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sábado, 26 de fevereiro de 2011

A Lei de Deus-Pietro Ubaldi

 

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PREFACIO

Os capítulos deste livro constituem uma série de vinte e quatro palestras proferidas na Rádio Cultura São Vicente, todos os domingos, no período de 17 de agosto de 1958 a 8 de fevereiro de 1959, tendo por isso algumas vezes o caráter de conversa. Ao mes­mo tempo, elas foram publicadas no jornal O Diário, de Santos. Apresentamos agora, aqui reunidas, essas palestras. Elas continuam, desenvolvendo sempre mais, os conceitos expostos em nossos dois livros A Grande Batalha e Evolução e Evangelho, da segun­da trilogia, de nossa segunda Obra, de 12 volumes como a primeira. Trata-se sempre do estudo da Lei de Deus, para que saibamos, realmente, como orien­tar a nossa própria vida.

No livro O Sistema (Gênese e Estrutura do Universo) foram apresentadas as teorias básicas da sua formação e funcionamento. Nos dois referidos livros, A Grande Batalha e Evolução e Evangelho, entramos no terreno pratico das conseqüências e aplicações dessas teorias, do controle racional e experimental da sua verdade. Tivemos, por isso, que enfrentar o problema da conduta humana, no campo da ética, assunto do presente volume (A Lei de Deus) e do que se lhe seguirá (Queda e Salvação). Mas, há uma diferença entre os dois. O primeiro, este que temos em mãos, trata o assunto de um modo geral, com uma linguagem fácil, acessível, adaptada a palestras pelo rádio. O segundo, Queda e Salvação, considera o mesmo assunto da conduta humana e da ética, mas de maneira diferente, penetrando em profundidade os problemas, atingindo os pormenores, provando as teorias com demonstrações racionais e pondo-as em contato com a realidade dos fatos. Por isso, esse segundo livro voltará a falar de temas que no primei­ro foram só superficialmente esboçados e tratados com linguagem diferente, em função de outros ângulos. Podemos assim afirmar, porque o plano desse segundo livro já está se aproximando de nossa men­te, e desde agora, vemos os liames que unem os dois volumes no mesmo motivo fundamental de ética. O aspecto em função do qual é encarado este proble­ma no presente livro é o homem, como cidadão do seu mundo terreno. Assim também, o ângulo sob o qual será tratado o mesmo problema no livro Queda e Salvação é o pensamento de Deus que, com a Sua Lei, dirige o ser para a sua salvação final. No primei­ro caso, a ética é concebida olhando-se para a Ter­ra; no segundo, olhando-se para o Céu.

Até agora o problema da nossa conduta foi en­frentado empiricamente pelas religiões que disto se encarregaram; mas, as soluções que elas nos ofereceram se baseiam em princípios teóricos axiomáticos, não demonstrados, enquanto na realidade, muitas vezes, aquelas soluções representam o resultado de ilusões psicológicas não controladas, ainda não pro­vadas, mas cegamente aceitas, desabafo de instintos e impulsos do subconsciente. A forma mental moder­na, no entanto, tomou-se mais culta e astuta. Preten­de, por isso, olhar atrás dos bastidores da fé, para ver o que há de positivo, tanto mais quanto aquela fé implica em uma vida dura de virtude e sacrifício. O temor genérico de uma penalidade e a esperança de um ganho, sem saber onde e como, nos céus que começam a ser explorados e percorridos de verdade pela ciência, não convencem mais as consciências insatisfeitas. Agora que se aproxima o fim da civi1ização européia, encontramo-nos nas mesmas condições do fim do Império Romano, quando ninguém acreditava mais nos deuses. Como então, fica de pé a forma, esvaziada da substância. No meio de muitas religiões, antes de tudo preocupadas em combater umas as outras para conservar e aumentar o seu império espiritual, o mundo fica substancialmente ma­terialista, apegado sobretudo aos seus negócios.

A velha linguagem continua sendo repetida. Mas, todos estão acostumados a ouvi-la e não reparam mais. O mundo progrediu e tornou-se diferente. Parece que nos milênios da sua vida religiosa, em vez de ser transformado pelas religiões ao realizar os princípios delas, ele as transformou para suas co­modidades. Em vez de aprender a viver nas regras da Lei, aprendeu a arte de evadir-se delas, a astúcia das escapatórias para enganar o próximo e, se fosse possível, o próprio Deus. Então, se os velhos sistemas não adiantam mais, e se este é o resultado deles, por que não usar hoje outra linguagem que seja mais bem compreendida? Por que não se apoiar sobre outros impulsos e movimentar outras alavancas às quais o homem possa melhor obedecer? Por que não ver a vida no seu sentido utilitário, oferecendo-nos também vantagens quando pede virtudes e sacrifícios?

Foi por isso que nasceram estas palestras. Com os nossos livros A Grande Síntese, Deus e Universo e o Sistema, tínhamos atingido uma visão bastante completa da estrutura orgânica do universo. Tra­tava-se, agora, só de deduzir destes princípios gerais as suas conseqüências práticas, pondo-os em conta­to com a realidade da nossa vida e verificando se eles permanecem verdadeiros também nos pormeno­res do caso particular. Deste modo o problema da conduta humana foi enfrentado duma forma diversa, isto é, em sentido racional, positivo, logicamente demonstrado, experimentalmente controlável como faz a ciência, apoiado nos fatos que todos ve­mos e, assim, encontrando a sua explicação. Foi pos­sível deste modo chegar a uma ética universal, não dependente de alguma religião particular, absoluta­mente imparcial e verdadeira para todos, como é a matemática, ou a ciência em geral, porque faz parte da grande Lei que rege tudo, escrita no pensamento de Deus, e que podemos ver realizada nos fatos. Chegamos assim, nestas palestras, a uma orientação que sai do terreno empírico das religiões para entrar no terreno positivo da ciência, o que justifica as nossas conclusões, de que elas têm de ser ponderadas por toda mente que queira e saiba raciocinar e por isso aceita a demonstração, como a de um teorema de matemática.

A novidade e importância deste ponto de vista, sustentado nestas palestras, baseia-se nos seguintes fatos:

1) Trata-se de uma ética universal, que diz res­peito à vida e permanece verdadeira em todas ás suas formas chegadas a um dado nível de evolução, em qualquer corpo celeste do universo. Por isso, fi­cando acima de todos os pontos de vista particulares e relativos, esta ética resulta absolutamente impar­cial a respeito das divisões humanas, porque delas é completamente independente.

2) Trata-se de uma ética positiva, como é a ciência, baseada em fatos, de uma ética que não é senão um capítulo da Lei que tudo rege e que a ciência es­tuda em outros seus aspectos. Ética de efeitos cal­culáveis, determinística, baseada em princípios abso­lutos, sem escapatórias, como por exemplo, a lei da gravitação e as leis do mundo físico, químico, bioló­gico, matemático etc.

3) Trata-se de uma ética praticamente utilitária, concorde com o princípio fundamental da Lei, que é a justiça e também o desejo do ser; justiça que exige que o sacrifício da obediência à Lei e o esforço para evoluir encontrem a sua recompensa. Ética correspondente ao instinto fundamental do ser, que é o de fugir do sofrimento e de chegar à felicidade. Por isso, vem a ser uma ética capaz de ser entendida e aceita, porque satisfaz à forma mental do homem moderno.

4) Trata-se de uma ética racional, logicamente de­monstrada, que não se baseia na fé cega, no princí­pio de autoridade ou no terror de castigos arbitrários e obscuros, mas que convence quem saiba pensar. Uma ética que não admite enganos, porque nela se pode ver tudo claro: a perfeição e a bondade das re­gras, às quais devemos obedecer até as últimas conseqüências de cada ato nosso.

5) Esta ética resulta de um sistema filosófico-científico universal que tudo abrange e explica desde o princípio até o fim, sistema do qual ela representa um aspecto controlável nas suas conseqüências práticas da vida comum. Estas conclusões se baseiam no va­lioso apoio de teorias positivas gerais que as susten­tam, orientando-nos também a respeito de tantos ou­tros fenômenos, dos quais estas teorias oferecem uma interpretação lógica.

6) Esta ética pode ser submetida a um controle ex­perimental no laboratório da vida, com o mesmo método positivo da experimentação que a ciência usa para controlar a verdade das outras leis que vai des­cobrindo, e todas juntas, ao lado desta ética, consti­tuem a grande Lei que tudo rege.

7) De fato, estas conclusões foram submetidas, por nós que as estudamos em nossa própria vida e na alheia e por meio século, sob controle experimen­tal, que as confirmou plenamente. E muitas testemu­nhas viram os fatos que aconteceram.

8) Afinal de contas, não estamos dizendo coisa nova, mas repetindo com outras palavras o que já foi dito no Evangelho e pelas religiões mais adiantadas que o mundo possui; De tudo isto só quisemos dar demonstração lógica e prova experimental. Explica­mos a necessidade de tomar a sério e viver o que o mundo está repetindo com palavras há milênios.

9) Esta ética não somente nos orienta no imenso mundo fenomênico em que vivemos, dirigindo com conhecimento a nossa conduta, mas explica o que está acontecendo, a razão dos fatos que nos cercam e logicamente os justifica quando não quereríamos aceitá-los, como no caso do sofrimento. Esta ética, res­pondendo às nossas perguntas e oferecendo uma so­lução razoável aos problemas da nossa vida, ilumina o caminho que temos a percorrer, de modo que possamos vê-lo e nele avançar, não de olhos fechados, mas com as vantagens oferecidas pelo conhecimento da Lei e a certeza da sua justiça e bondade.

10) Esta ética responde a uma necessidade do momento histórico atual. O Céu, contemplado, admi­rado e venerado na Terra, sempre de longe, como sonho praticamente irrealizável, não pode ser apenas teoria vivida por poucas exceções: deve descer e rea­lizar-se entre nós. Seria absurdo que os grandes ideais existissem para nada, como o homem pregui­çoso preferiria. Apesar da sua indiferença, ele não pode paralisar as forças da evolução na realização do seu objetivo fundamental, que é o progresso.

Com o abrir-se da inteligência e o aumento do conhecimento, vai aparecer também no terreno da ciência positiva, a verdadeira concepção de Deus e da Sua Lei. Ela sairá, então, das formas das religiões particulares em lutas entre si, da clausura das igre­jas, do exclusivismo dos seus representantes. Então, o homem, mais consciente, perceberá a grande realidade que é Deus e, finalmente, para o seu bem, se colocará, obediente, na ordem da Lei.

S. Vicente, Páscoa de 1959.

I

NOVOS CAMINHOS

Plano e método de trabalho.

Na véspera do meu septuagésimo segundo ani­versário, aqui em Santos, onde desembarquei, vindo da Itália, há quase seis anos, em dezembro de 1952, começo esta primeira série de rádio-palestras, a fim de poder chegar a um contato mais próximo com os meus amigos. Até agora este contato realizou-se por intermédio dos meus livros, isto é, da palavra escri­ta. Hoje realiza-se também de viva voz, o que toma o contato mais real, mais atual, mais próximo do ou­vinte, do que, o obtido pelos escritos dirigidos ao leitor.

Entro assim numa fase nova do meu trabalho, que é a de me aproximar do povo com uma linguagem mais simples, de maneira a ser compreendida. Pro­curarei fazer com que estas conversas se prolonguem o mais possível, a fim de chegar a uma comunhão de pensamento mais completa, se porventura já não te­ria sido alcançada; a uma união de mente e coração, que constitua uma ponte através da qual eu possa doar tudo de mim mesmo, doar tudo aquilo que consegui compreender e realizar na minha longa experiência, numa vida de tempestades e introspecção profunda. A dor constrangeu-me a aprender a superá-la para dela fugir ou, pelo menos, domesticá-la. Neste nosso mundo são muitos os que sofrem, e ensiná-los como amansar a dor é obra de caridade.

Movimentando-nos acertadamente evitaremos o sofrimento, que é a procuraremos também satisfazer a sede de conhecimento que se en­contra aninhada no fundo de cada alma. Tudo isto quero comunicar aos amigos, que serão meus her­deiros.

Dizem que meus livros são difíceis demais; mas eles não constituem todo o meu trabalho. Eis que é chegado o momento da realização desta outra parte do trabalho, na qual minha tarefa é a de traduzir as teorias difíceis em palavras simples, tudo repetindo e esclarecendo numa forma diferente, acessível a todos, sem as complicações da ciência, sem as dificul­dades da alta cultura, conservando-nos apegados a substância, mas simplificando o que é mais difícil, aproximando-nos da realidade do nosso mundo, a qual se compreende melhor porque todos a vivemos em nossa vida de cada dia. As grandes teorias do universo serão descritas de outra forma. Esta nova exposição daquelas mesmas teorias terá a vantagem de as confirmar em virtude de contato mais direto com os fatos. Desta maneira, elas se tornarão acessíveis sem ser necessário o esforço mental que nem todos podem fazer, sem a cultura que nem todos pos­suem. Assim, estas verdades poderão ser compreen­didas e utilizadas por um número cada vez maior de pessoas que desejem ser beneficiadas e precisem de orientação a fim de melhor se dirigirem na vida.

Para que não haja qualquer mal-entendido, de­sejamos afirmar, logo de começo, que a nossa fina­lidade é só fazer o bem. Queremos fazer isto, oferecendo o fruto do nosso pensamento e da nossa expe­riência, para que os amigos possam deste conheci­mento tirar a maior utilidade para si próprios: utili­dade espiritual, que é a base da material, porque uma não se pode isolar da outra.

Nossa tentativa não se destina a impor idéia al­guma ou a fazer prosélitos. É apenas uma oferta livre, que não obriga ninguém a aceitá-la. Quem esti­ver convencido de possuir outra verdade melhor e estiver satisfeito com ela, que não a abandone. Quem não gostar de pesquisas no terreno de tantos mistérios que nos cercam de todos os lados, quem não quiser incomodar-se com o trabalho de aprofundar o seu conhecimento, enriquecendo-o com novos aspec­tos da verdade, fique tranqüilo na sua posição. Não desejamos perturbar ninguém; não andamos em bus­ca de seguidores a fim de conquistar domínio na Terra; não somos rival de ninguém neste campo. O nosso único interesse é a pesquisa para atingir o sa­ber. Este, e só este, é o nosso objetivo, e não o de conquistar poder algum neste mundo.

Permanecemos, por isso, com o maior respeito por todas as verdades que o homem possui e pelos gru­pos que as representam. Respeitamos os campos já conhecidos, embora sigamos por nossa conta explo­rando novos continentes. Respeitamos as verdades já conquistadas, embora procuremos ver mais longe. Respeitamos todas as religiões e doutrinas, e de ma­neira nenhuma pretendemos destruí-las ou superá­-las, a fim de as substituir por outras. Ensinaremos sempre o maior respeito pela fé e filosofia dos outros.

O nosso lema é que o homem civilizado não agri­da nunca o seu próximo, e que um ser evoluído nun­ca entre em polêmicas. Isto significa que, para nós quem agride o próximo não é civilizado e aquele que entra em polêmicas para impor a força as suas idéias aos outros ainda não é evoluído. Não quer dizer seja ele mau, mas tão somente atrasado no caminho da evolução, como o prova o uso dos métodos que mais se aproximam da fera. O método usado revela a sua própria natureza e o nível de vida a que perten­ce. Mais adiante explicaremos isto melhor. "Dize-me como lutas e dir-te-ei quem és".

Tranqüilizem-se, assim, os que suponham esteja eu fazendo campanhas contra alguém. Isso signifi­caria retroceder milhares de anos no caminho da evolução. Proceder assim seria sintonizar com forças negativas da destruição. E veremos que entre tan­tas leis que dirigem o mundo, existe aquela segundo a qual quem destrói acaba destruindo a si mesmo: quem agride o próximo agride a si mesmo; quem faz o mal, o faz antes de tudo a si mesmo. Veremos a maravilhosa justiça de Deus, sempre presente, em ação, inclusive neste mundo de injustiça. Veremos que a ciência e a lógica não estão contra a fé. Os poderes do intelecto nos foram dados por Deus para compreender e demonstrar a verdade com provas reais, pois que a fé pode apenas vislumbrá-la.

Veremos muitas coisas boas e maravilhosas, pro­venientes de planos de vida mais elevados e que, se quisermos, podemos atrair a Terra.

Maravilhosa descida de sabedoria e de bonda­de, através das quais se manifesta entre os homens a presença de Deus! Procuraremos aprender a arte de viver em paz e no respeito ao próximo, o que cons­titui a base de uma feliz convivência social. As lon­gínquas teorias dos nossos livros descerão do mundo das abstrações, até se tornar prática a sua aplicação podendo assim conferir frutos reais a quem o desejar. Não prometemos poderes mágicos, nem felicidade fácil, mas seremos nós mesmos que nos vamos colocar, juntamente com tudo a mais, dentro de uma visão da vida, clara, singela e positiva, constituída pela Lei de Deus, a qual pode ser dura quando o merecemos, mas é sempre boa e justa. Devemos compreender fi­nalmente como está feita e como funciona esta gran­de máquina do Universo, construída é movimentada por Deus, dentro da qual vivemos e de que somos parte. Ela é a nossa casa, onde moramos, sem no entanto a conhecermos campainha de alarme que nos avisa quando cometemos um erro, que deve ser corrigido para voltarmos à harmonia na ordem da Lei. Enquanto não regressarmos àquela harmonia, a dor não pode acabar. É lógico que o bem-estar possa nascer apenas de um estado harmônico e que a de­sordem não possa gerar senão sofrimento. O ser é livre, mas o universo é um concerto musical, onde qualquer dissonância produz sofrimento. Na verda­de, que se deve colher quando o homem continuamen­te se rebela contra a ordem da Lei de Deus? Num sis­tema dessa natureza é lógico que a felicidade não se possa atingir senão pelo caminho da obediência, e que a revolta não possa trazer senão sofrimentos. O estado em que se encontra nosso mundo comprova, na realidade dos fatos, a verdade desta afirmação. Dado que seria absurdo atribuir a causa de tanto mal a Deus, que não pode ser senão bom e perfeito, não resta outra alternativa senão atribuí-la ao homem Quanto maior for a revolta, tanto maior será o sofri­mento, até o homem rebelde aprender, a sua custa, a obediência. Se quisermos fugir à dor e conquistar a felicidade, qualquer que seja a nossa filosofia ou religião, temos de compreender que existem leis, existem leis, existem leis; se continuarmos violando-as, co­mo costumamos fazer, teremos tanto sofrimento que acabaremos por compreender que existem leis e, se não quisermos sofrer, não há outro caminho a não ser o de nos ajustarmos a elas Se o mundo conseguir aperceber-se disso, esta seria a maior descoberta dos nossos tempos. Eis o conhecimento que conse­gui atingir em meio século de trabalho mental e de controle experimental. Este é o presente que agora quero oferecer aos meus amigos.

O mundo atual parece que se está tornando ca­da vez pior. Mas Deus pôs limites à liberdade do ho­mem, de maneira que este não tem o poder de parar o funcionamento da Lei que tudo rege. O mundo po­de ser conduzido ao desmoronamento e ao fracasso, mas o prejuízo é somente para quem a isso o condu­zir. A Lei de Deus permanece imutável. Isto quer di­zer que, no meio de tantos: crimes e injustiças, a jus­tiça de Deus fica de pé, e os que fracassarem serão os piores. Mas para os justos, para os honestos, que não mereceram a reação da Lei, fica, em sua defe­sa, a justiça de Deus. Perante Ele, cada um fica so­zinho com o seu destino; para colher o que semeou e receber o que mereceu.

Veremos o que quer dizer destino, procurando pe­netrar o segredo da nossa vida através do conheci­mento das leis que a regem. Muita coisa teremos de ver juntos. Nesta primeira palestra não é possível to­car senão em alguns assuntos gerais. Mas, pouco a pouco, entraremos cada vez mais nos problemas da vida que temos a resolver, nas perguntas que surgem em nossa mente e às quais é necessário responder. Eis a conclusão que podemos antecipar: Deus vem ao nosso encontro de braços abertos, com uma lei da bondade e de justiça e podemos receber felicidade quando a tivermos merecido, por termos semeado bondade e justiça. Há um caminho para chegar a felicidade, mas se o homem não quer segui-lo, a cul­pa e as justas conseqüências não podem ser senão dele mesmo. Devido à escassez do tempo, não pode­mos prosseguir hoje, mas continuaremos depois. Irá, assim, realizar-se um colóquio entre as nossas almas, até chegarmos a um abraço de compreensão e ale­gria para mim, por tornar-me útil ao próximo, e os ouvintes possam desfrutar das vantagens de compre­enderem melhor a vida, e, consequentemente, de semearem para si menos sofrimentos. Procurarei falar de alma para alma, a cada um, como em segredo, ao ouvido, a fim de esclarecer os vossos problemas, fo­calizando-­os diretamente, para confortar os que so­frem, orientar os que duvidam, pacificar os revolta­dos, encaminhar para Deus os desviados, dar uma fé e uma esperança aos descrentes. Para nos liber­tarmos da disciplina da Lei de nada vale dizer que Deus não existe: Ele permanece existindo. De nada vale negar a Sua Lei: ela continua funcionando. De nada vale escondermo-nos nas trevas: a luz persiste resplandecendo no Alto. Estamos vivendo dentro desta Lei viva; nossa própria vida deriva dela e represen­ta o pensamento e a vontade de Deus, que é a causa primeira da vida universal.

Continuaremos, assim, falando juntos, de amigo para amigo, unidos por um liame de bondade, para o bem de ambos. "Sem bondade não se pode dizer a verdade". Considerarei cada ouvinte como um ami­go meu pessoal, com o qual estou desabafando a mi­nha paixão de beneficiar o próximo. Não sou rico para dar dinheiro, não sou poderoso para oferecer vantagens materiais. Dou o que tenho: o pensamen­to que recebi por inspiração, e o amor do meu cora­ção. Como recompensa espero que este pensamento seja compreendido e que este amor seja retribuído.

II

SEPARATISMO RELIGIOSO

Respeito por todas as crenças

Estou novamente convosco, continuando a nossa primeira conversa. Destas conversas faremos muitos elos e destes elos uma corrente de inteligência e de bondade, para construir um dique contra a ignorân­cia e a maldade que inundam o mundo.

Estas palestras singelas, estas palavras que saem dos meus lábios, serão úteis para afastar tantos mal-entendidos e dúvidas que nasceram por incompre­ensão do meu trabalho, desde a minha primeira vin­da ao Brasil em 1951. Peço desculpas por ter de falar de mim, o que me é desagradável. Mas não há outra maneira de esclarecer o caso. Tenho aqui de repetir mais uma vez o que foi sempre o meu lema, isto é, universalidade e imparcialidade. Devo também ex­plicar que as minhas palavras têm de ser entendidas literalmente; elas não contêm outros significados ou subterfúgios. Ora, imparcialidade quer dizer não­-existência de partido, compreendendo-os a todos; sig­nifica não ficar fechado na forma mental de facção ou de grupo particular algum, sobretudo quando este grupo, seja ele qual for, se impõe combater outros grupos, julgando-os errados e maus e, porque sendo diferentes dele próprio, persegue-os com as suas con­denações.

Infelizmente, esse instinto de exclusividade, pelo qual não se pode afirmar sua própria verdade a não ser condenando como erradas as verdades dos ou­tros, é produto do nosso nível de vida humana, sen­do isso apanágio do homem em geral, qualquer que seja a religião ou grupo doutrinário ao qual perten­ça. Não é a diferença ideológica dos pontos de vista das religiões que deixamos de aceitar. Tudo isso é natural e lógico. Em nosso mundo relativo, não pode existir coisa alguma senão de forma relativa. Assim, nele, também a verdade não pode aparecer senão, dividida em seus aspectos diferentes. O que não po­demos aceitar é a atitude de condenação, de exclusi­vidade da posse da verdade, e de agressividade, que muitas vezes se encontra nas religiões e nos grupos doutrinários. Não nos interessa tomar parte nestas rivalidades terrenas, que nada têm a ver com a pes­quisa da verdade que buscamos.

O nosso objetivo não é o de defender um patri­mônio já adquirido, mas o de nos enriquecermos com novas conquistas para doá-las a quem as quiser. Não estamos amarrados a quaisquer interesses terre­nos que imediatamente se constróem por cima de toda e qualquer verdade. Quem está mergulhado no trabalho de pesquisa não pode despender as suas energias nessa luta de rivalidades. A nossa tarefa não é a de conservar o passado defendendo-o, mas a de construir o futuro. Os nossos interesses não estão na Terra, mas somente nessa construção. O respeito que temos pela verdade de cada um, e que todos de­vem tem para com as verdades que o mundo possui, não pode interromper o caminho da vida e a evolu­ção do pensamento. O passado não pode paralisar o florescimento do futuro. E no mundo há lugar pa­ra todos.

O primeiro mal-entendido nasceu quando julgaram que nós representávamos este ou aquele grupo, e por conseguinte, que éramos inimigo dos outros grupos, inimizade para nós simplesmente inconcebí­vel. De maneira alguma saberíamos tomar parte nessa luta de rivalidades, que requer uma forma mental para isso adaptada, que não possuímos. As­sim, fugimos de qualquer grupo logo que aparece esse espírito de condenação. O mal-entendido con­sistiu em ter-se julgado encontrar um inimigo, onde não existia inimigo algum, e de pensar em guerra quando tratávamos apenas da maneira como resol­ver os problemas do universo. Isto desejaria eu aqui explicar de um modo bem claro. Não somos guerrei­ro; somos um pensador que não tem interesses hu­manos a defender. “Nosso inimigo é a ignorância”, causa de tantos sofrimentos, e não o homem a quem queremos ajudar. Neste mundo podemos ser presa dos fortes e astutos, mas não somos forte nem astuto para na Terra fazer presas.

Concordamos assim com todos. Os únicos seres com os quais não podemos concordar são os que não querem concordar de forma alguma, mas, pelo contrário, querem impor-se vencendo o próximo. Ora, esta é uma mentalidade atrasada, que o homem verdadei­ramente espiritualizado não pode aceitar sem retroceder milênios no caminho da evolução. Mesmo que seja permitido fazer guerra, isso só será possível con­tra quem quiser fazer guerra. O homem civilizado procura e sabe encontrar, não os pontos de contras­te para lutar, esmagando-se uns aos outros, mas os pontos de concórdia, para colaborar, ajudando-se uns aos outros. Dizemos civilizado porque só esse ti­po de homem pode fazer parte da nova humanidade que está surgindo, a qual será constituída, não por bandos de lobos, más por uma coletividade social unida, colaborando organicamente. Esse novo mun­do, que amanhã será melhor, é o que mais nos interessa; um mundo de compreensão e de colaboração recíprocas; o mundo do "ama o teu próximo como a ti mesmo". Assim, com tudo podemos concordar, me­nos com essa vontade de não concordar. Mas, não condenamos ninguém por isso, porque esse método corresponde a uma lei que pertence a um dado pla­no de vida. Isso não se deve considerar maldade, nem se deve chamar de mau o ser que comete er­ros por não ter ainda compreendido e sabido fa­zer melhor, pelo fato de não ser bastante evoluído.

Uma vez expliquei a alguém o meu ponto de vista da imparcialidade e universalidade. Sua face ilu­minou-se e, de súbito, respondeu: “compreendo, tra­ta-se de um novo partido: o dos imparciais e univer­salistas”. Este fato mostrou-me como a forma men­tal comum não consegue conceber coisa alguma se não a vê bem fechada dentro dos limites do relativo, isto é, dum grupo particular bem separado dos ou­tros e logicamente em luta com eles. Colocada. pe­rante a idéia de universalidade, esta forma mental não consegue concebê-la senão na forma dum impe­rialismo dominador de todos, que um poder central consegue submeter. E de fato, eis como se encontra o mundo, eis o que vemos na Terra.

Quando cheguei ao Brasil a convite de um des­ses grupos, outro grupo levantou-se contra mim, dizendo ter chegado um enviado de Satanás. E quando sustentei algumas teorias deste outro grupo, fui censurado pelo que me havia convidado. E assim acontece sempre, porque se trata de um mesmo tipo de homem, o qual possui uma só forma mental, que o leva a proceder sempre de igual maneira, isto é, com condenações e anátemas, pertença ele a que grupo pertencer.

É assim que nascem os mal-entendidos. O meu trabalho não é o que todos quereriam, ou seja, o do oferecer-me como um seguidor a mais para engros­sar as fileiras desse ou daquele grupo, mas é o de fazer pesquisas para resolver problemas ainda não resolvidos, esclarecer dúvidas, compreender misté­rios, responder a perguntas a que as religiões, as doutrinas e as filosofias ainda não deram resposta. Disso se conclui que a idéia comum de imperialismo religioso, em busca de adeptos e seguidores, não me interessa e não faz parte do meu trabalho. Falo bem claro: não quero de maneira nenhuma chefiar coisa alguma na Terra; não quero conquistar poder algum neste mundo. Não há, assim, qualquer razão para rivalidades. O que almejo é só utilizar esta minha condenação de viver neste baixo nível de vida, para ajudar os outros a levantarem-se a um nível espiritual mais alto. Se me fosse permitido, só uma vez, ser egoísta, o meu único desejo seria o de ir-me embora, fugindo para bem longe deste mundo e não voltar mais. Por isso, as lutas pelas conquistas humanas. que tanto interessam aos meus semelhantes, não têm sentido para mim e, achando-as muito cansativas, não cuido delas. As minhas lutas dirigem-se para objetivos totalmente diferentes.

É necessário explicar tudo isso para que meu tra­balho seja compreendido. Infelizmente, em nosso mundo estamos acostumados a supor que cada pala­vra seja uma mentira e julgamos que somos astutos quando conseguimos descobrir essa mentira. Isso é o que, suponho, aconteceu também a meu respeito. Daí nasceu o mal-entendido, porque neste caso acon­tecia o inacreditável, isto é, que as minhas palavras eram, na realidade, verdadeiras e atrás delas não havia outra idéia para encobrir. É necessário tomar as minhas palavras literalmente, pelo fato de que elas querem dizer simplesmente o que dizem e não contêm segundas intenções. Para quem não quer conquistar poderes na Terra, é lógico que o método seja diferente do empregado pelo mundo.

Nosso método, na verdade, é oposto ao do homem comum. Nós queremos trazer harmonia ao invés de luta, paz e não guerra, esclarecimento onde exista dúvida, esperança onde haja desespero, fé onde es­teja a descrença, conhecimento onde se encontre a ignorância. Eis o que procuramos fazer. Conseguire­mos realizar o que Deus quiser. Quando sucede que o homem empregue toda a sua boa vontade, as qualidades que possui e o seu esforço para colaborar com a vontade de Deus, o restante fica nas mãos d'Ele. O triunfo depende de elementos que não co­nhecemos, escapam ao nosso domínio, e pelos quais não somos responsáveis. Mas se procurarmos com­preender e seguir, a vontade de Deus, certamente esta vontade virá ao nosso encontro para ajudar-nos.

Estudando juntos esse método, aprenderemos a arte de alcançar sucesso, inclusive na vida prática. Os homens práticos não observam que, para obterem êxito no campo material, é necessário uma boa ori­entação, antes de mais nada no campo espiritual, do qual tudo depende, não apenas os resultados dos negócios, como a conservação da saúde e a sensação de bem-estar em nós mesmos e em tudo o que nos ro­deia. Em nosso universo tudo está coligado, e as coisas não podem isolar-se umas das outras. Quem não está orientado nos grandes conceitos da vida, não o pode estar tampouco nas coisas pequenas de cada dia, que são conseqüências das grandes. O nosso trabalho nestas palestras será o de esmiuçar as teorias gerais da grande orientação até suas conseqüências concretas, que nos tocam de perto, pa­ra aprender a viver conscientemente, conhecendo o valor dos nossos atos, desde suas origens até seus últimos efeitos. Esta é a ciência da vida, que nos explica a significação dos movimentos da nossa alma, como dos acontecimentos que nos rodeiam. Cada vida se desenvolve, não ao acaso, nem guiada pelos nossos caprichos, mas conforme um plano particular, que se chama destino, e que é conseqüência do passado, na forma em que o quisemos viver.

Temos falado que há uma Lei. Aprenderemos, pouco a pouco, a arte sutil de viver em harmonia com essa Lei que representa Deus, arte que constitui o segredo da felicidade. Iremos verificando, cada vez mais, que a espiritualidade, verdadeiramente en­tendida e vivida, produz incríveis efeitos "úteis", tam­bém no plano material. Falamos de utilidade. Não queremos roubar o tempo aos nossos leitores, mas sim fazer um trabalho "útil" a todos. É preciso usar com mais inteligência a nossa vida, tomando-nos ci­dadãos iluminados e conscientes deste nosso univer­so, colaborando com a vontade de Deus, Que o diri­ge. Aprenderemos a ver com outros olhos e então tudo será diferente. Ao invés de rebeldes construtores de sofrimentos, como hoje somos, tornar-nos-emos, para o nosso bem, obedientes construtores da felici­dade. Seremos então amigos e colaboradores de Deus, obreiros Seus na grande obra da vida, vida que vai subindo até Ele, porque, assim que tivermos com­preendido a Sua vontade, que visa somente ao nos­so bem, não desejaremos outra coisa senão realizá-la.

Diz-se muitas vezes que Deus está presente. E não há dúvida: Deus está presente. Mas não basta dizer isto. É preciso aprender a perceber esta pre­sença, chegar a compreender o Seu pensamento e seguir o caminho marcado pela Sua vontade. É ver­dade que Deus está entre nós. Mas, isto tem uma fi­nalidade. Deus está entre nós, dentro de nós, para que respiremos esta Sua presença e possamos fundir-nos em harmonia com a Sua vontade, realizando em nossa vida os ditames da Sua Lei. E isso também tem uma finalidade, que é a de levar-nos a não errar, como se costuma. Não errar quer dizer não sofrer mais os choques dolorosos que são conseqüência do erro, que por sua vez é violação da Lei. Isso significa evitar sofrimento e proporcionar-nos tranqüila felici­dade, que só num estado de ordem é possível.

III

O PROBLEMA DO DESTINO

A semeadura é livre, mas a colheita obri­gatória. Como orientar nossa vida no plano geral do Universo, conhecendo o fun­cionamento da Lei.

No capítulo anterior, tocamos levemente no as­sunto de uma ciência da vida como método para se alcançar êxito e ser menos infeliz, em virtude de se aprender a arte de viver sabiamente em harmonia com a Lei de Deus, seguindo com obediência a Sua Vontade. Vamos agora explicar melhor estes con­ceitos.

É difícil a arte de saber viver. A vida é um vaso que podemos encher com o que quisermos. Mas, a verdade é que temos querido enchê-lo de erros. Então, que podemos receber senão sofrimentos? Quan­do era moço, li livros sobre a arte de alcançar suces­so na vida. E hoje ainda se encontram livros sobre este assunto. Mas, trata-se duma ciência de superfí­cie, que se baseia na sugestão, na arte exterior de apresentar-se, de falar e convencer o próximo. Ora, isso só pode levar a um êxito parcial, momentâneo, superficial. O verdadeiro êxito na vida consiste num problema de construção de destinos, um problema complexo de longo alcance, que só se pode resolver conhecendo o funcionamento das leis profundas que regem a vida, e a posição de cada um dentro dessas leis, ou seja, o plano duma vida enqua­drada no plano geral do universo, em função de Deus. Mas, o homem não conhece nem um nem ou­tro desses dois planos. Como se pode chegar a uma orientação completa do caso particular, se não se co­nhece a Lei geral? A maioria não é dona dos aconte­cimentos da sua vida, mas é serva dirigida por eles. A vida deveria ser um trabalho orgânico, consciente, executado em profundidade, dirigido logicamente pa­ra finalidades certas, que a valorizem, dando-lhe um sentido construtivo.

A vida é um jogo vasto e complexo. Podemos deixá-la decorrer levianamente, mas então, ou perde­mos o nosso tempo, ou semeamos sofrimentos, come­tendo erros. E depois, as conseqüências terão de ser suportadas inevitavelmente por nós. Fala-se de destino e da sua fatalidade. Mas, os construtores desse destino somos nós mesmos e depois ficamos sujeitos à sua fatalidade. A nossa vida atual apre­senta-se como um fenômeno sem causas e sem efei­tos, se considerada isolada. Para ser compreendida, é preciso concebê-la em função das vidas preceden­tes que a prepararam, e das vidas futuras que a com­pletam. O presente não pode ser explicado senão como fruto do passado, das ações livremente desen­cadeadas, cujas conseqüências são agora o que cha­mamos o nosso destino. Da mesma forma que o pas­sado representa a semeadura do presente, o presente representa a semeadura dó futuro. A semeadura é livre, mas a colheita obrigatória. Verifica-se, assim, este jogo complexo de semeadura e colheita, entrela­çadas em cada momento da nossa vida.

Esta é a Lei de Deus e ninguém pode modificá-la. Mas dentro desta Lei somos livres para nos mo­vimentar à vontade. Assim, somos ao mesmo tempo livres e dependentes. Temos o poder de nos arruinar ou de nos salvar, como quisermos, mas não podemos alterar a Lei, e a nossa ruína ou salvação fica fatalmente sujeita às normas da Lei de Deus. Ela regula os movimentos de tudo que existe e do homem tam­bém. Conhecê-la quer dizer conhecer as regras do jogo da vida, isto é, a ciência da própria conduta, a arte de evitar os movimentos errados e fazer os certos, para fugir do dano próprio e atingir o melhor bem-estar possível. É indiscutível a superioridade do homem que possui este conhecimento, em compara­ção com quem, na luta pela vida, não o possui. O primeiro tem muito mais probabilidades de alcançar sucesso do que o segundo. Para quem conhece a Lei geral, é possível coloca-se dentro dela na devida posição, evitando as dolorosas conseqüências duma posição errada. O homem comum acredita viver no caos, onde procura impor a própria vontade a tudo e a todos. Mas, de fato, não é assim. Esta suposição é fruto da sua ignorância. Não há vontade humana que possa dominar o poder da Lei. Esta é constituí­da, não só como norma, pela inteligência de Deus, mas também como poder, pela vontade d'Ele. Isto quer dizer que as normas são ao mesmo tempo uma força que quer que elas se realizem, uma força irresistível, viva e ativa, sempre presente em todos os tempos e lugares, da qual não é possível fugir. A Lei é boa, sábia, paciente e misericordiosa, mas é tam­bém justa, duma justiça inflexível, de modo que, quando a criatura abusa, ela se desencadeia como furacão e derruba tudo, coibindo o abuso.

A coisa mais importante na vida, a base de tudo, é a orientação. E a maioria vive correndo atrás das ilusões do momento, desorientada e descontrolada. Só quem conhece tudo isto pode orientar-se, inclusi­ve a respeito do seu destino e das finalidades parti­culares que lhe cabe atingir na vida atual. Pode assim evitar os atritos dolorosos contra a Lei, que atormentam os rebeldes, e subir mais facilmente, le­vado pela corrente da Lei que o ajuda, uma vez que ele quis colocar-se em obediência a ela. Quem, por ter compreendido, sabe obedecer com inteligência, conhece o caminho mais rápido e menos doloroso da salvação.

Seguir a Lei quer dizer seguir a vontade de Deus. Esta é uma bem estranha posição para o mundo, que ainda obedece à lei animal do mais forte. Seguir a vontade de Deus não quer dizer perder a própria e tomar-se autômato. Essa obediência é um estado de abandono em Deus, em absoluta confiança, como o filho nos braços da mãe. Mas, esse abandono é ati­vo e dinâmico, como o de quem vai atrás de um guia sábio e bom que o defende e lhe garante o êxito, desde que o seguidor queira obedecer com boa vontade, sinceridade e fidelidade. É o abandono do operário, consciente da sabedoria do patrão que manda, mas a quem, para sua própria vantagem, convém obede­cer, acompanhando e colaborando. Ninguém pode negar as vantagens de trabalhar juntamente com Deus, apegado ao Todo-Poderoso. Esta é uma posi­ção de vantagem que fornece a criatura poderes, os quais não pode atingir quem caminha sozinho, dirigido apenas pela sua própria vontade e inteligência.

Se soubermos aprender esta arte de viver em har­monia com Deus, a nossa existência se deslocará do plano da injustiça e da força em que vive o homem, ao plano da justiça e da bondade em que tudo fun­ciona com princípios diferentes. Trata-se de substi­tuir o instinto de domínio do nosso eu individual, que vai até à revolta contra Deus, pelo desejo de concor­dar com a Sua vontade, num estado que, em vez de ser de separação, representada pela nossa debilida­de, será, ao contrário, de união, que constitui a nossa fortaleza. Então, a vida se tornará outra coisa para nós. Ela não será jamais dirigida pelo princípio da força e do engano, que levam ao esmagamento e a desilusão, mas, será antes dirigida pelo princípio da justiça e da sinceridade, que reconhece o nosso di­reito a tudo de que necessitamos para viver, de acor­do com o nosso merecimento. São dois princípios ab­solutamente diferentes. Cabe a nos, conforme os nos­sos pensamentos e conduta, pertencer a um ou outro desses dois planos, e por conseguinte ser regidos por princípios bem diferentes, muito menos duros e dolo­rosos no segundo caso. Este é um problema absolu­tamente individual, de escolha e resultados indivi­duais, independente da maneira boa ou má como os querem resolver os outros. Não importa se o mundo não quer transformar-se, preferindo o contrário. Ca­da um pode transformar-se e salvar-se por sua conta. Cada um constrói o seu próprio destino. É lógico que Deus seja justo, e é justo que as conseqüências ad­vindas do nosso comportamento sejam o efeito de causas engendradas por nós mesmos. De acordo com o mundo atual, as qualidades mais úteis para vencer são a força e a astúcia. Isso cria um estado de luta de todos contra todos, sem repouso. Esse contínuo estado de guerra é uma dura, mas merecida conde­nação, devida a psicologia de revolta que domina na Terra. Pelo contrário, naquele mais alto nível de vida, a qualidade mais útil é a boa vontade de obe­decer a Deus e à Sua Lei, merecendo assim, confor­me a justiça, a Sua ajuda. Acontece desse modo um fato incompreensível para a mentalidade do mundo: quando a merecemos, esta ajuda chega por si mes­ma, não nos pedindo coisa alguma sequer em troca. O resultado é maravilhoso e inacreditável para o nosso mundo: a nossa vida passa a ser garantida, e tudo é providenciado de maneira a não nos faltar nada. Mas, isso pode verificar-se somente quando o tivermos merecido, cumprindo o nosso dever perante a Lei, vivendo conforme a vontade de Deus.

Surge então uma coisa que o mundo não acredi­ta seja possível: para chegar a possuir o de que pre­cisamos e para alcançar sucesso não é necessário força ou astúcia. Basta tê-lo merecido, como a justi­ça o exige. Aqui não é o prepotente ou o astuto quem vence, mas o homem justo que cumpre o seu dever. Somos, num nível de vida mais evoluído, regidos por um princípio mais alto. Trata-se de um nível ao qual pertencem os indivíduos mais amadurecidos.

O incrível é que vemos funciona nesse novo mundo a Divina Providência. Ela funciona de verda­de, mas, é lógico, só para quem o merece. É lógico que ela não funcione para quem não o merece. Quando o tivermos merecido, podemos ter a certeza de que se verificará para nos esse milagre da Divina Providência, que nada nos deixará faltar do que pre­cisarmos, seja para a alma, seja para o corpo. Em geral não se acredita que isto possa acontecer de ver­dade, porque de fato é muito raro que aconteça, por­que é raro também que o mereçamos. O mundo está cheio de necessidades porque está cheio de cobiça. A causa da necessidade é a cobiça. Quem semeia insaciabilidade, tem de recolher fome; quem furta, tirando dos outros o que não ganhou honestamente com o seu trabalho, terá de viver na miséria, até que aprenda, à sua custa, a lição da honestidade. Para reconstituir o equilíbrio da Lei, surge a privação correspondente ao nosso abuso. Paga-se caro esse abuso, mas o mundo parece ignorar uma lei tão simples. Somos livres, mas responsáveis. E o seremos tanto mais, quanto mais possuirmos em riqueza e poderes, pelo bom ou mau uso que deles fizermos. Te­remos sempre de prestar contas à Lei. A mesma Lei poderá tirar-nos tudo, deixando-nos na penúria se pelo mau uso de poder ou fortuna, o houvermos merecido.

O próprio Sermão da Montanha, de Cristo, se ba­seia nesse princípio. Mas quem o toma a sério? É por isso que vemos tanta pobreza no mundo. Deus não criou a pobreza, mas foi o homem que a criou com a sua desobediência a Lei. Deus não ficou esperando até agora, para que o socialismo descobrisse o pro­blema da justiça social. A Justiça da Lei, completa e perfeita, sempre funcionou. Quem tem olhos para ver, fica horrorizado, ao considerar, a leviandade do mundo, que está brincando com forças terríveis, con­denando-se a sofrer as conseqüências. É assim que vemos tantas humilhações para os que foram orgu­lhosos, tanta necessidade onde houve desperdício no supérfluo, constrangimento à obediência onde houve poder demais e mau uso das posições de domínio.

O mundo é ainda tão ingênuo que acredita que basta apossar-se de uma coisa, de qualquer manei­ra, para que tenha o direito de possuí-la. E não sabe que tudo o que possuirmos sem justiça por não o ter ganho com merecimento, e por não ter querido fazer dele bom uso - tudo isso é gasto, consumido, corroído interiormente por esta falta de justiça que mais cedo ou mais tarde não pode deixar de condu­zir ao fracasso. A riqueza mal construída é coisa po­dre e envenenada, que não pode dar senão frutos da mesma natureza para quem a possui. Acabará, assim, numa traição, como é justo que aconteça.

O nosso destino e a Vontade de Deus.

No fundo das coisas não existe o que aparece na sua superfície; ali reina de fato a justiça de Deus, não im­portando que o homem não queira dela tomar conhe­cimento. Ela fica funcionando da mesma forma. Pos­suir o mundo inteiro, quando esta posse estiver fora da justiça, não oferece segurança alguma. Acima de todos os poderes humanos existe esse poder maior, que é a justiça da Lei. Lembremo-nos de que a vida é uma força inteligente que só defende os que são úteis à sua conservação e desenvolvimento.

A conclusão desta palestra é que a Divina Provi­dência existe de verdade e funciona. Mas, para isso é necessário saber fazê-la funcionar, acionando as alavancas que a movimentam e às quais ela obede­ce. Veremos depois quais são estas alavancas. O fato é que ela funciona, a nosso favor, se o merecer­mos. Observei isso, controlando e experimentando, durante toda a minha vida, e sei que é verdade. O que tivermos merecido com as nossas obras, não é valor que fica espalhado ao acaso, aonde podem chegar os ladrões, mas está regular e ordenadamente guardado no banco do Céu, donde nada se pode furtar. Este é o único emprego verdadeiramen­te seguro dos nossos capitais. Esta é a maneira ver­dadeiramente inteligente de fazer negócios. A Divi­na Providência não é um milagre, mas lei natural de um plano de vida mais alto, em que vigora uma jus­tiça que não atraiçoa. Ali não existe engano e não se pode enganar. Esta Providência é um princípio que pode funcionar para todos aqueles que se encontram na posição devida, de maneira a serem por Ela alcançados. Deus está presente para proteger a todos; mas, o benefício dessa proteção é natural e justo só o recebam aqueles que compreenderam a necessidade de obedecer à Sua Lei.

IV

EM HARMONIA COM A LEI

Continuemos falando sobre a Divina Providên­cia. Se soubermos olhar em profundidade, ou seja, além da superfície das coisas, veremos um mundo re­gido por leis diferentes das que vigoram em nosso mundo. Trata-se de substituir o espírito de egoísmo e de separatismo vigente, por um espírito de união com Deus e de colaboração com o próximo. Trata-se de nos colocarmos num estado de aceitação perante a Lei de Deus, ao invés de nos colocarmos num estado de imposição para com o próximo. É na aplicação desta nova lei, a do Evangelho, que consiste o segre­do da felicidade e o caminho para fugir dos muitos sofrimentos que nos atormentam.

Falamos de união com Deus, de obediência à Lei, de aceitação da vontade d'Ele. Surge agora a per­gunta: como é possível chegar a compreender esta vontade de Deus a que devemos obedecer? Deus não tem boca, mas fala; não tem mãos, mas opera. Deus está presente, não há dúvida, mas não podemos percebê-Lo em forma material, na superfície das coisas, com os nossos sentidos. Deus esta presente, mas na profundeza de tudo o que existe. Há então dois cami­nhos para percebê-Lo: ou o da introspecção, olhando e penetrando dentro de nós por intermédio da medi­tação ou concentração, ou olhando os efeitos que, da profundidade onde está Deus, vêm até à superfície, revelando assim a natureza das coisas que os ge­ram e movimentam. Pode-se assim chegar a com­preender o pensamento de Deus, pelo menos no que diz respeito à nossa vida, quer afinando os sentidos no caminho da espiritualização, quer, para os que não conseguem olhar para dentro, olhando para fo­ra, ou seja, observando o que vai acontecendo co­nosco e ao redor de nós. Não podemos negar que a primeira origem de tudo está na profundidade, e que Deus, embora não tenha mãos, opera. A nossa vida e o nosso destino não se desenrolam ao acaso, mas são dirigidos por Deus. Então, se os acontecimentos podem, até certo ponto, ser o efeito da nossa vonta­de, em grande parte exprimem também a vontade de Deus. As duas vontades se misturam, colaborando quando concordam, e em luta uma contra a outra quando são discrepantes. No primeiro caso, dizem a mesma coisa, e então é fácil conhecer a vontade de Deus. No segundo caso, dizem duas coisas diferen­tes. Mas, quando tivermos separado desse conjunto o que é efeito da nossa vontade, restará aquilo que nos vai revelar qual é a vontade de Deus a nosso respeito.

Se observarmos a nossa vida, veremos que há fatos sobre os quais podemos exercer a nossa livre­-escolha à vontade. Mas, veremos também que exis­tem outros fatos acima da nossa vontade; são acon­tecimentos em relação aos quais não há escapató­rias. Há uma parte da nossa vida regida como que por um destino, com características quase de fatalida­de; há uma outra vontade, maior do que a nossa, à qual, queiramos ou não, temos de obedecer. Muitos acontecimentos parecem possuir uma vontade própria contra a qual não adianta rebelarmo-nos, nem deles fugir, apesar de o tentarmos por todos os meios. Na vida, há para todos uma parte livre, mas também existe uma parte em relação á qual vigora o princí­pio de aceitação. Aqui está a vontade de Deus, e o espírito da nossa desobediência não tem poder algum. Esta parte pode ser triste ou alegre, de satisfação ou de sofrimento, mas é sempre justa, obrigatória, impos­ta pela Lei. Em geral, esta é a conseqüência fatal do que livremente semeamos em nosso passado; fatal, não por um princípio de fatalismo que nos faria autômatos irresponsáveis, mas como efeito exato da nossa livre-vontade e do que ela quis realizar no ter­reno das causas, para que, conforme a Lei, tivesse de atuar no terreno dos efeitos. Aqui termina o do­mínio da nossa livre-escolha e vigora, em seu pleno poder, a Lei, que exige sempre obediência.

Entramos aqui no domínio do destino, e vemos a maneira pela qual o construimos para nós mesmos. O que domina tudo e todos é sempre a Lei, ou seja, a Vontade de Deus. Disso não se pode escapar. Mais cedo ou mais tarde temos de obedecer. Os inteligen­tes procuram conhecer a Lei nos seus princípios ge­rais e a Vontade de Deus no caso particular das suas vidas. Aceitando o que eles sabem que e justo, evi­tam atritos, choques, revoltas que geram a dor. Este é o caminho direto, mais proveitoso, menos doloroso. Se cometeram erros, estão prontos a pagar, de boa vontade, conforme a Lei de Deus. O método da acei­tação pacífica resolve o conflito entre a criatura e a Lei, de maneira mais rápida e tranqüila, qualquer que seja a pena que se deva pagar.

Os que não possuem esta inteligência e boa von­tade, os que estão ainda mergulhados na ignorância e na revolta, ao invés de aceitar, rebelam-se, aumen­tando assim as suas faltas, piorando a sua posição, amontoando novas dívidas por cima das antigas. Estão acostumados a usar o sistema próprio do plano de vida animal do homem na Terra, segundo o qual o mais forte é o que vale e vence. Mas, não sabem que esse plano de vida inferior encontra-se regido pelas leis dos planos superiores, que a violência só pode dar fruto na Terra e unicamente nesse baixo nível de vida é passível o domínio da injustiça. O que esse tipo de homem julga ser a lei de tudo, não é senão a lei do seu ambiente terrestre. O homem usa, assim, um método errado, o método da revolta, pen­sando que por seu intermédio consegue vencer, im­pondo-se, quando, na verdade está usando um mé­todo que serve apenas para fabricar a dor.

Mas, é lógico e justo que assim seja, porque a dor é a única voz por ele compreendida, e não há outro caminho para guiar um indivíduo, que por natureza tende a ser livre, até compreender a existência da Lei. Rebelar-se é o maior erro que se possa cometer. Se a Lei do universo quer que o caminho para a fe­licidade seja o da obediência, é lícito ao homem construir para si quantos sofrimentos queira, porque isto lhe faz abrir os olhos e o obriga, para seu bem, a aprender. Mas não lhe é lícito destruir a Lei, pois nesse caso, se ele possuísse esse poder lançaria tudo no caos. Se Deus permitisse ao homem tanto poder, a ruína e o sofrimento humanos já não seriam ape­nas momentâneos e suscetíveis de reparação por in­termédio da dura limpeza feita pela dor, mas seriam um fracasso definitivo, um mal irreparável, uma derrota de toda a obra de Deus, sem outra possibilidade de salvação.

De certo, a ignorância e a rebeldia do homem al­mejariam chegar até àquele fim. Mas, a sabedoria e a bondade, de Deus o salvam de um tão grande de­sastre à força, para seu bem, constrangendo-o a que ele não se perca, obrigando-o a limpar-se, a corrigir-se, a aprender através da dor. Perante um quadro de lógica, bondade e justiça assim tão perfeitas, há ainda no mundo gente que, sem ter compreendido nada, quer julgar Deus como culpado dos sofrimen­tos que há no mundo. Procuram-se assim infelizes es­capatórias, lançando-se a culpa em Deus ou em seus próprios semelhantes. Mas, é inútil. Tudo fica na mesma. Os erros têm de ser corrigidos, as dívidas têm de ser pagas, a lição tem de ser aprendida. Quan­do chega a dor, nunca queremos admitir que a culpa seja nossa, e não de outros. Perante a Lei, cada um se encontra sozinho e trabalha por sua conta. Cada um fica com o destino que quis construir para si mes­mo. Rebelar-se é pior. O mais que pode fazer é re­signar-se e corrigir-se, construindo para si, de agora em diante, um destino melhor, de convicta obediên­cia a Deus, agradecendo-Lhe pela dura lição que vai conduzi-lo à felicidade.

Esta é a verdade mais importante que cada um precisa compreender: Deus é, em tudo e sempre, o dono absoluto e da Sua Lei não nos podemos evadir. Seja qual for a religião a que o homem pertença, seja o maior dos ateus, ele obedeceu, obedece e obede­cerá sempre a Deus, no sentido de que não pode es­capar da Sua Lei. Por exemplo: o fato de pertencer­mos a uma ou outra crença não nos isenta da depen­dência da lei da gravitação. O erro está em acredi­tar que estas verdades, das quais estamos falando, sejam particulares a este ou àquele grupo, religião ou filosofia humana, quando, de fato, são verdades que existem, continuam existindo e funcionando, mes­mo quando o homem não as conheça ou não as quei­ra admitir. Elas existem de maneira independente do conhecimento, da negação e mesmo da existência do homem. A conclusão é que todos obedecem a Deus: os crentes sabendo o que fazem, os descrentes sem o saberem; os bons, de boa vontade, de olhos aber­tos, por amor, sustentados pela justiça de Deus; os maus, de má vontade, nas trevas, revoltados, com raiva, esmagados pela mesma justiça de Deus.

É bem estranha e primitiva esta maneira de con­ceber tudo em função de si mesmo, pela qual o ho­mem se faz centro, finalidade única e também dono, se pudesse, da criação. Mas, em quantos erros e ilusões psicológicas ele incorre nessa primitiva maneira de conceber as coisas! E com quantas dores terá o homem de pagar a sua ignorância! Quantas vezes terá de bater a sua dura cabeça contra as paredes da Lei, até que compreenda quão inútil e dolorosa é a loucura da sua rebeldia, e quão grande é a vanta­gem de coordenar-se com a Lei, conforme a Vontade de Deus!

Esta Vontade, saibamos ou não, queiramos ou não, é a atmosfera que todos respiramos, da qual não podemos sair, assim como respiramos o ar da atmos­fera terrestre inevitavelmente. Os materialistas jul­gam que a ciência poderá impor-se à Lei de Deus, quando na verdade poderá apenas demonstrá-la. E, ao mesmo tempo em que eles estão trabalhando pa­ra construir um mundo sem a espiritualidade, a Lei rege a evolução da vida, e os dirige, impulsionando-os para construir um mundo baseado nessa espiri­tualidade. Construtores e destruidores, apesar de o fazerem de forma oposta, de fato todos colaboram dentro da mesma Lei, para realizar a mesma construção. Assim como a morte é necessária para gerar a vida, e colaborar com ela para constantemente re­nová-la, sem o que não seria possível a sua evolu­ção, assim, os destruidores são necessários para rea­lizar os mais baixos trabalhos de limpeza do terreno, sobre o qual de outra maneira não seria possível construir. Trata-se de um trabalho feio, desagradável, desairoso, mas necessário, que os construtores, de raça mais nobre, nunca fariam, nem poderiam fa­zê-lo, porque, depois de terminado, quem o executou tem de ser afastado para não prejudicar a nova cons­trução. Eis, de fato, o que vemos acontecer nas revo­luções, nas quais é raro constatar que quem as rea­lizou tenha recolhido para si o fruto das suas lutas.

Continuaremos nestas nossas conversas, obser­vando quão profunda é a sabedoria da Lei e quão grande é a ignorância do homem a seu respeito. Concluímos a nossa conversa de hoje observando que, queiramos ou não, nos fatos concernentes a nós, afinal de contas, a nossa vontade e a Vontade de Deus trabalham juntas. Não que a boa vontade do homem tenha de colaborar, mas porque Deus permi­te que trabalhe também a nossa vontade, para a qual estabelece limites, efeitos e direção final. Pode­mos assim calcular quantas forças atuam entrelaça­das, a todo momento, em cada ato da nossa vida. Antes de tudo, está presente a nossa vontade passa­da, agora na forma dos seus efeitos que aparecem como fatais. Acima desses impulsos sobrepõe­-se e opera a nossa vontade atual que tem o poder de corrigir, nos seus efeitos, aquela nossa vontade passada, iniciando novos caminhos ou endireitando os antigos. Mas, todo esse trabalho o homem não o cumpre sozi­nho, abandonado a si mesmo; antes, o executa ao longo dos trilhos de uma estrada já marcada pela Lei de Deus, que estabelece até onde o ser está livre para errar, o poder e a natureza das reações da Lei ao erro, a técnica da elaboração e assimilação de expe­riências e a meta final de todo o grande caminho da evolução. Estamos no começo das nossas explica­ções e já podemos vislumbrar quantas coisas contém a nossa vida de cada dia, mesmo nos seus impulsos e atos mais simples.

V

A INFABILIDADE DA LEI

A função da dor e a sabedoria da Lei.

Em nossos dois últimos capítulos falamos da Divi­na Providência e da Vontade de Deus. Dissemos tu­do aquilo não para fazer teorias, mas porque se trata de forças que dirigem a nossa vida, e que devem ser levadas em consideração se não quisermos sofrer as conseqüências. Quem quiser viver com sabedoria, sem se lançar aos mais variados perigos, evitando sofrimentos, tem de compreender que há uma Lei, sempre presente, ativa, e que é muito arriscado não a respeitar. Se já tivéssemos aprendido todas as li­ções que a Lei contém, não cometeríamos mais erros, desaparecendo assim as reações, necessárias para nos reconduzir ao caminho certo da nossa libertação. Então, deveria desaparecer também a dor, dado que a sua presença no mundo seria absurda, porque uma vez aprendida a lição, ela não teria mais função al­guma a preencher. Lembremos que a Lei é sempre boa e justa; se às vezes usa o chicote, é apenas por­que, devido à nossa dura insensibilidade, não há outro meio para nos corrigir, conduzindo-nos assim pa­ra o nosso bem.

Todos sabem, através da sua própria experiência, que a dor é ponto fundamental da nossa vida. É verdade, no entanto, que cada um, no fundo de sua alma, alimenta um sonho de felicidade. Mas, quando é que, para os poderosos como para os humildes, chega a realizar-se de fato o que mais ambicionam? Os desejos dos pobres e dos poderosos, na maioria dos casos, ficam insatisfeitos e acabam fracassando em desilusões. Todos correm atrás de miragens que nunca se realizam, e no final, tudo se apaga num en­gano. Encontra-se, porventura, no mundo alguém que esteja satisfeito? O que há de real para todos é o sofrimento.

Por que tudo isso? Quem deu origem a essa con­denação? Estamos cheios de desejos de felicidade, e apenas encontramos sofrimentos! Que maldade! E quando procuramos uma causa para tudo isso, pen­samos logo em alguém para sobre ele lançar a culpa de tanta crueldade. Culpa-se, então, Deus por ter feito obra errada ou o próximo que deveria comportar-se de outra maneira. Mas, isso nada resolve, por­que Deus permanece inatingível e o próximo sabe defender-se. Também a dor não desaparece; pelo contrário, toma-se mais dura na revolta contra Deus e na contínua luta de todos contra todos.

Continuamos, assim, todos mergulhados no mes­mo pântano: ricos e pobres, cultos e ignorantes, po­derosos e fracos. Alguns que se julgam mais astutos, procuram emergir do Pântano, amontoando riquezas, enganos e crimes, pisando os outros, para atingir a felicidade. Mas, esta é instável, porque falsa, disputa­da contra mil rivais ciosos, roída por dentro pela na­tural insaciabilidade da alma humana. E, mais cedo ou mais tarde, na luta de todos contra todos, também os poucos que emergem, acabam afundando-se e desaparecem, tragados pelo pântano comum. Que jo­go torpe é a vida! Esta seria a conclusão.

Se tivermos nas mãos u'a maquina maravilhosa, mas, pela nossa ignorância da técnica do seu funcio­namento, somente conseguirmos que ela produza pés­simos resultados, dando-nos apenas atribulações em vez de satisfação, que providências aconselharíamos para resolver o caso? As máquinas humanas, se mal usadas, por estarem em mãos inábeis e portanto des­truidoras, estragam-se e deixam de funcionar. Mas, existe uma tão perfeita que o homem não conseguiu estragar ou impedir seu funcionamento. Acontece por vezes que, pelo mau uso da máquina, não é ela que sofre, mas o mau operário, que não soube fazê-la funcionar. Assim é que surge a dor, e então há um só remédio: o de aprender a técnica do funciona­mento da máquina; a fim de fazê-la trabalhar bem, para nossa vantagem, e não mal, para nosso dano.

Esta máquina representa a Lei de Deus. Ela é também boa educadora. Qual o papel do educador? Seu único objetivo é o bem dos alunos, e nós somos os alunos da Lei de Deus. O educador não deseja vinganças, punições, sofrimentos, porque ama os seus alunos. Se estes tivessem boa vontade para ouvir e fossem bastante inteligentes, para compreender, bas­taria a explicação das grandes vantagens da obedi­ência. Mas, os alunos são rebeldes, não querem acei­tar regras de vida que não sejam as que saem das suas próprias cabeças; e, se têm inteligência, querem usá-la só para revoltar-se contra a Lei. Então que po­de fazer o educador? O fato é que os alunos não que­rem ser educados mas, antes, destruir o educador. Eles quereriam estabelecer uma república indepen­dente dentro dum Estado, uma outra máquina fun­cionando às avessas contra a máquina maior que a hospeda. É um caso parecido com o do câncer, que re­presenta uma tentativa de construção orgânica em sentido destruidor, com multiplicação celular em for­ma não-vital, mas parasitária da vida.

Então, para o educador não há outra escolha De duas, uma: para agradar, poderia não reagir, como quereríamos nós os alunos, e como acontece no caso do câncer com os organismos fracos que não sabem defender-se. Mas, neste caso, depois de ter destruído tudo, também as células destruidoras do câncer, por sua vez, hão de morrer. Ora, o educador sábio não pode permitir isto. O que lhe resta é rea­gir, impondo disciplina. Isto é duro, porém não há outro caminho. Esta tentativa de construir u'a má­quina às avessas dentro da máquina regular, ou uma república inimiga dentro de um Estado or­ganizado, ou um câncer dentro de um organismo sadio, ameaça a função de bem que o educador, custe o que custar, há de cumprir. E ele pode fazer tudo, menos renunciar a esta sua função, porque dela depende o que para ele é mais importante: o bem dos alunos. Então, se ele quer verdadeiramen­te bem a estes, O que pode fazer senão usar de disci­plina e ensinar por esse método, já que os outros, mais benignos, não deram resultado? Também as células do câncer quereriam viver. Mas somos nós, porven­tura, cruéis quando as afastamos cortando o tumor? Também os criminosos quereriam gozar a vida à sua maneira, e poderemos nós considerar-nos ruins quan­do, em defesa da sociedade, os isolamos nas prisões?

A rebeldia do homem é uma espada que ele usa contra si mesmo. A Lei impede, entretanto, sua des­truição. Ele quereria perder-se e a Lei quer levá-lo à salvação Deus perdoa porque sabe que o homem é um menino carente de ajuda; na sua inconsciência está procurando só o seu dano. Mas, Deus não pode permitir que esse dano se realize. Ele quer so­mente o nosso bem. A lição tem de ser aprendida. Disto não há que fugir, porque de outra maneira se­ria desmoronado o plano de Deus, e nós involuiriamos ao invés de evoluirmos. Cientifiquemo-nos des­tes pontos: o progresso tem de se realizar, por isso a lição tem de ser aprendida; o homem é o mesmo, não restando para o educador outro método senão o da dor. A prova desta verdade é encontrada no mundo: para os educadores e suas leis vemos acontecer o mesmo que acontece com Deus e a Sua Lei. Assim, Ele tem de salvar à força os rebeldes inconscientes.

O chicote é duro. A dor existe. Entretanto, ela não foi criada por nossa imaginação. É fato positivo que todos conhecemos. Penetra por todas as portas, sem sequer pedir licença. Não adianta ser rico, inte­ligente, poderoso. Ela sabe, toma todas as formas, adaptando-se a cada situação. Há dores feitas sob medida para os pobres, os ignorantes, os fracos, co­mo para os ricos, os homens cultos, os poderosos. Os deserdados estão cheios de inveja dos que se encon­tram acima deles, e não sabem que acima das suas dores encontram-se, às vezes, dores maiores. Será que nas mais altas camadas sociais desaparecem os defei­tos humanos? E se não desaparecem, como pode não funcionar a salvadora reação da Lei? Esta não pode abandonar ninguém, tampouco os que o mundo mais inveja, por terem subido mais alto na Terra; não po­de, porque sendo o poder deles maior, maior é a sua responsabilidade, e, por conseguinte, maior a reação da Lei. Deus pode perdoar muito mais facilmente a um pobrezinho ignorante e fraco do que àqueles que possuem recursos, conhecimento e posição de domí­nio. Aos que mais conseguem materialmente subir na vida, estão muitas vezes destinadas provas mais difíceis e dores maiores. Mas a Lei é justa e não po­de deixar ninguém fora do caminho da redenção. É justo e lógico que a riqueza, o poder, a glória e coi­sas semelhantes pelas quais o homem primitivo tan­to luta, sejam apenas miragens que acabam na desi­lusão. A última realidade da vida continua sendo sempre a insaciabilidade do desejo e o sofrimento.

Em que impasse nos encontramos, meus amigos, pelo fato de possuirmos um desejo louco de felicida­de e termos de viver numa realidade de insatisfação e de dor! Estamos presos neste contraste. Almejamos o que nunca poderá realizar-se: a satisfação comple­ta. Mas, como se pode satisfazer completamente a insaciabilidade? Como pode assim resolver-se para nós este desejo de felicidade senão numa ilusão? Pa­rece que a felicidade está atrás dum horizonte e que basta atingido para encontrá-la. Mas quando, com o nosso esforço, o tivermos atingido, descobrimos ou­tro horizonte e pensamos que a felicidade está atrás deste último. A corrida continua assim, sem fim, atrás de uma miragem que se afasta à medida que avan­çamos. Mas, ninguém se pergunta o que quer dizer este jogo estranho, de querer encher um vazio que não se pode encher, de procurar atingir uma deter­minada meta que vai fugindo de nós à medida que nos aproximamos dela. Queremos sempre mais. Quem não possui, quer possuir; quem possui, quer possuir mais, seja isto riqueza; conhecimento, glória, poder etc. De fato, é o que vemos acontecer no mundo. O desgosto de quem não possui é a carência. A pena de quem possui é não possuir bastante ou o medo de perder o que já possui. Qualquer que seja a nossa posição, tudo tende a resolver-se no sofrimento da in­satisfação.

Mas, como é possível que a Lei, dando prova de tanta sabedoria no funcionamento do universo, pos­sa fazer, sem objetivo algum, um jogo tão cruel o de nos condenar a essa corrida que não acaba e que parece sem sentido? E se há um sentido, qual é? Não estamos fazendo teorias, mas apenas procurando compreender o que vemos acontecer em nosso mundo, a toda hora. Pensemos um pouco. Pode o obje­tivo último da vida ser o de continuarmos satisfeitos com as comodidades materiais deste mundo? Ou tem de ser o de conquistar formas de existência em pla­nos sempre mais elevados, progredindo e aperfeiçoando-nos sempre mais? Se não houvesse a insaciabi­lidade, tudo ficaria parado na satisfação atingida, estagnado, inerte, num estado em que tudo acabaria apodrecendo. Se fosse assim, quem nos impulsionaria para a frente? Dessa maneira, deixaria de haver o movimento mais importante, que constitui a razão da existência, isto é, o deslocamento no sentido da perfeição, progredindo por meio de contínuo aperfei­çoamento. É preciso compreender que este é o esco­po da vida: a busca da própria evolução. A evolu­ção, com essa corrida que parece sem sentido, é in­dispensável para ascender; a ascensão é necessária para chegar à salvação, porque não há outro cami­nho para nos libertarmos do mal e atingirmos a ver­dadeira felicidade.

A mesma coisa se pode dizer a respeito da dor. A nossa vida baseia-se nesta dura condenação que parece de uma crueldade sem sentido. Por que isso? O mundo ocidental aceita a idéia de que a paixão de Cristo foi um meio de redenção. Que quer dizer isto? Em todas as religiões do mundo existe o concei­to de que o sofrimento é útil, que saber sofrer é vir­tude que constitui mérito. A razão deste fato é sem­pre a mesma: a dor existe porque é um meio para progredir; nele se baseia a evolução, tendo exatamente a maravilhosa função de destruir a dor. Se a dor, que todos percebem e tantas coisas ensina, é meio de evolução, a evolução é meio de salvação Tudo o que é maceração, seja dor, trabalho para criar, esforço para subir, é meio de salvação. É gran­de erro querer parar o progresso que nos leva para Deus.

O quadro aqui apresentado parece duro, mas não contém enganos; é justo, lógico e verdadeiro. A conclusão não é a tristeza, nem o pessimismo. A por­ta para a felicidade não fica fechada, mas bem aber­ta para todos os honestos, todos os de boa vontade. Não estamos aqui para destruir, mas para construir. Se destruirmos alguma coisa é só no terreno das ilu­sões, para construirmos no terreno sólido da verdade.

VI

A JUSTIÇA DA LEI

O homem em busca de felicidade e a disciplina da Lei.

Temos falado da Divina Providência, da vontade de Deus, das desilusões e dos sofrimentos da vida, num quadro único em que cada coisa esta conexa a outra, e todos os fatos e problemas estão ligados en­tre si, revelando-nos cada vez mais a unidade do pen­samento diretor central, a sabedoria e a bondade de Deus. Mas o assunto é vasto e aparecem sempre no­vos aspectos a contemplar, surgem novos problemas a resolver e novas perguntas a responder. Um problema leva a outro, cada resposta provoca outra per­gunta. Iremos assim avançando de maneira a com­preender cada vez melhor qual é o grande plano com que Deus dirige a nossa vida e como dirige a existência do universo. Nesta viagem teremos de ir ainda mais longe que às mais magnificentes e longínquas estre­las, porque elas estão fechadas nas dimensões do es­paço e do tempo, enquanto o pensamento pertence às dimensões espirituais superiores.

Mas, continuemos a desenvolver o nosso assunto atual. Vimos em que impasse nos encontramos na vida. E verificamos isto apenas num rápido esboço de explicação. Temos de compreender melhor como funciona este jogo que parece tão cruel e sem sentido; enfim, compreender as suas causas e finalida­des. O embaraço é este: parece impossível atingir na terra a felicidade, apesar de ser o que todos mais al­mejam. A crueldade do jogo está neste fato: ter ab­soluta necessidade de uma coisa que nunca se. che­ga a possuir. Por que somos condenados a esta traição?

Todos procuram a felicidade. Quanto mais é pri­mitivo e ignorante o ser, tanto mais acredita na ilu­são e que seja possível encontrá-la na Terra. Mas, ao mesmo tempo, ele tem de compreender que uma felicidade, ao ser atingida, não é mais felicidade. O homem se acostuma a tudo e tudo perde o valor com o hábito. A satisfação habitual de todos os desejos acaba no enfado. Tudo vale e satisfaz enquanto e luta de conquista, esforço para realizar. Se após atin­gida a primeira meta, não surgisse outro desejo para alcançar resultados maiores, e com isso, um novo es­forço, tudo acabaria no tédio. Se nós recebermos tu­do de graça, sem ter dado, para ganhá-lo, prova do nosso valor, e sem ter assim um verdadeiro direito a posse, tudo acabaria anulado no vazio produzido pela sensação de nossa inutilidade. Na justiça da Lei está escrito que desfrutaremos de uma satisfação em proporção à necessidade que ela vai compensar, e ao esforço que fizermos para atingi-la. É agradável comer quando temos fome, beber quando estamos com sede e possuir as coisas de que necessitamos e pelas quais lutamos. Mas, quem tem e sempre teve de tudo, de tudo está farto e cansado. Isto chega até a destruir o desejo de viver e é justo que seja assim, porque se trata de uma vida inútil. Desse modo, os mais desafortunados são os que nasceram demasia­damente ricos, sem terem conhecido necessidades ou feito esforços para aprender alguma coisa ou pro­curá-la; são os que não têm nada a desejar.

Assim, nós mesmos somos constituídos de manei­ra que não nos é possível aprender e progredir, sem desejar, lutar e sofrer. E como somos, queremos per­manecer o mais possível apegados à vida, dentro dessa dura escola, de modo que seja feito, até no úl­timo dia, todo o esforço para aprender a lição que nos é indispensável para ascender. Esta é a mecânica íntima do jogo da nossa vida. Este é o método sábio e maravilhoso que a Lei de Deus usa para im­pulsionar no sentido do Alto, sem constrangimento, um ser que tem de manter-se livre, porque se não o fosse, não poderia depois ser julgado responsável e levado a aceitar as conseqüências dos próprios atos. Nesta Lei manifesta-se também uma vontade abso­luta de que a evolução se cumpra, e isto para o bem da criatura, porque a evolução é a senda da felici­dade. Mas a criatura não pode ser escravizada por Deus, que apesar de Todo-Poderoso, não é escravis­ta. Então, que faz a Lei para que seja possível atin­gir seu objetivo absoluto sem ter de empregar a coa­ção? A Lei cerca a criatura de paredes invisíveis, dentro das quais ela fica presa como um pássaro na gaiola, paredes contra as quais ela irá bater com a cabeça e machucar-se, até reconhecer a existência dessas paredes e perceber que ir contra elas é lou­cura que não pode gerar senão dor.

Assim, vai-se aprendendo cada vez mais a arte do sábio comportamento, em disciplina, ordem e obe­diência à Lei, até que a criatura não vá mais bater contra as duras paredes dessa Lei, livrando-se, assim, do choque da desilusão e do sofrimento. Isto porque a gaiola é prisão apertada só para o ser que não sa­be andar dentro dela e nela movimentar-se com in­teligência; mas, é palácio maravilhoso para quem o souber e já tenha batido muitas vezes contra aque­las paredes, de maneira a não provocar mais, com os seus movimentos errados, a reação que se chama dor. A Lei é realmente um palácio maravilhoso para os que aprenderam a conhecer a disposição dos seus apartamentos e instalações, a localizar as portas e as janelas, as quais permitem toda a liberdade, desde que os movimentos sejam inteligentemente ordena­dos. A Lei é palácio maravilhoso, repetimos, para ali morar a nossa alma, com tanto maior satisfação quanto mais se aprenderam as regras do sábio com­portamento, e com tanto maior sofrimento quanto me­nos se conhecem estas regras. É um palácio feito de andares sobrepostos, que se apoiam uns por cima dos outros, em perfeita lógica, com passagens e es­cadas dos inferiores aos superiores. É um palácio em que as paredes falam e raciocinam, em que o mobi­liário e as demais comodidades crescem em beleza à medida que se sobe para os andares superiores. Ain­da mais, é u'a máquina que obedece quando sabe­mos apertar os botões que a movimentam. A Lei tor­na-se assim um extraordinário veículo para quem ti­ver desenvolvido a inteligência necessária ao seu controle, um veículo de sabedoria, de poder e de fe­licidade. Mas, o homem atual ainda não possui essa inteligência, de maneira que, para ele, a maquina funciona muito mal, produzindo apenas atritos, cho­ques e sofrimentos.

Este estudo da estrutura da Lei, que, queiramos ou não, é a nossa casa, dentro da qual temos de mo­rar, leva-nos a uma conseqüência importante: ensi­na-nos o caminho para viver bem, fugindo à dor. Co­mo vimos, na lógica da Lei, o sofrimento é tanto maior quanto mais se desce aos andares inferiores do palá­cio, até que nos seus subterrâneos encontram-se as cadeias torturantes a que se costuma chamar infer­no; e tanto menor à medida que se sobe para os an­dares superiores, onde finalmente encontramos nas torres altíssimas do palácio a feliz liberdade a que costumamos chamar paraíso.

Ora, dentro desse palácio, moramos no andar que nos pertence conforme a nossa natureza, o qual é precisamente aquele que construímos voluntaria­mente para nós com as nossas obras. No entanto, a porta que leva aos andares superiores está sempre aberta a todos. O problema é só um: descobrir onde ela está, por ela entrar e, uma vez achada a escada para subir, escalar degrau a degrau com o nosso es­forço. Este é o caminho lógico, justo, sem enganos, para vencer a dor e aproximarmo-nos da felicidade. Pode parecer uma maneira dura de falar, mas, tudo isto é claro, sincero e honesto. Acredita-se, porém, mais nas felicidades que o mundo promete porque, não exigindo o nosso esforço, são fáceis e cômodas. Mas, elas se desvanecem como bolha de sabão. Isto é lógico. Só os ignorantes podem acreditar que seja possível ganhar o que não foi merecido. É exata­mente por isso que o mundo mais anseia, e então é justo que recolha desengano que parece traição.

De tudo isso se pode tirar uma conclusão muito importante, mesmo no terreno pratico, ou seja, que existe um meio certo para fugir à dor. Esse meio é o evoluir. Isso quer dizer que o sonho de felicidade aninhado no fundo de cada alma não se encontra ali para nunca chegar a ser satisfeito, não é um im­pulso traidor que tenha apenas a função cruel de nos levar ao engano. Esse instintivo e irresistível desejo de felicidade tem um sentido sadio e verdadeiro, por­que o seu escopo é o de nos empurrar para a frente, constrangendo-nos a experimentar muitas formas en­ganadoras de felicidade, até encontrarmos a verda­deira. Assim, o homem, fechado na sua atual mora­dia ou apartamento, que é o plano de vida ao qual pertence, vai tateando pelas paredes até encontrar a porta e, desse modo, a escada que conduz ao andar superior. O homem supõe que ela possa estar aqui ou acolá, e assim vai experimentando o que se en­contra no seu plano: a riqueza, o poder, a glória, os gozos dos sentidos etc. Ele julga encontrar assim o caminho para satisfazer o seu desejo de felicidade. Mas, logo repara que não encontrou a porta que al­mejava, mas apenas uma porta que conduzia a uma parede dura, sem saída. Então ele diz ter sido enga­nado e começa de novo a experimentar por outro la­do, sempre à procura da porta que o levará a verda­deira felicidade.

Isso parece uma condenação. No entanto, o ho­mem, correndo atrás das suas miragens, vai traba­lhando experimentalmente, e assim aprendendo o caminho certo, desenvolvendo a sua inteligência. Cada desilusão é uma lição aprendida, um erro no qual não cai mais, um degrau subido na escada da evolução. Se tudo isso parece ser traição, não o é de fato. Nem para a Lei, que atinge, assim, o seu verda­deiro objetivo - fazer evoluir o homem, nem para o ser humano que, a seu turno, acaba por evoluir, o que constitui o verdadeiro objetivo de sua existência. Só quem não compreendeu nada desse sábio jogo, pode queixar-se dele. Mas, agora, que vemos claro e com­preendemos o seu significado e objetivo, é mister con­cluir que não se poderá imaginar método mais per­feito e sabedoria mais profunda.

É lógico que para o homem tudo isso represente trabalho. Ele quereria satisfazer o seu desejo de feli­cidade sem fazer esforço algum. Mas, a Lei é justa e nada concede gratuitamente. É precisamente a dureza dessa justiça a melhor garantia de que as pro­messas da Lei serão mantidas, enquanto vemos que os fáceis caminhos do mundo levam ao engano. Por razões profundas que pouco a pouco veremos, a evo­lução é como a subida de uma montanha. E temos de subi-la com nossos próprios esforços. No entanto, somos preguiçosos e preferimos ficar sentados à bei­ra do caminho. Mas, desse modo, não nos afastamos do feio pântano que se encontra na base da monta­nha. E no pântano estão todas as dores, enquanto que no cume da montanha estão todas as felicidades. O terreno, porém, que pisamos na subida é de pedras, escorregadio, cheio de tropeços. Paramos, então, desanimados, porque, enquanto a alma almeja felicida­de, temos de enfrentar sofrimento. Procuramos de to­das as maneiras fugir dele, seguindo travessas mais fá­ceis ou atalhos para encurtar o caminho da felicida­de. Para nossa comodidade, quereríamos enganar e contraverter a Lei, mas, como é lógico e justo, não conseguimos desta maneira senão ludibriar a nós mesmos, porque ao invés de chegar à felicidade chega­mos a dor.

Não há dúvida, tudo isso é bem duro. Porém, a Lei é honesta e não nos engana. Cada esforço para subir recebe a sua recompensa e, em cada passo da­do à frente, sobe-­se um pouco no caminho que nos afasta do sofrimento e nos leva à felicidade. Cada prova superada representa uma conquista de sabe­doria, um desenvolvimento de inteligência, um enri­quecer de experiências e um amadurecimento supe­rior, que nos conferem novos poderes, os quais nos ajudam a subir sempre mais rápida e facilmente. Ca­da luta vencida contra a inferioridade da própria na­tureza é um degrau escalado; significa crescer em estatura por ter atingido uma posição mais elevada; e um empecilho removido para nos erguermos, ga­nhando cada vez mais altura. Este é o caminho da libertação marcado pela Lei, e não existe outro.

Tudo se transforma à medida que subimos; o ter­reno, a paisagem, o ambiente, a visão, o ar que res­piramos, como se transformam, também, para a espi­ritualidade, os próprios conceitos de liberdade e feli­cidade.

Para os animais que evoluíram até ao plano hu­mano, este pode parecer um paraíso. Mas, para os que pertencem a planos mais adiantados, nosso mun­do pode parecer um inferno. Se é fácil e natural a um diabo viver entre diabos, não o é para um anjo. Mas, a condenação a essa descida pode verificar-se por dois motivos: ou para o ser pagar as suas dívidas ou para cumprir uma missão em benefício dos seus irmãos inferiores.

Este é, em suas linhas gerais, o mecanismo da Lei ao qual estamos encadeados. Iremos estudá-lo sem­pre mais de perto, para aprendermos a movimentar­-nos dentro dele, de maneira a não provocarmos dor, mas felicidade. O que queremos salientar na conclu­são do presente capítulo é a absoluta impossibilida­de de nos evadirmos dessa Lei, porque ela represen­ta o princípio fundamental da nossa própria vida. Não há filosofia, ignorância ou subterfúgio que nos possa eximir dessa obediência. Podemos inverter tu­do, mas, dessa maneira, nós é que ficamos em oposi­ção à Lei, que continua de pé. Esta obediência é o nosso único apoio, porque fora da Lei estamos fora da vida. A fuga à dor não está na revolta. Isso piora a situação. Quando u'a máquina não funciona, não é possível ser-se tão ignorante que se acredite possa ela ser consertada com pancadas e pontapés. Sain­do dos trilhos da estrada, não conquistamos a liber­dade, mas caímos no abismo. O homem está acostu­mado a iludir as leis humanas, e julga possível e van­tajoso fazer o mesmo com a Lei de Deus. Como se pode evadir, se ela está dentro de nós, representan­do a nossa própria vida, e se nosso afastamento dela conduz à morte? É possível burlar as leis humanas, mas não é possível enganar a Lei de Deus.

Essa Lei está em todos os lugares e em todos os tempos, dirigindo a vida em todos os seus níveis. Ela existe para todos. Ninguém lhe escapa, qualquer que seja a sua filosofia ou religião. A Lei de Deus é ver­dadeira e funciona tanto para os católicos, os protes­tantes, os espíritas, os budistas, os maometanos etc., como para os ateus que tudo negam. Um avião, se violar as leis que regem os seus movimentos, cai da mesma forma, qualquer que seja a religião dos seus comandantes ou mesmo que sejam descrentes. Assim também, o organismo humano tem saúde ou adoece independente da fé ou filosofia do indivíduo. A Lei de Deus é a lei universal da vida, como universais são as leis do mundo físico e dinâmico que dela fa­zem parte. Neste caso, trata-se de leis morais e espi­rituais, positivas como as outras, e que um dia a ci­ência descobrirá e demonstrará para o homem do futuro. Esta é a Lei que estamos estudando e expli­cando para os homens de boa vontade que tenham ouvidos para ouvir, e desejem, para o seu bem, ser orientados na vida.

VII

MUDANÇA DE PLANOS

A vida é escola para aprender e subir.

Procuremos agora ver mais de perto a estrutura do mecanismo da Lei, que, como observamos, dirige a nossa vida.

Temos verificado que o homem é impulsionado para as duras experiências da vida pelo seu instin­tivo e irrefreável desejo de felicidade, mas que esta, na Terra, não pode ser atingida. E temos visto que tudo isso se resolve numa corrida em busca de um inacessível ponto final, que se afasta de nós a medi­da que nos aproximamos dele. Embora não seja sa­tisfeito nosso desejo, realiza-se a vontade da Lei, que assim atinge o seu escopo, que é o de nos fazer evo­luir, o que significa aproximarmo-nos sempre mais da almejada felicidade. Acontece desse modo que a cor­rida, dolorosa e cheia de desilusões, conduz sempre a felicidade, apesar do caminho ser mais fatigante e amargurado do que o homem desejaria. Assim, o que parecia ser crueldade da Lei, revela-se como sua bon­dade e profunda sabedoria.

A conclusão é a seguinte: esse jogo complexo re­presenta somente uma escola destinada a ensinar a disciplina da Lei, a desejar com inteligência o que e possível atingir para o nosso bem, dirigindo-nos sa­biamente pelos seus caminhos. O mais importante disso tudo é que vamos subindo de um plano de exis­tência para outro mais elevado, onde vão desapare­cendo a prepotência, a injustiça, a maldade, as lutas e os sofrimentos que atormentam o ser nos planos in­feriores. Pelos frutos se conhece a árvore. E frutos melhores não se poderiam desejar. Isto nos prova a sabedoria e a bondade de Deus, e é um convite pa­ra nos entregarmos confiantes aos seus braços.

É possível compreender agora o significado e a boa finalidade da luta pela vida, que é a lei do nos­so plano. Esta lei, nesse seu aspecto tão duro, não é princípio biológico universal, mas só qualidade dolorosa particular aos planos inferiores de existência, próximos aos da animalidade, existindo apenas como meio a ser superado e destinado a ser relegado aos planos inferiores pelos seres em evolução. Os dife­rentes planos de existência são regidos por princípios diferentes, de modo a desaparecerem lutas e neces­sidades, a medida que vamos subindo a escada evo­lutiva.

Chegamos ao ponto que mais nos toca de perto. Continuando ao longo desse caminho, acabaremos por atingir um plano onde lutas e necessidades já não existirão mais. Isto quer dizer que as necessida­des da vida, pelas quais tanto se combate, serão sa­tisfeitas sem luta, gratuitamente. Explica-se assim o fenômeno da Divina Providência, que é um fato que se realiza inclusive em nosso mundo, a benefício dos mais evoluídos, pertencentes, pelos seus merecimen­tos, a mais altos planos de vida. O esforço exigido pela Lei é duro, mas a sua justiça quer também que, à medida que avançamos, ele se vá tornando cada vez mais leve. Quanto mais ascendemos, tanto mais diminui o esforço necessário para continuar a ascen­der, aumentando ao mesmo tempo o rendimento do nosso trabalho. Com a evolução tende a diminuir o esforço requerido para continuar a evoluir, tornando-se todos os benefícios cada vez mais gratuitos. Ocor­re uma coisa parecida com a velocidade do movi­mento. Este é tanto mais fatigante quanto mais esta­mos apegados a terra. Toma-se mais fácil e rápido no ar, e sem dificuldades prossegue sem esforço al­gum nos espaços siderais. Evolução quer dizer liber­tação e potencialização, chegando a anular os em­pecilhos que nos planos inferiores nos tolhem o ca­minhar. Nos planos superiores de existência desapa­recem, juntamente com todas as suas tristes conseqüências, as duras leis da animalidade e ferocidade, predominantes em nosso plano de vida.

Compreende-se e justifica-se, assim, a dura ne­cessidade de trabalho em nosso mundo. A última ra­zão da existência desse trabalho não se pode, no en­tanto, encontrar na Terra, porque dele, em última análise, aqui não fica nada de definitivo. Tudo o que fazemos está sujeito a tal caducidade que o traba­lhar parece a tarefa de um escravo condenado a construir eternamente em cima de areias movediças. Observado só na sua aparência exterior, esse trabalho parece inútil, parece uma condenação sem sen­tido. Mas, existe um sentido: a construção que o ho­mem realiza não está na Terra, mas dentro de si mes­mo. Se suas obras se reduzem, afinal de contas, a um deslocamento de matéria, que permanece na su­perfície terrestre, onde esse contínuo esforço aparen­ta, em sua essência, ser apenas uma corrida atrás de ilusões, não é inútil, porque não é uma vitória terre­na; mas representa uma fadigosa experiência para aprender. Se não quisermos cair como presa da ilu­são, é preciso compreender que o verdadeiro fruto do nosso trabalho não está na obra realizada, mas na lição aprendida, na qualidade adquirida, no pro­gresso atingido. Só assim se explica porque as leis da vida não se interessam por aquilo que mais nos interessa, ou seja, a conservação dos resultados ma­teriais atingidos com tanto sacrifício, e que, abando­nados a si mesmos, ficam sem defesa e acabam logo por se perder. E no entanto, nem por isso o progres­so pára. O que permanece não é a obra realizada, mas é o conhecimento adquirido da sua técnica cons­trutiva, com a qual se podem construir outras obras semelhantes em número infinito, abandonando-se as anteriores, que valem só como experiência. Este é o verdadeiro significado de todos os trabalhos e de to­das as obras humanas. A Lei não cuida da conser­vação do fruto material, porque é o fruto espiritual que tem valor, e este fica gravado na alma de quem realizou o trabalho.

Podemos agora compreender o verdadeiro valor das coisas que chegam às nossas mãos. A Lei nô-las deixa possuir, manusear, dirigir; contudo, cedo ou tarde, chega o dia em que temos de nos desprender delas e, então, teremos de devolvê4as a Terra da qual tomamos, devolver tudo, até o nosso próprio cor­po. Assim, todas as coisas não nos são dadas senão por empréstimo, em usufruto temporário. Nosso é só o bom ou mau uso que tivermos feito das coisas rece­bidas. Todo o restante fica na Terra. Isto não quer dizer que com a morte não possamos levar nada conosco. A Lei tira-nos o que é inútil, e que na ilusão da vida julgávamos ser a coisa mais importante, enquan­to nos deixa levar conosco o que vale mais, o verda­deiro fruto do nosso trabalho, ou seja, a nossa expe­riência, representando a sabedoria, a ser utilizada por nós mesmos. Esta experiência e a riqueza acumulada, da qual somos donos, capital que teremos a nosso dispor nas futuras vidas.

Então, tudo o que possuímos na Terra é somente material escolar, meio para aprender. Também as conseqüências desse fato estão escritas na lógica da Lei e são muito importantes. Se a finalidade de tudo o que chega ao nosso poder é a de nos ensinar o uso certo das coisas, adquirindo-se o sentido da justa me­dida e as qualidades de ordem, autocontrole e disci­plina, é justo que a Lei nos tire tudo, quando temos cobiça demais e fazemos mau uso dos nossos pode­res. E que a Lei nos deixe tudo, quando não temos cobiça e fazemos bom uso do que possuímos. Se a perda das coisas nos abala, porque a elas estamos muito apegados, então, para aprender a lição de que elas são um meio e não um fim, é bom perdê-las, pa­ra tomarmos conhecimento de que os verdadeiros va­lores da vida, os que merecem o nosso apego, encon­tram-se noutro lugar. Mas, se a perda das coisas não nos abala, porque a elas não estamos mais apegados, então é porque aprendemos que elas são um meio e não um fim. Nesse caso, somos espontaneamente o que devemos ser, isto é, apenas administradores honestos, e podemos possuir tudo sem perigo algum para nosso espírito. Acontece, assim, que na lógica da Lei pas­sa a não haver razão para que as coisas nos sejam tiradas, mas, pelo contrário, já há motivo para que tudo nos seja doado, porque, uma vez aprendida a lição, não há razão que justifique renúncias forçadas e limitações dolorosas. Esta é a lógica da Lei, isto é, o caminho para chegar à abundância é o desapego. A lógica do mundo é uma contradição da lógica di­vina, e a prova disso são os frutos que nele se colhe, isto é, luta e necessidade, onde poderia haver paz e bens em abundância para todos.

Como se vê, a Lei é inteligente, tem uma sua ló­gica e pode-se raciocinar com ela. Ora, a lógica da Lei é que o impasse de sofrimentos e desilusões em que se encontra o homem no seu plano de vida, tem de ser resolvido, e não pode existir senão para ser re­solvido, porque, se assim não fosse, seria uma con­denação louca e cruel, um trabalho duro sem escopo nem sentido. Mas, a Lei é boa e lógica, e, assim, a vi­da é apenas uma escola para aprender, é tudo se explica e justifica.

A conclusão desta nossa conversa, por estranha que pareça, é que tudo podemos obter, e de graça, mas só quando não o desejarmos mais com cobiça, porque só neste caso á possuir não representará mais um perigo para nós. Se o escopo de tudo é evoluir, é lógico que seja tirado de nós tudo o que constitui a base de um apego excessivo, que não nos deixaria prosseguir em nossa obra mais importante: o progresso no caminho da evolução. Em outras palavras, o que impede que tudo chegue da infinita abundância existente em todas as coisas, é a nossa incapacidade de saber fazer bom uso delas, esquecidos da verda­deira razão pela qual as possuímos As vezes faltam ao homem muitas coisas, pelo fato de não ter ainda aprendido a empregá-las sensatamente. Após atingir as necessárias qualidades de inteligência, bondade e desapego, imprescindíveis a boa direção de tudo, não há mais motivo que justifique a privação. Por que deveria a Lei atormentar-nos sem um escopo útil para o nosso bem? Deus não pode querer isto.

Na Terra há de tudo em demasia. O que falta é saber-se de tudo fazer bom uso O homem ainda não aprendeu esta lição e, para evoluir, faz-se mister aprendê-la. Enquanto ele estiver preso aos seus bai­xos instintos de luta, esmagando todos com o seu egoísmo, ser-lhe-ia um dano possuir poderes maiores, e é lógico e bom que ele perca o que não sabe em­pregar senão para o seu próprio prejuízo. Isso reve­la a sabedoria da Lei. E isso é, de fato, o que acon­tece normalmente. O homem, descobridor da ener­gia atômica, não possui ainda uma psicologia bastan­te evoluída para saber usar, sem dano seu, uma for­ça tão poderosa. A descoberta que ainda falta, mais importante do que a energia atômica, é esta psicolo­gia, sem a qual aquela se torna perigosa e não po­de dar fruto senão de destruição. Por isso, infelizmente, é inevitável que o homem, com a descoberta atômica, destrua tudo, para aprender a indispensá­vel lição de saber usá-la, e chegar assim a realizar A descoberta maior, da nova psicologia do homem civi­lizado, que sabe utilizar só para o bem da humanida­de, e não para destruí-la, o progresso atingido pela ciência. Da descoberta atômica e da destruição a que ela levará, surgirá, como seu maior e verdadei­ro fruto, a construção e um homem mais sábio Tu­do é lógico. Se o escopo é evoluir, e se o homem é o que é, como atingir de outra maneira esse escopo?

Assim, o homem está criando, com a sua cobiça de possuir demais, a sua miséria. Isto é loucura. Mas ele terá de experimentar tantos sofrimentos, até apren­der que isto é loucura. Até agora ele não sofreu bas­tante com as suas guerras para resolver acabar com elas. Mas, chegou a hora da última experiência de­cisiva e esse caso será resolvido. E quando, com a guerra, for morto também o instinto feroz de destrui­ção recíproca, então, com a destruição, acabará a necessidade e, por ter aprendido a lição, o homem poderá gozar da natural abundância das coisas, da qual somente o seu mau comportamento o afasta.

Na sabedoria da Lei, o desejo existe para ser sa­tisfeito, e não para ser traído com enganos. Quando isto acontece, não pode ser devido senão à falha de quem deseja, porque desejou na medida e na dire­ção erradas. Com a privação, a Lei nos fecha as por­tas da satisfação para que acorde em nós o desejo de coisas mais elevadas, e vamos à procura delas. É assim que, desapegando-nos das coisas inferiores e apegando-nos às superiores, conseguimos subir um novo degrau na escada da evolução, realizando des­sa forma aquilo que é a maior finalidade da vida, em vez de correr atrás de dolorosas ilusões. Eis pois que, como quer a bondade da Lei de Deus, a felicidade está em nosso caminho, esperando por nós, para ser atingida com o nosso esforço, vindo ao nosso encon­tro, se quisermos cumprir esse dever.

Desta maneira, ficam de pé a bondade de Deus e a sabedoria da Lei, e revela-se ser justo o que ao primeiro olhar parece ser um engano cruel. Compre­ende-se, então, o verdadeiro sentido do jogo de nos­sa vida, tal qual o vemos desenvolver-se em nosso mundo.

Continuaremos, assim, a explicar o significado de tantas coisas e fatos que nos cercam.

VIII

A TRASITORARIEDADE DO MAL E DA DOR

Os loucos métodos do mundo e o verda­deiro caminho.

Já aprendemos que a finalidade da posse das coisas não é a de gozá-las, mas a de aprender a ar­te de possuí-las conforme a Lei, fazendo delas, não uma prisão que nos retém em baixo, mas um meio de experiência para evoluir.

Agora podemos compreender quão louca é o método que o mundo usa. Ele corre cegamente atrás das coisas para apoderar-se delas, movido pelo seu instinto de ambição, que julga levá-lo à felicidade. Mas, não sabe que tudo está regido por leis, que pa­ra conquistar e manter a posse de riquezas e pode­res, existem regras, e que, quem não as segue, não pode alcançar esses resultados. Não basta a cobiça de querer possuir tudo. Este é um impulso cego que nos faz cometer erros, é uma estratégia enganadora que nos leva para o ponto oposto ao que desejamos. Como se pode chegar à abundância usando o método da destruição? Na sua insaciabilidade de pos­suir sempre mais, o homem furta, agride o próximo, e, no caso maior das nações, faz as guerras. Quer sempre iludir-se, supondo que assim vai sair vencedor. Mas, depois, seja ele formalmente vencedor ou vencido, sai da luta com os ossos quebrados, em­pobrecido, esgotado. Não foi isso o que aconteceu na última guerra mundial? A lógica deste método é a mesma de quem, para construir um prédio, em lugar dos alicerces para sustentá-lo, no terreno que serve de base, colocasse bombas, deixando-as estourar. Que se pode construir com este sistema? De fato, es­tamos vendo o que o mundo com ele consegue rea­lizar. Para edificar é necessário construir e não des­truir. A destruição é o único resultado do desenca­deamento da cobiça cega e descontrolada.

O erro fundamental está no fato de se conceber a vida egoisticamente e não coletiva ou fraternalmen­te. É próprio dessa psicologia atrasada, natural dos planos inferiores de vida, o erro que leva o indivíduo a centralizar tudo em si mesmo, apegado ao próprio eu, para o qual desejaria que todo o universo con­vergisse. Este é o princípio de todos os imperialis­mos, baseados na força. Mas esse procedimento er­rado não pode impedir que a vida seja um fenôme­no coletivo, em que todos os elementos se misturam numa mesma base comum, dentro das mesmas re­gras fundamentais. Nesse ambiente, quem julga seja vantajoso fazer somente seus negócios, sem inquie­tar-se pelo dano alheio, fica automaticamente isola­do, e não pode viver senão cercado de armas para o ataque e a defesa. E, seguindo todos esse método, a Terra se transforma num campo de guerra, para to­dos, no qual o único trabalho que se faz é o de des­truir tudo. Isso, realmente, é o que está acontecendo em nosso mundo. E o que fazem as nações em gran­de escala, os indivíduos o fazem em pequena. Todos se estão agredindo e defendendo, cada um julgando alcançar sua vantagem. O resultado é um atrito, uma luta, uma destruição geral. Cada um semeia bombas no campo do vizinho. Mas, também, ao seu próprio campo chegam os estilhaços quando elas estouram. Na vida não se pode isolar o dano de ninguém. O da­no dos outros acaba, mais cedo ou mais tarde, sendo nosso também. Quem desconhece esse fato, depois terá de aceitar suas conseqüências.

Aqui poderia surgir uma pergunta: como pode a sabedoria da Lei permitir que aconteça tudo isso?

A sabedoria do mestre não quer dizer a sabedo­ria do aluno, que tem de conquistá-la com o seu es­forço. O homem tem ainda de aprender muitas coi­sas. O trabalho que lhe cabe fazer na sua atual fase de evolução e nível de vida, é exatamente o de expe­rimentar sofrimentos e dificuldades, até que aprenda a viver em harmonia com o bem. Ninguém é culpado por estar atrasado no caminho da evolução, mas cada um sofre o dano de não ser obediente à Lei. Só tem direito a desfrutar vantagens quem subiu a pla­nos de existência superiores.

Fato positivo de absoluta vontade da Lei é a evolu­ção do ser. O desenvolvimento da inteligência para orientar-se no caminho da vida é um dos trabalhos mais importantes para atingir esse escopo Ora, no baixo nível em que se encontra o homem, para de­senvolver a inteligência, são necessários os choques e os sofrimentos enfrentados por ele na Terra, como conseqüência da sua ignorância. É necessária a destruição, a dor, a guerra, a insegurança de tudo. É ne­cessária essa luta que, com prejuízo da própria vida, tem de ser vencida, custe o que custar. Golpes mais leves não seriam percebidos. E a Lei proporciona as suas provas na medida da sensibilidade dos indiví­duos e dá a suas aulas de acordo com a inteligência dos alunos. Pela mesma razão, os selvagens vivem num ambiente selvagem e as feras num mundo feito de ferocidade. Mas, todos estão cumprindo o mesmo trabalho de desenvolver a sua inteligência, cada um no seu nível, na forma adaptada ao conhe­cimento que já possui. É assim que, através das mais duras experiências, o ser vai ascendendo e, à medi­da que sobe, estas tomam-se mais leves. Isso porque, aumentando a sensibilidade e a inteligência, as experiências mais dolorosas não teriam sentido na lógica da Lei, pois seriam contraproducentes, esmagan­do em vez de educar. E, já dissemos, a Lei é sempre boa e construtiva.

Assim, o homem, experimentando os dolorosos efeitos dos seus erros, vai aprendendo a não os cometer mais, e vai desse modo construindo a sua sa­bedoria. E quando a tiver já construída, não cometerá mais erros. A planta má do sofrimento não po­derá mais nascer, porque não foi semeada. Tudo está claro e é lógico, ao mesmo tempo que é bom e justo. No quadro do universo tudo está certo, quan­do colocamos cada coisa no seu devido lugar. Mas, o que se encontra, sobretudo, em nosso mundo é ce­go desabafo de instintos, em vez de sábia orientação. Acima de tudo, porém, permanece a sabedoria da Lei, por intermédio da qual recebemos o que mere­cemos; não importando se cada um procura culpar o outro. O importante mesmo é que há um caminho de libertação da dor: o da evolução. E quando chegar a dor, se soubermos usá-la, atingiremos a libertação da própria dor.

A verdade de tudo isso está provada pelos fatos que vemos. Hoje, o homem, pelas grandes descober­tas que alcançou, encontra-se neste cruzamento: ou se decide a desenvolver a inteligência e a bondade, indispensáveis para delas fazer bom uso, ou destrui­rá tudo. Isto significa que, quando se atinge novo po­der e a posse de maiores recursos, a inteligência necessária para usá-los tem de crescer paralelamente, se não quisermos cair num desastre, cuja finalidade e precisamente a de tirar poderes das mãos daqueles que os não merecem. Esta é a prova que a humani­dade está hoje esperando. Se ela não souber vencê­-la, como se espera, perderá tudo. Um bom pai tira tudo das mãos do seu menino, se este começa a usar armas perigosas em seu prejuízo. Mas, pelo con­trário, este pai dá tudo ao seu filho, quando vê que ele se tornou capaz de fazer bom uso das infinitas coi­sas e poderes de que o universo está cheio. A conseqüência disso tudo é que nos planos inferiores, onde domina o estado de involuído com a ignorância cor­relativa, tudo fica mergulhado na luta, na violência, na destruição, na carência extrema, enquanto que nos planos superiores, onde domina o estado de evoluído com a correlativa sabedoria, tudo emerge e eleva-se na paz, no amor, na construção, na abundância. Re­petimos estes conceitos para que seja bem compreen­dido que a causa primeira dos nossos males advém do estado de involução em que nos encontramos; que para nos libertarmos deles só há um remédio: evoluir. Para isso é necessário nosso esforço, a fim de que as vantagens sejam merecidas, pois nada cai de graça do céu; e todas as dores permanecem, enquanto o ho­mem não tiver aprendido a não mais as provocar com o seu comportamento negativo.

Esta conversa parece dura, mas é justa e verda­deira. Encontrar justiça e verdade, ao invés de en­ganos, é vantagem. Não há dúvida também que na­da se perde de tudo o que tivermos feito com boa von­tade para subir. Como cada sofrimento encontra as suas causas em nossas obras erradas, do mesmo mo­do todo trabalho que quisermos realizar no sentido do bem não pode deixar de produzir, para nossa sa­tisfação, seus bons frutos. A Lei é justa e imparcial. É lógico: pela mesma razão que quem semeia o mal tem de colher o mal, quem semeia o bem tem de colher o bem. Está garantido, de maneira absoluta, que tudo isso se realiza. Tudo fica, através de uma téc­nica sutil de vibrações, gravado nas correntes dinâ­micas que fazem parte da Lei, que, como já dissemos, é também vontade e ação. E tudo poderá ser sempre corrigido por novos impulsos, mas nunca poderá ser anulado. Ali está escrita a nossa história de milênios, tendo cada um o seu registro que não se mistura com os dos outros. Ali tudo pode ser lido e a toda hora se podem fazer as contas de débito e de crédito, que marcam a nossa posição com relação à Lei, conforme nosso merecimento, seja no sentido do bem, como no do mal. Tudo na Lei é profundamente honesto, sem possibilidade de escapatórias ou burla. Também o mínimo esforço que quisermos realizar, receberá a sua proporcionada recompensa.

É assim que, lentamente, vamos reconstruir a nossa individualidade com as suas qualidades boas ou más, que representam o total de todas as opera­ções que se realizaram, sintetizadas neste seu último resultado, que é o que constitui a nossa personalida­de, com a sua história passada, seus instintos atuais e seu destino futuro. Assim, a Lei funciona com ab­soluta honestidade e respeito pela liberdade do ser, qual máquina perfeita.

Observando-nos a nós mesmos, podemos ler a história do nosso passado. Quem tiver olhos abertos para ler dentro de si, porque se acostumou ao autocontrole e à introspecção, pode, olhando para o fru­to, reconstruir a estrutura da árvore e das raízes. Isto quer dizer que, olhando para os seus instintos e qualidades atuais, pode reconstruir as séries de pensamentos e atos que, longamente repetidos, se toma­ram hábitos para constituir o que hoje é a sua per­sonalidade. Existe, pois, um meio pelo qual é possível, de maneira lógica e positiva, reconstruir nossa história passada. E se em nossa vida atual chega o sofrimento, isto, na lógica da Lei, tem de possuir um significado e um objetivo. O significado é que esta dor tem como origem as más qualidades por nós ad­quiridas, e o seu objetivo é dado pela sua própria função: corrigir os nossos defeitos.

É através desse caminho que se vai aperfeiçoando a mecânica da reconstrução do nosso eu. O caminho é duro, mas todo esforço é bem pago. O pa­trão que tudo dirige é honesto. Ele exige, conforme sua justiça. A Lei é dura, mas nela não há lugar pa­ra enganos. Assim, se é triste olhar para nosso feio passado e observar nosso presente infeliz, podemos com alegria olhar também para nosso futuro. Já sa­bemos, e sem sombra de dúvida, que a evolução nos leva das trevas para a luz. Então, se no passado hou­ve trevas, no futuro haverá luz. A evolução é uma corrente que nos impulsiona para essa luz. Basta só paciência para esperar que venham tempos melho­res, bem como boa vontade e obediência à Lei para que eles amadureçam, em benefício nosso.

Assim, quando tivermos aprendido a lição do desapego, quanta riqueza poderá chegar! Aprendida a lição da renúncia, quanta abundância! Aprendida a lição da humildade1 quanto poder! Quando tivermos adquirido a virtude da paciência no sofrimento, quan­ta felicidade! Quando tivermos adquirido a virtude da bondade, quanto amor poderemos receber! E, fi­nalmente, depois de ter conseguido tanto, quanto re­pouso! Não estamos fantasiando coisas absurdas. Te­mos visto como tudo isso está escrito na lógica da Lei de Deus. Este é também o significado do Sermão da Montanha. Estas são as verdades que Cristo nos en­sinou.

"Bem-aventurados os humildes de espírito, por­que deles é o reino dos céus. Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados... Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, por­que serão fartos. Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia. Bem-aven­turados os limpos de coração... Bem-aventurados os pacificadores... Bem-aventurados os que têm sido perseguidos pela justiça... Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus...

Os comentadores deste discurso nunca, por acaso, se perguntaram qual podia ser a razão profunda do emborcamento de todos os valores humanos? E já se dispuseram alguma vez a meditar no porquê disso? O motivo de tudo não se pode descobrir senão em fun­ção da Lei que rege o funcionamento do universo. É necessário ter primeiramente entendido o significado do fenômeno da evolução, as causas que o geraram e o seu telefinalismo ou objetivo final a atingir, isto e, o seu ponto de partida e de chegada. Então se po­de compreender, como aqui estamos explicando, que o mal e a dor, na perfeição da obra de Deus, são defei­tos que não podem ser admitidos senão como imper­feição relativa e transitória, como qualidades passa­geiras próprias da criatura, ao longo do caminho de sua evolução. Isso quer dizer que o mal e a dor exis­tem só para ser corrigidos, transformados em bem e felicidade. Eis que, à tristeza de verificar tantas coi­sas horríveis no presente, sucede a alegria de saber que, se quisermos, podemos realizar no futuro muitas coisas maravilhosas. Eis ainda que, ao pessimismo de quem fica vendo só o caso particular do momen­to, sucede o otimismo de quem alcança e abrange, numa visão de conjunto, o processo todo da evolução da vida até sua última etapa. Seria um absurdo blasfemo admitir que fosse permitido ao mal e à dor man­char, de forma definitiva, a obra de Deus, vencendo Sua infinita sabedoria e bondade.

IX

DAS TREVAS A LUZ

Em busca da verdade que nos orienta e constrói, rumo à perfeição.

O que vimos afirmando neste livro não está assente no ar, nem é fruto apenas de uma escola filo­sófica ou de uma opinião pessoal. Nossa afirmação de fé não é cega, antes é uma afirmação de conclu­sões extraídas de teorias complexas, que em nossos livros foram cabalmente demonstradas, e que nesta exposição simples não podem ser repetidas. Para quem quiser aprofundar seu conhecimento, poderá naquelas teorias encontrar as razões últimas destas nossas afirmações, desde as primeiras causas até suas derradeiras e resolutivas conseqüências. Mas, atrás destas está também o apoio duma vida inteira de controle experimental dessas teorias, em contato direto com a realidade dos fatos.

Isso nos oferece a seguinte vantagem, tratando-se dos problemas da vida e do espírito: podemos pi­sar no terreno firme dos fatos e permanecer apegados à realidade da vida prática, tendo como objetivo a nossa utilidade. De tudo o que falamos, podemos dar uma explicação objetiva sem derivar para abstra­ções filosóficas. Nossas teorias estão baseadas na razão, na observação dos fatos, na ciência positiva. O que vamos explicando não foi aprendido só nos livros, não é repetição do que se costuma dizer neste terreno, mas representa material inédito porque foi sobretudo vivido, experimentado e controlado na lu­ta e no sofrimento. Não estamos repetindo lições aprendidas de cor, mas oferecendo as conclusões duma vida de pensamento, dedicada ao esforço de compreender, e duma vida de amarguras, por não ter querido aceitar os caminhos vulgares do mun­do. Foi principalmente por intermédio da própria ex­periência, e não por intermédio da experiência dos outros, que quis enfrentar e resolver o problema do conhecimento que tanto atormentou o homem em to­dos os tempos. E assim chegamos a perspectivas di­ferentes das comuns, que, por serem originais, podem parecer erradas, se medidas com o metro formal das verdades tradicionais.

Com esse método, porém, atinge-se a grande van­tagem de quem fala sem repetir coisas aprendidas dos outros, estando por isso bem convencido do que diz e o estar convencido é a maneira melhor para con­vencer os outros. O que mais fortifica a transmissão de idéias e determina a persuasão não é o método de convencer á força, tratando de impor as próprias idéias, pois isso desperta o instinto de defesa, mas é o falar simples e sincero de quem está convencido da verdade que representa. A vida exige o fruto que brote de sua própria origem. Para chegar a transmi­tir a chama da própria convicção, é necessário possuir essa chama; de outra maneira, não se poderá transmitir senão o gelo da própria indiferença. O que tem poder não são as palavras que vão da boca para o ouvido, mas a vibração ardorosa do coração e da men­te, que se dirige ao coração e à mente do próximo. A verdadeira conversa não é a das palavras, mas faz-se interiormente, por sua força, de alma para alma. A arte oratória é outra coisa: é fruto artificial, fingido, que pode ser agradável para observar mas que não serve para digerir, porque não contém alimento. Ao contrá­rio, a verdadeira convicção abala as mentes e sabe dar-nos palavras que nos ajudam a chegar a esse re­sultado, palavras substanciais e poderosas que são as únicas a possuírem esta força.

Quando eu era moço, o maior choque que recebi, ao primeiro despertar da mente nesta nossa Terra, foi o aperceber-me da presença da mentira. Na pesqui­sa a que me dediquei, para saber em que espécie de mundo me encontrava, essa foi uma descoberta bem dura, tanto mais porque estava eu com sede desespe­rada de alguma coisa de justo, de sinceramente ho­nesto e verdadeiro. E tudo se apresentava de tal ma­neira, como correspondendo a aparência de verdadei­ro, que antes de fazer a triste descoberta eu acredita­va que tudo era genuíno, sem de nada suspeitar. E o pior ainda é que muito se ufanavam de, por esse meio, ou seja, com o engano, vencer o próximo. Então me perguntei em que mundo infernal tinha nascido, um mundo em que dominava a ausência de Deus e a presença das forças do mal. Esta foi a verdade que saltou à minha vista, logo que comecei a olhar atrás dos bastidores das aparências. Tudo isto me poderia ter passado despercebido. Mas, infelizmente tinha o instinto de querer olhar as coisas também por dentro, para conhecer o segredo de sua estrutura e de seu funcionamento, desde os brinquedos de menino até à grande máquina do universo.

Fiquei desiludido, mas isso não perturbou minhas pesquisas. Como quem procura um tesouro escondido sem o qual não pode viver, em vez de cair no desanimo e no pessimismo, continuei escavando ainda mais fundo, para descobrir qual era ultima verda­de e o que havia de real atrás dessas enganadoras aparências do mundo. A pesquisa foi longa e dura, porque escarnecida como coisa inútil por uma maio­ria que buscava objetivos diferentes. Pesquisa con­denada, porquanto procurar, atrás das verdades fic­tícias, a altíssima verdade incomodava a todos, por descobrir muitos jogos de interesses que eles deseja­vam conservar escondidos. Encontrei-me, então, so­zinho, desprezado por não realizar a coisa mais im­portante segundo a opinião geral: fazer negócios e amontoar dinheiro; e culpado pela busca da verdade e por trazê-la à tona. Mas, um instinto indomável me dizia que, com toda a certeza, tinha de existir em algum ponto, para além deste nosso mundo, um ou­tro melhor, onde reinasse justiça em vez de força, sin­ceridade em vez de engano, inteligência em vez de ignorância, verdade em vez de mentira, bondade em vez de maldade, felicidade em vez de sofrimento. E, uma vez que eu tivesse descoberto esse outro mundo, o que mais almejaria era encontrar o caminho para chegar até ele.

Considerava-me como se estivesse encerrado nu­ma prisão escura, sem portas nem janelas. Mas, percebia, por intuição, que além das paredes duras ha­via o ar livre, e a beleza do céu na luz do Sol. Para chegar até lá escavei, sozinho, nas trevas, com as unhas a sangrarem, atormentado pelos sofrimentos da reclusão; escavei as pedras duras da parede es­pessa, desalentado, às vezes esgotado. As pedras iam caindo, uma após outra, até que... um belo dia, um raio de luz apareceu1 anunciando-me que tinha encontrado o caminho para a libertação. Até agora foram afastadas dezessete pedras. Para que nada se perdesse da experiência do meu trabalho, nem para mim nem para os outros, para que nada se perdesse da visão sempre mais ampla e bela que aparecia, lá fora, eu gravava tudo na minha mente e o descrevia em livros. Dezessete pedras significam dezessete li­vros Outra pedra agora está caindo e estou escre­vendo o décimo-oitavo livro. Aparecem, assim, ho­rizontes sempre mais vastos, planícies e montanhas, cidades e rios, o mar e o céu, e a luz do Sol que tudo ilumina, dissipando as trevas da prisão e aquecendo também os duros corações dos prisioneiros. A estes ofereço o fruto deste trabalho, para que também che­guem a compreender o caminho da libertação.

Cada um, ao nascer, traz consigo certos instintos construídos por ele mesmo em existências passadas. E sente-se impulsionado a segui-los, sejam bons ou maus, encontrando-se acorrentado a eles pela mes­ma força irresistível é fatal que liga o efeito à causa. Ora, o instinto que me guiava, antes que eu pudesse compreender tudo, observando e raciocinando, exigia que a minha vida não fosse um inútil desperdício de forças em busca de miragens, como depois vi que muitas vezes acontece na Terra, mas, sim, uma cons­trução sólida, fundamentada não nas areias movedi­ças por valores fictícios e caducos do mundo, mas no terreno seguro e inabalável dos valores eternos. Talvez por ter experimentado bastante e por ter apren­dido a lição, não me pertencia mais a prova de cair vítima das mais comuns ilusões humanas, tais como a riqueza, o poder, a glória, as satisfações materiais etc. Tão-só pelo olfato sensibilizado, percebia logo serem elas apenas engodos. Precisava, assim, fazer da vida um uso diferente do comum, uma verdadei­ra obra de construção e não uma escola de ilusões, que não mais podiam enganar-me. Para construir era necessário um terreno firme, onde pudesse fixar os alicerces. Percebia, por intuição, que esse terreno tinha de existir, mas na Terra era difícil encontrá­-lo. Alguns raios de luz apareciam aqui ou acolá, nas religiões, nas filosofias, na ciência, mas fracos, desconexos, torcidos, disfarçados, sepultados no fun­do das formas. Era necessário iniciar tudo novamen­te. E assim foi feito. Trabalho duro, cujo fruto é o que neste e nos outros livros oferecemos àqueles que desejarem orientar-se de maneira a fazerem das suas vi­das a mesma obra de construção sólida a que nos re­ferimos.

Para dar uma orientação à minha conduta na vi­da, era preciso conhecer antes de tudo o lugar aonde eu acabava de chegar. Por que tinha nascido e por que tinha de viver esta vida presente? Para onde este caminho se dirigia, ou tinha eu de dirigi-lo? Mas, para resolver o meu caso particular, tinha também de encontrar resposta às mesmas perguntas para o caso geral. Perguntava aqui e ali, mas não obtinha res­posta satisfatória. Parecia que meus semelhantes, ou não soubessem essas coisas de modo a responder duma maneira exata, ou não tivessem muito interes­se em conhecê-las. Talvez preocupados com alguma coisa mais importante ou desesperançados por não ter encontrado respostas adequadas às suas indagações. O que mais os atraíam e prendiam eram as ilu­sões do mundo, nas quais mais acreditavam, embo­ra todos vissem, a todo momento, que elas acabam sepultadas, com o nosso corpo, no túmulo. Foi assim que, para satisfazer meu desejo ardente de orientar sabiamente minha vida, comecei sozinho o trabalho da pesquisa com todos os meios ao meu alcance, tan­tos os da cultura como os da intuição, da observação e do sofrimento, olhando e controlando, por dentro e por fora, tudo o que acontecia comigo e, na medida do possível, com os outros. Juntando os extratos de conhecimento adquiridos na Terra, completando com o raciocínio e a intuição, foi possível fundir tantos ele­mentos separados num sistema unitário e orgânico, e obter a visão global do universo. Assim, cheguei a encontrar-me hoje na posição de quem, não somente pode viver completamente orientado a respeito da sua própria vida, mas também de quem pode ofere­cer, a quem precisar como eu precisei, de respostas as perguntas fundamentais que dizem respeito à nos­sa existência. Eu precisava absolutamente destas respostas, porque não conseguia compreender como fosse possível percorrer um caminho - o caminho da vida - sem conhecê-lo. É lógico que, viver correndo ao acaso, como cego, atrás de tentativas, para cair finalmente em desilusões, não representa um traba­lho construtivo, mas um louco desperdício de forças, das nossas forças.

Assim cheguei à maior conquista da minha vida, que é a de ter descoberto a presença sensível da Lei de Deus. Que existe Deus, Sua Presença e sua Lei, todos sabem e dizem. Mas, outra coisa é perceber Essa Presença vendo como ela está operando tanto nos grandes acontecimentos da História, como nos pequenos de cada ser. Outra coisa é notar que, a todo momento, a Lei de Deus está funcionando ao redor e dentro de nós, e que, apesar da nossa von­tade de nos subtrairmos a ela e do nosso desejo de revolta, ninguém pode fugir dela e todos têm que fi­car a ela sujeitos.

Foi assim que chegou a grande satisfação: a de constatar que quem manda é Deus e a vida não está dirigida pela prepotência do homem, mas pela sabe­doria, bondade e justiça divinas. Então, quando o patrão maior, que está acima de todos, é Deus, que temos a temer? Vi, então, que bastava isso para transformar num otimismo salvador o desespero dos sofredores, a tristeza dos desamparados, o natural pes­simismo dos honestos condenados a viver neste nosso mundo. Então, é possível aceitar a dura prova duma vida na Terra, pela ajuda que nos dá uma grande esperança. Assim sendo, a vida pode tornar-se uma festa também para os sofredores e os deserdados. Possuímos, desse modo o tesouro duma alegria con­fortadora para nós e para os outros. Quem faz isto ajuda a bondade de Deus a descer e manifestar-se na Terra, tornando-se operário d'Ele e, semeando fe­licidade para os outros, a semeia para si mesmo. Mas, poder-se-ia objetar: tudo isso já sabemos e cons­titui a pregação de todas as religiões. É verdade, esta esperança já existe, mas como coisa longínqua, nebulosa, só apoiada na fé, duvidosa, porque pode­rá realizar-se apenas numa outra vida desconhecida que, para nós, vivos, se perde no mistério da morte. A novidade consiste em apresentar esta esperança como realidade positiva, verdadeira, porque não so­mente demonstrada com as provas da razão e da ci­ência, mas também submetida a um processo regu­lar de experimentação, confirmada pela nossa pró­pria vida, que nos mostra como são verdadeiros os prin­cípios em que se baseia aquela esperança. Nosso problema agora é só este: o de deixar os outros tocarem com as mãos esta outra realidade, como nós a tocamos, para que assim possam tirar desse conhe­cimento, a certeza, o otimismo e a força que ele nos deu. Esta é ainda a razão dos livros que escrevemos...

X

APARENCIAS E REALIDADES

Novo modo de conceber e encarar a vida. A alegria de quem compreendeu. Não julgar para não ser julgado.

Minha maior satisfação foi a de ter descoberto que o mundo é regido pela sabedoria, bondade e justiça de Deus, conclusão a que chegamos no capítulo an­terior. Mas, se tudo é regido por Deus, o universo é u'a máquina perfeita e o nosso mundo não é só o que pode parecer, isto é, o reino da desordem e do mal. Há uma realidade diferente para além das apa­rências. Minha grande satisfação foi o ter descober­to essa outra realidade. Olhando em profundidade, cheguei a ver que o pior está na superfície e que, debaixo dessa, se encontra um outro mundo regido por uma outra lei, feita de sabedoria, justiça e bondade. Esta lei é a Lei de Deus, que da profundidade tudo dirige. Este é o terreno de pedra resistente onde se pode construir sem perigo de enganos. Esta é a fon­te que pode saciar quem tem sede de justiça, de bondade e de verdade. Então, a vida não é um caos de lutas desordenadas, onde há lugar só para os mais fortes, que costumam vencer de qualquer modo, mas é um lógico e justo trabalho de experiências, é um caminho dirigido para nossa felicidade. Realmente, não vivemos ao acaso, abandonados a nós mesmos, perdidos neste imenso universo desconhecido, mas temos um Pai nos Céus, o Qual, se com a Sua Justiça golpeia os maus, fazendo-o para o bem deles, também recom­pensa os bons, que merecem. Podemos contar com Ele e n'Ele confiar. Ele mantém sempre Sua palavra, que está escrita na Sua Lei, e concede-nos o que tivermos merecido. Ele vela por todos nós. Temos pois, Alguém que defende nossa vida e que está pronto a ajudar a todos, bons e maus, para levá-los ao bem e à felicidade. Somos elementos constitutivos e cida­dãos dum universo orgânico, em cujo seio a Lei coor­dena nossa vida em relação a todos os outros ele­mentos, todos irmanados em função do mesmo prin­cípio central diretor, orientados e impulsionados para a mesma finalidade, que é a salvação universal.

Vemos assim que, em realidade, a injustiça é fe­nômeno transitório e de superfície. Quem verdadei­ramente manda é Deus, isto é, o bem, e as próprias forças do mal acabam trabalhando apenas em função do bem. E, se é Deus quem manda, quem na rea­lidade reina e tem de vencer, não o faz pela força, mas sim pela justiça. Não há força que possa impor­-se violando esta Lei. Mais cedo ou mais tarde, cada um acaba recebendo o que merece. A revolta con­tra a ordem, permitida por Deus, não consegue, como o homem quereria, subverter essa ordem para sua vantagem, mas só o arrasta para seu dano. Como quem faz o bem tem de receber sua recompensa, assim, quem faz o mal tem de pagar com seu sofri­mento.

Esclarecer tudo isso, como estamos fazendo, se representa um aviso para os maus, não há dúvida que constitui um grande consolo para os bons. Des­loca-se assim completamente o conceito da vida. O mais forte é Deus e quem está junto d'Ele, porque vive conforme Sua Lei. O verdadeiro poder não está nas mãos dos prepotentes e astutos, como parece ao mun­do. Coisa incrível para quem não sabe ver além das exterioridades. O poder está nas mãos dos honestos que, pelo fato de obedecerem a Deus, com Ele cola­boram e são por Ele protegidos. Podemos, assim, ter confiança na vida porque ela está sempre bem di­rigida por Quem tudo sabe, mesmo quando ela se encontra repleta de ignorância; está bem comanda­da pela divina bondade, mesmo quando somos maus; está sempre dirigida para o nosso bem e felicidade, mesmo quando vivemos na dor.

Quanta luz e alegria de otimismo pode espalhar ao redor de si quem compreendeu tudo isso! E quem se sente alegre não pode renunciar a satisfação de comunicar aos outros esta sua alegria. Por isso, nun­ca nos cansaríamos de explicar estes conceitos, de de­monstrar e confirmar estas verdades, para que os ou­tros também tomem parte nesta festa. Alegria ne­nhuma é completa se não e compartilhada com os outros. Vamos assim, sem querer, explicando sempre mais o conteúdo da nossa obra e seu objetivo. Nossa luta é só para vencer o mal que inunda o mundo, com as armas da inteligência, da sinceridade e da bondade. É para oferecer de graça o produto que parece faltar-lhe mais, isto é, um meio de orientação para aprender a viver com mais inteligência e me­nos sofrimento.

Quem conseguiu compreender tudo isso e viver olhando para Deus, concebe tudo de maneira diferente, torna-se outro homem e, como se houvesse des­coberto um outro mundo, nele vive uma outra vida, mais satisfeita, ampla e poderosa. Desfaz-se, então, para ele o jogo das ilusões humanas, em que tantos acreditam com fé inabalável, e atrás delas aparece outra realidade, que nos explica a razão pela qual existe e temos de suportar esse jogo. Por outras palavras, vive-se de olhos abertos, compreendendo o motivo porque tudo acontece. Vive-se orientado a respeito da conduta a seguir e das finalidades da vi­da. Quando, por ter evoluído, cai o véu da ignorân­cia que nos impede de ver esta outra realidade, então se compreende que fazer o mal aos outros, acreditan­do ser possível levar vantagem, é loucura que não tem o alcance desejado. Auferir lucros por esse cami­nho pode parecer possível só para quem está ainda mergulhado na ignorância, própria dos níveis infe­riores da evolução. O que de fato acontece é que quem espalha veneno o espalha para todos e para si também. Assim quem faz o mal, acaba fazendo-o também a si mesmo.

Não há somente um funcionamento físico e dinâ­mico, mas também um funcionamento moral e espi­ritual do universo, com as suas leis exatas e fatais, como são as leis do plano físico e dinâmico que a ci­ência estuda. O universo em que moramos, está construído de maneira tal, que seria grande erro di­zer que um determinado dano não nos interessa por não ser nosso. Não é possível isolar-nos de coisa al­guma no universo. Queiramos ou não, estamos irma­nados a força no mesmo mundo, respirando todos uma mesma atmosfera de fenômenos, sejam físicos, dinâmicos ou espirituais, - entrelaçados entre si, - de maneira que qualquer movimento ecoa e se re­percute em todos os sentidos, e não pode parar, en­quanto não atingir seus últimos efeitos. Não existem compartimentos estanques, divisões absolutamente trancadas, que possam parar uma vibração, uma vez que esta seja posta em movimento. Não é possível construir paredes suficientemente fortes que possam separar seres feitos da mesma vida e sujeitos à mes­ma Lei, paredes capazes de isolar a nossa vantagem da vantagem dos outros, ou nosso dano, do dano dos outros. Tudo, enfim, se precipita na mesma atmosfe­ra, de onde cai a chuva para todos.

É verdade que em a natureza existem prepotên­cia e parasitismo, e a vida os permite e os aceita. Mas, por quê? A vida age assim, não para vantagem do vencedor, mas da vitima, e por este caminho, lu­tando, lhe ensina a conquistar para si o seu lugar no mundo. Assim, acontece que, quando a vítima apren­de a lição sob os pés do vencedor, lição que este mes­mo lhe ensinou com o exemplo, esmagando-o, ela se rebela; então o escravo, se puder, escraviza o patrão. Mas, quem foi que doutrinou e adestrou os subordi­nados, mostrando-lhes este caminho? É assim que a prepotência, filha da injustiça, dá fruto até certo pon­to e essa superioridade e predomínio duram enquan­to ensinam. Isso é de fato o que vemos acontecer no mundo. O que sustenta tanta luta é tão-somente a antevisão da vitória. E a razão dessa luta contínua é o fato de ela, em si, constituir uma escola para de­senvolver a inteligência, até se chegar a compreender que a vitória antevista é uma ilusão. Mas, na ver­dade, serviu como estímulo, para que o indivíduo al­cance o objetivo da vida, que é o progresso.

O homem foi sempre vítima de enganos dos sen­tidos e de sua mente, enganos que o levaram a erradas interpretações dos fatos. Acreditou-se já na solidez e indestrutibilidade da matéria; acreditou-se que o Sol girava ao redor da Terra e não a Terra ao redor do Sol; que a Terra era imóvel; e, assim, em muitas outras coisas. Só agora começa o homem a perceber quão enganadora é a aparência das coisas e que a verdade é outra, embora ainda esteja escondida bem profundamente. De quantas ilusões psi­cológicas temos ainda que libertar-nos! Isto sobretu­do no terreno intelectual, porque é nosso intelecto o meio por intermédio do qual percebemos e concebe­mos tudo. O que condiciona nossos julgamentos e idéias em todos os campos é a natureza, as capaci­dades e o desenvolvimento do intelecto. Cada ser não pode viver senão em função da compreensão que possui. Assim, muitas vezes aceitamos como ver­dades absolutas, axiomáticas, idéias que são frutos da nossa forma mental, e que a ela respeitam. É neces­sário um controle contínuo, e saber olhar em profun­didade, para se chegar a compreender a falsidade de tantos conceitos que cegamente aceitamos e que dirigem nossa vida.

Cada um julga com os elementos que possui. Quanto mais somos ignorantes, menos elementos pos­suímos, e quanto menos elementos possuímos, mais rá­pidas e absolutas são nossas conclusões. Ao contrário, quem possui mais conhecimento e, com isso, mais ele­mentos para julgar, não chega a conclusões simplis­tas, rápidas e absolutas. Logo, quem mais se aproxi­ma da verdade é quem julga lentamente, sem abso­lutismo, mas com profundidade. Então, quem julga, lançando seu julgamento sobre os outros, em última análise julga a si mesmo, e com seu julgamento, se revela. Pelo fato de ele não poder julgar senão con­forme seu tipo de pensamento e natureza, com o seu julgamento são descobertos seu pensamento e sua natureza. A melhor maneira de se chegar a conhe­cer uma pessoa é a de observar os seus julgamentos a respeito dos outros. Quando alguém cai na ilusão de supor que, julgando os outros, está assim pondo­-os a descoberto e colocando-se acima deles, na rea­lidade, apenas se está submetendo a julgamento, descobrindo-se e mostrando a todos seus próprios defeitos.

O mundo em que vivemos é muito diferente do que aparece por fora, daquilo que a maioria julga ser real. Quem faz o mal aos outros o faz a si mesmo, quem julga está sendo julgado; apesar da tentativa do homem de contraverter a lei da justiça para sua vantagem, a justiça o vence, se assim ele o merecer. E desse modo, sempre. Esta é uma constatação que estamos fazendo. Mas, a essa altura, poderíamos perguntar; como é possível tudo isso, como acontece essa retificação, qual é a mecânica desse fenômeno?

É tudo devido à Lei, cuja presença nunca nos cansaremos de salientar. E presença da Lei quer di­zer presença da vontade viva e ativa de Deus. O Pai nosso que está nos céus não está ausente do nosso mundo, indiferente à nossa vida, vida que de súbito acabaria se não fosse sustentada por Ele, pela Sua viva presença. Dentro da Lei ou Vontade de Deus, o homem é livre de movimentar-se, embora dentro de limites marcados. Por isso, dentro desses limites, ele pode agir de maneira diferente da que manda a Lei. Nasce então, quando o homem não age de maneira concorde com a Lei, a luta entre ele e Deus, um cho­que de vontades: por um lado, a da criatura rebelde, para inverter tudo, de tudo tornando-se centro e dona, o que seria o caos, a destruição e a morte; e, por ou­tro lado, a vontade de Deus, para endireitar tudo, per­manecendo Ele centro e dono, - o que é a ordem, a salvação e a vida.

Se a vontade de Deus, escrita na Lei, não retifi­casse a todo o momento o desvio que o homem tenta realizar, fora do caminho certo, tudo acabaria na desordem. Na verdade, seria absurdo que a criatura pudesse substituir-se ao Criador na direção dum mun­do cujas leis profundas, escapam à sua inteligência. Se a vida do homem não fosse dirigida por uma men­te superior a dele, como organismo físico, como estru­tura social, desenvolvimento histórico, como ascese es­piritual - tudo no mundo teria fracassado há muito tempo. Se tudo o que significa rebeldia do homem à Lei não fosse continuamente corrigido e devidamente ori­entado na direção certa para a salvação final, como po­deria esta ser atingida, como tem absolutamente de o ser? Certamente não é o homem que pode dirigir o navio da humanidade através do oceano do tempo. Ele está perdido nos pormenores do momento, nas suas lutas e interesses particulares. Falta-lhe a visão para se orientar no caminho dos milênios.

Assim, a Lei, trabalhando de dentro para fora, da profundidade para a superfície, vai sempre suprin­do os gastos que na vida se verificam, emendando os erros, retificando os desvios da criatura inexperi­ente. É a vontade de Deus que salva tudo e não a vontade do homem. É ela que na justiça final reequi­libra a injustiça do mundo; é ela que na sua ordem corrige a desordem, que com a sua inteligência diri­ge nossa ignorância, que com a sua bondade cura e elimina nossa maldade; que, educando-nos, anula nossos erros com o sofrimento, levando-nos para a felicidade. Esse fenômeno é devido ao que se chama imanência de Deus, Que não existe só, transcenden­te, nos Céus, mas também, presente, entre nós. Se assim não fosse, quem poderia salvar o mundo? Tu­do estaria perdido. É a presença d'Ele que impulsio­na e dirige a evolução, reorganiza o caos, reconstrói o edifício despedaçado, fazendo retomar todos os ele­mentos à sua unidade, o mal ao bem, as trevas à luz.

A essa altura, ergue-se com mais força ainda a pergunta que surgiu anteriormente: como acontece essa retificação, qual é mais exatamente a técnica de funcionamento desses fenômenos? O assunto é vas­to e não é possível desenvolvê-lo inteiramente neste capítulo.

XI

O EXTRAORDINARIO PODER DA VONTADE

A técnica do funcionamento da Lei de Deus. Quem faz o mal, o faz a si mesmo.

No precedente capítulo falamos da função da Lei que é a de endireitar as posições erradas adotadas pelo homem. Formulamos a seguinte pergunta: como se processa esse endireitamento e qual é a técnica do funcionamento desse fenômeno? Agora pergunta­mos mais: qual é o jogo de forças através do qual se chega a esses resultados e com que método se con­segue realizá-los? De que modo o mal volta a fonte que o gerou e, assim, por que acontece que quem faz o mal o faz a si mesmo? Como pode nosso mundo, em que vigora a lei da força, ser regido, por dentro, por outra lei, uma lei de justiça, que acaba por vencer?

Já explicamos que a nossa personalidade atual foi construída por nós mesmos, no passado, pelos pensamentos e atos que, longamente repetidos, com a técnica dos automatismos, se tornaram hábitos. O resultado de todas as nossas atividades passadas encontra-se escrito, em síntese, em nosso tipo individual. Nossas qualidades e instintos atuais são o re­sultado da nossa história vivida, possuindo uma ve­locidade adquirida na direção que eles representam e, por isso, a não ser que sejam corrigidos em outra direção, significam possuir um impulso e uma tendên­cia a continuar da mesma forma no futuro, fenômeno a que chamamos destino. Isso já dissemos.

Ora, uma parte do nosso ser é ainda completamente animal, isto é, entregue ao subconsciente. Como acontece quando se domesticam os animais, que se acostumam a viver em ambiente diferente do seu ambiente natural, adquirindo, assim, com novos há­bitos, novas qualidades e instintos, o mesmo aconte­ce com o homem, com o mesmo método de transmissão para o subconsciente. Trata-se de um trabalho mecânico, automático, espontâneo, não sendo um produto reflexo da inteligência e da vontade. Confiado ao subconsciente, que de tudo vai tomando nota, absorvendo ou reagindo, constitui esforço de adaptação, fundamental para a vida defender-se e prosseguir. É da profundidade do subconsciente que, depois, tudo o que ali foi impresso pela longa repeti­ção, volta a superfície em forma de instintos, os quais, por inércia, continuam automaticamente a impulsio­nar-nos na direção já adquirida, até que novos im­pulsos venham gerar novos atos e a repetição destes forme, por sua vez, novos hábitos, instintos e quali­dades, que se irão sobrepondo aos que já possuímos, lançando-nos em direção diferente.

Ora, o primeiro motor de tudo isso é a nossa von­tade, que assim pode livremente impulsionar nossa evolução, dirigida pela sua livre escolha. Pertence­-nos então o poder de nos construirmos como quiser­mos. É lógico, portanto, que nos pertençam a responsabilidade e as conseqüências dessa escolha. Mas, é lógico também que, num fato assim tão importante como o da evolução, a escolha do caminho, o seu desenvolvimento e o ponto de chegada não possam ser confiados ao acaso ou a vontade de uma criatura que nada sabe, além dos problemas do momento e do seu pequeno mundo. Isto seria pôr em risco o resultado último do imenso trabalho reconstrutor do universo, trabalho grande demais para ser entregue ao capricho e ignorância da criatura. Nesse resulta­do último a criatura não pode influir, pois pertence só a Deus, resultado em que tudo não pode ser senão absoluto, determinístico, fatal.

Ao lado da vontade do homem, a qual não é per­mitido atingir senão os resultados que lhe dizem res­peito, isto é, a construção do indivíduo, há outra von­tade, fixando os limites dentro dos quais aquela pode mover-se para que seja possível chegar, em qualquer caso, qualquer que seja a obra do homem, a resul­tados de salvação final e não de destruição, como poderia acontecer se a vontade do homem prevale­cesse. Esta outra vontade, à qual, aliás, tudo está confiado, é a vontade de Deus. Dentro dela o ho­mem está mergulhado, com a liberdade de mover-se como um peixe num rio. O peixe pode deslocar-se pa­ra todos os lados, menos para fora do rio, estando o caminho já marcado por leis absolutas, tendo, em qualquer caso, que nadar na direção do mar. Assim, a criatura pode semear desordem à vontade, mas só para si, ao passo que, nas linhas gerais, tudo está dominado por um poder maior e inalterável, que man­tém sempre a ordem.

Que acontece então? Quando a nossa livre von­tade quer realizar pensamentos e obras de mal, por repetição eles acabam tornando-se automáticos, isto e, hábitos. Isso quer dizer que as qualidades e os instintos adquiridos por automatismos, constituem nossa personalidade com todos os seus recursos, por intermédio dos quais ela continuará funcionando com a característica automática dos instintos, pelo menos até que estes não sejam corrigidos. Por isso, confor­me o que tivermos livremente realizado no passado, teremos construído para nós uma personalidade com qualidades boas ou más, e, ao redor de nós, um am­biente de vibrações positivas ou negativas, com to­das as suas conseqüências de felicidade ou sofrimento. Teremos construído uma atmosfera própria em que ficamos respirando e vivendo, com sua nature­za boa ou má, de alegria ou de dor, que teremos me­recido e que agora volta para nós, constituindo o que podemos considerar como sendo nosso destino fatal.

Quando pensamos e operamos num dado senti­do deixamos entrar no sistema de forças que consti­tuem a nossa personalidade, outras forças, que ali se fixam, modificando, conforme sua natureza, esse sistema. Nunca esqueçamos que, em cada momento da nossa vida, estamos construindo, com os nossos atos, o edifício do nosso eu, isto é, nosso espírito, nossa psicologia e também, como conseqüência, o corpo onde moramos. Com que tijolos realizamos esta obra? Que resultado poderemos alcançar se, quando construímos, em vez de utilizarmos pedra, só empre­gamos lama informe e suja? Então, seremos o fruto de nossa própria vontade, isto é, feitos de mal, mer­gulhados numa atmosfera de mal, amarrados às forças do mal, de todos os lados cercados pelo mal, que nos atrairá e por nós será atraído e nos golpeará porque dele seremos constituídos, nós e o mundo ao qual pertencemos.

O contrário acontecerá, pela lógica da mesma Lei, a quem escolheu o caminho do bem. O certo é que, de­pois de praticada uma ação, qualquer que seja sua na­tureza, temos de colher seu resultado, seja bom ou mau. Se tivermos semeado o bem, a alegria será nos­sa e ninguém dela nos pode privar. Se tivermos se­meado o mal, o sofrimento será nosso e ninguém no-lo poderá tirar. No caso de erro, há um só remé­dio: a dor estará ali para nos avisar de que erramos. À nossa frente há sempre um caminho virgem, onde teremos oportunidade de endireitar o passado. Mas, o impulso renovador tem de partir da nossa vontade, que, como vimos, é a primeira força geradora do nos­so destino.

Olhando o fenômeno em seu conjunto, vemos que há duas transmissoras de vibrações e impulsos dinâ­micos: a da vontade do nosso eu e a da vontade de Deus. As emanações desses dois sistemas de forças se encontram e reagem um em relação ao outro. A Lei, representando a vontade de Deus, é o mais poderoso. A Lei é feita de ordem e harmonia, e a cada dissonância ela reage em proporção desta (como fa­ria um diretor com sua orquestra) para que tudo vol­te à posição certa, logo que o homem tenha ultrapas­sado os limites preestabelecidos. Por outro lado, o homem não pode deixar de perceber essa reação que se chama dor e, conforme sua natureza e grau de compreensão atingido, reage, revoltando-se, ou aceitando a prova para aprender a lição e não cair mais em erro. Por sua vez, a Lei percebe as novas vibrações e, impulsos gerados por estes novos movimentos da vontade do homem, toma nota de tudo, modifican­do as suas primeiras reações por meio de outras. Estas são transmissão de ondas de regozijo, se o ser voltou a ordem dentro dos limites da Lei, ou de sofrimento ainda maior se o ser continuou rebelando-se, surdo ao aviso recebido. O aviso tem de ser entendido e o sofrimento cresce em proporção à surdez. E assim, sucessivamente, tudo ecoa e se repercute, por ação e reação, num contato contínuo entre o ho­mem e a Lei de Deus.

Trata-se de dois mundos vivos, sensíveis, em con­tínuo movimento, como as ondas do mar, com fluxos e refluxos, cada um com as suas deslocações e con­forme as suas características, chegando cada qual a tocar os pontos nevrálgicos do outro sistema de for­ças. Verifica-se, dessa forma, uma rede de impulsos, um colóquio de perguntas e respostas, um contato sutil por radiação que de longe liga e une no mesmo trabalho: na Terra, o homem que não quer evoluir e ser salvo, e nos Céus, Deus Que quer sua evolução e redenção. E assim os dois sistemas de forças se excitam um ao outro e se explica como cai do céu o nosso merecido e fatal destino. Esta é a técnica do fenôme­no da retificação do erro. Eis o jogo de forças. Atra­vés dele o mal volta à fonte que o gerou. Já o disse­mos: quem faz o mal o faz a si mesmo. Assim fica­ram respondidas nossas perguntas.

O mais importante no estudo que estamos fazen­do, depois de ter explicado o funcionamento do fenômeno, é compreender suas conseqüências, pois são o que mais nos toca de perto, porque se realizam em nossa vida prática, conseqüências que dizem respei­to a nossa conduta, dando-nos soluções racionais no difícil terreno da moral, tratado até agora empirica­mente, e não com métodos positivos. Olhemos, assim, para um ponto muito importante do problema, que é o da correção dos nossos erros. Ponto prático e atual para todos, porque envolve o problema da dor, pon­to fundamental porque implica o problema de nossa libertação do mal e do melhoramento das condições de nossa vida. A conseqüência mais importante que podemos depreender deste estudo é que os erros cometidos no passado, porque de outra maneira não estaríamos presentes na Terra, são a causa dos nossos sofrimentos atuais, e podem ser corrigidos, signi­ficando a libertação da dor.

Quando um homem inteligente entende a técnica do fenômeno que estamos estudando e, por conse­guinte, a razão da existência da dor em nosso mun­do, é lógico que não deseje outra coisa senão cuidar de corrigir seus erros, para se libertar de suas tristes conseqüências. E tanto mais procurará realizar essa correção, quanto mais claro e positivo for o método mostrado e oferecido para chegar a esse resultado. Quem não procura sua própria vantagem? Esta é a moral que mais facilmente pode ser aceita, porque tudo está claro e demonstrado, e só existe o proble­ma da inteligência para compreendê-la. Infelizmen­te, o pior surdo é aquele que não quer ouvir. Expli­ca-se dessa forma como a Lei tem de corrigir-nos pela dor, e este e o único raciocínio que todos podem per­ceber. Além de ser justo que tudo se pague, é o úni­co meio para impulsionar o homem no caminho da correção dos seus erros.

Lembremos uma vez mais: tudo o que recebemos na vida não é um fim em si mesmo, objetivando nos­so gozo, mas sim um instrumento de experiência, aprendizado e evolução. É lógico, desse modo, que a Lei nos tire tudo quando não usamos para nosso bem, única finalidade. Pelo contrário, apegando-nos às coisas materiais, arruinamo-nos, parando nossa evolução. É lógico ainda: quando julgamos ser o ob­jetivo de tudo somente nossa satisfação, não estamos em condição de compreender o verdadeiro significa­do do jogo da vida. Mas, se em nosso mundo existe tanta luta pelas coisas materiais, isso não deixa de ter também seu sentido e utilidade, embora no seu nível inferior de evolução. Assim, por intermédio desta luta feroz se experimenta e se aprende. Os meios de que a Lei usa para ensinar são proporciona­dos ao grau de sensibilidade e compreensão atingido pelo ser. Quando este evoluir até um grau mais elevado, a luta nesta forma terá de desaparecer, porque não terá mais escopo útil a atingir, nem razão para existir, tornando-se, pelo contrário, contraproducente e destruidora. Os níveis inferiores estão cheios de forças que, com a experimentação, se vão transfor­mando em inteligência. Esta vai prevalecendo cada vez mais, chegando, nos planos superiores, a substi­tuir totalmente á força, que não é mais necessária, porque a inteligência se desenvolveu suficientemente para chegar a compreender a vantagem de obede­cer espontaneamente à Lei.

Temos esclarecido, a pouco e pouco, esses proble­mas para melhor entender e enfrentar o que acima mencionamos, ou seja, o problema da correção dos nossos erros. Mas, para que seja possível explicar tudo cabalmente a este respeito, temos de deixar o desenvolvimento mais completo deste assunto para o próximo capítulo.

XII

O EDIFICIO DA EVOLUÇÃO

Como se realiza o endireitamento dos desvios e a correção dos erros, na construção da nossa individualidade.

Vamos então, agora, desenvolver o problema da correção dos nossos erros.

Os seres não são iguais. Eles encontram-se em posições diferentes. Cada um conforme sua posição comete erros diferentes e, pelo equilíbrio da Lei, re­cebe exatamente a reação correspondente, a mais adaptada a sua aprendizagem. Cada movimento nosso repercute na Lei e, conforme a natureza e o ti­po de vibração irradiada, movimenta aquele sistema de forças nos diferentes pontos correspondentes, ge­rando assim uma resposta a essa excitação, respos­ta feita de medida, vibração corretora dos nossos er­ros, a que chamamos reação da Lei.

Os nossos erros podem diferenciar-se, seja pela qualidade - direção seguida, - seja pela grandeza ou peso - o que quer dizer, pela massa dada e ve­locidade adquirida. Em outras palavras, nós esta­mos amarrados ao nosso passado, isto é, a qualidade dos nossos pensamentos e atos, à direção em que os movimentamos, e também amarrados à sua quanti­dade ou volume, e a força adquirida pela velocida­de e ímpeto com que por nós eles foram lançados. Tudo isso pode ser corrigido, mas ate que o esforço necessário seja feito, nosso passado nos prende e so­mos seus escravos. Essa servidão é proporcional a qualidade, direção e poder dos nossos pensamentos e atos passados, até ficarmos livres.

Costuma-se dizer que cada um tem sua estrela e nasce com seu destino. É dessa forma que nosso pas­sado, tal como o quisemos viver, volta e nos prende. Quando foi originada uma causa e, em conseqüência, foi movimentada uma força, é necessário exau­ri-la até seus últimos efeitos. Por isso, deveríamos ter o máximo cuidado antes de gerar qualquer pensa­mento ou ato, porque depois ficamos a eles amarra­dos e os levamos conosco até atingir todas as suas conseqüências fatais. Disso não se pode fugir. E o que cada um faz, o faz para si, semeando no seu cam­po e não no do vizinho, devendo depois colher e ali­mentar-se do que semeou. Tudo o que pensamos e realizamos é criação nossa, por nós gerada, carne da nossa carne, mundo em que depois teremos de viver. E quanto mais repetimos um pensamento ou um ato, tanto mais ele se fixa, se torna firme e estável, des­cendo à profundeza de nossa personalidade, onde fixa aqueles marcos indeléveis que são as nossas qualidades. Mas, sobrepondo uma outra repetição à anterior, podemos apagar aquele marco, substituin­do-o por outro, isto é, adquirindo novos hábitos bons que se colocam no lugar dos velhos, destruindo más qualidades para substituí-las por boas. Dessa manei­ra, podemos corrigir nossos erros. O arrependimento é bom, mas só para iniciar o novo caminho. Depois, é preciso percorrer todo este novo caminho, sem o que o arrependimento sozinho não resolve. Para cor­rigir o velho caminho é necessário percorrê-lo todo novamente, às avessas, em sentido contrário.

Cada vida representa uma construção nova que se levanta sobre os resultados atingidos na preceden­te. E não é possível escolher outros alicerces. O ver­dadeiro objetivo da nossa existência, que é o de nos construirmos a nós mesmos, não pode ser alcançado no limitado, número de experiências duma só vida. Assim, cada vida se ergue em cima da outra, como num edifício cada andar se ergue em cima do outro, que constitui o seu único apoio, sobre o qual não po­de deixar de assentar-se. Os hábitos adquiridos re­presentam essa base que, ao nascermos neste mun­do, encontramos já feita por nós mesmos no passado. Quanto mais esses hábitos se tenham enraizado em nossa personalidade, tanto mais ficaremos amar­rados à estrutura dos andares inferiores. Na cons­trução dos andares superiores podemos modificar aquela estrutura, mas não deixando nunca de ter em conta a construção já feita. A nova construção podemos fazê-la diferente: corrigindo erros; modifican­do, acrescentando, melhorando, porém, o trabalho novo não pode ser realizado senão em função do pre­cedente.

Podemos representar este fenômeno também com outra imagem. Uma avalancha é nada no começo, é apenas pequena quantidade de neve que, caindo e rolando sobre a própria neve, atrai mais neve, de modo que assim vai sempre crescendo, cada vez mais, até tornar-se terrível avalancha que tudo destrói no seu caminho. Aquele primeiro fragmento de neve é também efeito da tempestade que o gerou, e sua queda é conseqüência da sua posição no cume do monte. Assim também, nossos hábitos não são na­da no começo. São só pequenos movimentos, sem importância, em que ninguém repara. Mas, caindo e rolando sobre o caminho da nossa vida, eles atraem outros movimentos, que com a repetição descem até à nossa profundidade, tornando-se hábitos e transfor­mando-se, finalmente, na terrível avalancha dos nossos instintos, aos quais é difícil resistir.

Acontece que, com a repetição de nossos pensa­mentos e atos, podemos adquirir, como numa avalan­cha, velocidade, maior ou menor, numa direção ou noutra. E, quanto mais velocidade adquirimos, mais somos levados a continuar no mesmo sentido, sendo então mais difícil parar e corrigir o caminho, ou seja, endireitá-lo no sentido oposto. Esta comparação nos explica o motivo pelo qual estes princípios não são aceitos por muitos; apesar de nos conduzirem à nossa própria vantagem. Sua objeção é que as leis, por nós analisadas, funcionam somente para as criaturas escolhidas que sabem vivê-las e não para os demais, simples seres comuns; acham eles que as vantagens da evolução são usufruídas apenas pelos que conse­guiram evoluir, e não por eles próprios que humilde­mente se declaram atrasados. Preferem assim permane­cer onde estão, em poder de todos os males relativos, em vez de se movimentarem para melhorar suas con­dições. Chegam até a reconhecer a lógica do que estamos demonstrando, mas concordam tão-somente no terreno teórico, pois consideram sua aplicação, na prática, um trabalho, uma dura fadiga, e não estão dispostos a enfrentá-la. Ficam assim parados, espe­rando, até que venha o choque da dor, infelizmente indispensável para acordá-los Preferem adaptar-se a viver num nível inferior, reconhecendo-o como seu e aceitando-o com todos os seus sofrimentos, a fazer o esforço para sair dele. Como desculpa, dizem: este método de viver, contando com as ajudas do céu, não é para nós, é só para os santos e nós não somos santos.

Colocam-nos em altares para venerá-los, mas como seres longínquos, inimitáveis, que pertencem só ao céu, para ser glorificados e não seguidos na Ter­ra. Veneram-nos e, acabada a homenagem, voltam aos seus negócios.

Vamos agora explicar por que motivo alguns po­dem julgar absurda, ou pelo menos inaceitável, esta orientação. Eis a razão: eles estão lançados no ca­minho da descida, e para quem, pela velocidade ad­quirida, se sente impelido para baixo, é absurdo falar em caminhar para o alto. É devido a essa velocidade atingida na descida que nos parece impossível percorrer o caminho da subida. E na verdade, para in­verter a direção, no sentido da subida, é necessário primeiramente ter vencido, reabsorvido e neutralizado toda a velocidade tomada na descida. Por isso, muitas vezes, estas teorias são julgadas inaplicáveis. É como alguém, estando perto de declarar falência, julga não adiantar mais fazer economias. É a psico­logia do desespero, de quem não conhece coisa alguma do amanhã, fica cego e desorientado, convenci­do de que nada vale trabalhar para um futuro com­pletamente ignorado. O que vale é o presente. Esco­lhemos então, a vantagem imediata, aproveitando­-nos de tudo o que chega ao nosso alcance, aconteça o que acontecer, mesmo contraindo novas dívidas. Isso porque nunca verificamos a realidade da existência de um banco no Céu, que toma nota de tudo. Não sabemos se ali existe um débito ou crédito nos­so e, se por ventura existe, como e quando acertar as contas.

Se o mundo está cheio dos que pensam assim, isso não quer dizer que esse seja um método lógico, vantajoso, recomendável. Que ajuda pode chegar do Céu, se nós fechamos as portas, impedindo sua en­trada? Neste caso, as leis do Alto querem ajudar-nos, mas nós não as deixamos funcionar em nosso bene­fício.

Na verdade o desejo de felicidade neles perma­nece e, para satisfazê-lo, em vez de procurarem, com seu esforço, ganhar um crédito, pretendem antes ale­grias, aumentando sempre mais o seu débito, isto é, aumentando a sua velocidade no caminho da desci­da, como acontece com o alcoólatra a beber sempre mais, e com o toxicômano, a intoxicar-se cada vez mais até a destruição de si mesmo. Este é, de fato, o ponto onde automaticamente termina o caminho da descida. Disso se deduz que, grande valor represen­ta para nosso bem, o fato de possuirmos uma orienta­ção, porque não somente ela nos conduz à salvação, como também nos liberta do fracasso espiritual. Eis o motivo pelo qual estamos conversando. Existe um paraíso para todos, mas a maioria não quer realizar o esforço de subir até ele. Não há escapatórias. Esta é a lei de nossa vida, e desta maneira ela funciona em nosso nível.

Assim, enquanto permanece o desejo de felici­dade, vamos merecendo sempre mais sofrimento, por­que a velocidade adquirida nos leva sempre mais para baixo. A felicidade que alcançamos por meios ilícitos ou atalhos, para escapar a Lei, não é o salário merecido de nosso trabalho, mas sim um roubo, algo conseguido fraudulentamente. E julgamo-nos inteli­gentes e hábeis quando conseguimos realizar isso. Acreditamos ser inteligentes por ter imaginado enganar a Lei. Mas, isto é astúcia, é inteligência dos loucos, por­que não se pode enganar a Lei. Este é um raciocínio às avessas, porque o engano sempre volta sobre o enganador. Significa disparar uma arma contra si mesmo. Não se pode evadir da justiça de Deus. O dia da prestação de contas acabará por chegar, tudo terá de ser pago. Que acontece então? Acontece o que ve­mos no mundo: desastres. Eles, de fato, representam o ponto final da queda da avalancha. Eis onde aca­ba a grande sabedoria dos astutos deste mundo. Assim, a loucura humana fica enquadrada dentro da perfeita lógica da Lei.

Estamos aqui tecendo uma rede de conceitos e armando um edifício de fatos para explicar e demons­trar estas verdades. Nos meus livros, o ponto de par­tida são as teorias, para chegar depois às suas conseqüências práticas. Nestas palestras, o ponto de partida é a realidade de nossa vida, que se torna compreensível quando é explicada por aquelas teo­rias. Podemos assim entender quanto o jogo é com­plexo, se o olharmos em profundidade. Cada uma de nossas vidas passadas teve seu destino, e nele esgo­taram-se os efeitos próximos das causas que anterior­mente havíamos posto em funcionamento. Da mes­ma forma, nosso destino atual é a conseqüência dos pensamentos e atos com que o construímos, como a queda da avalancha não depende só da neve que a forma, mas também da altura de onde partiu. Ao mesmo tempo, esses pensamentos e atos foram por sua vez a conseqüência de hábitos adquiridos atra­vés dos pensamentos e atos das vidas precedentes. Tudo, em cada momento, é efeito e causa ao mesmo tempo, é fruto do passado e semente do futuro. Até que nosso impulso anterior não se esgote, ou nosso caminho não esteja endireitado, nossos pensamentos e atos serão determinados pelos nossos hábitos e ins­tintos, como os construímos no passado. Com os pen­samentos e atos atuais construímos os hábitos e ins­tintos futuros, que dirigirão nossos pensamentos e atos de amanhã. E com estes, por sua vez, construiremos nossa personalidade de depois de amanhã, e assim sucessivamente.

É assim que estão acorrentados à mesma cadeia os diferentes momentos da construção de nós mes­mos, ou os degraus sucessivos da evolução do nosso eu. Cada degrau apoia-se sobre o precedente. Ai de quem começa a resvalar ao longo da descida e a tomar velocidade nesse rumo! Quanto maior for a ve­locidade adquirida, tanto mais difícil será parar e mudar a direção do caminho. O contrário acontece para quem tomou a estrada da subida.

Na economia do Céu não há inflação monetária, porque o valor da moeda está sempre sustentado por uma reserva de ouro infinita, que é Deus. Assim, va­le a pena fazer economias, porque no Banco de Deus, nunca há perigo de desvalorização. Elas ficam sujei­tas a um juro composto, que representa uma tendên­cia a fazer crescer sempre mais o capital. Tudo isso ajuda na subida, que assim se toma cada vez mais fácil, enquanto a velocidade na descida tem, da mes­ma forma, seus juros compostos, às avessas, isto é, no sentido de dívida e não de crédito. Encontra-se, assim, nas duas direções opostas a mesma tendência para a aceleração, cada uma dirigida para seu ponto final: a salvação para quem sobe e a destruição pa­ra quem desce. Cabe a nós escolher o caminho.

XIII

O FUNCIONAMENTO DA LEI

A loucura dos astutos e a invencibilidade da Lei. "Os que têm fome e sede de justi­ça serão fartos".

Afirmamos até agora não somente a presença de uma Lei que dirige os fenômenos do universo e tam­bém os da nossa vida e conduta, mas estudamos ainda a técnica do funcionamento dessa Lei e o mo­do como é possível corrigir os erros do passado. A sabedoria e perfeição da Lei manifestam-se também na capacidade de recuperação, a qual deixa o ser livre para experimentar as conseqüências do mal e lhe permite desse modo, adquirir uma sabedoria sempre maior e assim reconstruir o que ele na sua ignorância destruiu. Essa Lei é universal e tem de estar presente, funcionando em todos os pontos do universo, tanto mais quanto este, na sua evolução, já chegou aos níveis da vida, da inteligência e do espírito. Essa Lei é verdadeira tanto para os indivíduos como para os povos; rege não só o destino a ser cons­truído pelo homem para si mesmo, como o desenvol­vimento da História, na qual se vai realizando o des­tino que a humanidade, com a sua conduta no pas­sado, deu origem ao presente e consequentemente ao futuro. O conhecimento do funcionamento da Lei nos oferece, não somente a chave para compreender o jogo complexo de nossa vida, mas, seguindo a ló­gica da mesma Lei, oferece ainda o meio de prever aquilo que, como efeito do passado, nos esta espe­rando e nos permite corrigir o que estiver errado, aju­dando-nos a voltar para o caminho certo, avançan­do, assim, sempre mais bem orientados.

Observando qual foi, e atualmente é, a conduta de cada um e da sociedade humana no seu conjun­to, é fácil prever o que nos espera no futuro. Parece que o esforço do homem se dirigiu unicamente no sentido de se rebelar contra a Lei, havendo usado sua inteligência sobretudo na busca de escapatórias para fugir as suas sanções. Que foi semeado no pas­sado? E então, que se pode colher? Alguns se consolam dizendo: “o inferno não existe"; e acreditam des­sa maneira ter destruído o poder de reação da Lei, que os incomoda. Assim, ser-lhes-ia possível fazer tudo o que quisessem, sem ter de pagar nada. Des­coberta maravilhosa! Porém, vejamos: se a idéia dum inferno, tal como concebido no passado, foi produto da forma mental da Idade Média, e se a evolução da inteligência humana superou essa idéia, ela não re­presenta senão um modo de conceber o fenômeno indestrutível da reação da Lei, fenômeno que, assim, persiste ainda quando o consideremos de forma ra­cional e científica. Poderemos, então, dizer que o in­ferno, no sentido em que foi concebido no passado, não existe, mas com isso não se pode crer que fique anulada a reação da Lei, necessária para manter aquele equilíbrio, ou seja, sua justiça. Temos de con­ceber o inferno de outra maneira, mas isso não signi­fica negá-lo, nem que ele deixe de existir para quem o merece. Em outras palavras: não há evolução de pensamento que possa admitir que alguém deixe de pagar todo o mal por ele praticado.

É interessante observar a atitude do mundo pe­rante a Lei. O homem a enfrenta com a psicologia do seu plano de existência, em forma de luta para vencê-la, como se se tratasse de um patrão egoísta e inimigo, contra o qual é preciso rebelar-se, enten­dendo que são hábeis os que conseguem triunfar, quanto fracos e desprezíveis os que se deixam escra­vizar. Mas, na realidade, tudo é diferente. Proceden­do assim, o homem agride o seu maior amigo que é a Lei, afasta-se de Deus - que é a sua própria vida, rebela-se contra aquela harmonia, na qual, somente, pode consistir sua felicidade. Quão estranho ver co­mo os grandes astuciosos da Terra julgam ser possível lograr a Deus, e na sua ignorância se lançam eles próprios na armadilha construída com seus enga­nos! Isto porque não há inteligência nem má vonta­de que possa conseguir subverter a ordem e parali­sar a justiça de Deus. - "Bem--aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos". - Esta grande promessa embora nosso mundo es­teja cheio de prepotência e de injustiça nos garante a existência da justiça, e dela seremos saciados.

Mas, os astutos do mundo querem continuar com as suas astúcias e revoltas, e assim sofrem mais. In­felizmente, esta é sua forma mental, e não há coisa tão difícil como a de sair da própria forma mental. Ninguém compreende além de suas possibilidades, além daquilo que o ser possui, porque o adquiriu com a sua experiência e evolução. Não compreen­der quer dizer errar e depois ter de pagar. A gran­deza e a sabedoria da Lei está em não ser engana­da. Procurar escapatórias significa, em última análi­se, construir para si armadilhas e nelas ficar preso. A Lei está feita de tal maneira que, a cada tentativa de nos evadirmos, acabamos constrangidos a sua obediência. A Lei não pode ser subjugada nem tor­cida pela força, não pode ser corrompida por dinhei­ro, nem vencida com armas, não pode ser frustrada com o tempo, nem desviada e defraudada em sua justiça. Não vale a pena lutar contra ela. Que pode a astúcia, a maldade, a força do homem contra uma potência imaterial, invisível, presente sempre, em to­dos os lugares e em todos os tempos, a tudo e a todos absolutamente superior em inteligência, domínio: e disponibilidade de recursos? Desafiar uma tal Lei! Julgando ser possível vencê-la, pode apenas ser fru­to duma grande ignorância.

Os que procuram justiça no mundo e não a encontram são a maioria. Mas, eis que a Boa Nova de Cristo nos garante que eles serão fartos. A verdadei­ra solução, porém, encontra-se, e sempre se encon­trou, além dos estreitos limites de nosso mundo, de nossa vida atual: nos braços da Lei, em nossa vida maior, em que tudo tem de equilibrar-se conforme a justiça. Estamos aqui explicando a maravilhosa Lei de Deus, anunciada pelo Evangelho de Cristo, para demonstrá-la claramente aos honestos, esmagados pela prepotência humana, e dar-lhes a satisfação de saber que, apesar de tudo, a justiça existe e será rea­lizada. Vimos também a técnica do fenômeno, pela qual tudo isto acontece. É lógico que quem não quer raciocinar, e não sabe sair da sua forma mental, com esta julgue, condene e opere. Mas, os desastres que se sucedem como conseqüência dessa psicologia de cegos são vistos em nosso mundo a toda a hora. Es­tamos analisando tudo isso, também, para ensinar a não se fazer o mal, e mostrar o resultado àqueles que o fazem, demonstrando como se paga pela má con­duta, quando enganamos os outros. Assim nosso tra­balho está apoiado integralmente na moral evan­gélica.

Talvez os mais atrasados não tenham desejo al­gum desse conhecimento. Pelo contrário, talvez quei­ram fugir dele, incomodados pelo descomedido des­controle dos seus instintos. Mas, que grande felicida­de para os mais adiantados, para os que “têm fome e sede de justiça", saber que serão fartos, porque existe de verdade um lugar mais alto, onde domina a ordem e a harmonia, e que só Deus, na Sua justiça e bondade é vencedor absoluto! Que felicidade sa­ber que quem verdadeiramente manda, porque está acima de tudo, é essa Lei, inatingível aos assaltos humanos, invulnerável perante todos, inalterável e indestrutível para sempre!

Aparece, assim, a visão da infinita multidão dos seres que vão andando pelos caminhos da evolução numa imensa corrente, assim como as gotas de água num rio seguem para o mar. Elas vão para o mar fatalmente, porque esta é a Lei.

Da mesma forma, o cortejo dos seres vai para Deus fatalmente, porque esta é a Lei. Eles não po­dem deixar de ir para Deus. Este é o caminho mar­cado para todos: nascer, viver, morrer, renascer, vi­ver e morrer, outra vez levados para um lado ou ou­tro do dualismo da existência, experimentando, evo­luindo, reconstituindo-se a si mesmos, até aprender toda a lição da Lei e reintegrar-se em espírito no seio de Deus.

Explicar a razão pela qual tudo isso acontece, e exatamente dessa maneira e não de outra, nos levaria bem longe, a um campo mais extenso, de teorias abstratas e complexas, afastando-nos da realidade prática de nossa vida, que todos conhecemos. Para os interessados neste assunto, ele foi estudado, até as suas primeiras causas e últimas conseqüências, nos livros A Grande Síntese, Deus e Universo e O Sistema. Aqui, nestas palestras de caráter mais singelo, não é possível apresentar destas teorias senão as conseqüências que mais de perto nos tocam. Queremos com isso salientar que das conclusões práticas aqui apresentadas, como acima referimos, já foi explicada a causa primeira de onde elas derivam e a razão pro­funda que as justificam; por outras palavras, já pos­suímos os elementos racionais e positivos em que estas conclusões se baseiam, e de onde foram extraí­das, elementos que nos demonstram e garantem aque­la verdade. Isso nos permite tratar com lógica e ob­jetividade o assunto, em geral enfrentado empirica­mente, da moral e das leis da vida que dirigem nos­sa conduta. Esse tema nos pareceu mais interessante para nossos ouvintes, tema ardente porque toca o terreno de nossas lutas quotidianas e envolve conseqüências que todos temos de viver. O fato de se ter compreendido estas palavras e de se tomar a serio estes conceitos, para os aplicar na vida, pode produ­zir efeitos incríveis, inclusive o de melhorar um ho­mem e renovar um destino.

O maravilhoso é que a Lei de Deus está pronta a entrar em ação em qualquer lugar, inclusive em nosso mundo inferior, tão logo a aceitemos e vivamos. Quem faz isto toma-se parte dela, como cidadão duma nova pátria, adquirindo, assim, o direito de possuir o poder, os recursos e as defesas que a Lei confere aos seus seguidores. Estes, também em nosso mundo, tornam-se assim os mais fortes, porque são protegidos por Deus. O universo está dividido em duas partes: a da Lei, onde estão os bons, e a dos re­beldes, contra a Lei, onde estão os maus. O dualis­mo que tudo domina, nos demonstra claramente que vivemos num universo despedaçado: Deus e Antideus, bem e mal, vida e morte, felicidade e dor, luz e trevas, e assim sucessivamente. O que mais quere­ríamos demonstrar nestas palestras são as vanta­gens de pertencer do lado da Lei, isto é de Deus, e não do lado da anti-Lei, isto é, do Antideus. Viver e agir ao lado da Lei e de Deus, quer dizer operar con­forme a justiça. Ora, o homem que vive de acordo com a justiça sabe, em consciência, diante de Deus, que verdadeiramente tem razão e isto lhe confere to­tal segurança; e não a possui, quem, pelo contrário, não age de acordo corri a justiça, conscientemente, perante Deus. Essa consciência íntima de estarmos limpos, cumprindo um dever, constitui nossa força, força que nos faz vencer. Essa convicção profunda, de que a justiça tem de triunfar quando somos justos, nos dá a certeza da vitória.

Deus protege os justos, eles merecem Sua prote­ção. Quando um homem se coloca, com a sua con­duta, do lado oposto ao da Lei, do lado da anti-Lei, emborca-se a situação. Deus não o protege. Ele não pune, não se vinga. Deixa o ser na posição escolhi­da por ele mesmo, a de quem esta fora da Lei. Então, ele fica abandonado, sozinho, entregue apenas as suas pobres forças, o que quer dizer, perdido e sob o poder de todas as forças negativas que procurarão unicamente destruí-lo. Quando as criaturas se au­sentam de Deus, afastando-se d'Ele, voltam aos seus instintos inferiores e caem, e com isso se autocasti­gam, agredindo-se umas ás outras, mergulhando sempre mais numa atmosfera de destruição. Isso, porque Deus é amor e vida, e para quem se afasta d'Ele não há senão ódio e morte De tudo isso não há como fu­gir, porque é automático, fatal, faz parte da estrutu­ra e do funcionamento da Lei. Tudo fica submetido a sanções invencíveis e absolutas, que o ser não pode, de boa ou má vontade, recusar.

A conclusão deste capítulo é a declaração da imensa superioridade, inclusive na luta pela vida, do homem justo, e a inferioridade daqueles que julgam ser hábeis por serem astutos, entre os enganos do mundo. O primeiro está progredindo no caminho do equilíbrio, para a harmonia, que constitui a felicida­de; o segundo tipo desce sempre mais, abismando-se no desequilíbrio, na desordem, que constituem a in­felicidade.

Por isso, nunca me cansarei de demonstrar as vantagens de se agir corretamente, conforme a Lei de Deus. É muito doloroso ver o mundo cair em tan­tos sofrimentos pela ignorância duma coisa tão im­portante e evidente: a presença e o funcionamento des­sa Lei. Quem compreendeu tudo isso, não pode deixar de se perguntar: Como é possível que, para aprender uma lição tão clara, sejam necessárias tantas dores e desilusões? E para impelir o homem a cumprir sua trajetória evolutiva, representando o caminho da própria felicidade, sejam necessários tantos sofrimen­tos? Como é possível não ver que quem se rebela contra a Lei de Deus não gera outra coisa senão o seu próprio dano? Porque não vê que, semeando o mal, semeia para si tantas dores? Quanto se poderia meditar a respeito de tudo isso!

XIV

ESCOLA DA VIDA

A arte de viver, preparando para si um futuro melhor. Erros e dores nos ensinam muitas coisas.

Agora que chegamos a compreensão da Lei de Deus, vamos procurar ver, antes de enfrentar outros assuntos, o fruto do estudo que estamos desenvolven­do. Temos perante os olhos um quadro geral bastan­te claro do que diz respeito a nossa conduta, com suas razões e conseqüências.

Já sabemos que Deus é o ponto final das nossas vidas. Sabemos o caminho para atingir esse ponto final: a evolução, ou seja, a subida para Deus. Sabemos que para isso vivemos e que a evolução se reali­za da matéria para o espírito, sendo nós próprios os construtores desse caminho. Sabemos que as normas de conduta que se encontram vigorando na Terra, di­tadas pela moral e pelas religiões, representam as re­gras necessárias para executar esse trabalho de subi­da e construção.

Quem tiver compreendido o que explicamos pode agora viver orientado no seio do funcionamento orgânico do universo. Não viajara mais ao acaso nas trevas, mas terá nas mãos a bússola cuja agulha lhe indicará o polo magnético em relação ao qual terá de orientar-se. E não há quem não perceba como é mais vantajoso viajar orientado no grande mar da vida, em vez de andar perdido ao sabor das ondas.

Isso é tanto mais conveniente quando a função das normas de boa conduta, ditadas pela moral e pe­las religiões, é precisamente a de evitar-nos erros, ex­cessos, desvios - causadores da dor. Podemos agora chegar a compreender quão grande é o valor dessas re­gras, pelo fato de que elas cumprem a tarefa de nos ensinar o método para corrigir nosso anterior cami­nho errado, mostrando-nos o certo, impedindo-nos de semear novos sofrimentos para o futuro e permitindo-nos assim, anular a dor que surge ou poderá surgir em nosso destino. Essas regras podem representar o remédio amargo que, porém, é bom engolir porque nos cura a doença. Temos falado de fatalidade do destino. Veremos aqui como ele está em nossas mãos e como temos a possibilidade de endireitá-lo e dirigi-lo para onde quisermos. Se adotamos um bom com­portamento e se não cometemos mais erros violando a Lei, vemos que está ao nosso alcance criar para nós destinos sempre menos duros, porque estarão menos carregados de erros a corrigir e culpas a expiar.

Eis a conclusão, otimista, que eu desejaria não fosse esquecida por ninguém: está em nossas mãos o poder de criar nossa felicidade. Esta convicção re­presenta o fruto de nossa conversa, fruto que entre­go aos meus amigos, para seu próprio bem.

Não há dúvida que um Evangelho verdadeira­mente vivido realizaria a mais benéfica revolução do mundo, porque, renovando a nossa maneira de con­ceber a vida, reformá-la-ia de alto a baixo. Mas, isso é problema coletivo. Infelizmente, cada um fica espe­rando que seja o próximo o primeiro a movimentar-se no duro caminho da renovação. Aqui, nestas con­versas falamos do esforço individual, pelo qual cada um, de maneira independente da conduta dos outros, pode plasmar para si, à vontade, o destino que qui­ser. Já dissemos que o problema da salvação é problema absolutamente individual, independente da vontade dos vizinhos. Quando alguém cai no seio de um carma coletivo, é porquê fez por merecê-lo. Esta conclusão é um convite a que cada um comece a vi­ver esses princípios, para sua própria vantagem. Não têm importância as formas em que quisermos. reali­zá-los. É possível ter boa conduta e ser justo em todas as religiões. O que importa é a substancia, que é precisamente ser justo. Quando Deus julga os seres não leva em conta se pertencem a esta eu aquela re­ligião, mas se foram justos, por terem vivido a Sua Lei. Não estamos falando em favor de grupo parti­cular algum, mas unicamente em favor de Deus que está acima de todos.

O nosso grande inimigo é o mal, gerador de so­frimento. Aqui estamos explicando a arte de vencer o mal, porque só assim se pode destruir a dor. Ago­ra podemos compreender a mecânica dessa arte: ela nos garante que, não cometendo mais erros, a dor po­de ser evitada e a felicidade atingida. Essa arte de saber viver com conhecimento representa uma ver­dadeira ciência que a humanidade mais evoluída do futuro vai descobrir e aplicar. A maioria vê somente os efeitos imediatos e não olha à distância. Por isso não acredita que seja possível atingir esses resultados. Mas, o fato de tudo isso não se realizar num dia, não destrói a possibilidade de alcança-lo, nem a ale­gria que nos pode dar esta grande esperança duma salvação final que Deus nos oferece e nos ajuda a conquistar, procurando até impô-la a nós por todos os meios. Estamos subjugados por garras de sofri­mento, no fundo dum abismo, mas um raio de luz desce do Céu e nos diz: "Coragem!" Diz a cada um de nós, sofredor: "Tu tens o direito à felicidade. Este ardente anseio que está aninhado em teu coração não é para terminar num engano, mas para ser satisfeito. Estás ainda preso ao teu passado mas andan­do pela vida afora irás superando cada dia mais esse passado, que se afastará paulatinamente de ti, com ele desaparecendo o inferno dos seres inferiores, enquanto sempre mais se aproximará o paraíso dos seres superiores. Estás mergulhado na dura luta pe­la vida. Mas, é verdade que a luta e sofrimento ensinam muitas coisas e desenvolvem a inteligência. E com a inteligência aprimorada cada vez mais se toma compreensível a presença da Lei e a vantagem de se obedecer a ela, coordenando-se em sua ordem".

Muitos males acontecem ao homem por falta de entendimento. Mas, quem sofre é levado a pensar por que razão está sofrendo. E pela experiência que se vai adquirindo, aprende-se a cometer sempre me­nos erros. É verdade que o mal sobrevem mas, ao sobrevir, ele cumpre sua tarefa e desenvolve a inteligência, necessária para transformar-se em bem. Ao mesmo tempo, a criatura descobre os caminhos que a levam a felicidade. Quando o homem faz o mal, o faz por ignorância, pensando que prejudicando seu próximo pode beneficiar-se, sem saber que, pelo con­trário, só consegue prejudicar-se. Por isso, é um dever esclarecer os mistérios, iluminar as mentes e orientar o próximo. Ficar na ignorância significa permanecer nos níveis mais baixos da vida, cheios de erros, ferocidades e sofrimentos. Dizer que não podemos saber é abandonarmo-nos à preguiça de não querer usar os meios da inteligência que Deus nos deu para su­birmos o monte da evolução, no cume do qual Ele nos espera. Deixar de abrir os olhos para ver e fazer pes­quisas, para compreender e instruir-se, é parar iner­te perante o mistério, sem desejar e procurar descer­rar as portas fechadas do desconhecido. Tudo isto significa não querer conquistar uma vida melhor, próxima de Deus. Dizer, como muitos o fazem, que os grandes problemas do ser não são solúveis, significa querer aceitar para sempre uma condição de inferio­ridade dolorosa, cheia de males e perigos. O tato de não se ter interesse nesses problemas é declarar o fracasso da inteligência, é renunciar ao progresso e perder toda a esperança de salvação.

Que acontece então? São muitos a buscarem so­mente vantagem imediata, satisfação efêmera, acon­teça depois o quê acontecer. Poucos sabem alguma coisa a respeito desses problemas, com a necessária certeza. Só consideram positivo o que podem agar­rar com as mãos. Isto é o que se acredita ser a única e verdadeira realidade, a da vida prática, aquela em que o mundo crê, rindo-se dos sonhadores de rea­lidades mais longínquas que escapam a maioria, porque estão situadas além do alcance limitado de seus olhos míopes. Mas, estas outras realidades existem. Amanhã teremos, pela evolução, de chegar até lá, e então nada fizemos para enfrentá-las. Igno­rar as últimas finalidades da vida significa ignorar nossa própria vida no futuro, que embora longínquo, não pode um dia deixar de tornar-se presente. Que poderá acontecer conosco, se nada tivermos feito pa­ra prepará-lo? Assim, muitos furtam porque não vêem que depois, mais cedo ou mais tarde, têm de acabar na cadeia; abusam dos gozos materiais porque não vêem que depois chega a doença; esmagam o próximo porque não pensam que este acabará rebelan­do-­se e vingando-se, e assim por diante. A levianda­de e a imprevidência não nos podem levar senão ao erro, que depois é necessário pagar.

O desenvolvimento e o esforço da inteligência criam as civilizações. Hoje mesmo vemos o que tem produzido a ciência e como, a fim de viver nas novas condições de vida por ela criadas, é necessário (pa­ra dirigir as máquinas modernas) muito de inteligên­cia e nada de ferocidade. Este é o primeiro passo para a espiritualização consciente. O problema é o de nos civilizarmos. Costuma-se hoje insistir muito na solução dos problemas sociais. Mas, a solução destes não é só problema coletivo, é antes a soma das solu­ções dos problemas individuais. Se quisermos pro­gredir, é necessário começar, antes de tudo, a tomar esta direção, cada um por sua conta. E a vantagem virá primeiro para quem primeiro o fizer. Procuremos conquistar nós mesmos as virtudes, antes de exigi-las do próximo. Tudo está sempre regido pela justiça de Deus. Assim, se caímos vítimas dos outros, não somos na realidade vítimas deles, mas, sim, unicamente, de nós mesmos, dado que o merecemos: os outros não são senão instrumentos de Deus, que os utilizou pa­ra cumprir Sua justiça. Já explicamos que a dor nos pode atingir somente quando tivermos abertas as portas para ela poder entrar. Ninguém pode lançar o peso do seu destino sobre nós, como nós não pode­mos lançar o peso do nosso destino sobre os outros. Se assim fosse não haveria justiça.

Não é acusando o próximo de desonestidade que se pode provar a honestidade própria. Não é pregan­do e exigindo virtude aos outros, que poderemos chegar a extinguir nossos defeitos e deixar de pagar pelas nossas culpas. Cada um está sozinho peran­te Deus e tem de prestar contas, sozinho, dos seus atos, conforme as responsabilidades que lhe cabem. Podemos ficar tranqüilos, pois ninguém pode fazer-nos mal algum que já não esteja dentro de nos, por nós bem merecido, por termos sido os primeiros a querer realizá-lo. Cada um é julgado conforme suas obras e não conforme as dos outros. Tudo na Lei de Deus é sempre justiça e não há má vontade e prepo­tência humana que possam impor-se à Lei. O que reina soberano, apesar das aparências do momento, é sempre a justiça. Q que vale e resolve é a nossa posição perante Deus, julgue o mundo como quiser, porque em todos os casos ninguém pode fazer nada mais que não seja a vontade de Deus.

Assim, vamos errando, mas com isso mesmo, aprendendo sempre mais. O que parece ser um mal é, ao mesmo tempo, um remédio que nos leva para o bem, porque o erro, excitando a reação da Lei, nos ensina a não errar mais. Assim, pelo muito julgar e agir de maneira errada, aprendemos a julgar e agir de maneira certa; e os julgamentos, que deveriam ser o resultado da compreensão, mas são feitos sem ela, acabam por levar-nos à compreensão

A Lei é uma regra de vida estabelecida por Deus. O homem é um menino que tem de aprender. Mas, quando um menino precisa aprender a andar, nós não fazemos para ele um curso sobre a arte de an­dar. Deixamo-lo experimentar e cair, porque sabe­mos que só à força de muitas quedas ele pode apren­der a não cair mais. O homem precisa, não de aulas teóricas, mas dum conhecimento pessoal, atingido com seu esforço, fruto da sua experiência direta. A escola é automática, é o natural conteúdo da vida. Desenvolve-se, assim, a inteligência necessária para compreender qual é a regra que rege os nossos mo­vimentos, o prejuízo de não a observar e a vantagem de segui-la. Assim, a escola da vida nos ensina a co­nhecer a Lei Uma escola é lugar para estudar e aprender, não para ficar sempre nela. Acabado o curso, os estudantes a deixam. O mesmo acontece com a experimentação terrena. Uma vez conquista­do o conhecimento, os meios terrenos que foram usa­dos para esse escopo são abandonados como mate­rial de refugo, ao mesmo tempo que levamos conos­co a sabedoria armazenada para utilizá-la e gozar seu fruto em ambientes superiores. Pode-se assim ver quanto seja útil o viver e, quando tivermos errado, também o sofrer.

Quando o mundo tiver sofrido bastante os danos que derivam do querer apoiar-se só na força e na astúcia, então os evitará e procurará organizar-se numa forma de vida feita de trabalho pacífico e fra­ternal. Os sofrimentos não são inúteis: por intermédio deles, o homem toma conhecimento e vê como custa caro ser mau, e assim, para não voltar a sofrer as conseqüências, aprende a não cometer mais erros. As guerras não são propriamente inúteis, porque pe­lo fato de padecer duramente com as destruições a que elas conduzem, o homem vai aprender a não fa­zer mais guerras. O uso da força não é inútil, porque quem a pratica, mais cedo ou mais tarde, acaba es­magado por ela mesma, e então aprende a não mais a usar. As astúcias humanas não são inúteis, porque o homem, empregando-as, terá depois de ficar saben­do quanto são duras as conseqüências de ter pro­curado furtar-se a justiça de Deus, prejudicando os outros com o engano. Terá de compreender a lou­cura da mentira na exploração do próximo, e que dano representa para quem a usa. Os atritos das ri­validades e as competições humanas na luta pela vida não são inúteis, porque nos levam a conhecer-nos uns aos outros, a fim de chegarmos à construção daquela grande obra de engenharia biológica que será o organismo da sociedade humana.

A Lei repete, ricocheteando como um eco, o que lhe queremos enviar. E quando quisermos viver na ordem e na harmonia, ela nos receberá num abraço de paz e felicidade. Muito o homem terá de andar por este caminho da experimentação, até que, com seu esforço, faça nascer a nova raça do porvir, a ra­ça dos honestos inteligentes, que conhecem a Lei e obedecem a Deus.

XV

EM BUSCA DA FELICIDADE

Como a Lei nos faz atingir a abençoada posição dos bem-aventurados do Sermão da Montanha, relatado no Evangelho.

Se quisermos resumir em duas palavras o assun­to que foi desenvolvido até agora nestes capítulos, poderíamos dizer que falamos da Lei. Temos falado dela, porque ela representa o ponto central da nossa vida e o caminho da nossa salvação. A Lei exprime o pensamento e a vontade de Deus e constitui a re­gra fundamental da nossa conduta.

Mas, qual é o seu conteúdo? - poder-se-ia per­guntar. O conteúdo da Lei, pelo menos no que se re­fere ás normas que regem a conduta humana, é bem conhecido no mundo e não nos cabe repeti-lo. Ele já foi sintetizado nos Dez Mandamentos de Moisés, exemplificado no Evangelho, explicado pelas reli­giões e pelos princípios morais aceitos pelo homem. Há milênios o mundo repete estas verdades. A nos­sa tarefa não é a de fazer um tratado a mais de mo­ral ou de religião. Não é deles ou de pregações que temos falta, mas da sua aplicação na vida pratica.

Nossa tarefa foi só a de demonstrar, também aos que não acreditam nas religiões, que a Lei está pre­sente e funciona de verdade, trazendo consigo sérias conseqüências práticas as quais não se pode fugir, sejam de utilidade ou de prejuízo. Quem tiver enten­dido nossas palestras saberá agora o que lhe acon­tecerá se a sua conduta não for aquela que a Lei estabelece. Não temos falado de infernos longínquos, nem de vinganças de Deus, absurdas porque Ele não pode ser mau, mas só da Sua bondade e justiça, o que convence muito mais. Temos falado com pala­vras de lógica aos homens práticos, de fatos concre­tos que cada um com seus próprios meios pode veri­ficar em nosso mundo, fatos cujo sentido só assim é possível explicar e compreender. Agora podemos claramente entender as razões pelas quais nos con­vém seguir o caminho da honestidade, e quão louco é o mundo que provoca o seu próprio prejuízo, seguindo o caminho oposto. Quem compreendeu tudo isso, torna-se muito mais responsável pelas conseqüências dos seus atos, porque agora sabe que, quando chegar a reação da Lei em forma de dor, é porque nele mesma está a causa, e essa dor foi ele quem a semeou com seus erros. Então só lhe resta resignar-se e iniciar o trabalho de autocorreção.

Mencionamos anteriormente o Sermão da Monta­nha, de Cristo. Este Sermão sintetiza em poucas pa­lavras aquilo em que a Lei quer que nos tornemos, chamando de bem-aventurados os que atingirem aquele nível superior de vida ao qual o Sermão se refere. Por estas palavras do Evangelho, a Lei nos diz o que nos aguarda se obedecermos a ela, adqui­rindo as qualidades dos mais evoluídos, isto é, sermos humildes de espírito, pacientes nos sofrimentos, man­sos, justos, misericordiosos, limpos de coração, pacificadores etc. Eis as palavras de Cristo, no Discurso da Montanha:

“Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. — Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. — Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. — Bem-aventurados os misericordiosos, por­que alcançarão misericórdia. — Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus. — Bem­-aventurados os pacificadores, porque serão chama­dos filhos de Deus. — Bem-aventurados os que têm sido perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus... Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus. . .”[1]

Esta é a posição dos bem-aventurados, daqueles que obedecem à Lei. Mas, esta não é a nossa posição atual no nível humano, cujas “virtudes” de for­ça e astúcia são completamente diferentes. Procure­mos, então, parafrasear este trecho do Evangelho, repetindo-o numa forma diferente, para ver quais são as reações com que a Lei nos impulsiona para que nos tornemos os bem-aventurados de que fala o Ser­mão da Montanha. Este apresenta um aspecto supe­rior da Lei, mas agora a veremos neste mesmo assun­to sob outro aspecto, ou seja, como Ela funciona a este respeito no nível humano (que na realidade não é o dos bem-aventurados), mostrando os meios pelos quais a Lei nos estimula a atingir aquela abençoada posição de bem-aventurados. Assim, os homens prá­ticos do nosso mundo, que possam pensar que o Ser­mão da Montanha exprime uma filosofia de sonho, verão que, por caminhos diferentes, mais duros, proporcionados à dureza do homem, ele esta igualmen­te se realizando em nosso baixo nível de vida. Veja­mos, assim, qual é a posição, não dos bem-aventurados do Evangelho que vivem a Lei, mas do homem comum do mundo que, ainda não vivendo a Lei, é im­pulsionado a vivê-la. Eis, então, como se poderia re­petir o Sermão da Montanha, relacionado com este outro ponto de referência:

"Bem-aventurados os soberbos, porque eles terão de sofrer tantas humilhações até aprender a lição de humildade e assim, deles será o reino dos céus. — Bem-aventurados os que gozam demais, só pensando em si e para além dos limites razoáveis, porque terão de sofrer necessidade e abandono, até aprender a re­gra da justa medida e do amor ao próximo e, então, serão consolados. — Bem-aventurados os prepotentes, os ferozes, os guerreiros, porque tanto serão esmaga­dos pela prepotência, ferocidade e agressão dos ou­tros que se tornarão mansos e, então, herdarão a terra. — Bem-aventurados os que sustentam e praticam a injustiça, porque tanta injustiça terão de receber que compreenderão quão duro é ter de estar subme­tidos a ela e, então, por terem aprendido sua custa a ambicionar a justiça, desta serão fartos. — Bem-aven­turados os desapiedados, porque não encontrarão misericórdia e, por demais a invocarem para si sem recebê-la, compreenderão a necessidade da bondade e do perdão, alcançando, então, misericórdia. — Bem-aventurados os que não são limpos de coração, porque ficarão tão submersos na ignorância e na maldade, com os conseqüentes erros e dores, que purifica­rão seu entendimento, e assim compreenderão a Lei e verão a Deus. — Bem-aventurados os que gostam de brigas e de disputas, porque pelo fato de não conse­guirem encontrar paz, almejá-la-ão e procurá-la-ão em toda a parte, até que se tornarão pacificadores, e en­tão serão chamados filhos de Deus — Bem-aventurados os que perseguem com injustiça os justos, porque tanto serão perseguidos pela sua própria injus­tiça, que aprenderão a ser justos, e então deles será o reino dos céus... Alegrai-vos e exultai, todos vós que quereis rebelar-vos contra a Lei, porque grande é o sofrimento que vos espera e assim tereis de apren­der a lição da obediência, pela qual ganhareis um grande galardão nos céus”.

Eis como o Evangelho dos Céus, - assim se po­deria chamar o de Cristo, - tem de se traduzir na Terra, para que seja possível realizar-se aqui. Eis como o Evangelho vai tornar-se realidade viva tam­bém para os surdos e os rebeldes. Eis como a Lei se mantém em ação e se realiza plenamente também em nosso mundo. Seria absurdo que a ignorância e à má vontade do homem fosse deixado o poder de paralisar a Lei e, com isso Sua obra de salvação. Eis como Deus, para nosso bem, nos torna bem-aventurados, mesmo se não o quisermos. Ele quer, custe o que custar, nossa salvação. Por isso, quando for indispensável, usa também o chicote da dor, por­que Ele sabe que um dia a abençoaremos, quando, por este caminho, nos tivermos tornado bem-aventu­rados.

O Evangelho aplicado ao sistema (aos evoluídos)

O Evangelho aplicado A Terra (aos involuídos)

1) Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.

1) Bem-aventurados os soberbos, porque eles terão de sofrer tantas humilhações até aprender a lição de humildade e assim, deles será o reino dos céus.

2)Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.

2) Bem-aventurados os prepotentes, os ferozes, os guerreiros, porque tanto serão esmagados pela prepotência, ferocidade e agressão dos outros que se tornarão mansos e, então, herdarão a terra.

3) Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.

3) Bem-aventurados os que sustentam e praticam a injustiça, porque tanta injustiça terão de receber que compreenderão quão duro é ter de estar submetidos a ela e, então, por terem aprendido sua custa a ambicionar a justiça, desta serão fartos.

4) Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.

4) Bem-aventurados os desapiedados, porque não encontrarão misericórdia e, por demais a invocarem para si sem recebê-la, compreenderão a necessidade da bondade e do perdão, alcançando, então, misericórdia.

5) Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.

5) Bem-aventurados os que não são limpos de coração, porque ficarão tão submersos na ignorância e na maldade, com os conseqüentes erros e dores, que purificarão seu entendimento, e assim compreenderão a Lei e verão a Deus.

6) Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.

6) Bem-aventurados os que gostam de brigas e de disputas, porque pelo fato de não conseguirem encontrar paz, almejá-la-ão e procurá-la-ão em toda a parte, até que se tornarão pacificadores, e então serão chamados filhos de Deus.

7) Bem-aventurados os que têm sido perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.

7) Bem-aventurados os que perseguem com injustiça os justos, porque tanto serão perseguidos pela sua própria injustiça, que aprenderão a ser justos, e então deles será o reino dos céus.

8) Bem-aventurados os que choram porque serão consolados.

8) Bem-aventurados os que gozam demais, só pensando em si e para além dos limites razoáveis, porque terão de sofrer necessidade e abandono, até aprender a regra da justa medida e do amor ao próximo e, então, serão consolados.

Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus.

Alegrai-vos e exultai, todos vós que quereis rebelar-vos contra a Lei, porque grande é o sofrimento que vos espera e assim tereis de aprender a lição da obediência, pela qual ganhareis um grande galardão nos céus.

A grande maravilha da Lei é que ela responde a cada um conforme sua natureza. Ela responde aos nossos movimentos com a mesma exatidão com que um espelho reflete nossa imagem. Se nossa imagem no espelho é feia, a culpa não é do espelho, mas de nós que somos feios. Se formos bonitos, a imagem será bonita. Da mesma forma, o tratamento que re­cebemos da Lei depende do que somos e fazemos Se somos bons e obedientes, ela responderá com bon­dade. Mas, se somos maus e rebeldes, ela nos ensi­nará o que temos de aprender, com o azorrague da dor. Cada um pode escolher seu método. Dentro da Lei, porém, todos ternos de viver. O que dela recebere­mos, em troca das nossas ações, depende da posição em que nos situamos diante da própria Lei.

O Evangelho é pregação para os homens de boa vontade, dispostos a se tornarem anjos. Já vimos qual o papel que o Evangelho tem de representar quando não queremos tornar-nos anjos, mas perma­necer demônios. Cada um, olhando para dentro de si, pode saber a qual dos dois grupos pertence e, por conseguinte, o tratamento que receberá por parte da Lei. Por isso, os bons, se e verdade que podem ser esmagados pelo mundo, nada têm a temer de Deus; ao passo que os maus, se podem por um momento vencer no mundo, muito têm a temer por parte da justiça de Deus, que os constrangerá a pagar até o último ceitil. É muito mais seguro e vantajoso ficar do lado de Deus do que do lado do mundo. Que valem e podem os recursos do mundo em comparação com os de Deus? Que po­derá e quererá fazer o mundo para nos defender, quando a ele nos escravizamos? E que poderá e que­rerá fazer Deus para nos defender, quando Lhe per­tencemos?

Eis que vemos brilhar, no fundo do grande qua­dro da Lei que estamos descrevendo, a resplandecente apoteose final dos bons, não importa se des­prezados e condenados pelos poderosos do mundo, apoteose em que se realizarão as palavras de Cristo — "as forças do mal não prevalecerão".

Por quanto tempo continuará o homem sem com­preender tudo isso? Quantos erros terá ainda de cometer e quantas dores terá de sofrer, antes de abrir os olhos para ver á substância da vida? O homem continuará a rebelar-se contra a Lei, a fechar-se no seu egoísmo, a conceber a vida só individualmente, enquanto a Lei arrasta o mundo para a fase orgâni­ca, em que os elementos das grandes coletividades colaboram fraternalmente. Quantas lutas serão ainda necessárias para se chegar à compreensão recí­proca e assim coordenar os esforços de todos para comuns finalidades de bem? Quantas experiências dolorosas serão ainda necessárias para se aprender a não provocar as reações da Lei? Estamos acostu­mados às leis humanas que, por serem feitas muitas vezes pela classe dirigente para seu próprio interes­se, parecem estar cumprindo a tarefa de nos ensinar, antes de tudo, a arte de nos evadirmos delas. Isso porque há luta entre quem manda e quem tem de obedecer. Mas, bem diferente é o caso da Lei de Deus. Esta não é feita para o interesse d'Ele, mas para o nosso. Então, procurar evadir-nos dessa Lei não é realizar nosso bem, indo contra quem manda, mas é abdicar de nossa vantagem e não obter senão nosso prejuízo. Isso porque o domínio da Lei não se baseia na imposição de quem manda contra quem tem de obedecer, mas na justiça, no amor e na livre obediência de quem compreendeu. Quanto tempo continuará o homem rebelando-se contra a ordem da Lei e fugindo, assim, da sua própria felicidade?

As forças da vida são movimentadas pela Lei, de maneira que a compreensão terá de chegar. Houve tempo em que o homem acreditou com certeza abso­luta na imobilidade da Terra e na imutabilidade da matéria. Mas, agora entende que a imobilidade e a imutabilidade aparentes são um estado de velocida­de constante, que nos parece sem movimento, porque nós só percebemos o movimento quando há mu­dança de velocidade, o que se chama de acelera­ção. Da tremenda corrida que, juntos com o nosso planeta, estamos realizando, ou que se verifica no interior do átomo, não percebemos coisa alguma.

Da mesma forma, o homem acredita que está vi­vendo no caos, julgando que somente sua vontade tem valor, e a ele cabe impor a ordem, a ordem dele. Isto o faz rebelde, num universo regido pela ordem da Lei, revolta que o conduz ao sofrimento, em virtu­de do choque contínuo com Ela. O homem fica ape­gado às pequenas coisas do seu mundo, acredita com absoluta certeza na verdade das ilusões deste, porque isto é a que percebe, e não vê que está viven­do no seio de uma ordem e de uma harmonia ma­ravilhosas.

Cego para tudo isso, cego para o imenso traba­lho que todos os seres e tudo o que existe estão cum­prindo para regressar a Deus na ascese da evolução, o homem, que trabalhosamente procura estabelecer alguma. Ele corre atrás das glórias humanas e não toma conhecimento da sua glória maior, - a de ser criatura filha de Deus. Procura as riquezas do mun­do e se esquece das infindas riquezas ao alcance de suas mãos, e que Deus lhe entregará tão logo ele aprenda a usá-las bem. Ele vai procurando desesperadamente a felicidade e não sabe que justamente para ela foi criado.

Como pode o verme que fatigosamente se arras­ta no chão compreender que nos espaços a velocida­de é gratuita, e que corpos imensos a possuem sem limites e sem esforço? Da mesma maneira, como pode o homem que trabalhosamente procura estabelecer uma ordem no seu planeta, campo de lutas desencadeadas, compreender que o universo é um imenso organismo de ordem e regido pela inteligência de Deus?

Quando o homem, vítima do seu atraso, resolve­rá avançar para a conquista de novos continentes do espírito que o esperam? Quando conseguirá ele, pre­so na sua forma mental, quebrar as paredes dessa sua prisão? Quando quererá resolver de uma vez para sempre todos os seus problemas, evoluindo? Tudo depende de nossa boa vontade e de nosso esforço.

XVI

DO SEPARATISMO A UNIÃO

A realização da Lei no mundo. Ela nos impulsiona a evoluir para a ordem e a unidade.

O assunto fundamental estudado por nós foi, até agora, o da Lei - sua presença, conteúdo e ação, conhecimento que nos leva para nova maneira de conceber a vida com uma melhor consciência de nós mesmos, proporcionando-nos uma norma para nos conduzirmos sabiamente, para nosso bem. Explica­mos que a Lei esta acima das religiões e filosofias particulares, as quais abrange porque é lei univer­sal da vida, da qual ninguém pode fugir, - porque ninguém pode fugir da vida e das suas leis. O que estamos expondo não é produto de nossa mente, mas da leitura que fazemos desta Lei, e todos também podem lê-la, pois ela está escrita nos fenômenos de nos­sa existência, sempre presente no funcionamento orgânico do universo, porque não há coisa alguma que esteja distante do pensamento de Deus. O homem está muito apegado as suas divisões, porque sua forma mental ainda dominante é separatista, divisionis­ta, de luta para vencer e dominar. Mas, isso só tem valor no nível humano. Assim como o Céu está aci­ma da Terra, igualmente a Lei está acima das divisões e lutas humanas. Procuremos aprofundar-nos sempre mais no seu estudo, para a satisfação de que toda alma goza ao experimentar sempre mais o sa­bor das coisas do absoluto e da eternidade.

Procuramos atingir esta satisfação para nós e pa­ra nossos leitores. Esta é nossa finalidade maior, e não a mais comum, ou seja, a de buscar prosélitos para o próprio grupo, ou de fazer propaganda para aumentar as próprias fileiras. Nossa forma mental é completamente diferente. Não estamos à procura de seguidores, porque nossos objetivos não estão na Terra. Por estranho que pareça, esta é exatamente a verdade. Estamos explicando, para quem quer com­preender, como funciona a vida. Nosso maior desejo é que cada um fique satisfeito na posição onde se encontra, se esta lhe convém e disso esteja sinceramente convencido. O ser humano é relativo e cada um precisa acreditar seja verdade absoluta a mais adaptada a sua forma mental. Realmente são tão-só pequenas ondas de superfície no imenso oceano do conhecimento. São pontos de vista, perspectivas particulares, experiências diferentes. Nada disso impede o funcionamento da Lei de Deus e nem que todos a sigam, dentro dela permanecendo, seja pelos cami­nhos do bem ou do mal. É maravilhoso observar co­mo o pensamento e a vontade de Deus nos cercam de todos os lados, sempre nos guiando e impulsionan­do para o caminho certo, a nós e a todos os seres do universo. Para quem vive diante de uma visão des­ta envergadura e vastidão, qualquer poder terreno perde todo valor, e todas as sagacidades humanas que possam atingi-lo não interessam mais, tornando-se tentativas inúteis.

Nós podemos oscilar livremente de um pólo para outro, do bem para o mal, da luz para as trevas; po­demos deslocar-nos para qualquer posição da vida, mas ficaremos sempre dentro do Pensamento e da Vontade de Deus, isto é, dentro da Lei, que é qual atmosfera em que vive tudo o que existe no universo e. da qual ninguém pode sair. Procuremos ficar ape­gados ao universal, porque o universal se encontra também em todos os pontos do particular e os abran­ge, sem ficar fechado em nenhum deles. Somente subindo a esse nível mais alto é possível superar as divisões e lutas humanas que fazem da Terra um in­ferno. Só assim atingiremos a Paz e a harmonia que representam o paraíso e que só se realizam no seio da ordem da Lei. Quem conseguiu ascender a esse nível de vida, não deseja mais o triunfo de grupo particular algum e separado, mas só a compreensão recíproca e a harmonia universal. Procuramos, assim, demonstrar, para nos convencermos, que só po­demos alcançar a maior alegria se sairmos do estado de separatismo, luta e desordem, que tanto atormen­tam o mundo, encaminhando-nos sempre mais para a unidade, a paz e a harmonia, princípios fundamentais da Lei.

É exatamente neste sentido que se está orientan­do o progresso da civilização humana. É neste sentido que estamos orientados e procuramos orientar os outros. Geralmente, nesse particular, o que mais in­teressa ao homem é sua salvação pessoal. Para atin­gi-la, ele acredita ser necessário apenas pertencer ao seu grupo, que pode garanti-la, porque possui e con­tém toda a verdade, ao passo que os, outros grupos contêm todos os erros. Assim, imaginando possuir to­da a verdade, o indivíduo fica satisfeito, porque sua salvação está assegurada, e esta é o que mais lhe importa, enquanto os outros, possuindo somente er­ros, estão perdidos, e essa certeza para ele é, muitas vezes, também motivo de satisfação. Assim, quando o indivíduo sustenta seu grupo e a verdade que este possui, fica livre para viver sua vida como melhor lhe convém. Praticar na vida os princípios de uma reli­gião, que na sua forma particular reproduzem mais ou menos os princípios gerais da Lei, já é outra coisa, menos urgente, que se pode também pôr de lado como secundária. Mas, de fato, a Lei representa o ver­dadeiro, o mais precioso conteúdo das formas e cren­ças de todas ás religiões. Entretanto, se estas não são usadas na Terra como um meio para realizar os princípios da Lei, a presença delas é inútil, porque fica frustrado seu objetivo principal, ou seja, guiar-nos e impulsionar-nos para os justos caminhos, levando-nos a Deus. Este objetivo principal é á que aqui estamos pregando, procurando não exclusividade e conde­nações, mas compreensão e união.

De fato, como agora dizíamos, é nesta direção que está orientado o progresso da civilização huma­na. Um dos maiores problemas que o mundo de ho­je tem de enfrentar e resolver, é o da unificação em todos os campos: político, econômico, demográfico, religioso, social. Com a vida que se vai concentran­do cada vez mais nas grandes cidades, o homem tem de adaptar-se a formas sempre mais estreitas de con­vivência social. Mas ele, como resultado do seu pas­sado, está ainda fechado numa psicologia estreitamente individualista, que o isola dos outros, enquan­to a irresistível vontade da Lei é que ele chegue a unir-se com os outros para formarem todos juntos a grande unidade coletiva da humanidade. A evolu­ção quer todos os egocentrismos separatistas fundi­dos num estado orgânico, situação futura da huma­nidade. Mas a isto o indivíduo de hoje se rebela, te­mendo perder a sua liberdade. Então nascem revol­tas, choques com os vizinhos, atritos recíprocos, mas também adaptações, porque este é o caminho marca­do pela Lei e dele não se pode fugir. É assim que, como nunca, hoje se tomou vivo e atual o problema das relações entre os seres humanos, entre as dife­rentes camadas sociais, ente as divergentes forças e impulsos coletivos.

Na história da vida do homem, venceu e domi­nou até agora o princípio do individualismo, pelo qual o ser vive isolado, como num castelo, fechado no seu egocentrismo e armado conta todos, um ser cujas relações com os outros não podem ser senão de luta, de ataque e defesa, para dominar a fim de não acabar escravo, num estado de guerra permanente. Este sistema é gerador' de reações e contra-reações continuas, de vinganças, ódios e dores sem fim; mé­todo de vida selvagem, útil para desenvolver uma inteligência elementar, de tipo inferior, que reina nos níveis baixos da animalidade, mas não mais apro­priada para elevá-la ao nível evolutivo superior que a humanidade está agora atingindo. A nova sensi­bilização nervosa e psíquica do homem civilizado po­de e poderá cada vez menos suportar os ferozes mé­todos de vida do passado, com todas as suas tristes conseqüências.

Vemos, assim, que está na vontade da Lei, como na natureza mesma das coisas, que o homem, com o progredir da civilização, não pode deixar de apren­der a arte difícil da convivência. Ele se sente atraído pelas vantagens encontradas nas grandes cidades, mas ali tem de viver junto, com os outros, não mais como indivíduo isolado no campo, mas como elemen­to do organismo social. Esta mudança de ambiente constrói novos hábitos, antes desconhecidos, de rela­ções recíprocas. O ser vai, assim, adaptando-se as novas formas de vida organizada, mais complexas, que constituem a sociedade. Nesta, ele propende e destina-se cada vez mais a desaparecer como indivíduo isolado, e reaparece como célula de unidades coletivas múltiplas, sempre mais vastas. O mundo se transforma para ele que desse modo tem de apren­der novas lições, adquirir novas qualidades, correla­tar-se a novos pontos de referência, possuir valores diferentes e julgar com outra psicologia. O valor do homem do campo, que consistia em saber defender­-se e trabalhar fisicamente, em caçar e matar, tem de transformar-se no valor do homem dos grandes cen­tros civilizados, que consiste em saber movimentar-se, conduzir-se, trabalhar e pensar, conforme regras que o enquadram numa disciplina indispensável. Realiza-se, assim, a evolução. Que é evolução, senão uma sempre maior realização da Lei? E qual é o con­teúdo da Lei senão, antes de tudo, ordem e disciplina?

O homem primitivo que pela primeira vez entra neste novo ambiente social, traz consigo todos os seus instintos de ser individualista, e por isso tende a opor resistência, gerando desordem na organização em que se sente preso. Mas, esta representa uma unidade maior do que ele, e por isso mais poderosa e por isso o vence, constrangendo-o a aprender a viver na regra duma disciplina, isto é, a evoluir para uma for­ma de vida mais adiantada.

Tudo, quer se queira quer não, segue nesta dire­ção. A engenharia moderna dirigiu-se para o arranha-céu, que é uma colmeia onde centenas de abe­lhas têm de viver juntas. Esta vizinhança recíproca, esta Vida em comum implica, impõe e ensina regras de respeito recíproco, em que se compensam direitos e deveres numa nova forma organizada de vida co­letiva, que só desta maneira, baseando-se na ordem, pode existir. De todos os lados tudo nos confirma que a vida progride do caos para a ordem1 da desenfrea­da liberdade para a disciplina. Nisto consiste, como dissemos, o progresso, que e a realização da Lei.

Quando esse homem sai do seu apartamento, não encontra selvagens nem feras contra os quais deva lutar, mas carros que exigem disciplina de mo­vimentos no trânsito; encontra na rua, nas lojas; nos escritórios, gente que exige respeito conforme regras de comportamento. Quanto mais um homem é civi­lizado, tanto mais ele tem de tomar nota da presen­ça, exigências e direitos dos outros, dever, entretanto, a exigir reciprocidade. Quanto mais o homem é civili­zado, tanto menos lhe é permitido ser individualista, egocêntrico, indiferente à vida dos outros. Esta pode pa­recer uma pesada disciplina, tanto que o ser primiti­vo contra ela se rebela, mas o fato de ela se basear na reciprocidade, representa no fim uma vantagem para todos. O fato de ter de respeitar os direitos dos outros pode constituir, às vezes, uma renúncia a própria liberdade. Mas, esse sacrifício fica depois bem pago quando por ele recebemos, como recompensa, respeito para com nossos direitos. Só o homem civili­zado, que tem deveres, pode exigir os corresponden­tes direitos. O homem da selva, na sua absoluta li­berdade, não possui direito algum que não seja o da sua força que, na luta, o defende contra tudo. Ele está sozinho, desprovido de toda a defesa da organi­zação social.

Tudo isto é problema de ordem e disciplina. Mas, estamos ainda no começo desse processo de reorde­nação. A disciplina é ainda formal, exterior, de su­perfície. Ela representa tudo o que o homem conseguiu alcançar até hoje mas, com o progredir da civilização, a ordem terá de tomar-se sempre mais subs­tancial, interior e profunda, até transformar-se de simples regras de boas maneiras em compreensão recí­proca, em psicologia de colaboração e unificação, até atingir o nível do amor para com o próximo, anuncia­do como meta final pelo Evangelho de Cristo. Este é o processo de descentralização do egocentrismo, que consiste na evolução da personalidade humana, que por este caminho se abre, desprendendo-se da prisão do seu primitivo egoísmo, desabrocha e floresce, até atingir o estado de altruísmo, isto é, da unidade em Deus, todos juntos e irmanados num mesmo orga­nismo.

Vemos desta maneira como, também nas peque­nas coisas da nossa vida de cada dia, se realizam os princípios da Lei; vemos como o pensamento e a vonta­de de Deus, que ela representa, dirigem: o progresso da nossa civilização para objetivos certos. No cami­nho da evolução, quem é o mais rebelde contra a Lei é o ser mais atrasado; e quem é o mais obediente a ela, é o ser mais adiantado. O conteúdo da civiliza­ção é representado pela realização da Lei, isto é, pelo grau com que conseguimos vivê-la, irmanando-nos com os nossos semelhantes. E quanto mais o homem for evoluindo, tanto mais terá de perceber que, para sobreviver na luta pela vida, há uma força mais po­derosa do que a violência, a prepotência, a astúcia levada até a mentira e à traição: é à força da inte­ligência, da honestidade, da bondade.

XVII

A REALIDADE DOS INSTINTOS

Como a sabedoria da Lei, corrigindo erros e excessos com os sofrimentos, leva o ser li­vre para a sua evolução final. Origem e função dos instintos.

Explicamos como a evolução nos leva sempre mais para o estado orgânico. Da desordem, resultado Um individualismo separatista, nos conduz à ordem, situação final ao nos harmonizarmos com a Lei. Quanto mais evoluímos, tanto mais a Lei nos discipli­na, irmanando-nos e conduzindo-nos à unificação. Esta é a nova lição que o homem tem de aprender. As outras, da animalidade, foram já aprendidas, e demorar-se nelas significaria retardar o caminho da subida e ficar atrasado nos níveis inferiores da vida.

A vida oferece lições proporcionadas ao plano de existência em que o ser se encontra, de acordo com suas vicissitudes. Todavia, o homem tem de apreender outros instintos que não sejam os de agressivida­de, de engano, de orgulho, de cobiça, de sensualida­de que, se foram úteis num estado de desordem ge­ral, não o são num mundo organizado. Estas são as posições do passado, não as do futuro. E a evolução é uma força viva, presente dentro de nós, fazendo pressão, constrangendo-nos à subida de modo pre­mente. Isto quer dizer: chegou à hora de progredir, levando aqueles instintos para a frente, elevando-os a um nível superior, onde a coragem não reside na agressividade, a inteligência não se usa para enga­nar, a consciência de si mesmo não é orgulho que despreza o próximo, a cobiça não serve ao próprio egoísmo, mas destina-se ao bem de todos, e o espíri­to não é servo, mas dono dos sentidos. A vida na sua evolução quer agora criar na Terra um novo tipo biológico, um homem mais adiantado, ao qual con­fiará a tarefa de organizar a nova ordem do mundo. O ser dos futuros milênios, mais evoluído olhará pa­ra o tipo humano atual como nós olhamos para os primitivos dos milênios passados.

Assim, tudo está claro, e se for colocado no seu devido lugar; encontra sua lógica explicação. Tam­bém as feras têm de aprender sua lição, e a Lei, pa­ra elas, proporciona-a na forma e medida que pode ser entendida. Para o homem selvagem as aulas são um pouco menos duras, porque ele desenvolveu mais inteligência e sensibilidade. Para o homem atual, pelo progredir destas qualidades, ainda melhoram as condições de vida, porque, como é lógico; com o evo­luir, já é possível que as provas necessárias ao apren­dizado se tornem sempre mais leves e inteligentes. Cada nível tem de cumprir um gênero particular de experiência, conforme o tipo biológico que o ser deve construir. Tudo muda de um plano para outro, inclusive a maneira de conceber e julgar. Poderíamos assim dizer que em cada nível de vida vigora uma lei, e com ela uma diferente moral. O que é nor­mal, justo e lícito para uma fera não o é para um sel­vagem e ainda menos para um homem civilizado. Encontramos assim tantos sistemas de moral sobrepostos quanto os andares dum edifício; o inferior sustentando o superior, subindo sempre; são andares dum edifício que se levanta sempre mais e que representa a construção progressiva do próprio eu. En­quanto o ser permanece em determinado plano, ele aceita a moral desse plano com naturalidade, mas logo que sobe para um plano superior, escandaliza-se com a moral do inferior, que para ele se torna corrompida e ilícita. Tudo depende do nível de onde parte o julgamento. A fera é julgada fera pelo selvagem ou pelo homem civilizado. Mas, para as feras não é fera. Assim, o selvagem é selvagem para nós, mas para os seres do seu nível não é selvagem. Nós nos consideramos civilizados em relação às feras e aos selvagens, mas poderíamos ser considerados selvagens por seres mais evoluídos; e selvagens nos julgaremos a nós mesmos, quais hoje somos, quando ti­vermos progredido mais. E como reputaríamos crimi­noso um homem selvagem que praticasse entre nós a sua moral de antropófago, assim numa humanidade mais civilizada poderiam ser considerados criminosos os métodos de luta do homem atual.

Desse modo compreende-se como os seres inferio­res não podem ser em si mesmos condenáveis pelos seus instintos. A presença destes, como de tudo o que existe, se explica pelo cumprimento de sua pró­pria função. Nada existe, sem um motivo, sem um escopo a atingir e uma razão que o justifique. Mas, permanece o fato de que os instintos inferiores revelam a inferioridade do ser, que aí tem de ficar, enquanto não evolua do seu plano inferior, sujeito à dura lei que ali vigora. Se o ser é um diabo, seu legítimo lugar, onde ele tem de morar, é o inferno, Se ele subiu até o nível do anjo, então o lugar que lhe pertence, on­de ele tem de morar, é o paraíso. Isto quer dizer que o primeiro ficará sujeito às leis do inferno, enquanto o segundo será regido pelas leis do paraíso. A punição e o prêmio são inerentes à própria natureza do indi­víduo e se realizam automaticamente, sem castigo nem vingança, porque correspondem à posição de ca­da um A fera está sujeita à dura lei da fera. Cada um recebe conforme a justiça, segundo o que é, porque, de acordo com o seu nível, ele se coloca no de­grau que lhe pertence ao longo da escada da evolu­ção. Justiça automática, inflexível e perfeita, porque cada ser traz em si mesmo o julgamento, a pena ou a recompensa nas condições de vida que mereceu.

Dissemos acima que a presença dos instintos se explica pelo fato de corresponderem ao cumprimento da sua própria função. A fome ensinou o animal a desenvolver sua força e inteligência na arte de captu­rar os outros animais para devorá-los. A função do instinto, nesse caso, é a conservação da vida indivi­dual. Querendo aumentar a legítima alegria que vem da satisfação da fome, no homem nasceu a gulodice, que já é ilegítimo gozo a provocar distúrbios e doenças. Estas representam o freio com que a Lei resiste a to­da a violação da sua ordem e equilíbrio, para condu­zir tudo novamente à justa medida. Assim se explica como nasceu no homem aquele instinto e também a necessidade de corrigi-lo, reconduzindo-o aos devidos limites.

As exigências do impulso sexual ensinaram o animal a amar. A função do instinto, neste caso, é de assegurar a continuação da espécie. Querendo aumentar a legítima alegria do amor, no homem nas­ceu a sensualidade, que no excesso dos vícios provo­ca também distúrbios e doenças, pelos quais a Lei resiste à desordem e nos guia para a justa medida. Explica-se, assim, como no homem nasceu aquele ins­tinto e também a necessidade de corrigi-lo, reconduzindo-o à sua devida disciplina.

A absoluta exigência de sobreviver contra todos os assaltos num ambiente hostil, gerou no animal o indispensável instinto de conservação, ensinando-lhe o egocentrismo e a arte do ataque e da defesa. A função destes instintos é a de construir o indivíduo, forte e astuto, apto a defender-se a si mesmo, inclusi­ve atacando: - o vencedor na luta pela vida. Querendo reforçar a sua individualidade e fortalecer as suas defesas, no homem nasceu o egoísmo separatis­ta e a agressividade bélica, e ele se tornou guerreiro, escravizador de vencidos, dominador de povos. Em conseqüência de tudo isso nasceram os males que atormentam a humanidade e com os quais a Lei quer restabelecer a ordem. Explica-se, assim, como no ho­mem nasceram esses instintos e também a necessida­de de corrigi-los, reconduzindo-os a sua justa medida.

Da falta do indispensável nasceu o instinto sadio da previdência, mas o excesso desta gerou a cobiça de possuir, produziu a avidez de apoderar-se de tudo para acumular recursos, criou o instinto da avareza que espolia o próximo com o excessivo apego às coi­sas. Mas, a isto também se seguem males e a conseqüente necessidade de corrigi-los nos limites da jus­ta medida.

Explica-se, assim, como da necessidade da defe­sa nasceu, para os fracos, a arte do engano, cujo ex­cesso gerou o instinto da mentira, a qual não permite discernir a verdade do fingimento. Isso criou um am­biente de traição insuportável para todos, e a neces­sidade de ser honesto e sincero para corrigi-lo.

Se desta maneira se compreende a origem dos instintos, ou seja, a necessidade de cumprir uma fun­ção de auxílio à vida, revela-se também a outra ne­cessidade de dominá-los conforme os princípios da Lei e de corrigidos, reconduzindo-os até seus limites. Se os instintos não se modificarem paralelamente à evolu­ção, as qualidades que antes eram úteis à vida se tornam prejudiciais, à medida que ela progride. É assim que o ser tem de transformar-se de animal em homem, e de homem em super-homem, porque chegando a um nível superior, a vida requer outras qua­lidades e o ser tem de adquiri-las.

Os instintos inferiores se justificam enquanto per­manecem no seu nível, onde têm uma função a cum­prir Mas, tornam-se abuso, defeito e culpa nos níveis mais adiantados. O verdadeiro progresso é constituído por esta íntima transformação da natureza do ser, que adquire hábitos e constrói instintos superiores, por cima dos antigos, num contínuo processo de melhoramento e aperfeiçoamento. É assim que, como já dissemos, o egoísmo separatista e o desenfreado in­dividualismo do homem primitivo têm de transformar­-se no altruísmo unificador, indispensável ao homem evoluído, que terá de viver no estado orgânico da humanidade do futuro.

Este fenômeno da reorganização do caos - isto e, da reordenação da desordem na ordem, do exces­so na moderação, do abuso na disciplina da Lei, pelo fato de ser fundamental no processo evolutivo, e de ter, por isso, absolutamente de realizar-se, é au­tomático. Entramos aqui no aspecto determinístico, no ponto de vista inviolável da Lei, no qual não pode entrar a livre-escolha do homem. Este é irresistivel­mente levado a realizar em si mesmo o controle de seus instintos por intermédio do autodomínio, e até que se disponha a aprender a viver na ordem, per­manecendo dentro dos limites marcados pela Lei, terá de sofrer as dolorosas conseqüências que disso deri­vam Este efeito que parece cruel, pelo qual qual­quer movimento errado gera dor, esta automática reação à qual não se pode fugir e que parece uma vingança de um Deus desapiedado pela ofensa recebida, é a maior Providência devida à Sua sabedoria e bondade, porque representa o remédio amargo que cura a doença, Providência cuja função é a de con­duzir o ser para seu bem, ou seja sua salvação final na felicidade.

É lógico que para um ser livre e ignorante, cada experiência implique também a experiência do excesso e do abuso, o que traz como conseqüência de condições opostas às da satisfação, a qual se encon­tra somente dentro dos devidos limites. Não é escra­vizando-nos que a Lei nos guia para nosso bem, o que não se poderia conciliar com a bondade de Deus, mas sim compelindo-nos indiretamente, sem violar nossa liberdade. Mas, como poderia Deus chegar a isto, respeitando a vontade dum ser ignorante que, para aprender (o conhecimento é necessário para subir e salvar-se) tem de experimentar tudo? A Lei resolveu o problema deixando corresponder na sen­sibilidade do indivíduo, cada vez mais aguda, a ca­da movimento seu, uma determinada sensação, boa ou má.

É assim que cada ato nosso nos leva, conforme sua natureza, a um correspondente resultado, isto é, tudo o que foi feito dentro das regras da Lei tem como conseqüência um estado de satisfação, e tudo o que foi feito fora dessas normas tem como conseqüência um estado de aflição. Falamos da verdadeira satis­fação, sadia, pacífica, duradoura, e não da satisfação mórbida, enganadora e transitória, cuja tendência final, pelo motivo de ter sido atingida pelo abuso contra as regras da Lei, é a de conduzir-nos à sua ló­gica conclusão: o sofrimento.

Isso acontece todas as vezes que saímos dos tri­lhos estabelecidos pela Lei, não somente pela quali­dade do ato, mas também pela sua quantidade. Assim, o que é lícito e satisfatório na sua justa medi­da, torna-se ilícito, prejudicial e doloroso, no excesso. Este é um erro em que é fácil cairmos, iludidos pela impressão agradável da primeira satisfação e impul­sionados a aumentá-la com o abuso. Mas, eis que a Lei nos reconduz à justa medida, porque se o uso de uma quantidade um dá a satisfação um, se dois dá resultado dois e três resultado três, não é verdade que, se continuarmos acrescentando as doses, sem­pre aumente proporcionalmente a satisfação. Pelo contrário, quatro continuará a dar-nos o prazer de três ou pouco mais, cinco não será mais agradável, mas dará só um sentido de saciedade, seis começará a enjoar-nos, e quando chegar à quantidade sete co­meçará o sofrimento. Essa emborcação do prazer da satisfação na amargura do padecimento, não é se­não a lição da Lei que assim nos ensina a nos corri­girmos, voltando ao caminho certo.

Desta maneira, sem constrangimento algum, o ser livre tem de sair do erro, expulso automatica­mente para longe dele, porque é repelido pela res­pectiva sensação de desgosto. E através da própria experiência, ele mesmo vai cada vez mais relacio­nando sua dor com o erro cometido. Assim, a Lei vai ensinando ao ser, ansioso por movimentar-se, arden­te de desejos, mas inexperiente, como agir com inte­ligência, sem cair na dor.

Eis o que podemos ver, por trás dos bastidores, na realidade da vida. Muitas outras maravilhas ain­da se encerram na Lei e as iremos analisando em nossos estudos.

XVIII

A MUSICALIDADE DA LEI

A desobediência à Lei se torna autopunição e a revolta é autodestruição. As ma­ravilhas da técnica da conexão do erro pa­ra chegar à salvação.

A lição que a Lei de Deus nos quer ensinar, infli­gindo-nos dor com a sua reação, é a do caminho cer­to e a da justa medida. Todos procuramos atingir a maior satisfação, e isto não é contrário à Lei, pois que esta quer a nossa felicidade. O que está errado não é esse desejo em si, mas, devido a nossa ignorância, os meios escolhidos para realizá-lo. A Lei não quer o nosso sofrimento, mas somos nós que o produzimos, violando a sua ordem. Qualquer que seja o nosso de­sejo e revolta, não podemos deixar de viver dentro dessa ordem. Mas, o homem não quer levar em conta o fato positivo da presença dessa ordem: prefere subs­tituí-la pela desordem criada por uma lei do seu eu particular. Só sua ignorância pode acreditar nessa possibilidade. Mesmo a ciência positiva nos demons­tra, cada dia mais, que vivemos cercados de leis por todos os lados.

Num tal ambiente, é lógico que todos os movimen­tos errados não possam produzir senão efeitos errados. Pela sua natureza mesma, como podem movimentos errados atingir resultados certos? O trânsito de veículos e pedestres nas ruas não se poderia realizar sem regras. Que aconteceria se num relógio cada roda quisesse tornar-se independente das outras para movimentar-se por sua conta? E que música poderia exe­cutar uma orquestra se cada um dos seus componentes, em nome da liberdade, quisesse tocar a seu bel-prazer? Apesar de ser evidente a necessidade de mo­vimentar-se conforme uma disciplina, o homem julga possível, no terreno mais elevado, que é o da sua conduta, sobrepor a desordem a ordem da Lei, sem prejuízo e até com vantagem. E tanto acredita nessa lou­cura, que a considera como a prova maior da sua sa­bedoria. Por isso, em nosso mundo vemos realizar-se o que aconteceria numa rua onde carros e pedestres corressem uns contra os outros, ou num relógio feito de rodas que lutassem pela sua independência umas contra as outras, ou numa orquestra em que cada um tocasse o que quisesse. Assim se explica por que nes­te mundo se verificam os efeitos que vemos. O resul­tado de tanta "sabedoria" é caos e sofrimento.

A Lei quer a nossa felicidade, mas esta só existe para quem permanecer em sua ordem. Quem sai des­sa ordem sai também daquela felicidade. Por isso, é regra fundamental: sem disciplina não se pode atin­gir satisfação. Todos procuramos alegria, sempre maior alegria, o que é justo e concorda plenamente com a vontade da Lei de Deus á Mas, este contenta­mento não se atinge, como se julga, fartando-nos com qualquer das satisfações humanas comuns, mas acei­tando-as só na justa medida. Eis o que a Lei nos quer ensinar quando nos deixa recolher amarguras, seja no excesso como na carência. A toda nossa tentati­va de exagerar para subverter a ordem, chega o golpe da Lei que nos reconduz para dentro da ordem. Não é que a Lei exerça vingança e nos puna. A Lei está sempre firme. Somos nós que a movimentamos, e com os nossos movimentos errados produzimos re­sultados dolorosos. Ela é como um instrumento musical. Um pianista que conhece o teclado pode extrair do seu piano música maravilhosa. Mas, se o tocar, ao acaso, um inexperiente de música, não poderá alcançar senão irritantes dissonâncias. Isto é o que to­do dia fazemos com a Lei. Não é surpresa, então, se no mundo não encontramos senão desafinações e discordâncias dolorosas. E teremos de ouvi-las até aprendermos a tocar.

Todo abuso fere e queima para nos ensinar a lição da ordem e desenvolver em nós o instinto do au­tocontrole e o sentido da justa medida. Vamos assim aprendendo, através de tantas experiências de uso e abuso, a viver na ordem, fazendo de tudo bom uso. Os instintos, como dissemos, representam desejos que nasceram e se fixaram pela necessidade de satisfazer exigências vitais, e se justificam enquanto perma­necem dentro dos limites dessa sua função. Isso é o que se chama permanecer na ordem. Tudo na Lei tem o seu devido lugar. Assim, é bom, e gera boas conseqüências o fato de comer para sustentar o cor­po, mas é mau e produz más conseqüências o fato de comer demais por gulodice. Também é bom descan­sar depois de ter trabalhado, mas é mau o ócio da preguiça. Assim também a liberalidade não pode tor­nar-se esbanjamento e dissipação, como o espírito de economia não deve chegar a avareza. Da mesma forma, a consciência de si mesmo não tem de transformar-se em orgulho, tanto quanto a vontade de ga­nhar com o trabalho, o necessário para viver, não deve tornar-se sórdido apego ao dinheiro e imoderada cobiça de riqueza.

Os erros se podem cometer não somente no senti­do da quantidade, mas também através da qualidade dos nossos atos. Pela lei do mínimo esforço procura­mos, para atingir os maiores resultados, trabalhar o menos possível, isto é, em vez de seguir o caminho direto, seguir o da astúcia, andar por travessas e ata­lhos, que são desvios fora do caminho certo do traba­lho honesto, que é o único capaz de conferir-nos a base segura do merecimento. Gostamos de coisas bem-feitas e que os outros as façam assim para nós. Mas, julgamos ser hábeis quando, com o engano, sa­bemos levar vantagem sobre os outros, entregando-lhes produtos malfeitos. Falecem assim o crédito e a confiança, e a mentira embaraça cada vez mais a vida social.

A honestidade da Lei exige que, quem esteja na posse de uma posição social cumpra a função que aquela posição implica e representa. Assim, os go­vernos deveriam preencher a função que justifica o seu poder, que é a de dirigir, defender e ajudar os povos. Mas, infelizmente, quanto mais o homem é primitivo, tanto mais concebe o poder egoisticamen­te, isto é, não como uma função para o bem coletivo, mas só como um meio para satisfazer sua ambição e seu desejo de glória e riqueza. Se não existisse esta vantagem pessoal e imediata, não se explicaria tan­ta luta e dissipação de recursos para a conquista do poder. Pode, porém, acontecer que os povos se aper­cebam desse jogo dos seus governantes. Estouram, então, as revoluções, com que se ajustam ás contas e, como aconteceu na revolução Francesa, se faz a liquidação das classes dirigentes. Esses movimen­tos representam uma desordem, que não poderia nascer se não fosse gerada por outra desordem, origi­nada, em geral, do abuso dos dirigentes. Isto faz crer que, na Terra, a justiça da Lei não se possa realizar senão por uma contínua correção de abusos, O que parece ser afinal a tendência predominante no ins­tinto do homem.

Poder-se-ia então perguntar: Se esta é a realida­de atrás das aparências, que jogo estranho está es­condido por trás dos métodos eletivos, e qual a significação do direito de voto para povos que não sa­bem usá-lo? Neste caso, na prática, o voto não é um direito, porque não pode ter direitos quem não sabe o que faz, mas é uma escola para aprender a usar esse direito, escola dolorosa, porque, conforme a Lei, os erros não podem ser corrigidos senão através da dura experiência dos próprios sofrimentos. Em todos os campos o homem rebelde tem de sofrer para apren­der; nesse caso os povos têm de sofrer tirania e ex­ploração até aprenderem a eleger seus dirigentes; e os governantes têm de sofrer revoltas até que apren­dam a governar com honestidade. Cada um recebe as conseqüências dos seus atos, conforme seu mere­cimento. Assim, os governantes têm os povos que merecem, e os povos têm os governantes que merecem. A vida não pode basear-se em valores fictícios, mas exige valores reais. Quem não vale nada e não faz nada, não recebe nada, até aprender a valer e fazer alguma coisa com valor. Esta é a justiça da Lei de Deus.

Estamos vendo como os princípios da Lei reper­cutem em todos os aspectos da vida. A exatidão da sua justiça se expressa pela lei de talião, porque a reação corretiva corresponde exatamente a natureza e proporções da culpa. Por isso, foi possível interpretar a fenômeno dessa reação como vingança de Deus, em semelhança a lei de talião. Conhecemos agora a técnica da Lei para corrigir o erro e, sem imposição, obter obediência. O resultado, apesar de a criatura ficar livre, é obedecer. Isto, porque sair da Lei cons­titui o maior erro, o que equivale ao maior sofrimen­to. Assim, tudo o que está dentro da Lei é bom, belo, agradável, enquanto o que está fora dela é mau, feio, doloroso. A maravilha dessa técnica está no fato de, em última análise, não ser possível rebelar-se contra a Lei, porque fora dela não há vida, nem satisfação. Os rebeldes que querem desobedecer a Lei, distan­ciam-se, eles próprios, do paraíso e lançam-se no in­ferno; querendo emborcar a Lei, emborcam-se a si mesmos, condenando-se a viver de borco, num mun­do contravertido. Emborcado quer dizer, ao invés de felicidade, o sofrimento, em lugar da vida, a morte. Assim a desobediência é suicídio, é autocon­denação e autopunição, que o. rebelde executa com suas próprias mãos contra si mesmo.

Os rebeldes quereriam libertar-se desse jugo da Lei, porque, em sua ignorância, julgam e acreditam seja isso possível. Mas, a Lei é a substância da nos­sa vida, porque nós mesmos em essência somos Deus, e desse modo, também, Sua Lei. Portanto, se chegas­se a haver uma verdadeira revolta e se ela alcançasse sucesso e vencesse a batalha contra a Lei, isto seria destruir nossa própria vida. A Lei está arquitetada de maneira que, automaticamente, a revolta, mo­vimentada pelo rebelde, por si própria constitui a for­ça que o leva a sua destruição. Se, desta maneira, rebelar-se, quer dizer destruir-se á si mesmo, mais cedo ou mais tarde, há de se acabar com a revolta se não se quer ser destruído. Disso não se pode tu­gir. A Lei é o pensamento e a vontade de Deus, e se fosse possível destruí-la com a revolta, seria possível também destruir Deus, o que é o mais inaceitável dos absurdos. Então, que faz a Lei? Liberta-se da doença da revolta, liquidando-a e eliminando-a do seu siste­ma, e anulando os rebeldes. Este seria o verdadeiro inferno eterno: a absoluta negação da vida no nada. Mas quem, por mais ignorante ou maldoso que seja, pode querer isto? Concluindo: quem se rebela vai contra sua própria vida e trabalha só para sua pró­pria destruição; assim, quem pode obstinar-se a per­severar definitivamente nesse caminho? Quem desejar maiores explicações a respeito deste assunto, as encontrará no meu livro O Sistema onde tudo foi ca­balmente explicado. Agora podemos constata como estas nossas conclusões práticas a respeito da condu­ta humana ficam relacionadas com o funcionamento do Todo, e justificadas também em função dos mais altos princípios do absoluto.

Quem se rebela é o ser involuído que, pela sua ignorância, mas julgando saber, caminha contra sua própria vida. Quanto mais o ser é involuído, tanto mais está apegado a vida do seu plano inferior, mais cheia de sofrimentos, e maior é a sua rebeldia. En­tão, quanto mais o ser é rebelde, tanto mais está su­jeito ao sofrimento, que representa a correção dos seus erros. Quanto mais o ser entra no caminho que o leva para fora da Lei, tanto mais é impelido a vol­tar para ela; quanto mais o ser é ignorante, cometen­do por esse motivo erros, tanto mais ele tem de expe­rimentar suas dolorosas conseqüências para apren­der a não cometê-los mais. Eis a mecânica maravilhosa por meio da qual o erro tem de autocorrigir-se e os rebeldes têm de tornar-se obedientes à Lei.

Chega-se assim a esta conclusão: ninguém está tão amarrado pela obediência à Lei, quanto o rebelde. O que o acorrenta à esta obediência, apesar do seu desejo de revolta, é seu próprio apego a vida, porque voltando à vida ele tem de mergulhar na Lei, pois ela é vida e fora dela não há senão morte, e isso ninguém quer. Assim, quanto mais o ser é involuído, tanto mais tem de sofrer, experimentar, aprender é, com isso, evoluir. Na justiça de Deus, libertar-se de tudo isso não pode ser senão a merecida recompensa do esforço feito para subir. Assim, quanto mais o ser é indisciplinado, e por isso quer a desordem, tanto mais ele será; impelido a disciplina e confinado na or­dem. Assim, a revolta se torna absurda, contraprodu­cente e por isso insuportável e inaceitável, porque quanto mais o ser se rebela, tanto mais se aperta a volta do seu pescoço o nó corredio do sofrimento. Quanto mais o ser se faz surdo para não ouvir a lição, tanto mais esta se toma enérgica. Na Lei, que é ordem e harmonia, tudo, inclusive a sua reação, é proporcionado e equilibrado. Acontece, assim, automatica­mente: quanto mais o ser é ignorante e rebelde, maiores são os seus erros, e por isso maior a reação que eles excitam; quanto mais o ser precisa ser cor­rigido tanto mais poderosa é a correção encarregada de endireitá-lo. Por outro lado, quanto mais o ser é sábio e obediente, menores são os seus erros, assim como a reação que eles excitam, de modo que quan­to menos o ser precisa ser corrigido, tanto mais leve é a correção necessária para endireitá-lo. Como Vemos, trata-se de uma verdadeira escola em que os alunos recebem aulas a justo nível, proporcionadas a sua necessidade de aprender. Escola maravilhosa em que cada aprendiz automaticamente, por si próprio, tem de aprender a lição que lhe seja mais adaptada. Poderia Deus ter feito coisa melhor?

De tudo isso se segue outra maravilha: a correção dos erros e a retificação do caminho errado são automáticas, progressivas e absolutamente necessá­rias. Logo, qualquer movimento que o ser faça usan­do sua liberdade, seja para o bem ou para o mal, tudo o leva tanto pelo caminho da alegria quanto da dor, a sua salvação final. O ser pode livremente es­colher um entre os dois caminhos, mas não pode im­pedir que a evolução se cumpra e seja atingido o seu ponto final: a salvação. A sabedoria de Deus colocou no sistema da Lei essa maravilhosa técnica da salva­ção, técnica tanto mais valiosa porque é inviolável. Vimos que a liberdade do ser não é absoluta, e que para os seus erros há fronteiras que não se podem ultrapassar. Esta é outra sábia providência de Deus para impedir que, na sua ignorância e revolta, o ser excite por parte da Lei uma reação demasiadamen­te forte, que ele não poderia suportar. Assim, os limi­tes permitidos para a desobediência são proporciona­dos ao grau de evolução. Quanto mais o ser sobe e aprende, tanto mais reduzida se torna a amplitude do erro, até desaparecer. Com a evolução, o mal vai sendo progressivamente cercado, sitiado sempre mais de perto, até não lhe sobrar mais espaço, acabando assim por ser eliminado.

As duas forças estão uma contra a outra. De um lado, a evolução que impulsiona o ser para a salva­ção, do outro lado a revolta do mal que o impele pa­ra a destruição. A tarefa da evolução é a de corroer o mal e consumi-lo até destruí-lo.

Quem consegue penetrar no pensamento que construiu e dirige esta maravilhosa técnica, com a qual a Lei guia o ser a sua necessária salvação em Deus, não pode deixar de ficar admirado perante uma tão deslumbrante sabedoria e tão assombrosa perfeição, que sabe resolver tantos problemas, atingindo suas mais altas finalidades, com meios tão sim­ples, lógicos, automáticos, justos, e dos quais não se pode fugir. É empolgante observar e estudar o pen­samento com que a Lei governa o funcionamento orgânico do universo e a nossa própria vida. E para chegar a uma orientação certa e completa, indispen­sável à direção correta de nossa conduta, não há ou­tro caminho senão o de nos relacionarmos com esse pensamento que, tudo explicando, nos pode mostrar também a razão última pela qual temos de agir de um modo em vez de outro, afastando-nos dos cami­nhos do mal, para percorrer os do bem.

XIX

O FRACASSO DA ASTÚCIA

Estamos todos encadeados à necessidade de evoluir. Os seguidores do caminho mais curto e a errada sabedoria do mundo. A in­teligência do involuído e a do evoluído.

Continuemos falando de nosso grande guia: a Lei de Deus. As conclusões práticas aqui apresentadas, como já dissemos, estão relacionadas com as teorias que em nossos livros explicam as causas primeiras das coisas. É naquelas teorias gerais que as conclusões observadas no terreno da conduta humana encon­tram sua raiz, explicação e justificação, e com isso a certeza de garantir-nos sua veracidade. Mas, ao mes­mo tempo, é nesta sua aplicação prática, no plano controlável da nossa realidade, que aquelas teorias, que em si são experimentalmente incontroláveis, por­que tão afastadas da nossa vida quotidiana, encon­tram sua confirmação e, portanto, sua verdade. Ve­rifica-se, assim1 o fato de que as longínquas teorias gerais e suas conseqüências particulares, estas pró­ximas de nós e, portanto, para nós mais compre­ensíveis, escoram-se e sustentam-se reciprocamente, umas fornecendo a prova da verdade das outras, num sistema único em que se harmonizam, colaborando a teoria com a prática, e assim uma realidade con­firmando a outra.

Com isso, nosso escopo está atingido: esclare­cer, explicando e demonstrando. Seria absurdo pen­sar que nossa palavra pudesse ter o poder de transformar o mundo. Isto concerne apenas a Deus, pois só Ele possuí e pode usar os adequados meios apo­calípticos para tanto. Nós podemos apenas explicar como tudo isso funciona e porque vemos sucederem tantos desastres no mundo. A tarefa de corrigir o er­ro pertence à dor, que por isso mesmo existe e disso esta encarregada. Para amadurecer os involuídos são necessários choques proporcionados à sua ignorância e insensibilidade. Para os surdos ouvirem é preciso mais que pregações; há necessidade de uma voz que por si mesma se deixe claramente entender por todos: é indispensável sofrer para aprender. E se no mundo existem tantas dores, isto quer dizer que a escola está funcionando bem. E isto é bom porque garante o melhor, ou seja, que a evolução se cumpra. É bom que o mundo sofra as conseqüências dos seus erros, porque assim, para seu bem, ele vai aprenden­do a não errar mais.

Embora Deus esteja presente em nosso mundo, operando do interior da sua própria Lei, parece que Ele está olhando de longe, deixando o homem livre para fazer o que quiser. Parece que lhe esteja dizen­do: "Experimenta, menino, à vontade; verificando e avaliando as conseqüências dos teus atos, aprende­rás a sabedoria do bem e do mal. Podes fazer de tudo; sofrendo as conseqüências da tua conduta, poderás conquistar tua sabedoria, sem a qual não pode haver felicidade para ti. Para chegares a isso é necessário atravessar o deserto das desilusões. Anda, menino. Não podes destruir a carga da tua ignorância senão experimentando na dor as conseqüências do erro. Caminhando, sofrendo e aprendendo, o fardo se tor­nará cada vez mais leve, a estrada menos íngreme, o passo mais rápido. É necessário andar até que todo o caminho seja percorrido. És livre... Podes parar, retroceder, rebelar-se, errar à vontade. Faze o que quiseres. Mas, acima de tudo a Lei permanece ina­tingível e imutável. As conseqüências de tua conduta são tuas e, se esta for errada, terás que sofrer to­das aquelas conseqüências até aprenderes a movi­mentar-te com disciplina dentro da Lei, de maneira a não gerares para ti mais sofrimentos. Podes, se qui­seres, não prestar ouvidos aos sábios avisos. Junto a muitas fontes em que tu quererias matar tua sede de felicidade, há tabuletas que dizem: Veneno! prevenindo-te para que não bebas. Mas, tu não acreditas e não escutas. Então, sorverás tanto veneno, até aprenderes quantas amarguras ele gera e, assim, a não bebê-lo mais. O caminho é longo e duro, mas Eu velo pela tua salvação, que terá de realizar-se".

A evolução é uma necessidade absoluta. A estrada está marcada e dela não se pode sair. Este é o conteúdo da Lei. Somos livres, podemos es­colher à vontade. Mas, o que nos acorrenta à neces­sidade de evoluir é o nosso desejo de felicidade. Po­demos parar no caminho e recuar. Mas, o sofrimen­to que então encontraremos nos impelirá para a fren­te. Podemos errar, mas a dor que se segue, queima. Assim, aprendemos a fugir dela e, compreendendo quais são as causas que a geram, aprendemos a fu­gir das ditas causas para não mais gerá-las. As ve­zes, consideramos a dor como maldição de Deus, como se fosse um produto da sua impossível malda­de, e não percebemos que salutar e indispensável remédio ela é para nosso bem. Se não existisse a dor, se não houvesse esse nosso irresistível desejo de fe­licidade e essa triste insatisfação enquanto ela não seja atingida, quem nos movimentaria ao longo do caminho da evolução? Quem nos impulsionaria pa­ra a subida? Sem a insatisfação e a dor, a nossa pre­guiça paralisaria tudo, que ficaria estagnado na mor­te. Então, estaria comprometido o escopo final da existência de todos os seres; a vida deles e a presen­ça de todo o universo não teria mais sentido. Todos quereríamos suprimir a dor, não compreendendo que assim suprimiríamos a força providencial que nos le­va à salvação.

Vamos assim, fatalmente, sendo impulsionados para nossa meta final, para ela atraídos pelo nosso anseio de felicidade, repelidos pela dor logo que nos afastamos do caminho certo. Isto parece uma arma­dilha em que o ser se encontra preso. Ele quereria fugir dela, e não sabe que nessa prisão está a sua salvação. Em última análise, quem se revolta contra a disciplina da Lei se rebela contra sua própria sal­vação. Não se poderia imaginar ignorância e loucura maior.

Quem ainda não entendeu isso, julga ser inteligente quando imagina enganar a Lei, furtando satisfações imerecidas e conseguindo escapar às sanções dela. Almejamos felicidade, mas muitas vezes não quere­mos fazer o esforço para ganhá-la honestamente. E acreditamos ser hábeis quando conseguimos atingir o resultado da satisfação, sem fazer aquele indispen­sável esforço, único quê tem valor, porque nos faz progredir. Procuramos todos os meios para nos de­termos no caminho da salvação. Procuramos escapa­tórias, travessas, atalhos, para nos esforçarmos o me­nos possível no trabalho mais importante da vida: o da evolução.

Eis onde está a sabedoria do mundo: no desejo de conquistar sucesso de qualquer maneira, por todos os meios. Então, na estrada marcada que nos leva à fe­licidade, verifica-se uma corrida para chegar em pri­meiro lugar, ao maior sucesso, com a maior satisfa­ção possível. Assim, ao invés de movimentos coordenados se avança numa peleja de todos contra todos, o que faz do progresso uma marcha desordenada e fatigante, corroída pelos atritos, executada numa atmosfera de caos. Desse modo, o trabalho necessá­rio da evolução não se pode cumprir a não ser carregada de sofrimentos.

Imaginemos uma estrada de rodagem onde cor­rem muitos carros. Eles são livres para correr numa direção ou noutra, mais ou menos rapidamente ten­do liberdade de parar etc., mas, tudo isso conforme normas, sem o que o trânsito regular não seria pos­sível. A desordem seria um desastre para todos, e por isso, embora às vezes contra a vontade, todos têm de colocar-se em obediência, na disciplina da ordem. O caminho da evolução, ao longo do qual se desenvolve a série das nossas vidas, é parecido com aquela estrada onde nós andamos todos juntos, como os carros. Mas aqui também, para que a marcha não se transforme numa confusão dolorosa, há normas sem as quais a caminhada regular não é possível. A desordem torna-se desastre para todos. Apesar disso, nem todos se colocam em obediência, na dis­ciplina da Lei.

Ao contrário, a maior inclinação do indivíduo pa­rece consistir em pensar só em si, descuidado dos prejuízos que pode ocasionar aos outros. Surgem assim os astutos seguidores do caminho mais curto. A sua maior tentação é a de saltar para além dos outros. Escolhem as estradas mais fáceis, que encur­tam distâncias, para serem os primeiros, por qualquer meio. Infelizmente, a inteligência deles está se desenvolvendo só neste nível primitivo do individualismo caótico, ainda incapaz de compreender qual­quer forma orgânica de funcionamento coletivo. Em nosso mundo, acontece então o que aconteceria nu­ma estrada onde cada carro corresse por sua conta, sem regra alguma, procurando vencer os outros pas­sando à frente deles. A sabedoria desses astutos que se julgam tão hábeis, que querem somente sua pró­pria vantagem1 acaba no que vemos sempre aconte­cer, isto é, esmagamento recíproco, revoluções, guer­ras, destruição. Quem vence, no fim, não é um ven­cedor. Restarão apenas o caos e o sofrimento que permanentemente dominam o mundo.

O mundo está cheio de astutos seguidores do ca­minho mais curto. Eles estão presos às suas miragens de felicidade: a riqueza, a glória, o poder... Impele­-os a cobiça, o orgulho, o desejo de domínio... E pensam: por que escolher o caminho longo do traba­lho honesto, do verdadeiro valor, duma finalidade de bem, que conforme a justiça nos dê direito à recom­pensa merecida, quando ali o atalho está pronto, con­vidando-nos a encurtar o caminho? É lógico que os conhecedores da ciência do proveito imediato, a curto prazo, pratiquem esse outro método, menos fa­tigante e mais vantajoso. Seria loucura trabalhar e produzir, quando com o roubo se pode enriquecer mais fácil e rapidamente; quando se pode satisfazer o próprio orgulho chegando à glória com o engano e a mentira; quando há tantos atalhos para saciar o próprio desejo de domínio, chegando ao poder. As­sim pensam e fazem os astuciosos, enquanto olham com desprezo para os simples, que avançam ordenadamente na estrada de todos. Mas, nem por isso dei­xa de subsistir a Lei, que, empurrando os astutos pa­ra o abismo, com a destruição deles, procura libertar a vida dos elementos parasitários, semeadores tão­-somente de desordem e sofrimento.

Poderíamos perguntar-nos: mas, por que aconte­ce tudo isso? Como se explica essa loucura? A lou­cura é um problema de pobreza de inteligência. A tarefa da evolução é de desenvolver essa inteligên­cia, pois todo ser possui maior ou menor inteligência, conforme o grau de desenvolvimento atingido. Ela começa a aparecer como um fenômeno de superfície, quando o indivíduo apenas compreende os efeitos imediatos dos fatos que abrange com os sentidos, e tende a tornar-se depois sempre mais profunda, che­gando a atingir também as causas longínquas dos fatos e os efeitos a longo prazo. A visão psicológica dos primitivos poder-se­-ia chamar de microscópica. Nessa sua forma mental eles estão mergulhados até o pescoço, de modo que não conseguem admitir nem compreender a visão psicológica dos evoluídos, que se poderia chamar de telescópica. Os primitivos estão apegados às verdades pequenas que se podem tocar com as mãos, às que eles julgam como realida­de objetiva e única, enquanto negam, porque lhes escapa, qualquer outra realidade mais vasta e longín­qua. Assim, eles vivem como aventureiros a procura­rem, por qualquer meio, satisfazer o momento presen­te, sem prever e organizar nada para o futuro. Vivem como micróbios encerrados dentro duma gota d’água, ignorando o mundo maior que existe cá fora; vivem dos pormenores da sua vida microscópica, com a sua vista míope, percebendo só os resultados próximos, e correndo atrás deles, sem nada suspeitar da imen­sa vida das estrelas nos céus, sem tomar conhecimento de que, para além dos seus mínimos movimen­tos, existem também os imensos movimentos dos astros.

O tipo biológico do primitivo ainda não evoluído possui somente essa inteligência microscópica, mas em compensação muita força no seu plano físico, ca­pacidades guerreiras para agredir o próximo e ma­xilas de lobo para tudo devorar. Isso lhe é necessá­rio para sobreviver no seu nível. Mas que sentido tem isso em relação ao caminho progressivo da evo­lução? A força, no nível material, representa o capi­tal que a Lei deixou ao involuído para que ele con­quiste a inteligência, que é um meio mais poderoso nas mãos do evoluído que já a conquistou. Na parte inferior da cabeça do lobo está a boca, poderosa na sua voracidade. Mas, acima dela estão o nariz para cheirar, os ouvidos para ouvir e os olhos para ver, isto é, as atividades mais requintadas dos sentidos. Acima, entretanto, está o cérebro para pensar, cuja atividade é necessária para compreender as mensa­gens dos sentidos e dirigir os movimentos da boca e do corpo todo.

Que acontece então? Para usar a parte física é necessária a inteligência, que começa, assim, a de­senvolver-se pelo uso necessário a sua atividade, o que é indispensável à sobrevivência do ser no seu plano. Eis que a necessidade da sobrevivência, da luta nos planos inferiores, leva à necessidade do de­senvolvimento da inteligência, que é o meio para sair daqueles planos. Assim, só pelo fato de existir, a vida automaticamente tende a deslocar-se no sen­tido dos níveis superiores e a evolução a realizar-se. O centro vital desloca-se das maxilas para o cérebro do lobo, até que ele, como aconteceu no cão, perde a ferocidade dos dentes, para transformá-la, convi­vendo com o homem, no poder muito maior da inteli­gência. Não é isso o que vemos acontecer na evolu­ção dos seres, na passagem do estado selvagem ao do civilizado? A ferocidade fica abandonada nos planos inferiores para os atrasados que ali ainda permanecem, e desenvolve-se sempre mais a inteligência, valorizando-se as qualidades da mente. Só neste nosso século vemos os cientistas amparados e admirados, porquanto no passado, a sociedade os deixava morrer de: fome e os desprezava, glorificando tão-somente os grandes e ferozes guerreiros. Isto quer dizer que, com a evolução, têm de desaparecer mandíbulas e garras, agressividade e ferocidade, armas e destruição, para que vença a inteligência cria­dora e pacífica.

A nossa humanidade atual está ainda na fase das mandíbulas é das garras e as está usando para com elas desenvolver a inteligência. Eis como se compreende e se justifica a presença de tanta luta em nosso mundo. Tudo na vida existe porque tem uma função a cumprir. De outro modo não existiria. Se a Lei permite que neste nível domine a luta, isto acontece pelo fato de representar para os seres situa­dos neste plano, o melhor meio para desenvolver a inteligência, indispensável à sua entrada nos planos superiores. Estamos ainda no nível animal, em que o ser é impelido pelas necessidades e cobiças mate­riais, muito mais do que pelas exigências intelectuais e espirituais. Domina o individualismo egoísta e se­paratista em função do eu, porque a evolução tem de cumprir, antes de tudo, a construção da persona­lidade.

Num grau mais avançado cuida-se, pelo contrá­rio, de realizar um trabalho diferente, que é o de co­ordenar as personalidades na unidade coletiva da humanidade. Então, a luta entre egoísmos rivais per­de todo o sentido e torna-se empecilho, que é neces­sário afastar. O herói, vencedor das pelejas do nível atual, torna-se um criminoso que a sociedade civili­zada isola e afasta. Nela, a evolução quer atingir outros objetivos, e surgem novos problemas, os da fase orgânica, anteriormente desconhecida. A evolu­ção conduz à união, e o indivíduo quanto mais evo­luído, tanto melhor sabe viver em forma orgânica. Desponta, assim, uma disciplina que regula as rela­ções humanas e a conduta dos homens, quais ele­mentos do novo eu múltiplo, que é a sociedade hu­mana. Em lugar da revolta na desordem, valorizam­-se as qualidades de ordem na obediência a Lei. En­tão, rebelar-se contra Ela torna-se loucura. A vida vai doravante obedecer a princípios novos, que o ser pertencente a planos inferiores não pode compreen­der enquanto não os houver superado. A baixa in­teligência de luta e as astúcias que conduzem à de­sordem se transformarão na superior inteligência da disciplina na ordem.

Não há dúvida de que, para quem alcançou uma compreensão mais vasta, é sofrimento ver a inteli­gência, centelha de Deus, a corromper-se em astúcias e enganos. Mas, este baixo uso dela se justifica como sendo um meio para chegar a compreender a inferioridade desses métodos e assim acabar por su­perá-los e abandoná-los. O involuído despreza, jul­gando tolo e simplório, quem não usa seu sistema e não vence com ele. Mas, a Lei é tal que os inferiores têm de usá-lo, sobretudo para chegar a encontrar e aceitar, amanhã, os métodos superiores que hoje des­prezam.

XX

A JUSTIÇA DA LEI

Contra o método de ataque e defesa, do mundo, só o da não-resistência, o do Evan­gelho, resolve. Nosso ofensor, instrumento da Justiça da Lei.

No capítulo precedente constatamos que a sa­bedoria do mundo consiste em grande parte na ar­te que praticam os astuciosos, seguidores do ca­minho mais curto, com a intenção de escapar a Lei. Vimos que a luta nasce dessa forma de encarar a vida, e a finalidade que explica e justifica essa luta é a de desenvolver a inteligência nos seus níveis mais baixos.

Continuemos observando outros aspectos do pro­blema de nosso comportamento com respeito a Lei, para ver quais são as conseqüências de nossos dife­rentes atos e a maneira como nos conduziremos me­lhor para evitar erros e sofrimentos. Verificamos que nossa vida atual esta regida pela lei da luta, em que o mais forte vence e domina. Isto significa que a to­do momento estamos sujeitos a receber ataques. Daí a necessidade duma defesa. Que nos diz a Lei a esse respeito? Como resolve ela o problema? Quais são nossos direitos e deveres? Qual a conduta que nos conduz a resultados melhores? Qual deve ser nossa reação ao ataque? Qual o método mais sábio e van­tajoso para resolver o caso?

Este é um dos pontos onde mais ressalta a opo­sição entre o sistema do Evangelho e o do mundo. O primeiro sustenta a regra da não-resistência, o segun­do o uso da reação violenta. Já vimos, trata-se de leis pertencentes a dois níveis evolutivos diferentes, leis verdadeiras, cada uma no seu respectivo plano de vida, ao qual estão adaptadas. Trata-se de duas maneiras de conceber, em função de pontos de refe­rência diferentes.

Quando recebemos um golpe, sabemos de onde vem? Sua origem pode, em princípio, encontrar-se em uma destas três causas: 1º) O acaso; 2º) a vonta­de do agressor; 3º) a vontade de Deus. Observemo­-las:

1º) A teoria do acaso é inaceitável para quem sabe que o universo é um organismo cujo funciona­mento é regulado pela Lei. Num sistema desta natu­reza não pode haver lugar para o acaso, sobretudo no que respeita à dor, coisa tão importante, pelas suas causas e pelos seus efeitos, no destino de um homem.

2º) Temos visto que a vontade do homem está fe­chada entre limites, como a liberdade do peixe no rio ou de um carro na estrada, de onde não podem sair.

3º) Quem estabelece esses limites intransponíveis e a regra certa de todo movimento dentro deles, é a vontade de Deus, por Ele mesmo escrita na Sua Lei. Transpor esses limites dá origem à dor.

É possível, desse modo, estabelecer a causa do que nos acontece e também dos ataques recebidos.

1) Ela não está no acaso.

2) Dentro dos limites marcados pela Lei ou vonta­de de Deus, a causa está na vontade do homem. Isto porque lhe é permitido escolher entre o certo, permanecendo na ordem da Lei, e o errado, saindo dessa ordem com a desobediência. Tudo o que é de­vido a vontade do homem, poder-se-ia chamar de causa próxima. Neste ponto sua vista míope detém-se e, nada vendo mais além, acredita ter atingido o ponto final do problema.

3) Mas, além das causas encarregadas de dirigir o caso particular, deixando o homem em liberdade de maneira a que aprenda, para além dessas causas secundárias e periféricas, existe uma causa maior, principal e central, uma causa de todas as outras causas menores, que as dirige e domina. Então, aquela que se julga ser a única e primeira fonte dos acontecimentos da vida, não é senão uma causa re­lativa, momentânea e aparente, um meio em que se realiza uma causa muito mais longínqua - verdadei­ra, fundamental, absoluta e definitiva. É lógico que esta outra causa tão diferente só se possa encontrar no seio do último termo, isto é, em Deus e na sua von­tade, acima de todas as coisas.

Acontece que essa causa maior abrange e co­ordena todas as causas menores movidas pelo ho­mem, inclusive sua liberdade de oscilação entre ver­dade e erro, bem e mal etc., que têm de obedecer e estão sujeitas àquela causa maior, que é a justiça de Deus. Desse modo, o homem está livre para agir certa ou erradamente, porém, além disso sua liberdade não alcança, pois atua a outra causa que é a Lei, isto é, a justiça de Deus com as suas fatais reações contra a desobediência.

Não há dúvida, o ataque que nos golpeia é mo­vimentado por um ser, chamado, por isso, nosso inimi­go. Mas, ele é só a causa próxima e é contra esta que, em nossa miopia, começamos a lutar. Mas, co­mo se pode corrigir o fato até atingirmos suas causas profundas, nelas praticando nossa atividade corretora? Explica-se, assim, o motivo pelo qual o mundo, operando na superfície, não recolhe senão resultados superficiais. Na verdade, apesar das armas para a defesa estarem sempre em ação, os ataques voltam a surgir continuamente de todos os lados, ficando o pro­blema sem solução. E o que sempre continua perma­necendo de pé é a luta continua de todos contra todos. Mas, é lógico: não se pode curar uma doença só com o tratamento dos seus sintomas exteriores.

Assim, o mundo fica na superfície do problema. Cada um procura destruir seus inimigos, mas não a causa que gera inimigos: procura afastar os golpes mas não a causa que os produz. Para que o pro­blema seja resolvido, eliminando em definitivo os efei­tos, logicamente é necessário que seja removida não somente a causa próxima deles, mas também sua causa primeira, de que tudo deriva. Porém, o mundo dos ho­mens práticos, que ficam apegados à realidade, pre­fere cuidar das causas próximas, porque estas são consideradas positivas, tocam-se com as mãos, en­quanto se desconhecem as causas primeiras, julga­das teóricas, fora da realidade, não percebidas pelos sentidos. Mas, o fato de o problema, que nasceu com o homem e foi sempre encarado com este critério, ainda não estar resolvido, depois de tantos milênios, e ainda subsista, nos prova que neste caso esses ho­mens práticos estão errados.

Num sistema centro-periférico qual o do nosso universo, não pode haver caminho que não leve para Deus. Só n'Ele se pode encontrar a causa primeira de tudo. Mas, como pode Deus ser a causa dos golpes que recebemos? Não há dúvida, eles saem das mãos dos nossos inimigos. Mas, se existe uma Lei geral de ordem, como nos parece cabalmente demonstrado, quem foi que os deixou movimentar-se contra nós e porque de uma determinada forma e não de outra? Como pode Deus deixar que uma função tão impor­tante como a da Sua justiça fique abandonada nas mãos dos nossos agressores, a eles deixando o poder de julgar e punir, que só a Ele pode pertencer, por­que é o único que sabe o que faz? A reação da Lei tem de ser conforme a justiça, proporcionada a qua­lidade e extensão do nosso erro. Num trabalho tão importante, que exige tanto conhecimento, pode Deus, que tudo dirige, ser dirigido pelos nossos ofensores e ter de obedecer à vontade e ignorância deles? Que podem eles saber do nosso merecimento? Desabaria então todo o edifício da Lei, baseado na ordem e justiça. Seria o caos no seio de Deus. De tudo isso se segue que não pode surgir um ataque contra nós se não o tivermos merecido. O ho­mem que o executa, seja quem for, é só uma causa secundária. Qualquer indivíduo, funcionando como instrumento, pode isso realizar quando, pelas quali­dades que possui, se encontra nas condições apro­priadas. Então, aparecerá em nossa vida um ofen­sor. Se isto não for possível de um modo, acontecerá de outro. Quaisquer que sejam nossos poderes hu­manos, ninguém poderá paralisar o funcionamento da Lei no seu ponto fundamental - a justiça de Deus. Conforme esta justiça, ninguém poderá chegar até nós, se não tivermos, com nossos erros, deixado as portas abertas. Ficaremos, assim, a mercê de to­dos os atacantes, quaisquer que eles sejam, se tiver­mos merecido a reação da Lei, que os fez seus ins­trumentos.

Quando o problema está enquadrado nesses ter­mos, parece claro que a defesa que o mundo pratica, limitada só contra o ofensor, não somente é inútil, mas representa um novo erro que se junta ao velho, aumentando-o. O remédio, então, é só um: não merecer, isto é, tomar cuidado em preparar o nosso futu­ro, não errando em ir contra a Lei e não merecendo, assim, sua reação. E se a tivermos merecido, não há que fugir: é necessário pagar. Poderemos destruir com a força todos os nossos inimigos. Outros surgirão para nos perseguir, enquanto não tivermos pago tu­do. Se construirmos a casa do nosso destino sobre as areias movediças da prepotência e da injustiça, é ló­gico que ela caia sobre nós. Mas nada se desmoro­nará se colocarmos os alicerces sobre as rígidas pedras da justiça. Destarte, tudo depende de nós mesmos e na­da dos outros. O inimigo que nos agride somos nós mesmos, que com erro provocamos a reação da Lei que, por sua vez, movimenta os elementos apropria­dos para executar essa reação. Agora se pode com­preender melhor o que tantas vezes dissemos: quem faz o bem, como quem faz o mal, o faz a si mesmo. Pela justiça de Deus não pode haver um mal que não tenha sido merecido. Isto não quer dizer que a justi­ça de Deus, sozinha, por si própria, quer movimentar o ataque contra nós. A divina justiça representa ape­nas a norma que regulamenta e o poder que impõe o desencadeamento do ataque conforme a Lei, quan­do o tivermos merecido.

Por isso, nosso inimigo, contra o qual apontamos nossas armas, não tem poder algum contra nós, além daquele que nós mesmos lhe conferimos com nossas obras contra a Lei de Deus. Se nós destruirmos com a força esse inimigo, crescerá a nossa dívida peran­te a justiça da Lei e com isso concederemos, a um número maior de inimigos, poderes maiores contra nós. Que se ganha então usando o método do mun­do? Aparece aqui a necessidade lógica de praticar o método da não-resistência, porque ele é o único que representa um verdadeiro sistema de defesa; Parali­sar o inimigo não paralisa o ataque, mas piora nossa posição, porque o: verdadeiro inimigo não é aquele que vemos. Trata-se de uma ilusão dos nossos senti­dos, ilusão que cabe à inteligência desfazer.

Quem compreendeu como funciona o jogo da vi­da que estamos explicando, quando receber uma ofensa, não reage contra seu ofensor, porque sabe isto: ele não tem valor algum, a não ser o de repre­sentar um instrumento cego nas mãos de Deus. Por isso, não merece nem ódio, nem vingança. Quem isto compreendeu, ao receber o ataque, aceita-o como li­ção das mãos de Deus, Que com isso não quer vin­gar-se, nem punir, mas endireitar-nos, para que saia­mos, assim, do erro e do sofrimento. Voltamos, desse modo, a ordem da Lei; enquanto que, usando o mé­todo do mundo, saímos mais ainda para fora daque­la ordem, aumentando dívidas e sofrimentos. E, se alguém nos ofender sem o termos merecido, o ataque não nos alcança, não nos penetra, e quem nos quis fazer o mal, não o faz a nós, mas a si mesmo. Tudo volta à sua fonte. Quem é verdadeiramente inocen­te é invulnerável a todos os assaltos. Mas, encontra­-se porventura, em nosso mundo, quem seja comple­tamente inocente?

Então, quando alguém nos ataca, isso acontece conforme a justiça de Deus. Nossas contas são com Deus e não com nosso inimigo. Se ele nos faz mal, ele terá também suas contas com Deus e terá de pagá-las; mas, isso não nos pertence. Surgirão para ele outros inimigos e ataques, para que sempre se cum­pra, em relação a todos, a justiça de Deus. Quem pratica o mal, só por isso, qualquer que ele seja - apesar de funcionar como instrumento de Deus para corrigir seu irmão e se ter aproveitado da fraqueza deste, que deixou as suas portas abertas, fazendo-lhe o mal - abre por sua vez suas próprias portas, pelas quais outros inimigos estão sempre prontos a entrar, empregados por Deus como instrumentos da Sua jus­tiça. Assim, também os maus são utilizados por Deus como instrumentos da Sua justiça. Assim, também os maus são utilizados por Deus para gerar o sofri­mento, cuja tarefa é a de purificar os bons A con­clusão é que ninguém pode receber ofensa que não tenha sido merecida. Neste caso, não nos resta senão bater nos peitos, procurando, antes de tudo, pagar nossa dívida, deixando aos nossos inimigos, quando chegar sua vez, pagar igualmente suas contas pelo mal que tiverem feito, porque a Lei é igual para to­dos. Há uma Divina Providência para cada um. Mas, para ser justa, ela providencia o bem para os bons e o mal para os maus.

XXI

O EVANGELHO E O MUNDO

Não-resistência ao mal não quer dizer anu­lação da justiça. Renunciar à vingança. Perdoar a ofensa. Esquecê-la. Com o afas­tamento, desligar-se em tudo do ofensor.

O que temos dito até agora explica e justifica o método da não-resistência pregado pelo Evangelho. Agora chegamos a compreender o seu significado, seus objetivos, a razão de sua existência. Trata-se do método de vida mais adiantado e perfeito que exis­te. Trata-se do sistema dos que pertencem a um pla­no de existência superior. Trata-se, como num traba­lho de introspecção, de colocar-se perante Deus, exa­minando nossa consciência, para ver o que de verda­de merecemos. O homem é livre para escolher entre os dois métodos, o que prefere, mas não é livre para deixar de aceitar as conseqüências de sua escolha: 1) O método revela o grau de evolução atingido. 2) O método do mundo, que é o da luta pela seleção do mais forte, está adaptado para desenvolver só a inte­ligência do tipo biológico egocêntrico, separatista, que vive no plano animal, inteligência de curto al­cance, sujeita a todas as ilusões sensórias e psicológicas do ser primitivo, que ignora a verdadeira na­tureza da vida e a estrutura do universo. 3) O método do Evangelho, que é o da não-resistência, esta adaptado para desenvolver a inteligência do tipo biológico altruísta, unitário, que superou o plano animal e vive na fase da colaboração fraternal dos grandes organismos sociais, nos quais a luta foi banida por ser contraproducente. Inteligência de longo alcance, que chegou a compreender a realidade, além do jogo das ilusões, e pode por isso orientar, com conhecimento, o homem na sua conduta. 4) O méto­do do Evangelho é o único que resolve a luta, o que não sucede com o método do mundo, porque este só gera uma série de ações e reações sem fim. O mun­do não pode deixar de aceitar as conseqüências do método que ele mesmo pratica, que neste caso significa guerra contínua. Esta, parecendo uma triste condenação, está implícita no sistema hoje vigoran­te; não é senão uma conseqüência inevitável da in­voluída psicologia do homem e da sua respectiva conduta, devida ao seu nível de evolução.

Cristo, com Seu exemplo, realizou na prática o método da não-resistência, que constitui a condena­ção mais completa ao sistema humano de ataque e defesa. A luta entre Cristo e o mundo representa a luta entre dois planos de vida e tem uma profunda significação biológica no que respeita ao problema da evolução. O Evangelho não tem só um sentido moral e religioso, mas também biológico e social, que a ciência um dia terá de compreender. O homem que chega a pratica o Evangelho entra num plano de existência superior e possui poderes superiores, domina o atual plano humano, ficando acima de to­das as suas lutas. Mas, quem continua enganando e esmagando o próximo permanece amarrado ao método da luta e a todos os seus sofrimentos. Para este último, a inteligência especulativa, que procura o conhecimento das causas primeiras, é considerada lu­xo de sonhadores e perda de tempo, porque o que vale para ele são as capacidades guerreiras, e o pro­blema da vida está fechado dentro do pequeno mun­do da agressão recíproca e da vitória de cada um sobre os outros.

O erro do mundo consiste em ignorar a presen­ça da Lei, não levando em conta um fato tão impor­tante. Assim, quando o homem recebe um ataque, em geral apressa-se a reagir com um contra-ataque, porque julga que não o fazer, perdoando, significa ter de receber e absorver o mal. Mas, nisto só o ho­mem míope pode acreditar, fechado no seu pequeno mundo de lutas, ignorando que vivemos dentro de um todo orgânico, dirigido e dominado pela justiça de Deus. Quem sabe isto compreende que o não reagir não quer dizer ter de absorver o mal, mas que: 1) a rea­ção é um direito que não pertence ao homem, mas só a Lei de Deus; 2) se desejarmos justiça, estejamos certos: a reação da Lei é muito mais poderosa que as reações alcançáveis pelos nossos pobres recursos hu­manos, isso porque também não há distância de tem­po ou espaço que possa paralisá-la; 3) com nossa rea­ção humana não afastamos nem apagamos o mal, a não ser na aparência e provisoriamente, porque, não eliminando sua causa, ele voltará para nós. Com nossa reação, nós geramos outro mal igual, aumen­tando-o em lugar de apagá4o, atraindo-o para nós em vez de afastá-lo. Assim, quem entendeu o Evan­gelho, quando fala de não-resistência, não pode jul­gar o método do nosso mundo senão como errado, apto somente para gerar sofrimentos.

O Evangelho não está perseguindo sonhos fora da realidade. Pelo contrário, tem uma lógica bem ra­ciocinada e positiva. Trata-se tão-só de uma realida­de diferente, que o homem, por não a compreender, julga errada, como coisa irrealizável. Se o Evange­lho não nos impele contra o ofensor, antes nos leva para o perdão, isto encontra sua plena justificação no fato de que a verdadeira causa que devemos comba­ter não é o ofensor, mas nós mesmos, que, perante a Lei, merecemos a ofensa. Se o objetivo tem de ser o de destruir o mal e não o de deslocá-lo de um lugar para outro como faz o mundo, então é lógico e sábio o método do Evangelho, que não nos estimula con­tra a causa próxima e aparente que é o nosso inimi­go, mas, convidando-nos a perdoar-lhe, a entregar tudo à justiça de Deus sem resistência, nos dirige, pe­lo contrário, para a verdadeira causa, que são nossos erros e defeitos. Só desse modo se pode acertar o alvo. Que o mundo ainda não o conseguiu prova o fato de sempre destruir inimigos e ainda estar cheio deles.

Então, que teremos de fazer se, na verdade, qui­sermos encaminhar-nos para um nível de vida supe­rior? O homem comum entrega-se só a defesa que lhe podem garantir suas forças, porque não sente a presença de Deus e não acredita no domínio absolu­to da Sua Lei de justiça. Ele acha, por isso, que, se não realizar a justiça, ele próprio, com seus recursos, ela não será feita. Está convencido de que, se prati­car o método evangélico de não-resistência, ele aca­bará sendo vítima de todos. O erro está no fato de acreditar que o direito de realizar a justiça seja fun­ção do ser humano e que, sem sua iniciativa esta justiça não se cumpre. O homem pode intervir, realmente, não por si próprio, mas só para obedecer à Lei, quando esta quiser utilizá-lo como instrumento da sua justiça. Mas, que esta dependa só do homem é absurdo, porque a Lei é feita de ordem e equilíbrio, e a sua função fundamental é a justiça. Então, pra­ticar o método da não-resistência não quer dizer que justiça não seja feita em favor de quem a merece; apesar de o homem não se defender, nem por isso o transgressor deixará de ter de pagar o que deve pe­la sua transgressão, porque, caso contrário, não ha­veria justiça. Tudo o que se faz contra a ordem da Lei tem de ser pago, porque só assim pode tudo ser reconduzido a sua ordem.

Quando recebemos uma ofensa, não somos nós que devemos exigir do ofensor a necessária repara­ção, mas Deus, Que é o juiz, necessariamente vai jul­gá-lo e impor Sua justiça, exigindo o; pagamento da dívida e reconduzindo o transgressor a ordem da Lei. Não devemos achar que, com o perdão, a justiça não seja feita. Melhor para nós será a não-reação, fican­do inocentes perante Deus: assim, não teremos dívi­das a pagar, porque não transgredimos a Lei. Desse modo, enquanto nosso ofensor fica esmagado pela reação da Lei, nós ficaremos livres e tranqüilos, por­que, não sendo devedores, por termos perdoado, an­tes sendo credores, a justiça de Deus, ao invés de nos perseguir, nos defenderá. Eis o método do Evange­lho, que nos leva a posição mais vantajosa, em con­traposição ao método dó mundo. É erro acreditar que a moral do Evangelho, com suas virtudes, esteja contra a vida. Ela está a favor da vida, mas de uma vida maior, que o mundo ainda não compreende.

Então, qual deve ser nosso método de defesa quando recebermos uma ofensa? Qual é, neste caso, a melhor forma de reagir? Como se resolve o proble­ma da vingança? Com o princípio da não-resistência assistimos a entrada de outras forças no sistema de nossa estratégia de guerra, que nos leva para uma conduta diferente da comum. Quando alguém faz uma coisa injusta contra nós, a grande maioria julga que temos de reagir, e que não é sabedoria, mas lou­cura, deixar essa reação nas mãos da Lei, que sabe cumpri-la muito melhor. Não será, porventura, nosso desejo o de que haja justiça? Então, se este é verda­deiramente nosso desejo, e não o de praticar outra in­justiça maior, ninguém poderá realizá-lo melhor do que a Lei, cuja tarefa fundamental é exatamente a da justiça.

Observemos, então, qual é a técnica com a qual se desenvolve esse processo de defesa. Examinemos quais são as condições necessárias para que a Lei funcione e realize em nosso favor essa defesa. Antes de tudo é necessário que renunciemos a vingança. Isto é lógico para quem compreendeu que é muito mais fácil chegar a justiça por intermédio da Lei, que possui poderes maiores do que os nossos. O mundo julga essa renúncia, que nos faz recuar perante o ataque, como fraqueza e covardia. Isso pode ser ver­dade na lógica das leis que dirigem o plano de vida animal e do homem que a ele pertence. Mas, para quem subiu a um plano mais alto, essa renúncia sig­nifica afastar o empecilho ou lançar por terra a pa­rede representada pela nossa intervenção, que para­lisaria o funcionamento da Lei com relação a nós.

Assim, a primeira coisa a fazer é renunciar a vin­gança. Só quando tivermos atingido a completa li­bertação deste liame com nosso ofensor, poderá en­trar em ação a Lei substituindo sua ação à nossa. Mas, enquanto quisermos fazer justiça, a Lei respei­tará nossa livre escolha, e não intervirá, para não so­brepor um juiz e executor de justiça ao outro. Mas acontece também outro fato: quando tivermos renunciado, na realidade a vingança, e só neste caso, ela se realizará automaticamente, sem nossa intervenção, por intermédio da Lei que, indiretamente, para que a justiça seja feita, tem de cumprir também essa vin­gança que nela está implícita. Disto se segue que poderíamos afirmar: só se pode chegar a mais com­pleta vingança quando tivermos destruído em nós to­do o desejo dela, e; perdoando tudo, não tivermos fei­to nada para realizá-la, pelo contrário, deixando tudo nas mãos de Deus, isto é, entregue a reação da Lei.

O primeiro passo, então, é renunciar a vingança. O segundo é perdoar a ofensa. Mas, há ainda mais. Embora renunciando a vingança e perdoando a ofensa, podemos ficar com sua lembrança e com o rancor e ódio por ela gerados. Enquanto tivermos dentro de nós a idéia de um direito nosso não satis­feito; ele pertencerá a nós, e a Lei não poderá trans­forma-lo em direito seu; para tomar nosso lugar na defesa. Para que isto aconteça, é necessário esque­cer o problema de exigir justiça para nosso caso par­ticular, porque só assim ele se pode tomar problema pertencente à Lei, que é o da realização da justiça universal. Quando conosco acontecerem essas coi­sas, podemos ficar sossegados, esperando a automá­tica realização da justiça, o que elimina a necessida­de de uma vingança. Neste caso, a realização da justiça terá a vantagem de não representar de nossa parte uma nova injustiça para corrigir a velha, como se costuma fazer no mundo, e assim, ela não aumen­tará nossa dívida, mas será só execução de justiça em nossa defesa, na qual o devedor terá de pagar, en­quanto que, ao mesmo tempo, nos deixa inocentes de tudo isto, livres de culpas novas, que depois por sua vez teríamos de pagar.

A coisa mais importante é ficarmos isentos de qualquer dívida; o segredo de nossa vitória não é o de possuirmos força, mas de estarmos limpos de qualquer mancha. Por isso, não devemos ficar ligados ao ofensor, que representa a injustiça, nem sequer por um pensamento de vingança. Quem apenas perdoa, não reage e não exige compensação, mas admite a ofensa e a dívida dos outros a seu respeito. Mas, para que se desloque completamente de nós para a Lei a função da realização da justiça, é necessário não conservar na propriamente nem a lembrança da ofensa nem a do ofensor. Não significa isso que a experiência não tenha de ser aprendida, mas, sim, venha a completar-se no esquecimento definitivo, que é o único que resolve, para que o caso não se re­pita, e não continue numa cadeia de novas injustiças sem fim. É difícil sair dessa rede, uma vez que caímos nela. A força de injustiças, nunca será possível chegar à justiça, ao passo que, perdoando e es­quecendo, se entregarmos tudo à Lei, perante ela ficam de pé e terão de ser resolvidos, em perfeita justiça, o débito do ofensor e o crédito do ofendido. Perdoar não quer dizer que o primeiro não tenha mais de pagar, e que o segundo não tenha de receber. É erro acreditar que o perdão seja para nós con­traproducente. Ele representa vantagem, porque li­berta quem perdoa de todas as más conseqüências, ao mesmo tempo que não apaga o débito do ofen­sor, o qual não tem de prestar contas a um homem (o ofendido), mas ao próprio Deus. Só assim se pode sair do plano da injustiça baseada na força, que é o plano do mundo, e entrar no da justiça, que é o de Deus, o que para o homem justo representa a melhor posição e vantagem.

Não há dúvida de que tudo isso tem sua lógica e beleza, mas é verdade também que quase ninguém o pratica, julgando-o loucura. A fera também julgaria loucura mudar-se para as nossas cidades, onde não saberia viver. Cada um está adaptado ao seu plano de vida E isto não destrói as vantagens do progresso. Mas, por que o mundo ainda não compre­endeu a utilidade desse novo método de vida e não o segue? Quais são as razões? Responderemos a estas perguntas no próximo capítulo.

XXII

A IMPECÁVEL JUSTIÇA DA LEI

Por que o mundo não seque o método da não-resistência? Para que ele funcione é necessário merecer a defesa da Lei. Não adianta pedir justiça quando estamos praticando injustiça. A Divina Providência.

Explicamos no capítulo precedente o significado, a razão profunda e as vantagens do método da não-resistência sustentado pelo Evangelho. Terminamos nossa conversa com esta pergunta: Por que o mundo ainda não compreende a utilidade deste método de vida e não o segue? Observemos agora as razões deste fato.

O sistema do Evangelho, poder-se-ia dizer, fun­ciona a longo prazo por ser de longo alcance. O sis­tema do mundo, pelo contrário, funciona a curto pra­zo e é de curto alcance. Isso é lógico, porque neste segundo caso, tratando-se de um plano de vida menos evoluída, tudo nele é mais limitado no tempo e no espaço. Isso também corresponde à forma mental do homem prático, que percebe só de perto, como os míopes, e se julga positivo e adaptado à realidade por­que enxerga só as coisas concretas e os efeitos ime­diatos. Esse tipo de homem tem pressa de algo rea­lizar, porque seu mundo é o caos, e no reino desor­ganizado da desordem nada de duradouro se pode construir, só há luta sem certeza alguma do amanhã. Esse homem está fechado na sua psicologia de nível sensório e por isso cheia de ilusões nas quais acre­dita cegamente; ele ainda não possui a inteligência de nível especulativo, que possa orientá-lo com o co­nhecimento das causas primeiras e do funcionamen­to orgânico do todo. Por estas razões, o mundo não pode ainda compreender a utilidade desse novo mé­todo de vida que aqui explicamos e, por conseguin­te, não o pratica.

Mas, não o pratica também por outra razão. Nas mãos do homem comum, o método do Evangelho não funciona, porque ele não sabe fazê-lo funcionar. Pa­ra que isso seja possível, é necessário a execução de todas as condições estudadas e indispensáveis. Para que, em relação a nós, possa funcionar a Lei da jus­tiça, é preciso antes de tudo nos coloquemos dentro da justiça desta Lei e não fora dela. Isso quer dizer: com nossa inocência merecemos a defesa da Lei, mas com nossa culpabilidade merecemos que a Lei nos golpeie. Para poder reclamar justiça é indispensável viver no terreno da justiça. A Lei não pode funcionar em favor da injustiça. Ora, a Lei intervir para defen­der quem antes merece uma lição corretora, não é justiça, mas injustiça. Este seria, muitas vezes, o de­sejo do homem. Eis o problema: quando somos atin­gidos por uma decepção, podemos, porventura, ter a certeza de que ela foi causada somente por quem a provocou? Ou existe uma causa mais profunda: o me­recimento do golpe? Se o golpe foi merecido, a Lei terá de intervir contra nós e não a nosso favor.

Para a Lei funcionar a nosso favor é necessário que sejamos inocentes, e que não tenhamos dívidas a pagar. Mas, quem no mundo se encontra nestas condições? É por isso que o método da não-resistência do Evangelho na Terra é julgado utopia absur­da. O homem julga com uma forma mental comple­tamente diferente. O que lhe interessa não é a justiça, mas impor seu interesse com a força. Outra psi­cologia não pode dominar num plano onde vigora a Lei da luta pela vida. Como pode a Lei defender o ofendido se, por outro lado, ele é um ofensor? Muitas vezes, reagimos contra o ofensor e nos alegramos quando chega sua punição por tê-lo merecido, advin­da da própria Lei, que é justa; nesse momento em que estamos pedindo justiça, estamos, na verdade, prati­cando injustiça, e com isso merecendo punição da própria Lei. Como podemos exigir que os outros nos paguem suas dívidas, quando nós ainda não lhes pa­gamos as nossas? Como podemos, no banco da jus­tiça da Lei, criar e exigir créditos quando estamos cada vez mais cheios de débitos? Para que possa funcionar o método da não-resistência; é necessário primeiramente termos pago à justiça da Lei todas as injustiças que antes praticamos contra o próximo.

Ao recebermos uma ofensa, em vez de nos diri­girmos ao ofensor, deveríamos falar com Deus e com nós mesmos, para saber onde está a verdadeira cau­sa da ofensa: se ela se encontra dentro de nós, em lugar de se encontrar nos outros. No método da não-resistência o problema está equacionado de uma forma completamente diferente da do mundo; em geral cada um prefere atirar a culpa sobre os outros ao invés de reconhecer-se culpado. Num sistema de justiça tal como é o da Lei, se esta nos golpeia, como se pode admitir que a culpa seja dos outros? De fato, se alguém vive de acordo com a justiça e recebe um ataque não merecido, a Lei, por si mesma, pelo seu princípio de justiça, defendê-lo-á, quando ele prati­car o método da não-resistência, de modo que a reação não terá mais sentido. Ele já se colocou dentro do equilíbrio da Lei. Sendo justo, para que se realize a justiça, ele tem de ser protegido pela Lei, a qual o defenderá como sendo coisa sua, que faz parte do seu sistema. Só ao mundo pertence o erro de enre­dar-se no sistema desequilibrado de reações e injus­tiças recíprocas, num encadeamento sem fim, porque não se pode reequilibrar o desequilíbrio acrescentan­do novos desequilíbrios. E ao equilíbrio não se pode chegar a não ser pelos caminhos reequilibrastes da não-resistência.

Que acontece, então, quando o Evangelho apre­senta ao homem este novo método de vida, o único que pode levá-lo à salvação, libertando-o do mal? Para quem pede a defesa, não da justiça, mas da in­justiça, a Lei não funciona. Então, aquele método é loucura e o homem lhe vira as costas. Volta, assim, ao seu sistema, o da injustiça, da força, da luta. Vol­ta às leis do seu plano animal e aos seus instintos inferiores. Recusa-se a fazer o esforço para evoluir e, assim, resolver seus problemas e libertar-se de seus sofrimentos. O mundo não quer aceitar o remédio que lhe foi oferecido para a cura dos seus males. Pre­ferir o próprio dano à própria vantagem, não é mal­dade. Não pode ser senão fruto da ignorância, da falta de inteligência. Mas, aí, então, está a dor provi­dencialmente encarregada de mostrar que a loucura não está no Evangelho, mas em nós, porque não que­remos compreendê-lo.

Estamos reclamando justiça e não compreende­mos que estamos recebendo justiça, mas na forma de sofrimento, porque a justiça pedida, muitas vezes, não e senão injustiça, isto é, justiça às avessas. Tal jus­tiça só podemos receber em forma de sofrimento. A Lei quer nosso bem e não se pode chegar a ele acres­centando ao mal novo mal. A grande loucura do mundo é querer chegar à justiça pelos caminhos da injustiça. Assim, um regime social toma lugar de ou­tro, mas são todos filhos dos mesmos enganos e vio­lências. Vemos na realidade da vida os resultados desse método A justiça tem de ser absoluta e imparcial, e não consistir numa série de justiças relativas e partidárias, em função de interesses dos que as praticam. A Lei não pode estar sujeita aos egocentris­mos individuais ou de grupo. Ela está acima de tudo isso, acima das nossas concepções e lutas.

Dissemos nos capítulos anteriores que iríamos fa­lar sobre a Divina Providência. Trata-se de um fenô­meno parecido com aquele que estamos estudando, sujeito também às suas regras. E nele também mui­tos não acreditam porque em suas mãos não funcio­na, por não terem sido satisfeitas as condições necessárias. Então afirma-se que a Divina Providência não existe e, de fato, assim é para eles. Entretanto, ela continua funcionando para outros. Neste caso tam­bém se trata de um fenômeno a longo prazo e de lon­go alcance. A inteligência de muitos, porém, não vê senão o que acontece de um dia para o outro, e o que eles podem atingir com suas mãos. A maioria acredita viver no caos e procura agarrar no momen­to o mais que pode, não suspeitando que vive num universo orgânico, onde há de tudo, de sobejo e sem­pre a nosso dispor, se fizermos movimentos certos con­forme as normas da Lei. Mas, a inteligência para che­gar a esse nível ainda não foi conquistada. Viramos então as costas à Divina Providência, renunciamos a sua ajuda e voltamos às lutas do nosso mundo. Pa­rece loucura que tanta gente tão astuta, espontanea­mente renuncie a estas vantagens. Mas, desse modo se cumpre a justiça da Lei, da qual não se pode fu­gir. É da justiça: nada se pode ganhar sem ser me­recido.

Já falamos sobre a Divina Providência em nosso livro A Nova Civilização do Terceiro Milênio, Cap. XI. Enumeramos naquele livro as condições indis­pensáveis para o funcionamento da Divina Providên­cia. São as seguintes:

1) Merecer ajuda.

2) Haver, antes de mais nada, esgotado as possi­bilidades de suas próprias forças.

3) Estar, de acordo com suas condições, em esta­do de necessidade absoluta.

4) Pedir o necessário e nada mais.

5) Pedir humildemente, com submissão e fé.

Quem quiser aprofundar-se neste assunto em par­ticular, encontrá-lo-á desenvolvido no livro e capítu­lo já mencionados.

Neste cap. XXII estamos discorrendo sobre esta grande realidade: a Lei de Deus que tudo rege. Pro­curamos ver as normas que dirigem o mundo moral, reconhecendo nelas a mesma exatidão das leis que regulam o mundo físico e dinâmico. Procuramos, as­sim, atingir uma orientação a respeito da nossa con­duta de acordo com os métodos positivos da ciência, isto é, a lógica e a observação. O que aqui temos exposto satisfaz a razão, porque a Lei é também racional. Nossas afirmações baseiam-se sobre dois pon­tos fundamentais: 1) Uma teoria geral da estrutura e funcionamento orgânico do universo, da qual estas afirmações representam as conclusões práticas, de­rivadas daquela teoria. 2) Estas conclusões foram submetidas a controle experimental, isto é, são o re­sultado, como dissemos no começo, de meio século de experiência, a qual se poderia chamar de laborató­rio, porque foi executada no banco experimental da realidade da vida.

Como acontece a todos, que de qualquer manei­ra têm de movimentar-se e adotar uma conduta, nós também, percorrendo os caminhos da vida, não pu­demos deixar de tocar as teclas da Lei, e de receber, através dos acontecimentos, sua resposta. E nada melhor que os fatos tem o poder de convencer. Vi­mos, em verdade, o funcionamento da Lei. Podemos, assim, dar testemunho de que ela funciona, devolven­do-nos o que lhe entregamos, retribuindo-nos confor­me o que merecemos. E não podemos acreditar, porque isso seria ilógico e injusto, que a mesma Lei não venha a funcionar da mesma forma para todos.

Não queremos com isso impor crença alguma. Só podemos convidar todos aqueles que se interessa­rem por estes conceitos, a experimentá-los, por si mes­mos, a fim de realizarem, para sua vantagem, a mes­ma descoberta. Aqui se encontram explicadas as re­gras do jogo, para serem controladas, verificando-se se são verdadeiras. Nosso desejo não é, de maneira nenhuma, o de espalhar idéias em busca de seguidores. Falamos unicamente porque ficaríamos muito satisfeito se pudéssemos ver também os outros, ape­sar de se encontrarem no meio deste mundo feroz, obter os resultados maravilhosos, diríamos mesmo milagrosos, de satisfação interior e de sucesso práti­co, com que a Lei nos respondeu, e que, com a ajuda de Deus, nos permitiu alcançar.

XXIII

A CONQUISTA DO PODER E A JUSTIÇA SOCIAL

Antes de deixar definitivamente o assunto trata­do nos precedentes capítulos, queremos acrescentar alguns conceitos que continuam desenvolvendo o tema da Lei, num seu aspecto diferente, isto é, a respeito das conseqüências da conduta humana no terreno histórico-social da posse do poder e do uso e abuso da função de comando, problema dos mais interessan­tes para o mundo atual, a demonstrar-nos o alcance universal dessa mesma Lei.

Continuaremos usando o mesmo método dos ca­pítulos anteriores. Quando se trata do problema da conduta humana, é fácil cair no erro comum daque­les que, pregando virtudes, em nome dos santos prin­cípios por eles defendidos, acusam; condenam e se deixam arrastar pelo desejo de perseguir o próximo. Isso é devido, sem querer, ao natural instinto de agressividade que o homem teve de desenvolver na sua luta pela vida, porque esta é a lei do seu plano, levando cada um a esmagar os outros para subjugá­-los. Esta é uma das muitas ilusões psicológicas, de que já falamos, e às quais o homem muitas vezes obe­dece, sem suspeitar de seu papel - ele é apenas seguidor de uma lei do seu nível evolutivo. Como não aproveitar tão bela oportunidade de desabafar o pró­prio instinto de agredir para dominar, tanto mais quando isto se pode fazer em nome dos mais altos ideais, cobrindo-se do manto das mais nobres finali­dades? Por isso, procuramos seguir um método dife­rente, que não é o de condenar, colocando-nos na cátedra do juiz, método que o Evangelho desaprova quando nos diz: "não julgueis".

Como há pouco dizíamos, nossa tarefa não pode ser a de constranger, porque não possuímos nem poder nem autoridade alguma. Temos, antes de tudo, de respeitar a liberdade dos outros. Cada um é dono de si mesmo e de fazer algo de sua preferência. Tudo o que podemos fazer é explicar como fun­ciona a Lei de Deus e quais são, para nós todos que estamos nela mergulhados, as conseqüências dos nossos atos, pois é com estes que cada um automati­camente premia ou condena a si mesmo. O julga­mento e execução desses atos estão contidos na Lei e se realizam fatalmente, sem possibilidade de escapa­tórias. Por isso, não nos cabe nem sequer julgar. Tu­do que podemos fazer é expor o que temos de re­colher como inevitável conseqüência dos nossos atos, convidando a todos a julgarem-se a si mesmos.

Como já foi explicado anteriormente, nos caps. XVII, XVIII e outros deste volume, a Lei deixa o ho­mem, ainda não evoluído bastante, lutar para chegar ao poder, concedendo-lhe a possibilidade de funcio­nar com a sua psicologia egocêntrica, a qual lhe per­mite acreditar que a conquista do poder significa, antes de tudo, uma vantagem para si. Quando o ho­mem, vivendo nesse plano evolutivo, chega ao po­der, no mais vasto sentido de forma e domínio social, é lógico e também justo, em seu nível de vida, que ele use sua posição no poder conforme sua forma mental (porque outra ele não possui), isto é, dominan­do e explorando para tirar proveito pessoal. Esta é a forma mais involuída, usada pelos poderosos, corres­pondente ao estado primitivo, seja do chefe, seja dos seus subordinados. A Lei permite tudo isto, porque esta é a realidade e a maneira de conceber nesse plano de evolução, plano que ele ainda não conse­guiu ultrapassar. Quem alcançou a posição de che­fe não a recebeu de graça, mas teve de lutar para chegar até aí, vencendo seus rivais, e teve de enfren­tar perigos e fazer esforços para desenvolver sua força e inteligência. Ora, é justa e merecida sua con­quista. E a vantagem pessoal usufruída por ele representa a devida retribuição de seu trabalho, a jus­ta mercê que lhe pertence. Se não houvesse esse prêmio, ninguém nesse nível de vida faria o trabalho de conquistar o poder e de desempenhar as obriga­ções a ele inerentes.

Até esse ponto tudo está bem equilibrado em seu devido lugar. O chefe é o mais forte e mais astuto. Isto, em seu plano, lhe confere o direito de ser chefe. Direito reconhecido, também, pelos seus subordinados, possuidores da mesma forma mental. Mas, até quando dura tudo isso? Se a posição se baseia na força e na astúcia, ela vai durar enquanto houver força e astúcia. O chefe tem de provar isso a todo mo­mento, pois todos os que são dominados e rivais, tendo a mesma forma mental, estão prontos a agre­dido, para apoderar-se do poder. Todos: estão mergulhados na mesma atmosfera de luta e mesmo se o chefe não quisesse usar esses métodos, os subordina­dos o constrangeriam. São eles os primeiros a exigi­rem da parte do chefe esse tipo de poder, muito em­bora não correspondente à função de cérebro diretor de uma sociedade orgânica, a qual espontaneamen­te, para sua vantagem, deve reconhecer no seu che­fe o cérebro cumpridor de uma função de interesse coletivo. Nos planos inferiores, quando um chefe não mostra sua força, são os próprios subordinados, antes constrangidos à obediência, que o eliminam. A toda hora ele tem de dar provas de saber dominar e ser o mais forte.

Esta é a justiça do seu mundo. Neste, um santo não pode ser chefe, porque não pertence ao nível evolutivo da maioria, não possui a forma mental des­ta, nem usa os métodos de domínio que esta pode compreender e exige. O método da consciente e espontânea obediência não pode ser entendido e pra­ticado num mundo onde o poder é respeitado, não porque representa uma função, mas porque é defen­dido somente pela força. Neste mundo, os subordinados obedecem só até quando o chefe possui força para sujeitá-los. Num tal ambiente de luta de todos contra todos, os subordinados, sejam súditos ou criados, ficam à espera de que esta força falte ao chefe. Isto para, ao seu primeiro sinal de fraqueza, tirar-lhe o poder das mãos e apoderar-se da sua posição de domínio a fim de substitui-lo. Usam-se, assim, a mes­ma psicologia e métodos do plano de vida, repetidos por eles próprios, seja na posição de chefes, seja na de dominados.

Esta é a realidade que se encontra na prática, atrás de todas as teorias. A primeira função do poder é a de demonstrar-se poderoso: Os homens chegaram assim a governar em nome de Deus, intitulando-se re­presentantes d'Ele, por direito divino, porque Deus é o mais poderoso. Repetimos a pergunta: mas até quando irá durar tudo isso? Temos visto quais são os alicerces sobre os quais se baseia essa posição de do­mínio. De fato, tratando-se de um plano inferior de vida, quem nele vive não pode deixar de ficar sujei­to as ilusões que lhe são relativas. A ilusão consiste no fato de que esse tipo de homem não conhece o jogo que está jogando. Ele acredita que a vitória se­ja unicamente para sua vantagem. A vitória, porém, é uma miragem sem duração, útil apenas porque o impulsiona à experiência e, assim, ele avança no ca­minho da evolução. A Lei movimenta estas alavan­cas para abalar o indivíduo, porque somente a estas ele responde. E acontece que o homem, para con­quistar e manter sua posição de comando, para de­sempenhar compromissos que essa posição impõe, tem de fazer esforços na luta, tem de pôr em ação suas qualidades para adestrar cada dia mais sua in­teligência.

Como se vê, o jogo real das leis da vida é dife­rente do que aparece por fora. Em substância, esta é a realidade: a evolução quer ascender de um degrau para outro. Quando o ser atingir determinado nível evolutivo, deve elevar-se ao seguinte. Como aconte­ce isto? Nesse degrau superior a posição de chefe não pode existir para sua vantagem pessoal, mas justifica-se apenas enquanto se torna função de uti­lidade coletiva, missão social. Para o chefe involuí­do isso é inconcebível. Se, às vezes, ele chega a sustentar essa idéia, tudo não passa de palavras em que ele não acredita, de astúcia para dominar melhor. Este é o tipo do Príncipe, de Maquiavel. E ele não pode deixar de aprender a nova lição, tal como a evo­lução exige. Mas, quem vai ensinar-lhe?

Temos visto como a Lei não se manifesta direta­mente. Neste caso, ele intervém, encarregando dessa tarefa outros elementos, a funcionarem como seus instrumentos. Vejamos então o que acontece. O che­fe domina os seus subordinados, sujeitos a sua von­tade. É lógico: enquanto existam ovelhas inexperien­tes, sem conhecimento, precisando de pastores, estes aparecem para dirigi-las. Mas, é lógico também que, neste nível, eles apareçam para explorá-las. Isto con­tinuará acontecendo enquanto as ovelhas necessita­rem de pastores. Mas, aqueles que ficaram depen­dentes, possuindo a mesma forma mental, estão an­siosos por imitar seu chefe. Ficam olhando o que ele faz, que eles bem compreendem1 mesmo porque o peso da exploração escravizadora é duro. Entretan­to, o sofrimento vai desenvolvendo a inteligência deles. A opressão do chefe se transforma para eles numa escola, na qual os reduzidos à obediência vão estudando para chegar aos mesmos resultados de vantagem atingidos por quem os domina, aprenden­do, nessa escola, a usar os mesmos métodos do su­cesso: os da força e astúcia.

Assim, os subordinados ficam cheios de inveja e cobiça, esperando o momento de fraqueza do chefe e qualquer oportunidade que os favoreça para agre­di-lo com a força e traí-lo com a astúcia. O próprio chefe não pode estar isento das conseqüências do seu método, não pode deixar de ficar sujeito as leis do sistema usado por ele, as do plano de vida onde todos vivem, chefe e subordinados. Os comandados estão sempre olhando os defeitos e erros do chefe pa­ra tirar proveito, usufruir vantagem, com objetivo de furtar-lhe os frutos da sua vitória, e, por sua vez, ven­cer, substituindo-o na tão almejada posição de do­mínio.

Os que tiveram de obedecer tudo isso aprende­ram na escola do chefe. Agora eles vão ensinar ao mestre. Observaram o suficiente, e acabaram por se dar conta do que se acha atrás dos bastidores das bonitas teorias do domínio em nome de Deus, do di­reito, da justiça, para o bem do povo e do progresso do mundo etc. E por muito andarem nesse caminho, descobriram uma verdade diferente - a da luta pela vida - na qual o mais forte vence para atender ao seu interesse, posição aberta a qualquer um, logo que dê prova de ser o mais forte.

Quando a maioria chega a desenvolver sua inte­ligência até esse ponto, então caem as barreiras do mito, da fé cega, do medo do desconhecido, da ignorância, com que os chefes procuram acalmar a natu­ral rebeldia do homem Aparece, então, nua e crua a realidade biológica, a das duras leis da vida. E quando os povos chegam a perceber que os chefes têm direitos porque souberam conquistá-los com for­ça e astúcia, então esses povos compreendem tam­bém, pela mesma lei, que não poderão ter direito se não souberem conquistá-los com o mesmo método. E assim se inicia, através de um amadurecimento na­tural, o lento pressionar da reação, até estourar na revolta, onde os rebeldes imitam o método dos seus chefes, método que os conduziu à vitória.

Podemos ver, desta maneira, como a Lei automa­ticamente realiza sua justiça, utilizando elementos diferentes, colaborando todos para o mesmo objetivo, a evolução comum. Assim, se a opressão dos chefes gera a dor nos que a ele estão sujeitos, nestes ela acorda a inteligência que os fará vencedores. Assim, a posição de dominantes e dominados é posição per­corrida por todos, para que todos aprendam na mesma escola a mesma lição. Esclareceremos ainda me­lhor estes conceitos, com exemplos, no capítulo se­guinte.

XXIV

A LEI APLICADA A HISTÓRIA

O caso da Revolução Francesa e o verda­deiro jogo da vida.

Procuraremos agora explicar melhor os concei­tos do capítulo precedente, observando-os quando aplicados a um caso concreto, o caso clássico da Re­volução Francesa. Examinemos a natureza e os mo­vimentos das forças que lhe deram origem.

Luís XIV foi rei absoluto. Ele dizia: "L'etat c'est moi" ("O Estado sou eu"). Hoje isto seria considerado tirania. Porém, ninguém no seu tempo o considerou tirano, enquanto que como tal foi chamado o meigo Luís XVI, tão ecônomo para si e amigo do povo. Por que razão ninguém reclamou contra Luís XIV que era tirano e todos reclamaram contra Luís XVI que não o era? O primeiro não foi julgado tirano porque tinha o poder da força e da inteligência. O segundo foi chamado tirano porque era simples e fraco. Luís XIV, que quis chamar-se "le Roi Soleil" ("o Rei Sol"), usou o poder na forma que, era mais adaptada tanto para si como para seus súdit9s, a do nível de evolução atingido por todos eles naquele tempo. A forma men­tal nesse nível é o egocentrismo e o rei não podia ser senão a expressão mais completa dessa forma, o modelo da psicologia então vigorante, isto é, o exem­plo máximo do individualismo egocêntrico. Para cum­prir a função de cuidar do seu povo, era necessário que ele o considerasse como sua propriedade, porque nesse nível evolutivo o homem não sabe superar o seu egocentrismo e por isso não cuida de coisa algu­ma que não seja a sua própria. Dada essa forma mental, aquele rei não podia fazer seu trabalho se­não em função do seu orgulho pessoal. E o seu povo, que tinha os mesmos instintos, compreendeu e acei­tou o rei dominador, como coisa natural. De fato, nesse nível, ao mais forte pertencem todos os direitos e, por virtude da sua força, ele merece respeito. Por outro lado, os povos não tinham consciência coletiva al­guma e, se o rebanho não recebesse seu chefe à for­ça, por imposição, conforme as leis naturais, as ove­lhas não possuíam conhecimento algum para esco­lhê-lo.

O eco do poder de Luís XIV sustentou o reinado vazio de Luís XV, por lei de inércia, por força do im­pulso recebido. A classe dos vencedores na luta pe­la vida tinha de gozar os frutos dos seus esforços. Mas, esgotou-se seu crédito e eles, no ócio, se torna­ram seres inúteis. A vida, porém, não admite os seres inúteis e preparou-se para liquidá-los. Foi um reina­do em descida, em que a grande Versalhes apo­dreceu na dissipação. Aqui começa a emborcação das posições. Enquanto a aristocracia perde virtude e força nos prazeres da vida, o povo, no sofrimento, conquista inteligência e energia para rebelar-se. E, cheio de desejo, olhando de longe a bela festa, vai se preparando para a revolta. Temos assim dois movi­mentos opostos, pelos quais o nível da força descia de um lado e subia do outro. Enquanto o povo igno­rante, no sofrimento encontrava o estímulo para de­senvolver suas qualidades de luta, os dominadores no gozo requintado encontravam o entorpecente que adormecia suas qualidades vitais. Tudo foi, assim, automaticamente preparado durante o reinado de Luís XV.

Quando subiu ao trono Luís XVI, tudo estava qua­se maduro e esperava somente a oportunidade para estourar. A classe dirigente estava completamente apodrecida e o rei era um campeão de fraqueza. Dos dois vasos opostos, um se tinha enchido e o ou­tro, esvaziado. O próprio Luís XV tinha intuído isso, quando dizia: “Après-moi, le déluge” (Depois de mim, o dilúvio). E o dilúvio chegou.

Vemos aparecer aquele que o povo chamou de tirano: um homem sobretudo bom, que teria sido um ótimo pai de família, um rei que pensava ser o pai do seu povo. Para não derramar o sangue do povo, ele afastou de Versalhes os batalhões na hora em que mais precisava de defesa, porque a multidão estava próxima a chegar a levá-lo com a família para Paris, onde iria encontrar a morte. Este era o tirano. Mas os tempos estavam maduros. A injus­tiça dos abusos da aristocracia e do clero havia sido cometida e agora era necessário saldar contas e pa­gar a dívida perante a justiça da Lei. Eis, então, a História atingindo seu objetivo: lança na boca do povo esse rei manso para que seja mais fácil devorá­-lo. Se estivesse reinando Luís XIV, que não possuía apenas muito orgulho, mas também poder, que não tinha apenas egoísmo, mas também habilidade polí­tica e militar, o povo teria encontrado um osso duro demais para roer e, perante a força, teria achado justo tudo respeitar. Seria absurdo proclamar direi­tos, quaisquer que fossem sua necessidade e seus sofrimentos. A injustiça sempre existiu, mas só foi reconhecida como tal agora, quando a fraqueza do go­verno permitia ao povo tomar-se proporcionalmente forte para impor com a força sua própria justiça.

Eis o verdadeiro jogo da História, e o exemplo se repete todas as vezes que a vida se encontrar nes­sas condições. Um direito é considerado tal somente quando quem o sustenta possuir os meios para reali­zá-lo. Mas, o sofrimento encontra-se pronto para for­necer ao homem, por reação, esses meios, desenvol­vendo ele na luta suas qualidades. Bondade, carida­de, compreensão recíproca, aparecem só em níveis superiores de vida.

Qual foi então o resultado de todo esse movimen­to de forças aqui observado?

1) O povo deu provas de ter aprendido a lição na escola de seus chefes, repetindo seus métodos para dominar. Esse método continua sendo repetido, nu­ma escala sempre maior, ate' hoje.

2) Os povos saíram da menoridade, começando a dirigir-se por eles próprios, aprendendo a eleger bem ou mal seus chefes, experiência nova, apta a desen­volver uma consciência coletiva e novas formas de inteligência.

3) O sangue da aristocracia não foi derramado em vão na Revolução Francesa. A lição ficou e en­sinou muita coisa ao mundo de então, para que não caísse mais nos mesmos erros. A lição faz ver que os abusos são perigosos, porque depois, por compensa­ção, a injustiça e a dívida têm de ser saldadas. Des­sa vez também, o mestre que ensinou a lição foi a dor. Hoje, semelhantes abusos não seriam mais pos­síveis. Tais privilégios da aristocracia e do clero se­riam hoje um absurdo.

É verdade que o homem, no fundo, permaneceu o mesmo: a burguesia substituiu a aristocracia, pro­curou imitá-la, como está pronto a imitá-la o proleta­riado, que hoje quer substituir-se à burguesia. Mas, semelhantes excessos de egocentrismo em favor de grupos particulares e em forma legalmente reconhe­cidas, hoje não seriam mais possíveis. Torna-se cada vez mais inaceitável a concentração dos benefícios da vida nas mãos de poucos, que para si os subtraem aos outros. A moderna tendência coletivista e iguali­tária procura estender a um número sempre maior de indivíduos as vantagens que antes ficavam concen­tradas só em favor dos vencedores. O mundo progri­de, assim, para a justiça social, a igualdade, o altruís­mo, as formas de vida organizada, coisas que perten­cem a níveis evolutivos mais adiantados.

Vemos aqui uma vez mais funcionar a Lei, na sua maravilhosa sabedoria. A cada erro corresponde, também no terreno social, uma lição de sofrimento para que o erro não se repita. Assim, o mundo au­tomaticamente tem de progredir. Cada lição repre­senta uma dura experiência, que não é fácil esque­cer. Ter experimentado as conseqüências do abuso representa o melhor meio para tirar a vontade de re­petir o abuso. Desse modo, o homem aprende a não olhar mais para a vantagem imediata, de que foi vi­tima, e aprendo a ver mais além das aparências, além de suas ilusões psicológicas, e apercebe-se da neces­sidade de levar em conta, também, o bem-estar do próximo, porque o problema da felicidade não se pode resolver isoladamente, só para si.

Tudo o que vivemos não fica escrito só na Histó­ria, mas também em nossa carne. A dor tem o poder de fincar em nós um marco indelével. Assim, o homem vai entendendo cada vez melhor a inviolável estrutura da Lei, pela qual, como já tantas vezes dis­semos, quem faz o bem ou o mal o faz a si mesmo. Tu­do volta à fonte, com um movimento de forças semelhante ao das forças do espaço curvo, cujas leis pa­recem vigorar também no terreno da moral. Encontramo-nos, assim, perante um princípio de curvatura universal, verdadeiro em todas as dimensões e níveis de existência. Parece que em todos os planos, cada impulso tende automaticamente a voltar à fonte de onde partiu e este seja um dos princípios fundamentais da Lei. Assim, a teoria científica do espaço cur­vo concorda com esta aqui apresentada e a susten­ta, teoria que se poderia chamar de moral curva. Em ambas não haveria deslocamentos em sentido abso­luto, mas só relativo. Diríamos: movimentos só apa­rentes, como os das ondas do mar, nas quais não há deslocamentos de água, mas uma espécie de vibra­ção fechada em si mesma, num contínuo movimento de retorno. Da mesma forma os movimentos da conduta humana seriam uma espécie de vibração fe­chada nesta lei de retorno; pela qual cada im­pulso nosso nada desloca a não ser nossa própria natureza, recebendo sobre si o que quis lançar fora de si. E assim se vai experimentando, amadurecen­do e evoluindo. Neste capítulo quisemos observar como o princípio da curvatura da moral se verifica tam­bém no terreno social da coletividade humana. Por isso, podemos concluir: não somente para o indiví­duo é verdade que quem faz o bem ou o mal o faz a si mesmo, mas também o é para as diferentes classes, camadas ou grupos sociais.

Com esta técnica maravilhosa superam-se todas as tentativas humanas de injustiça, pois acaba so­frendo na própria carne quem, para seu bem-estar, esmaga os outros; de igual modo, recebe o bem me­recido, pelo motivo de ter feito bem ao seu próximo. Com esta técnica cada vez mais o ser está constran­gido, automaticamente, a realizar a justiça da Lei, su­bindo da injustiça para a justiça, da desordem para a ordem, da luta entre egocentrismos rivais ao estado orgânico da humanidade civilizada. O processo é sempre o mesmo O homem tem de experimentar os dolorosos efeitos da injustiça, da desordem, do egoís­mo, para chegar a compreender que o mais provei­toso para si mesmo é que se realizem a justiça, a or­dem, o altruísmo.

Há um movimento na sucessão histórica das re­voluções, ordenado como o das ondas do mar. Cada urna sustenta e impulsiona a outra, num movimento comum que as liga todas num mesmo processo. Acontece pois que, enquanto haja camadas inferio­res exigindo justiça por se encontrarem esmagadas pelas superiores, estas não terão paz e terão de de­fender-se das contínuas tentativas de assalto da par­te das inferiores. Quando nesta luta, estas vencem, então apoderam-se da posição das superiores, e to­mam o seu lugar gozando das mesmas vantagens, mas sujeitas aos mesmos perigos e cometendo os mes­mos erros. Têm, então, de pagar a mesma pena por­que enquanto houver um homem explorado por ou­tro, o primeiro procurará saltar-lhe em cima para to­mar seu lugar de domínio. Trata-se tão-só de posições diferentes, que os mesmos homens vão ocupando su­cessivamente, como a mesma água toma as diferen­tes posições das ondas em movimento. A Lei é uma só para todos e cada um tem de aceitar as vantagens, os perigos e os esforços que a posição de cada um im­plica. E, em posições diferentes, todos estão cumprin­do o mesmo trabalho, igual para todos, de fazer experiências que, embora diferentes, levam ao mesmo objetivo - o de evoluir.

Nesse rodar de posições e respectivos trabalhos, e na série das vantagens e abusos escalonados ao longo do caminho das comuns experimentações, na compensação entre tantas injustiças diferentes, reali­za-se a justiça da Lei, pela qual tudo se paga e todos têm de aprender a mesma lição através das mesmas experiências. O universo é unidade na variedade, em que uma infinita multiplicidade se coordena em harmonia, regida por uma lei geral. Assim, as inúmeras injustiças particulares pelas quais cada um paga o que deve, coordenam-se realizando a justiça universal da Lei. "Quem estiver sem pecado, atire a pri­meira pedra". Mas, quem é que está sem pecado e não tem de pagar alguma dívida à justiça da Lei, sofrendo o que ele, às vezes, chama de injustiça? Esta é a verdadeira justiça que abrange a todos, está aci­ma de todos, pela qual todos têm de pagar, perante a qual todos somos iguais. Eis como, pela Lei, foi rea­lizada e sempre existiu a verdadeira igualdade, hoje em vão e tanto almejada pelas classes sociais em luta.

Agora podemos compreender o significado de tu­do isso e o que está acontecendo. Acima de todas as rivalidades do formigueiro humano, permanece res­plandecendo a sabedoria da Lei, invisível, poderosa, inflexível, sempre presente. Nela tudo se compensa, se coordena, se resolve. Eis a conclusão.

XXV

A EVOLUÇÃO DA HISTÓRIA

Apêndice: Uma Fábula. "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”.

Em minhas peregrinações brasileiras, ocorreu ter de demorar-me alguns dias numa ilha, habitada apenas por pescadores pobres, no litoral paulista. Entretive-me, então, com aquela gente simples, com eles dividindo alegrias e dores. Nessa vida, reduzida aos mais singelos elementos, diante das harmonias de uma paisagem luxuriante, imerso na infinita paz das coisas de Deus, senti a profunda justiça e bondade de Sua Lei, e como, mesmo na Terra, é possível aos homens de boa vontade realizar a grande máxima evangélica do “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Destas observações e meditações nasceu esta fábula.

Havia certa vez um homem, que era julgado lou­co porque pregava e praticava no mundo o Amor de Cristo. Dizia ele: "Não necessitamos de novas reli­giões, nem precisamos fazer prosélitos a favor de uma, condenando as outras, criando dessa forma cada vez maiores inimizades; mas, é indispensável tomarem-se bons e honestos os homens de todas as religiões".

Enfrentara, assim, com os meios da cultura, do raciocínio e da ciência, a elite intelectual das gran­des cidades, as classes dirigentes dos mais aptos a compreender por esses caminhos, a verdade, como produto do pensamento. Mas, um dia, sentiu neces­sidade de completar seu trabalho, escolhendo outra gente; sentiu que deveria aproximar-se também dos deserdados, dos simples e ignorantes, para os quais estão fechadas essas estradas de luxo. Para eles, era mister outra linguagem: a linguagem simples do Evangelho, que ensina por fé, sem demonstrações a inteligência cética que pede provas; a linguagem fá­cil dos fatos e dos exemplos, a linguagem do amor, que todos compreendem e que percorre estradas dife­rentes - não as da mente, mas as do coração.

É verdade que o pensamento desce, de cima pa­ra baixo, nas classes sociais, como das nuvens desce a chuva, e uma vez firmado na classe culta, por si se difundiria nos planos inferiores, por uma lei de gravitação. Mas, teria sido um pensamento frio, fil­trado através de outros cérebros. Era indispensável dar mais, dar algo de mais vivo e pessoal, dar de si mesmo, como exige o Amor e como não pode deixar de fazer quem ama verdadeiramente. Assim, quis um dia aquele homem entrar em contato também com os menos cultos, os homens simples dos campos.

Para eles, a linguagem seria outra. Não mais profundidade de conceitos, nem evidência de provas, para convencer mediante demonstrações a razão; não mais se tratava de enfrentar os ânimos duros dos céticos do materialismo, entregues a todas as sutilezas do pensamento, esmagando-os com os complexos in­telectualismos culturais e científicos. Tratava-se, ao invés, de acender uma chama de bondade e verda­de, com simplicidade de sentimento, oferecendo-se em doação completa, sem nada pedir, vencendo a dureza de animo com o poder da bondade, com uma grande paixão de ajudar, indo ao encontro dos mais humildes e desprezados para abraçados e elevá-los: um trabalho de coração, em contato direto com as formas mais elementares e instintivas da vida. Era, para aquele homem, um campo diferente e inexplo­rado, um caminho novo para inculcar no próximo o Amor de Cristo.

Assim, quem já fora peregrino das grandes cida­des, transformou-se um dia em peregrino das aldeias abandonadas, das praias longínquas, das terras per­didas à margem da civilização das cidades. Nave­gando com alguns amigos em pequenas barquinhas, chegou um dia a uma ilha próxima à costa, numa aldeia de pescadores pobres, simples e primitivos.

Nesse estado de simplicidade, mesmo se o homem não compreende as fórmulas difíceis da cultura e da ciência, ele intui, instintivamente, sem muitas palavras, os motivos fundamentais da vida: amizade ou inimizade, ódio ou amor, fome, perigo. Não necessi­taram, por isso, de muitas palavras as apresentações: um simples olhar-se de frente, um recíproco e instin­tivo observar-se quanto às respectivas intenções. As­sim se conhecem os animais e até as plantas, daí re­sultando relações de amizade ou de inimizade.

Realizada essa primeira aliança, sistematizadas as necessidades materiais de alimento e repouso no­turno, sentou-se aquele homem ao lado dos novos amigos, à beira da praia, para satisfazer a curiosida­de deles de conhecerem os recém-vindos; e, falando de si e dos companheiros, começou a lançar as primeiras pontes da confiança e da compreensão. O próprio ambiente sugeria que se falasse das grandes coisas de Deus. O argumento alimentava-se das har­monias daquela natureza encantada. Os pensamen­tos mais simples assumiam, naturalmente, a musica­lidade das ondas e dos ventos, sintonizavam-se na sinfonia das cores dos bosques, do mar e do céu. O pensamento de Deus, alma de tudo, transparecia tão poderoso e evidente nas formas que o revestiam, que Ele parecia falar sem palavras no âmago da alma. E todos, o peregrino e os pescadores, o ouviam juntos, como numa evocação mágica em que Deus, essência da vida, lhes falava em silêncio e o espírito das coi­sas se revelava, arrebatando-os todos no mesmo êxtase.

Se os primitivos não sabem exprimir-se para tra­duzir estas sensações, isto não significa que eles não as percebam, ainda mesmo confusamente. Em cada uma de suas formas, a própria vida mostra-nos que ela procura ser bela, alegra-se com isso e luta por sê-lo. A beleza representa um valor próprio porque tem sua função biológica. Nos mais altos planos evolutivos revela-se essa beleza na harmonia espiritual da Bondade e do Amor para com todas as criaturas. A musicalidade e a alegria de ouvi-la crescem, à pro­porção que se sobe para os mais altos planos da exis­tência, formando, enfim, uma harmonia única, em que se fundem o Belo e o Bem.

O nosso peregrino e aqueles homens conheciam também os outros aspectos da vida, o lado positivo e prático das necessidades materiais. A vida consti­tui-se também de problemas concretos. Sem dúvida os primitivos também são poetas, mas só podem dar-se ao luxo de sê-los, depois de resolvida a premente questão das necessidades imediatas. Por isso, nin­guém mais do que os primitivos quer prender-se aos valores reais terrenos e, para ouvir e respeitar, eles exigem uma prova de superioridade. Por esse motivo, não podendo Cristo apoiar-se nas qualidades de in­teligência e cultura de Seus seguidores, teve de dar provas diferentes das racionais, a Seu respeito. Teve de operar prodígios, as únicas provas acessíveis àquelas mentalidades, tanto que ainda hoje a apolo­gética cristã católica aceita os milagres como prova da divindade de Cristo. Para aquelas formas men­tais, eles são verdadeiras provas, ainda que nada provem para quem tenha do milagre um conceito totalmente diferente.

Sendo a psicologia de todos os primitivos a mes­ma, nosso homem tinha de mostrar, para ser ouvido e seguido, suas credenciais, dando testemunhos de seu valor. Ora, quem vive longe dos centros, na pe­riferia da civilização, permanece sempre com os olhos fixos e os ouvidos atentos para aqueles, ávido de' aprender e imitar. O peregrino chegava desses cen­tros, e lá trabalhara e vencera. O homem, para es­timar, exige uma prova de poder, seja material ou econômico, de inteligência ou espiritual, mas de qualquer forma, a prova de ter sabido vencer em qualquer campo. E o sinal não é menos convincente, se ti­ver sido conseguido em campo menos compreensível. Uma das razões por que as multidões modernas admi­ram os cientistas, é o fato de eles manejarem matéria inacessível a elas. Assim, é tanto mais fácil convencer quanto mais se chegue precedido da fama das próprias vitórias. Aos próprios santos era tanto mais fácil arrastar as multidões, quanto mais poderosa a seu respeito se formavam a lenda de prodígio e a auréo­la de santidade. Mesmo no plano espiritual, a vida premia o forte que sabe vencer.

Dessa forma, apoiando-se nesse jogo psicológico natural e inevitável, imposto pela forma mental hu­mana, procurava o peregrino penetrar no animo de seus ouvintes. Suas palestras eram simples, concre­tas, constituídas de conceitos revestidos de fábulas e parábolas, baseando-se nas sensações oferecidas pelo ambiente. Seria inútil bater em teclas mudas, lan­çar pensamentos que não pudessem encontrar eco. A princípio eram poucos a ouvi-lo. Mais tarde reu­niu-se toda a aldeola, rodeando-o. Todo homem, mes­mo que não entenda tudo, sente-se sempre atraído pela palavra quente, que por ser convicta, transmite convicção.

Então, ele lhes falou assim: "Meus amigos. Aqui vim entre vós para ensinar-vos o Amor e a Paz, para diminuir vossas dores e tomar-vos mais contentes. Não enfrentaremos os problemas longínquos que ator­mentam as grandes mentes e não foram ainda solu­cionados pela ciência, pela religião e pela filosofia. Bastem a vós as normas simples, para dirigir vossa vida".

"Falo-­vos em nome de Cristo, para explicar-vos seu pensamento: não para condenar-vos, mas para ajudar-vos. Não vos digo: castigai a vida; mas: res­peitai-a e melhorai-a, vivendo-a com inteligência. Ela é um dom de Deus e não deve ser renegada, mas le­vada cada vez mais para o alto, na direção d'Ele. O desejo de felicidade é um instinto sadio e vital, e ten­des pleno direito a ela. Aprendei apenas: ela só po­de ser conquistada na ordem, com a própria discipli­na, obedecendo à Lei de Deus. Só assim conseguireis diminuir cada vez mais o fardo de vossas dores, efei­to de vossos erros

"Vossos instintos fundamentais devem ser respei­tados, porque eles servem para conservar a vida, necessária para atingir seu objetivo: o de elevar-se, re­gressando a Deus. Por isso, Ele fez que vós os adquirísseis e os fixásseis em vós. São eles hoje a mola ne­cessária à vossa vida, em vossa atual fase. Amanhã conquistareis outros instintos mais evoluídos, para viver em planos mais altos. Não vos prego as abstinên­cias e os jejuns dos santos. Não peço renúncias, mas disciplina. Se não amardes o trabalho, seja ele a vos­sa penitência. Mas, aprendei a amá-lo, a fim de apressar as satisfações que ele proporciona e ele se transformará na alegria de criar”.

"Respeitemos os instintos fundamentais da fome e do amor. Devemos nutrir o corpo, para trabalhar melhor, mas não para empanturrar-nos. Quem abu­sa, seja por excesso ou por falta, estraga um instru­mento que lhe foi confiado por Deus para fins mais altos, entre os quais o de produzir, com o trabalho; cada qual segundo sua capacidade. Em nosso pla­neta existem todos os elementos que podem torná-lo sede de vidas felizes. Mas, estão todos no estado caó­tico. Compete ao homem, com seu trabalho, transfor­mar o caos numa ordem, na qual ele possa viver bem. Ordem exterior, nas ações, que só pode nascer de, uma ordem interior, no espírito".

"Respeitemos o Amor, mas disciplinado, com res­peito à mulher e à família alheia, santificado com a proteção da mãe aos próprios filhos, com a educação destes, com a sublimação do afeto recíproco, que, provindo não apenas dos sentidos, “sobrevive a pró­pria morte”.

"Respeitemos o instinto da posse e de domínio das coisas, mas sob condição de que ele não seja egoísta, que não represente opressão aos fracos, não seja feito de ambição. Seja respeitada a propriedade, fruto do trabalho. Mas, para ter direito do respeito pelas próprias coisas, deve-se antes respeita as coi­sas alheias. Em todos os campos, só tem direito a ser respeitado quem respeita. Seja respeitada a vida em seus instintos, mas esteja tudo disciplinado na medida e na ordem estabelecidas pela Lei de Deus”.

"Quanto mais aprenderdes a viver na ordem, tan­to mais diminuirão vossas atribulações, e quanto mais desobedecerdes à Lei, tanto mais elas crescerão. Não vedes que cada coisa tem seu lugar na natureza? Que aconteceria se o mar quisesse usurpar o espaço que pertence à terra, e se esta quisesse invadir o céu? Tudo é belo e há lugar para tudo, inclusive para vos­sa vida, porque tudo está organizado e em paz. Mas logo que esta ordem e esta paz se perturbem, surge para todos o desastre. Só se respeitardes as regras indispensáveis da vida, estabelecidas por Deus, é que Ele poderá dar-vos a felicidade, de que elas são a condição essencial".

Assim falou nosso peregrino àqueles homens sim­ples. Mas a vida é ação, e era mister, para melhor convencê-los, dar-lhes um exemplo, um testemunho tangível.

Nos arredores do lugarejo, numa praia abando­nada, vivia solitário um rebelde à ordem social, um homem feroz, ladrão e assassino, que, ao Invés de trabalho, preferia viver de delitos é de rapinagem. Era chamado o Lobo. Ninguém ia à sua cabana nem dela se aproximava sé não estivesse armado.

Falaram desse Lobo ao peregrino e este resolveu ir ao seu encontro. Lembrava-lhe isto outro encon­tro, com outro Lobo, talvez o nome de outro ladrão. O assassino, que foi amansado por São Francisco às portas de Gúbio. Os homens da pequena aldeia procuraram dissuadi-lo, mas ele sentiu-se irresistivelmente impelido àquela realização. Ir por aquelas paragens, sem armas, ou mesmo levando-as, mas sem saber usá-las, era loucura Para que deixar-se matar?

Após muita discussão, um dia partiu o peregrino, desarmado, para a cabana do Lobo. Entretanto, acom­panhavam-no alguns homens fortes e bem armados. Deixou-os em certo ponto, escondidos entre as árvores, de sobreaviso, para socorrê-lo, se houvesse necessidade. E encaminhou-se sozinho para a choupana.

Enquanto caminhava, refletia. Já dera um exem­plo, nas grandes cidades, vencendo os mais podero­sos obstáculos que lhe queriam impedir o cumpri­mento de sua missão. Vitória clamorosa, milagre de Deus, que lhe havia provado Seu auxílio e Sua pre­sença a seu lado. Toda resistência havia caído e os elementos negativos tinham sido afastados, apesar de fortes e renitentes. Deus o ajudaria também, realizan­do este outro milagre. Era lógico e necessário tam­bém este exemplo num piano social diferente. Preci­sava aceitar, tinha de expor-se a esta nova prova, em que Cristo deveria triunfar mais uma vez.

O peregrino era também homem e, como tal, te­mia. Talvez tivessem razão os homens da pequena aldeia. Sua ousadia era loucura perigosa e inútil. Então, como sempre ocorrera nos maiores momentos de sua vida, Cristo lhe apareceu ao lado, tomou-o pe­la mão e, enquanto o guiava, desenvolveu-se; a seguinte colóquio:

"Filho, por que tomes? Não estou sempre a teu lado?"

"Senhor, que posso eu? Não é orgulho meu pre­tender mais uma vitória?"

"Vai; filho; não temas; estou contigo. Falarei em teu pensamento; brilharei em teu olhar, vibrarei em ti e manifestar-me-ei através de tua paixão pelo bem. Vai! Através de ti, meu instrumento terreno, vencerei com o Amor esta alma rebelde. Vai! Vencerás. 'Estou contigo".

Peregrino do amor e da dor, nosso homem con­tinuou pela praia, aproximando-se, cada vez mais da choupana. Os homens armados o vigiavam, assus­tados, de longe. Mas, ele caminhava como uma cri­ança, abaixando-­se para apanhar conchinhas na praia, admirando-lhe as belas formas. Depois, exta­siado, olhava o mar, a floresta, os montes, o céu. To­da aquela beleza lhe falava de Deus. Sentia-O tão próximo, que nada mais percebia além d'Ele.

Assim, chegou à cabana. Chamou. Nenhuma resposta. Aproximou-se e bateu. Ouviu um barulho de ferragens e logo apareceu um homem forte, alto, de aspecto feroz. Olharam-se. Olharam-se ainda mais, nos olhos. Nos momentos decisivos, da vida ou da mor­te, o esforço da vida se concentra no silêncio. As coi­sas mais graves são compreendidas sem palavras. Com o olhar eles se mediram e se pesaram. O Lobo em seu instinto de fera, compreendeu que se achava diante do um homem inerme. O fato de não se achar diante do antagonista que imaginava desarmou sou primeiro ímpeto de agressão. O recém-chegado não era um inimigo. Quem era então? E que podia querer dele? E quem lhe dera coragem de chegar até lá, desarmado?

Assim, o Lobo ficou desarmado pelo inerme. Já se viram feras bravias respeitarem criancinhas ino­centes. Muitas vezes a agressão é um ato de defesa, provocado pela agressão alheia, e se esta não existe, a outra não estoura. O Lobo disse apenas: "Que queres aqui? Quem és?"

Silêncio.

Em redor vibrava, partindo de todas as coisas, a grande voz de Deus. Cantavam as harmonias do cria­do, pulsava a essência espiritual da vida, a transbor­dar da forma que a revestia e escondia. Parecia que a natureza, naquele dia celebrava uma festa e entoava uma sinfonia imensa de infinitas vibrações a se abraçarem unidas, em amor, harmonicamente, musicalmente, tecidas numa mesma trama de bondade e de paz. O peregrino sentia um choque em seu cora­ção e estava em êxtase, fora de si. Algo, parecendo um novo poder, penetrava nele e já cintilava em seu olhar, inclinado com um sentido de ilimitada bonda­de para aquela pobre alma, repelida por todos, e que se tomara tão feroz, talvez porque jamais tivesse re­cebido bondade e amor.

Silêncio.

Estavam frente a frente, falando­-se em diálogo cerrado, feito de sentimentos opostos e contrastantes, num violento assalto de vibrações, através dos olha­res. De um lado, o desencadear das forças elemen­tares da vida no primitivo, egocêntrico e prepotente, dominador no caos, ignaro de Deus e rebelde a qualquer ordem e harmonia; do outro lado, o poder da ordem, a que obedecem todos os elementos, coorde­nando­-se fraternalmente em harmonia, no conheci­mento da Lei e no Amor de Deus. Estavam frente a. frente, o Lobo e o peregrino, empenhados numa luta desesperada para vencer. A ferocidade ávida e agressiva de um lado, a bondade generosa e pacífi­ca do outro. Enfrentavam-se dois tipos biológicos di­ferentes, dois exemplares diferentes da vida, que personificavam as forças do bem e do mal, do Amor e do ódio, de Deus e de Satanás. O anjo e a fera esta­vam frente a frente, sós, diante de Deus. Quem ven­ceria?

Silêncio.

Mas, nesse silêncio reboava a voz de Deus, lam­pejava Cristo, acima das forças do mal, moviam-se as falanges do bem. A grande sinfonia que a natu­reza entoava transparecia nos planos de vida mais alta, onde, atingida a harmonização, a felicidade é muito maior. O estridor daquela alma rebelde era uma dissonância triste nesta grande música. Esta, porém, a sufocava com sua potência, quase anulan­do-a, absorvendo-a em sua harmonia. Descia do alto uma grande onda das forças do bem, para amansar aquela alma, impelindo-a pelas grandes vias da Bon­dade e do Amor. Ela queria resistir; mas Deus deter­minara que Ele havia de vencer. Cada vez mais po­derosa resplandecia a luz e as trevas recuavam, ven­cidas. Luta apocalíptica entre as forças do bem e as do mal. O pobre instrumento humano permanecia mudo, como que triturado em meio ao embate dessas forças. '

Assim, atingiu a luta um momento terrível: o pe­regrino sentiu dentro de si como um estouro e acreditou chegada a morte. Viu, confusamente, o Lobo lançar de si as armas, procurou segurar-se a alguma coisa para não cair, mas instantaneamente se encon­trou recolhido nos braços dele.

Estava cumprido o milagre. O Bem, Deus, o Amor, tinham sido mais fortes e haviam vencido.

Os homens da guarda, que tinham visto tudo, correram, largando também suas armas. O Lobo foi le­vado em triunfo para a aldeia. Todos se abraçaram. Acabara o medo, a preocupação da luta e da guer­ra entre os dois, verdadeiro inferno. O peregrino or­ganizou um novo regime de paz, no trabalho. E, no amor recíproco, um ajudando o outro, muitas dores desapareceram. Cristo permaneceu entre aqueles hu­mildes, que agora viviam Seu grande mandamento: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei". Assim, também entre os simples e os pobres, pode formar-se aquilo que simbolizava um primeiro núcleo da nova civilização do Terceiro Milênio.

Esta fábula mostra como o Amor é capaz de vencer. Mas, o problema do “Ama teu próximo” é muito vasto e apresenta-se-nos também sob outros aspectos. Amar o próximo significa unificar os ânimos, superando, na compreensão recíproca, as divergências e lutas em todos os campos. Significa pacifi­cação. Estudá-la-emos, agora, em dois aspectos seus, ou seja, pacificação no 'terreno religioso e pacifica­ção no terreno prático da produção e distribuição eco­nômica na sociedade moderna. Comecemos pelo pri­meiro aspecto.

Dissemos no princípio, que não precisamos de novas religiões, nem de fazer prosélitos em favor de uma condenando as outras, criando, dessa forma, cada vez maiores inimizades; mas, que necessitamos de ajudar os homens de todas as religiões a se torna­rem bons e honestos. Desenvolvamos o primeiro con­ceito. A seguir, desenvolveremos a segunda parte deste tema.

Infelizmente, as rivalidades no terreno religioso foram, e são ainda, sempre grandes, justamente on­de, por mais aproximar-se de Deus, deveria ser maior o amor ao próximo. A finalidade de qualquer religião deveria ser sempre a de pacificar e unificar. Qualquer religião que não trabalhe nesse sentido, pode considerar-se irreligiosa, realmente contrária a reli­gião. Mas, infelizmente, elas operaram em sentido exclusivista, de grupo, centralizador e imperialista, com espírito de expansionismo dominador e proseli­tismo. Essa é a natureza do homem em sua fase atual de evolução e ele não sabe comportar-se diferente­mente em outro campo. A compreensão recíproca, a colaboração, a organicidade da coletividade social, ainda são para ele conceitos inatingíveis. Ainda é guiado pelo instinto gregário, pelo qual ele apenas sabe fazer alianças de grupo, fortificando-se nelas para condenar e procurar eliminar todos os outros grupos que não sejam o próprio. A humanidade vive, em todos os campos, mesmo no religioso, em regime de lutas, e qualquer ordem só é concebível como resultado de uma disciplina imposta por alguém mais forte, e, por isso, pelo vencedor. Daí, em todas as re­ligiões, as mesmas qualidades, próprias do homem: absolutismo, dogmatismo, farisaísmo, proselitismo, imperialismo etc. É a natureza egocêntrica do ser humano que o leva a ser tal em todas as suas manifes­tações e a conceber também as religiões como uma potência que cresce por centralização e por expansio­nismo centralizador. É por isso que os diferentes pon­tos de vista das nossas verdades relativas e progres­sivas, são tomados como verdades absolutas, mesmo nas religiões que, em suas palavras, dizem o contrá­rio. Este é o estado de fato.

A tese que sustentei desde 1951, em minha pri­meira chegada ao Brasil, e que já havia sustentado na Europa, foi a de “imparcialidade e universalida­de". Permaneci a ela igualmente fiel, diante desta ou daquela religião. Mas, todas mostraram a mesma vontade de enclausurar-me e fechar-me em seu pró­prio grupo, impondo-me uma verdade já feita, que exclui qualquer pesquisa e condena toda tentativa de progresso e aperfeiçoamento. Mas, nem todos po­dem apenas aceitar e dormir, somente para fornecer material a fim de engrossar suas fileiras. Não há dú­vida de que todas as igrejas querem ser universais, mas a apenas no sentido imperialista: todas querem unificar mas debaixo do próprio domínio. Não foi nesse sentido que compreendi a universalidade. Não a entendi no sentido de um partido religioso, que se expande tanto, que conquista tudo.

Ao contrario, universalidade deve entender-se no sentido de imparcialidade, para chegar, não à submissão, mas à convivência livre, fruto da compreensão. E compreensão é mais do que tolerância, pois esta subentende sempre a própria supremacia que tolera, isto é, se digna permitir. Compreensão signi­fica recíproca integração dos vários aspectos, no re­lativo humano, para poderem, assim, unidos, aproxi­mar-se cada vez mais do absoluto. É uma confrater­nização dos fiéis de todas as religiões, diante do mes­mo Deus igualmente adorado por elas. A identidade da meta para a qual todas convergem, deveria uni-las ao invés de dividi-las. Ora, esse espírito de divisionismo e de exclusivismo e a luta que daí deriva representam os instintos próprios de um plano bioló­gico atrasado, que o progresso espiritual do mundo se apressará em liquidar. Também no terreno religioso, a evolução dirigir-se-á cada vez mais para a uni­ficação, dado que esta é sua direção. Trata-se de uma maturação biológica, que penetrará todos os campos, inclusive o religioso, porque é um amadurecimento do ânimo humano. Partindo do atual siste­ma de atritos entre egocentrismos que se não conhe­cem um ao outro, chegar-se-á à cooperação dos indi­víduos, transformados como unidade orgânica na sociedade humana. Esta deslocação fundamental de um plano evolutivo, levará a uma transformação tam­bém no modo de compreender as religiões. Como rea­ção natural ao atual rebaixamento da onda histórica, expresso pelo materialismo que domina hoje o mun­do, chegar-se-á, por meio da reação, a um inevitável e complementar despertamento espiritual. Isto força­rá o homem a sentir sempre mais, nas religiões, sua substância espiritual, dando cada vez menos impor­tância às formas exteriores, que hoje têm valor maior. Pertencendo à matéria, elas representam o que divi­de, ao passo que sua substância, sendo espiritual, representa o que une.

Será o fenômeno biológico desse espiritualizar-se de todo o ser humano, será esse seu subir das apa­rências à essência interior das religiões, que lhe fará compreender sua substancial unidade. E o ser huma­no compreenderá como é absurdo, ou coisa pior, o li­tigar, condenar e até perseguir em nome de Deus, do próprio Deus. O passado naturalmente, é separatista. Mas o futuro só pode trazer unificação.

Hoje, ao invés, que acontece? O dogmatismo não é uma qualidade de determinada religião, mas do homem; e pode aparecer em todas as religiões quan­do apareça nelas um indivíduo que seja levado ao absolutismo por seu temperamento. O maior erro é considerar erro tudo o que está fora do grupo; a maior heresia é considerar heréticos todos os que pensam diferentemente; o maior pecado é não respeitar as consciências alheias. A verdade é uma coisa em continua evolução e não pode deter-se no caminho As verdades envelhecem e renovam-se, como acontece com todas as coisas. Isto não quer dizer destruir. Renovando-se, a vida não se destrói, mas reju­venesce. Não há dúvida de que o patrimônio das verdades adquiridas deve ser conservado e cada religião tem de conservar o seu. Mas, deve respeitar, também, aquele que as outras religiões têm de con­servar. E precisa não sufocar o desenvolvimento e o aperfeiçoamento dessas verdades; nem deve, por excesso, de zelo, deixá-las cristalizar-se e morrer de velhice.

Na economia das religiões, também são necessá­rios os pioneiros, os quais, condenados pelos ortodoxos, assumem a dura tarefa de fazê-las avançar. Ta­refa que eles têm de realizar, correndo risco e perigo, ao passo que os demais podem repousar seguros e tranqüilos, nas posições que conquistaram. Não é a estes, sem dúvida, que a vida confia as funções de fazer progredir. Daqueles pioneiros, Cristo foi o maior exemplo. Foi Ele o primeiro rebelde à ortodoxia do passado, o inovador que tinha de levar o Velho até o Novo Testamento, não destruindo, mas continuando, aperfeiçoando e desenvolvendo em formas mais adaptadas ao amadurecimento do homem. Sem Cristo, julgado blasfemo pelas autoridades, estaríamos ainda nas velhas concepções mosaicas. Nesses amadurecimentos, deve sempre ser engajada a luta entre o velho e o novo, entre os conservadores e os inova­dores, entre os ortodoxos e os declarados hereges. Cristo diante da religião hebraica, foi o maior here­ge, e, por isso, foi condenado a morte.

Na evolução religiosa acontece a mesma coisa que se verifica na evolução política. Os poderes constituídos resistem ao novo, para não perder as po­sições conquistadas. Isto, até que sobrevenha uma revolução que lance idéias mais avançadas e, ven­cendo, as fixe depois em novas instituições, defendi­das por outros poderes constituídos. E assim, tudo caminha, mas por meio do contraste e da luta. De acordo com o exemplo de Cristo, podemos mesmo acreditar que, aos cristãos não-ortodoxos, que natu­ralmente são condenados, possa ter sido confiada, em alguns casos, a mesma missão que Cristo teve di­ante do Judaísmo, ou seja, a de forçá-lo a dar um sal­to adiante, sem o qual aquela religião teria permane­cido fechada nas velhas fórmulas, sem evolução ul­terior. E podemos acreditar logicamente também que, para um Cristianismo de amanhã, novo, mas verda­deiro e espiritual, trabalhem e produzam mais aque­les pioneiros condenados do que os conservadores e perfeitos ortodoxos. E quem sabe tenha Deus confia­do justamente a esses pioneiros a dura e perigosa tarefa de realizar esse progresso, de modo que o pró­prio catolicismo, quando os tempos estiverem madu­ros e uma reforma for indispensável, já encontre um plano não improvisado, uma doutrina mais evoluída, para espiritualizar-se, a fim, de tornar-se, com as ou­tras religiões afins o verdadeiro Cristianismo, isto é, aquela religião de substância, concebida pelo Cristo, e à, qual ainda não chegamos. Ele disse: “Amai-vos uns aos outros”, e não “condenai-vos uns aos outros em meu nome”.

Esta fusão de ânimos, no terreno religioso, é um dos maiores aspectos daquele Amor evangélico, que é a síntese dos ensinos de Cristo.

Mas, o amor ao próximo assume também outros aspectos. Trata-se de superar, na compreensão reci­proca, as divergências e as lutas, mesmo em outros campos. Estudamos o problema da pacificação no terreno religioso. Estudemo-lo agora no terreno prá­tico da produção e distribuição econômica de nossa sociedade. Dissemos, pouco atrás, que o que mais importa é “tornarem-se bons e honestos os homens de todas as religiões”. Desenvolvemos a primeira metade do tema. Desenvolvamos, agora, a outra.

Sejamos práticos e positivos. Todos, teoricamen­te, desejariam ser bons e honestos. Mas, os homens de todas as religiões querem, antes de tudo, viver, e que vivam também suas esposas e seus filhos. É por isso que lutam e, se não são bons e honestos, é por­que, para viver, eles se põem a escorchar o próximo. E quanto mais a família é sadia e compacta, mais representa ela um castelo bem defendido contra todos. Quanto mais o chefe é forte e hábil, melhor sabe ele cumprir o dever de defender sua esposa e filhos, e mais essa família é um carro armado, de assalto e defesa, contra as outras famílias, como cada nação o é contra as outras nações. Ora, é evidente que a má­xima evangélica do "ama a teu próximo", neste mundo, é totalmente utópica. Demonstra-o o fato de que ninguém, ou quase ninguém, a aplica completamente Reduz-se ela, assim, a um desejo piedoso, a uma afirmação teórica, a um sentimentalismo mais ou me­nos hipócrita. Mas, então, por que Cristo quis fazer e transmitir essa afirmação? Seria Ele, talvez, um so­nhador, que não conhecia as condições reais e as exi­gências de nossa vida?

Não. Cristo não se colocava fora da realidade da vida, ignorando suas leis e pedindo o impossível. Se estas são, inegavelmente, as condições atuais do ho­mem, ainda imerso no plano biológico animal, esse mandamento exprime a lei de um plano biológico mais alto, que o homem terá de atingir e, começando a praticá-lo e a aprender, dessa maneira, uma nova norma de vida, ele deve preparar-se desde agora pa­ra entrar naquele plano. As leis da vida mudam, re­lativamente ao grau de evolução que se atingiu. A lei feroz da luta pela seleção do mais forte é lei em nosso plano animal, em que os seres não se conhecem uns aos outros. Encontram-se num estado caó­tico em que o indivíduo está sozinho, com suas for­ças, contra todos. É lógico que a natureza, a esse ní­vel, premie o mais forte. Neste mundo ainda não nasceu o novo homem civilizado do futuro, o homem orgânico das futuras grandes unidades coletivas. Esse novo homem colabora com o. próximo e suas atividades e, ao invés de colidir com ele, coordena-se; ao invés de tender a destruições mútuas na luta, so­ma para o bem de todos, com grande vantagem pa­ra o bem de cada um.

O atual e egoístico esmagar-se reciprocamente seria considerado, numa sociedade mais evoluída e menos ignorante das leis da vida, uma estupidez, de­vido a forma mental atrasada, e isto porque é, antiprodutivo e antiutilitário para todos, inclusive para o indivíduo. Ainda estamos longe de uma verdadeira civilização inteligente. Em nossa humanidade ainda prevalece a selvageria; ela sobrevive devido ao fruto do passado bestial, o instinto e até o gosto de matar. Os jornais, o cinema, a televisão, os romances populares estão cheios de histórias de delitos, que o público lê e vê com alegria, ao invés de olhá-los com horror. Isso revela uma forma mental confusa, que não podendo satisfazer-se com os fatos, por medo do código penal, satisfaz-se com a imaginação. Essa presença de gostos ferozes explica-se como uma sobrevivência do passado, em que, na rivalidade da luta pela vida, o extermínio de quem estava fora do próprio grupo representava sinal de vitória portador de bem-estar. É por isso que, para os mais involuí­dos, a idéia da destruição do próximo esta ligada à idéia da alegria de viver. Encontram-se no pólo opos­to do Evangelho, que quer inverter completamente as posições. Se se compreendesse quão grande revolu­ção biológica o Evangelho quer operar não nos maravilharíamos ao verificar que, em dois mil anos, apenas muito pouco se fez, como realização sua na vida do homem.

É bem difícil a tarefa e bem árduo o trabalho que o Evangelho tem de levar a termo, para transformar esse tipo biológico e transportar essa animalidade feroz e egoísta até à margem oposta do “ama a teu próximo”. Há dois mil anos que se prega, ou, seja, que se procura fixar, com a repetição, no cérebro hu­mano, essa nova ordem de idéias. Mas, a realidade, que justamente se procura modificar, é diferente. O passado resiste ou ressurge a cada passo. Desse con­traste entre os dois princípios diversos, que buscam conquistar o campo das atividades humanas, nascem as acomodações, as hipocrisias, as revoltas a que as religiões se amoldam. E, assim, pode transformar-se o Evangelho em mentira. Trata-se de mudar a natu­reza humana nela induzindo uma persistente corre­ção do passado, através de atividades opostas. Com a repetição destas, até o surgimento de hábitos, através dos automatismos, tal como se domesticam animais, nascerão novos instintos, em lugar dos velhos. Mas, á dureza da vida, imposta pela luta, e as neces­sidades materiais não cessam; o assalto da defesa e do ataque está sempre pronto para reduzir a pó a máxima evangélica: “ama a teu próximo”. É verda­de que ela pertence ao futuro. Por isso, em nosso mundo, ainda aparece como um absurdo, como algo impraticável.

O Evangelho seria belo se fosse praticado por to­dos, porque então a reciprocidade do sacrifício pelo próximo torná-lo-ia compensado. Mas, onde não exis­tem essa reciprocidade e essa compensação, o cor­deiro, que e o único a amar no meio de um bando de lobos, acaba sendo simplesmente despedaçado e eli­minado. Sem dúvida, aquele que, sozinho, for o pri­meiro a viver num mundo como este, cento por cen­to, o Evangelho, não pode deixar de ser um mártir. Por isso, o homem começa a vivê-lo em porcentagens mínimas mas, assim mesmo, elas já penetram e se enxertam em sua natureza inferior e a modificam um pouco. O progresso é uma conquista laboriosa e só pode realizar-se por etapas. O Evangelho é uma in­versão tão grande da bestialidade humana que, se a ela fosse aplicado integralmente, de uma só vez, des­truí-la-ia e, com isso, destruiria a única forma de vida que o ser inferior possui. É necessário, primeiro, fa­zer evolver esse tipo biológico, ensiná-lo a viver num plano mais alto, de modo que, no Evangelho, ele não só continue a viver, mas encontre melhor forma de vida, mais vantajosa.

A vida quer durar de qualquer maneira e rebe­la-se contra quem a queira sufocar. Jamais se deve sufocar a vida. Ora; é mister compreender que o Evangelho não é contra a vida Ele é apenas contra a bestialidade que domina a vida, cujo desenvolvimento ele não atrapalha, mas encoraja a levá-la a um plano evolutivo mais alto. Trata-se de ser mais inteligente, para compreender a enorme vantagem, para todos, de viver segundo o Evangelho. Observei certa vez, passarinhos prisioneiros numa gaiola. Evi­dentemente, todos sofriam. Mas, ao invés de procurar juntos um caminho para a fuga, que teria sido fácil se eles o tivessem compreendido, viviam a bicar-se uns aos outros. Assim, para vencer uma pequena partida, um contra o outro, perdiam a partida maior se todos se unissem. É assim que o homem age. Tal como aqueles pássaros, ele sabe fazer apenas o que lhe dizem os instintos e, assim, por falta de inteligência, acreditando vencer a partida, para ganhar a menor, perde a maior. Todo defeito reside no fato de que o homem, usando o raciocínio do indivíduo isolado, não vai além dele, e não sabe servir-se do racio­cínio do homem orgânico, que vive em função da co­letividade. Assim, os homens, lançando uns a culpa nos outros, permanecem todos fechados na gaiola da própria ignorância e sofrem igualmente essa prisão. Cada um sempre espera bondade e virtude do outro, e não de si mesmo; começa sempre pelos próprios di­reitos, e não pelos próprios deveres. "Sim, amemo-nos uns aos outros", dizem; “mas, se eu for bom, os outros se aproveitam disso; se fico qual cordeiro en­tre os lobos, eles me despedaçam. Então, tenho interesse em ser lobo cada vez mais, para despedaçar até mesmo os lobos". Assim procuram todos agir e o nó da ferocidade, da luta é do contínuo perigo cada vez mais se aperta em redor do pescoço de todos. E, por isso, a humanidade permanece imersa num pântano de atribulações. Bastaria querer sair daí, por­que o monte está bom próximo e todos podem subi-lo. Mas, é preciso fazer o esforço de galgá-lo, e isso ninguém quer fazer, porque viver o Evangelho é árduo sacrifício para o atual tipo biológico, que per­tence a outros planos de evolução. E o homem não quer fazer o esforço de evolver. Mas, se esta é a razão pela qual vive, ele deverá realizá-lo. O Evange­lho é a Lei do futuro e é fatal que a humanidade te­nha de atingi-lo um dia.

Como se vê, o problema do "ama a teu próximo", se for concebido, como muitas vezes se faz, só como um ato de sentimentalismo, permanece fora da reali­dade. Ele faz parte da evolução. O progresso é um fenômeno complexo que, para realizar-se, requer o amadurecimento de muitos elementos diferentes: psicológicos, econômicos, científicos, sociais. Aquela má­xima evangélica envolve com ela outros problemas, até mesmo práticos. Permanecendo cada qual ape­gado ao próprio egoísmo, constrange os outros a ele também permanecerem apegados. Forma-se, assim, uma culpabilidade e responsabilidade coletivas, que arrastam todos ao mesmo báratro de atribulações. O trabalho para se chegar a viver o Evangelho é árduo e complexo. Mas, é verdade também que, ao lado de todos os outros instintos, o homem também tem o ins­tinto do progresso, que visa a melhorar suas condições. Além disso, estão ai seus atuais sofrimentos e nada há como o sofrimento para despertar a inteli­gência. Dessa forma, poderá começar o homem a compreender como dirigir seu insaciável desejo de subir, ou seja, subir inteligentemente na direção in­dicada pelo Evangelho. Também existe a solução em curso, que cada vez mais se vai realizando, de muitos outros problemas paralelos, como o da justa distribui­ção da riqueza e o da elevação do nível de vida por meio do progresso científico. Tudo concorre, até mes­mo a solução de muitos problemas, até agora consi­derados, insolúveis, do conhecimento, para melhorar as condições de vida, diminuindo sua ferocidade e aspereza, abrindo as mentes e os corações para uma melhor compreensão recíproca.

Realizar-se-á, assim, a grande transformação, por etapas. Como foi abolida a escravidão, também me­diante providências sociais estatais será abolida a miséria; desse modo, como cada indivíduo, pelo nascimento, tem direita a liberdade, assim terá direito àquele mínimo que lhe é indispensável para viver, embora mesclado com o dever do trabalho. Serão inauguradas novas formas de vida social e, no seio dos novos sistemas, poderá amadurecer melhor o in­divíduo. A vida opera suas transformações biológi­cas por etapas. O interesse coletivo disciplinará cada vez mais o desordenado interesse individual. O mais vasto egoísmo da unidade coletiva circunscreverá e reabsorverá sempre mais em si o limitado egoísmo individual. O poderio e as vantagens da organiza­ção social vencerão a anarquia do indivíduo rebelde. Isto, por etapas, até que seja eliminado o egoís­ta absoluto, para o qual a justa medida do dar e do receber é - "tudo para si e nada para os outros”. Ao longo dessa estrada de subida, o homem poderá ir verificando os benefícios da disciplina, porque a ordem, a qual deve ele esforçar-se por obedecer, vol­ta a ele depois, da parte: dos outros, como reciproci­dade, com vantagem para si. Dessa forma ele verá quão melhor poderá viver, mesmo como indivíduo, num» regime de ordem do que num regime de caos. Na floresta, o homem poderia gozar de modo absolu­to aquela liberdade que tanto lhe agrada. Mas, ele prefere viver na cidade, onde normas numerosas li­mitam aquela liberdade. Isso porque a liberdade da floresta inclui lutas e perigos, que desaparecem nas cidades, onde lhe são ofertadas outras utilidades an­tes desconhecidas.

A maior recrudescência da luta, o que mais nos mantém afastados do amor evangélico, é o assalto das necessidades materiais. É verdade que não bas­ta havê-las satisfeito, com o bem-estar, para que se tome o homem espiritualizado. Mas, também é ver­dade que não se pode falar de coisas espirituais a um faminto, nem dizer que é preciso sacrificar-se pe­los outros a quem precisa de tudo. O problema do amor evangélico é, portanto, também um problema econômico. O amor é bem difícil entre famintos, que precisam lutar por obter o próprio alimento. O homem quer a satisfação concreta de suas necessidades e não se satisfaz com sentimentalismos teóricos. Nem com estes, nem tampouco com guerras e revoluções se criam meios. Para elevar o nível econômico, o meio positivo é o trabalho para produzir maiores fru­tos. Com uma distribuição diferente, da pouca rique­za total existente, poderão alguns melhorar mas, no conjunto, o nível de vida geral permanece baixo. Então, será melhor uma sociedade na qual sejam to­dos mais ricos pelo fato de todos trabalharem e pro­duzirem, ainda que aí não seja a riqueza distribuída com toda a justiça, do que uma sociedade em que esta é distribuída com justiça, mas todos são pobres, porque ninguém trabalha nem produz.

No terreno prático, o "ama a teu próximo” é um problema de distribuição equânime de direitos e deveres. Dado que do nada, nada pode nascer, é evi­dente que, para poder alegar direitos contra o organismo coletivo, é necessário realizar em seu favor to­dos os deveres próprios. Para receber é preciso dar. Sem dúvida, o instinto do primitivo é o de tomar sem dar, e. nisso ele ainda faz consistir a sua sabedoria. Tal procedimento pode ser utilitário e produtivo num regime de caos, em que o indivíduo está sozinho, num ambiente hostil. Esse sistema todavia, torna-se antiu­tilitário e contraproducente num regime de ordem, em que o indivíduo necessita de completar-se com todos os outros, cada um especializando-se numa função di­ferente, numa sociedade orgânica. Nessa sociedade, o indivíduo que quer vencer subjugando com a luta, não encontra mais lugar, e o homem atual seria aí eliminado. Nessa sociedade a honestidade de todos é a primeira condição da vantagem e do bem-estar de todos. O trabalho deverá criar um produto genuíno e o mercado deve oferecer uma mercadoria não falsificada, pois doutra forma o dinheiro só poderia comprar enganos e perderia seu valor para todos. Quem rouba o próximo, nada dando em troca do va­lor que apanha, rouba a sociedade humana de que faz parte e assim acaba roubando também a si mes­mo. Com este sistema, desvaloriza-se o poder aqui­sitivo da moeda, vão à falência as nações e arrui­nam-se os povos. Em tal sociedade, os finórios que acreditam ter vencido enganando o próximo acha­rão um exército de outros finórios como eles, e a vida se tornará para todos uma peleja feroz, até que enganadores e enganados cairão todos na mesma ruína. Mas, o homem atual está tão alucinado por sua exclusiva vantagem imediata que não compreende a impossibilidade de ele considerar-se única vítima; e assim sendo, tantos impulsos iguais, todos somados no mesmo sentido, não podem deixar de levar todos ao mesmo desastre. O mal reside na ignorância ab­soluta das leis da vida ou no fato de pensar-se que elas podem ser violadas impunemente. Conclusão: são necessários, para que o homem compreenda co­mo deve comportar-se, os sofrimentos que ele mesmo busca; e são até poucos diante daquilo que ele pro­voca e merece.

"Ama a teu próximo" será o conceito-base das sociedades futuras mais evoluídas. Nestas, a riqueza será uma função social nas mãos dos dirigentes, pa­ra o bem de todos, e não um meio de vantagem ex­clusiva e egoística. Nesse novo mundo o poder político ou governo será uma missão a desempenhar, com a tarefa de guiar os povos para seu bem e pro­gresso, e não o fruto de feroz luta contra os rivais pa­ra conquistar uma posição de domínio, apenas em seu benefício egoísta. Nossa sociedade está nos an­típodas do "ama a teu próximo". Vive-se hoje o princípio oposto: “esmaga teu próximo, antes que teu próximo te esmague". Nossa evolução emerge do caos, que é o nosso passado, mas caminha para a ordem e a harmonia. Em nosso planeta e dentro de nós existem todos os recursos para fazer da Terra um jardim, e de nós, anjos. Deus nos deu todos os meios, mas o esforço de procurá-los, desenvolvê-los e utilizá-los com conhecimento, deve ser nosso. O de­senvolvimento da sensibilidade e da inteligência nos levarão a compreender a tremenda estupidez da fraude, da exploração, da violência, tanto em guer­ras como em revoluções, e a grande importância da honestidade, da paz e da colaboração. A evolução consiste, sobretudo, na reorganização do caos. A pas­sagem para a fase do “ama a teu próximo” faz parte dessa reorganização. Reorganização do caos do am­biente externo de nosso planeta, e também de nosso mundo interior, ainda tomado pelos instintos elemen­tares e pelas trevas da ignorância.

Eis a diagnose do mal e o remédio para curá-lo. Procuremos, todos nós, introduzir em nossa vida a maior dose percentual de Evangelho que possamos suportar. Aplicá-lo todo, cento por cento, imediatamente, requer a força dos santos. Mas, comecemos por etapas, procurando aumentar as doses à propor­ção que aumentarem nossas forças. Será esforço, mas certamente, poderemos fazê-lo, quando temos consciência da nossa participação na grandiosa obra de regeneração da sociedade humana, fazendo evoluir da animalidade para a verdadeira civilização. Seremos os pioneiros dos grandes continentes inexplorados do espírito. Espalhemos a cada momento, em redor de nós, atos de sinceridade e de bondade. As vibrações de cada movimento jamais se perdem e alcançam distâncias inimagináveis. E, com o tempo voltarão para nós em forma de bênçãos e de benefício pró­prio. “Quem faz o bem o faz a si mesmo e quem faz o mal a si mesmo o faz”. Comecemos tendo a boa vontade de fazê-lo. Não procuremos justificar nossa preguiça, dizendo que essa subida é muito difícil; nem escapar às nossas responsabilidades, jogando a cul­pa sobre os outros. Principiemos cultivando nossas virtudes, e não exigindo-as do próximo. Procuremos amá-lo, ao invés de importuná-lo, salientando-lhe os defeitos. E não lhe peçamos que faça os sacrifícios e esforços que achamos demais árduos para nos.

Não nos esqueçamos de que não estamos sós. Quem se encaminha por essa estrada não pode dei­xar de ter o auxilio de Deus, Que ajuda a todos nos esforços de realização da Sua Lei. Deus dirige o grande caminho da evolução, através do qual atrai todos os seres a Si, Deus dirige a. História e o desenvolvimento do progresso humano, voltado para novos tipos de civilização, em que o espírito dominará. Os homens de boa vontade serão arrastados pela torrente da onda histórica, que lhes valorizará o es­forço, fazendo-os alcançar resultados inesperados.

Não nos espantemos pelo fato de que agora nos achamos no fundo da descida da onda da evolução, isto é, em pleno período involutivo, expresso pelo ma­terialismo. Quem conhece a estrutura do fenômeno sabe que a descida preludia o progresso na direção do alto e que, brevemente, no inicio do novo milênio, nos espera uma reação fecunda e construtiva, de re­novação espiritual. Seu resultado será o nascimento de novo tipo de civilização, a nova civilização do Ter­ceiro Milênio, em que o espírito triunfará e a matéria será sua escrava. Nessa civilização, o Evangelho não será apenas pregado, mas vivido, inclusive pelas instituições sociais. É, pois, a própria natureza do presente momento histórico que, como nunca, torna atual a aplicação do mandamento de Amor evangélico, por­que rapidamente se avizinha o dia de tornar-se rea­lidade a palavra que Cristo lançou como Sua maior recordação e seu maior ensinamento:

"AMAI-VOS UNS AOS OUTROS

COMO EU VOS AMEI".

Fim.


[1] Evangelho de Mateus, caps. 5, 6, 7 (Sermão da Montanha) (N. da E.).