o esforço ia-se tornando menos considerável, à proporção que aumentava o número das clausuras terrenas.

Hoje, o que importa é desembaraçarmo-nos das paixões e instintos residuais da nossa passagem pelos reinos inferiores.

A luta é demorada e difícil, pois há que modificar os primeiros movimentos perispirituais que em nós se encarnaram, e que eram os únicos constituintes de nossa vida mental, nessas épocas remotas e mil vezes seculares de nossa evolução. Entretanto, à vontade tudo pode em relação à matéria, o progresso entremostra-nos perspectivas cada vez mais brilhan­tes, e essa mesma força que nos erigiu em seres inteligentes saberá desvendar-nos o roteiro de mundos melhores, nos quais impera a concórdia, a fraternidade, o amor.

Nos estudos parciais, que constituem este livro, pensamos haver demonstrado que os fenômenos vitais e psíquicos, coexis­tentes no homem, encontram explicação racional na Doutrina Espírita. Nada, nas teorias por nós expostas, colide com a filo­sofia das ciências. A existência do perispírito, durante a vida e depois da morte, foi experimentalmente estabelecida, com todas as garantias possíveis contra a fraude e o erro; sua composição fluídica foi comprovada pela fotografia, e nós podemos conce­ber-lhe a natureza, por analogia, com os estados da matéria extremamente rarefeita. Nem a sua imponderabilidade é mais estranha do que a das forças físico-químicas que se traduzem por luz, eletricidade, afinidades, etc. Nem sua ação sobre a matéria são ,mais extraordinária que a do magnetismo sobre a limalha de ferro. Finalmente: - nenhuma de suas proprie­dades é irracional.

A sua união com a alma é da mesma espécie da que ocorre com as forças ligadas aos átomos materiais. Se não podemos aniquilar a matéria, maiormente não podemos destruir o Espí­rito: a alma que se manifesta depois da morte é verdadeira­mente imortal.

A reencarnação é a conciliação lógica de todas as desigual­dades intelectuais com a justiça de Deus. Ela se comprova experimentalmente com a encarnação de Espíritos em certos e determinados ambientes, preditos por circunstâncias que de antemão os identificam. Se essa encarnação é possível uma vez, não vemos por que o não seja inúmeras vezes. Isto posto, podemos inferir uma lei geral, posta ao principio inteligente, e aplicá-la aos animais, ainda porque, neles e com eles, podemos observar fatos que tendem a estabelecer essa verdade.

A existência do fluido vital, ainda que posta em dúvida na atualidade, parece-nos indispensável para explicar os fenô­menos da vida, visto que a forma e a evolução de todos os seres vivos, bem como os fenômenos de reconstituição orgânica, não os explica a ciência moderna.

Nós, que conhecemos a verdadeira natureza da alma, ofe­recemos a nossa teoria, que resolve logicamente grande número de dificuldades.

A fonte de todos os mal-entendidos que dos espíritas se­param os materialistas e espiritualistas deriva da ignorância em que se mantêm os sábios e os filósofos, no concernente à existência e à natureza do perispírito.

Para os fisiologistas, a alma não é mais que resultado das funções vitais do cérebro. Iludidos pela concordância que veri­ficam entre o estado mórbido desse órgão e o concomitante desaparecimento de certas faculdades, acreditam eles haver nisso uma correlação de causa e efeito, e o que os confirma nessa maneira de ver é que a faculdade se restabelece logo que o órgão retorna ao estado normal.

Nós, porém, que possuímos a prova da sobrevivência da alma à desagregação do corpo, sabemos que aquela concordân­cia é devida à ação do perispírito sobre o corpo, entravado, desde que a força vital se perturbe, mas pronta a reassumir o seu império, tão logo a calma se restabeleça.

A teoria materialista nada explica do Universo. Ela apenas aponta os fatos, que atribui a leis materiais, a se encadearem, a se determinarem sucessivamente. O Espírito é uma possibili­dade qualquer, poderia deixar de existir, de sorte que a inte­ligência não passa de mero acidente na criação. É para nós essa uma conclusão absurda, por isso que, não existindo um ser racional, a criação seria um contra-senso.

Vimos às forças naturais concorrerem com todas as forças ativas para a eclosão do ser pensante, e pretende-se que este último produto da evolução - o homem, que, ao invés de sub­meter-se passivamente, como o fizeram os seus predecessores, tomou a direção de si mesmo, seja o fruto de uma surpresa, de um jogo do acaso? É uma conclusão contraditada por toda a natureza, e, ainda que não tivéssemos a prova material da imortalidade da alma, o bom senso faria justiça a essas alega­ções infundadas.

A matéria é cega, inerte, passiva, e só se move por influên­cia da vontade. O que denominamos forças, nada mais é que manifestações tangíveis da inteligência universal, infinita, in­criada. São sinais evidentes da Vontade suprema que mantém o Universo.

Assim como agentes se fazem precisos, por executar as leis promulgadas pelos nossos Parlamentos, assim também se faz necessária uma potência, eternamente ativa, para tornar exe­qüiveis as leis naturais.

Todas as alterações verificadas nos estados da matéria não têm mais que um fim - o progresso do Espírito, que é a única realidade pensante. Nisto, aproximamo-nos dos espiritualistas. Estes filósofos, porém, estudando a alma, apenas subjetivamen­te são levados a conferir-lhe uma espiritualidade absoluta, que fatalmente os impede de compreender a sua ação sobre o corpo.

Ao demais, essa atitude interdita-lhes a explicação de nu­merosos e variados fenômenos da vida inconsciente do Espírito. Mas, isso ainda não é tudo.

A fisiologia demonstra-lhes que todo estado de consciência liga-se, necessariamente, a um substrato material; que a me­mória, por exemplo, está intimamente ligada a determinado estado do sistema nervoso, sem o que não poderia produzir-se; de sorte que, se, após a morte, a alma fosse puramente espiritual, não reteria nem um dos conhecimentos do passado, uma vez destruído o corpo.

Chegou o tempo de se rasgarem todos os véus. O Espiritis­mo faculta provas tangíveis da imortalidade, e preciso se faz que, afrontando todos os sarcasmos, todos os prejuízos, ele obrigue os pensadores sérios a estudá-lo atentamente.

Todos os espíritos chumbados às suas velhas concepções terão de abrir os olhos diante da luz radiosa da verdade soli­damente apoiada em fatos inconcussos.

Teremos, então, a satisfação de ver milhares de inteligên­cias superiores arrotearem o campo magnífico, desdobrado aos seus olhos. O domínio da matéria imponderável é tão vasto quanto o ponderável, de nós conhecido. Fecunda messe de pro­fícuas descobertas acena para quantos se disponham a per­lustrar esses territórios ainda inexplorados.

Com a certeza das vidas sucessivas e da responsabilidade dos nossos atos, muitos problemas revelar-se-ão sob novos pris­mas. As lutas sociais, que atingem, nesta nossa época, um ca­ráter de aguda aspereza, poderão ser suavizadas pela convicção de não ser a existência planetária mais que um momento tran­sitório no curso de uma eterna evolução.

Com menos orgulho nas camadas altas e menos inveja nas baixas, surgirá uma solidariedade efetiva, em contacto com estas doutrinas consoladoras, e talvez possamos ver desapare­cer da face da Terra as lutas fratricidas, ineptos frutos da ignorância, a se dissiparem diante dos ensinamentos de amor e fraternidade, que são a coroa radiosa do Espiritismo.

Fim

Notas de Rodapé

(1) A realidade dessa forca triunfou com as experiências de Richet, Darlex; de Rochas, Lombroso, Carl du Prel, etc. Ler "L'Exté­riorisation de ia Motricité", Cel Das Rochas

(2) "O Fenômeno Espírita", testemunho dos sábios. - Chamuel, editor.

(3) "O Livro dos Espíritos", "O Livro dos Médiuns", "O Céu e o Inferno", "O Evangelho segundo o Espiritismo", "A Gênese" e, sobre­tudo, as revistas que versam estudos altamente interessantes sobre os mais variados temas.

(4) Matéria cósmica primitiva, prótilo de Crookes.

(5) Consulte-se o excelente livro de M. Ferrière - "La Vie et 1'Ame". Posto que o autor não compartilha a nossa idéias, julgamos dever recomendá-lo aos leitores, dado que o seu trabalho encerra quantidade de fatos bem coordenados. Também teremos ocasião de o citar muitas vezes no curso desta obra.

(6) Claude Bernard - "Les Phénomènes de Ia Vie", T, 1, pág. 167.

(7) Claude Bernard - "La Science expérimentale".

(8) Claude Bernard - "Les Phénomènes de Ia Vie", páginas 148 e seguintes.

(9) Ferrière - "La Vie et l'Ame", primeira parte. Consultar "Leçons sur les tissus vivants", por Claude Bernard, que foi o primeiro a assinalar a importância desse meio interior.

(10) Cl. Bernard - "Rapport sur les Progrès de Ia Physiologie".

(11) É preciso não interpretar o vocábulo no sentido que lhe emprestam teólogos e filósofo, e sim no de alma fisiológica.

(12) Flourens - "Considérations générales sur 1'analyse orga­ntque".

(13) Dizemos quase, porque organismos inferiores, como as mo­neras, que são uma simples célula, jamais se destroem, a não ser aci­dentalmente. De fato, o que sucede é que, depois de atingirem um certo volume, por efeito da nutrição, esses corpos se bipartem e os dois segmentos tornam-se dois seres distintos, a crescerem e se reproduzirem pelos mesmos processos. Neste caso, não há morte, não se pode distin­guir a generante da gerada, nem saber em qual reside à individualidade. São, portanto, realmente imortais.

(14) As experiências de Pasteur demonstraram à saciedade que, presentemente, todo indivíduo provém de um semelhante. Nada prova, porém, que assim tenha sido originariamente e que, em épocas prísti­nas, as condições vitais não pudessem variar a tal ponto que a monera engendrasse, mediante evoluções gradativas e ascendentes, o homem atual.

(15) Cl. Bernard - 'Introduction à Ia Médecíne".

(16) Richet - "Essai de Psychologie générale", págs. 27 e seguintes.

(17) Cl. Bernard - "Leçons sur les tissus vivants", pág. 262.

(18) Delanne - "O Fenômeno Espírita".

(19) Este livro é de 1897; conta, portanto, 78 anos. Hoje, quantas conquistas haveria de registrar o autor, como o submarino, o avião, o rádio, a televisão, o radar, os satélites artificiais, os laboratórios espaciais, a Astronáutica, etc.? E que será daqui a algumas dezenas de anos? Nota da Editora (FEB) à edição de 1975.

(20) Ver Richet - "L'Homme et 1'Intelligence".

(21) Viana de Lima - "L'Homme sufvant le Transformisme". A sordicía dos Diggers ultrapassa tudo o que se pode imaginar. O mesmo sucede com os selvagens da baía de Motka, (ilhas Quadro e Vancouvert), que acumulam diante das suas tocas toda a espécie de imundices. Diz IcoIben, referindo-se aos Hotentotes, que nenhum mamífero é mais porco. Algumas tribos são indomáveis e de extrema ferocidade. Dalloux conta, dos Abors, que eles não podem habitar a dois, na mesma lugar,' sem se destruirem, e que a si mesmos se comparam com os tigres.

(22) A.-L. Rrapf - 'Reisen ín Ostafrica".

(23) Este e outros exemplos são colhidos em Buchner.

(24) Richet - "L'Homme et 1'Intelligence". Citamos livremente, resumindo-a, a controvérsia deste autor sobre as semelhanças do ho­mem e do animal. Convém ler, igualmente, "La Vie et 1'Ame", de Fer­ e "Exposé des théories transformistes", por Artur Viana de Lima, Monde avant Ia Création de 1'Homme", de Camille Flammarion

(25) Consultar Lubbock - "Origens da Civilização". Romanes - "Evolução mental dos animais". Darwin - "Descendéncia do Homem".

(26) Romanes - "L'Intelligence des Animaux" ("Revue Scienti­fique", 4-1-1879).

(27) Artur Viana de Lima - "L'Homme selon le Transformisme", ~ 3E8.

(28) Gratiolet - "Anatomie du Système nerveux", t. II.

(29) Agassiz - "L'Espèce", pág. 90.

(30) Sanson - "Sélection", pág. 521.

(31) Vulpian - "Leçons sur le Système nerveux".

(32).Darwin - "Descendance de PHomme", t. I, pág. 56.

(33) Ménault - "L'Amour maternel".

(34) Gratiolet -_ "Anatomie du Système nerveux", pág. 642.

(35)Viana de Lima - "L'Homme selon le Transformisme",

(36) Agassiz - "L'Espèce", pág. 97.

(37) Ch. Richet - "L'Homme et i'Intelligence

(38) Viana de Lima - Obra citada, págs. 159 a 226.

(39) Dassier - "L'Humanité posthume", págs. 83 e seguintes.

(40) Reichenbach - "Lettres odiques magnétiques".

(41) "Rapport du docteur Kerner".

(42) Viana de Lima - "Exposé des tMories transformistes", Pãg. 72.

(43) Bathybius, descoberto na expedição do "Porcupine" (1863), é umas matérias gelatinosas, vivas, agregando-se em pequenas massas vi­ventes, a que Haeckel chama moneras. Recentemente, o Sr. Folin, assistindo às sondagens do "Talisman" e do "Travalleur", no golfo de Gasconha, colheu protoplasma vivo, do fundo do mar.

(44) Ver Perrier - "Philosophie zoologique avant Darwin", cap. XVIII.

(45) Isidore Geoffroy-Saint-Hilaire - "Histoire naturelle générale des règnes organiques", t. II, pág. 295.

(46) "Comptes rendus", 16 de maio de 1881.

(47) A irritabilidade e a mobilidade caracterizam os animais infe­riores, chamados protozoários, quais os infusórios, as esponjas, as gre­garinas, etc. Também os vegetais possuem essas duas propriedades, quais a sensitiva, a dionéia papa-mosca, a drósera, etc. Assim, também os anterozóides dos musgos, dos fetos, os zoospórios das algas, etc. (Ferrière - "La Vie et l'Ame", pág. 318.)

(48) Ver Piazzetta - "Les Secrets de Ia Plage", págs. 165, 182, 196.

(49) Principio de Arquimedes.

(50) "Annales du Muséum d'Histoire Naturelle", tomo XIX, pág. 76, 1812. Ver também suas memórias sobre "L'Anatomie de la patelle", 1792; "Anatomie de 1'escargot", 1795, sobre "La Structure dos Mollusques", 1795, etc.

(51) Leuret - °Anatomie comparée du Système Nerveux".

(52)Para a parte fisiológica, consultar ,Claude Bernard - "Los Tissus vivants"; Rosenthal - "Les Muscles et les Nerfs"; Longet - "Physiologie"; Ch, Richet - "Essai de Phychologie générale"; Delboeuf - "Psycho-physique"; Féré - "Sensation et mouvement".

(53) Richet - "Psychologie générale", 1887. Seguiremos de perto este autor, citando-o livremente, por isso que o seu trabalho expositivo, muito bem feito, resume as últimas perspectivas da ciência sobre o tema em apreço. Consultar também. Viana de Lima - "Exposé dos théories transformistes".

(54) J.-W. Draper - "Les Conflits de Ia Science et de Ia Religion".

(55) Balfour-Steward - "La Conservation de 1'i:nergie", último capitulo.

(56) Delboeuf - "Éléments de psycho-physique", págs. 127 e se­guintes de

Utilizamo-nos parcialmente desta teoria, modificada sob nosso ponto vista

(57) Traite de Geologie

(58) E. Ferriere

(59) A. de Lapparent - "Traité de Géologie".

(60) Para pormenores, ver "Physiologie", de Muller; Longet - "Physíologie", 29 vol., e Richet - "Psychologie générale", cap. II.

(61) Richet - "Psychologie générale", pág. 61.

(62) A propósito do instinto, consultar: Darwin - "Origine des Espèces", cap. VII; Romanes - "L'Évolution mentale chez les animaux", e Richet - "Psychologie générale", cap. VI.

(63) Ferrière - "La Vie et 1'Ame", págs. 344-345.

(64) Ed. Perrier, prefácio, pág. XXVI, do livro de Romanes, "L'Intelligence des Animaux".

(65) Herbert Spencer - "Principes de Psychologie".

(66) Ver Ribot - "Les Maladies de Ia Mémoire"; Richet - "Ori­glnes et Modalités de Ia Mémoire" ("Revue Philosophique", junho 1886); Delboeuf - "Eléments de Psycho-physique"; Ferrière - "La Vie etc.

(67) Richet - "Origines et Modalités de la Mémoire".

(68) Maudsley - "Physiologie de 1'Esprit", tradução Herzen, pág. 140.

(69) Ribot - "Les Maladies de la Mémoire", págs. 22 e seguintes.

(70) Carpenter - "Mental Physiology".

(71) Richet - "Psychologie générale", pág. 63.

(72) Ribot - "L'Hérédité", pág. 310.

(73) Despines - "Psychologie naturelle", pág. 485, t. I.

(74) Ribot - °Les Maladies de Ia Mémoire", págs. 6 e seguintes.

(75) Ferrière - ,La Vie et 1'Ame", págs. 228-241.

(76) Féré - "Sensation et MouvemenV, págs. 17 a 20.

(77) Richet - -origines et Modalités de Ia Mémoire", pág. 584.

(78) Ribot - "Les Maladies de Ia Personnalité".

(79) Nós, no Brasil, dizemos, de preferência, incorporação, que pa­rece melhor traduzir um estado transitório. Encarnação fica com a acepção de nascimento no mundo. (Nota do Tradutor.)

(80) "O Fenômeno Espírita".

(81) Sabemos que se chama tempo de reação o necessário para que sensação seja percebida. A pág. 185 vimos que esse tempo foi medido.

(82) Nota à sua edição de "Rapports du Physique et du Moral", de Cabanis, Págs. 108 e 109. Citação de Ribot - "Les Maladies de la personnalité", pág. 25.

(83) "Hypnotisme. Double Conscience et Altération de Ia Per­sonnalíté".

(84) Dr. Dufay -- "Revue Selentifique", pág. 69, 5 de julho de 1876.

(85) O leitor curioso de conhecer os casos em que o eu se apre­senta sob múltiplos aspectos, poderá ler "Changements de Personnalité", dos srs. Bourru e Burot. O Sr. Provot publicou um caso na "Tribune médicale", de 27 de março de 1890; O Sr. Mesnet - "De 1'Automatisme de Ia Mémoire et du Souvenir dans le Somnambulisme pathologique" ("Union médicale", 21 e 23 de julho de 1874); Guinon - "Progrès médical", 1891.

(86) Binet - "Les Altérations de Ia Personnalité", pág. 69.

(87) Cl. Bernard - "Leçons sur les Tissus vivants".

(88) Pierre Janet - "VAutomatisme psychologique", pág. 110.

(89) "O Espiritismo perante a Ciência", Ensaio de teoria geral, Pags. 153 e seguintes.

(90)Aubin Gauthier - "Histoire du Somnambulisme", pág. 358,

(91) Liébault - "Le Sommeil et les états analogues", págs. 80 e seguintes.

(92) Despine - °Somnambulisme".

(93) Baragnon - "Magnétisme animal", pág. 172.

(94) Myers - "Proceedings", Sociedade de investigações psíqui­cas, 1887, 514.

(95) Gille de Ia Tourette - "Le Somnambulisme et les états analogues", Pág. 23.

(96) Aubin Gauthier - op. cit., pág. 363.

(97) Delatour, no "Hermès", jornal de magnetismo, pág. 116, agosto, 1826.

(98) Binet - "Les Altérations de ia Personnalité", pág. 72.

(99) Bertrand - "Traité du Somnambulisme", pág. 318.

(100) "L'Anesthésie systématisée et ia Dissociation des Phénomènes phychologiques". ("Revue Philosophique", 1887, I, 449.)

(101) De Rochas - "Les Forces non définies", appendice; "Etats profonds de 1'Hypnose".

(102) Pierre Janet - "L'Automatisme Psychologique", págs. 84 e seguintes.

(103) Ribot - "Les Maladies de Ia Mémoire", pág. 141.

(105) Binet - "Les Altératlons de Ia Personnalité", págs. 237 e seguintes.

(104) Allan Kardec - ,o Céu e o Inferno".

(106) Bourru e Burot - "Changements de Ia Personnalité", . 152.

(107) "Comptes rendus", 16 de maio de 1881.

(108) Stuart Mili - "Logique", 1. VI, 4 e 1. 111.

(109) Ribot - "L'Hérédité".

(110) Claude Bernard - "Phénomènes de Ia Vie".

(111) Allan Kardec - "O Livro dos Espíritos". União da alma e do corpo (Parte 2s - cap. VII), 35e ed. FEB, 1975, págs. 199 e seguintes.

(112) Ribot - "L'Hérédité", pág. 455.

(113) Brierre de Boismont - "Des Hallucinations", pág. 342.

(114) Darwin - "Variations", tomo II, cap. XVII.

(115) P. Lucas - "Traité Physiologique et Philosophique de 1'Hérédité naturelle", tomo I, pág. 125.

(116) Benoiton de Chateauneuf - "Mémoire sur Ia durée des Familles nobles en France".

(117) Dr. Morei - "Traité des Dégénérescences", pág. 103.

(118) Despines - "Psychologie naturelle".

(119) Plorry - "De 1'Hérédlté dans les Maladies", pág. 169.

(120) Sully - "Mémoires", 1, 1.

(121) Brierre de Boismont - "Des Hallucinations", pág. 425. (122) Sabemos que era esse um dos meios para reconhecer a possessão demoníaca.

(123) Allan Kardec - "O Livro dos Médiuns", págs. 297 e se­guintes

(124) Brierre de Boismont - "Des Hallucinations", pág. 102, o. s. xxxll.

(125) Richet - "L'Homme et 1'Intellígence. Du Somnambulisme provoqué".

(126) Richet - Obra citada. Nota III - "De PAutomatisme". pág. 517.

(127) Ver o que se registra sobre os convulsionários de Saint­-Médard, os tremedores de Cévennes, os iluminados, os predicadores da Suécia, etc., constantes de "L'Histoire des Selences occultes", de Sal­vest, e de "L'Histoire contemporaine du Merveilleux", de L. Figuier.

(128) Piorry - "De 1'Hérédité dans les Maladies", pág. 119; Maudsley - "Pathology of mind", págs. 244 e 256; Lemoine - "L'Aliéné", págs. 105 e 137; Brierre de Boismont - "Des Hallucinations"; Moreau - "Psychologie morbide".

(129) Moreau - °Psychologie morbide".

(130) As leis magnéticas norteiam-no inconscientemente, no caso em que não seja bastante adiantado para compreender estes fenômenos.

(131) Jeanssen - "L'Age des Étoiles", ("Revue Selentifique", novembro, 1887, pág. 644.)

(132) Isso vem confirmar tudo quanto sabemos da fotografia dos Espíritos.

(133) Secchi - "Les Étoiles", t. II, págs. 58 e 68.

(134) Faye - "Classifications des Mondes". ("Revue Scientifi­que", abril, 1885, pág. 489.)

(135) Flammarion - "Le Monde avant la Création de 1,Homme", pág. 40.

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