Loja de Alegria
("Loja de Alegria", de Francisco Cândido Xavier, por Jair Presente)
Prefácio
Loja da Alegria
Emmanuel
Meditávamos em ameno recanto do Piano Espiritual, quando o jovem comentarista desencarnado se aproximou, apresentando-nos uma pasta recheada de papeis.
—0 amigo poderia ler algo do que escrevi? — perguntou respeitoso.
Entendendo que já nos conhecíamos pessoalmente, informei:
— Já li toda a tua produção e te estimo a sinceridade.
o dia1ogo prosseguiu:
— Já leu? Como?
— Nas transmissões mediúnicas, pelo dever de acompanhar os amigos que se comunicam.
o jovem considerou, intrigado:
Muitos amigos desejam se faça um livro de minhas paginas.
-Um livro?
— Sim.
— Com que objetivo?
— Demonstrar que a morte não existe, reconfortar os que choram...
— Qual é o titulo?
— Sinceramente, não sei.
No sentido de ativar o nosso entendimento, indaguei:
— Quando no Piano Físico, que mais desejarias haver possuído, sem que realizasses o teu intento?
O rapaz mostrou um brilho mais intenso nos olhos e explicou sorrindo:
— Queria ter tido uma loja de alegria para distribuir felicidade com todas as pessoas.
— Pois, observa. A nosso ver, o teu livro é uma loja de alegria, pelo humor com que sabes expor os ensinamentos mais elevados, capazes de serem veiculados na Terra, em nome do Piano Espiritual. Criaste um modo pr6prio de comunicar as tuas opiniões aos companheiros do mundo em que a poesia se confunde com a prosa e vice-versa.
Acreditamo-nos dispensados de dizer que o jovem é Jair Presente e que o volume nascido da inspiração dele ficou titulado sob a denominação de “Loja de Alegria”.
Este é o livro amigo e simples que te entregamos, caro leitor, revelando o coração idealista e nobre de um moço que se aplicou alegremente à verdade na Vida Maior.
Quanto ao mais, permitimo-nos colocar o ponto final nestas anotações despretensiosas, a guisa de prefácio, rogando a Jesus nos abençoe a todos, e conservando a certeza de que não precisamos elogiar as páginas deste volume, porquanto, o próprio leitor as julgará por si mesmo.
Emmanuel
Uberaba, 7 de janeiro de 1985
Palavras dos familiares de Jair Presente, a respeito de suas mensagens recebidas por
Francisco Cândido Xavier e, de modo especial, das que constituem este livro
Quando Jair partiu para a Pátria Espiritual, a dor e a saudade tomaram conta de nossos corações.
Após pouco mais de um mês, o sol começou a brilhar novamente para nós, quando tivemos o primeiro contato com Chico Xavier, que nos deu tanto alento e esperança.
A primeira mensagem psicografada pelo Chico nos trouxe forças e incentivo para continuar-mos a enfrentar os embates da vida. Depois de algumas cartas mediúnicas do Jair começamos com fé e vontade a estudar a Doutrina Espírita, encontrando paz na alma e despertando para o trabalho em favor de nosso pr6xirno.
A cada dia que se passa aumenta a nossa alegria, sabendo que suas mensagens continuam, sendo para nós bênçãos de conforto e esclarecimento doutrinário, através das mãos abnegadas e amigas do querido Chico.
A nossa felicidade é imensa ao sabermos que o Jair continua trabalhando em outro piano de Vida no qual algum dia esperamos, também, estar presentes, para permanecermos juntos novamente.
Jair foi e é um espírito forte,robustecido na fé.
(Os pais, Jose e Josefina e a irmã, Sueli).
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1 - A Pior
Jair Presente
Nos cuidados deste mundo
As doenças muitas são:
Catapora, perna bamba,
Reumatismo, amarelão;
Dor de cabeça, azedume,
Enjôo, melancolia,
Preguiça, tangolomango,
Sarampo, disenteria;
Dor de dente, tremedeira,
Budum, onzena, chulé,
Gagueira, bafo de onça,
Mão boba, bicho de pé;
Catarata, corpo ruim,
Pé chato, cabeça fraca,
Nervo torto, pele seca,
Feitiçaria, mandraca;
Aflição, mal de São Guido,
Lobinho, cara cinzenta,
Defluxo, carne rendida,
Catarro, baba de venta;
Mas de todas as doenças
Na provação que escorraça,
A pior que conhecemos
É a zonzeira da cachaça.
a b
2 - A Receita
Jair Presente
Se você sente amargura,
Inquietação e pesar,
Quanto lhe seja possível,
Não deixe de trabalhar.
Preocupações em negócios?...
Conflitos dentro do lar?...
Não faça reclamações,
Dedique-se a trabalhar.
Tropeços na profissão
Com vencimento a minguar?
Não se amedronte, nem tema,
Continue a trabalhar.
Injúrias, reprovações
E a tentação de brigar?
Acalme-se na oração,
Renove-se a trabalhar.
Enfermidades e lutas
Na vida particular?
Para afastar qualquer sombra,
A receita é trabalhar.
Muita gente após a morte,
É que vive a lamentar
Todo o tempo que perdeu
Por não querer trabalhar.
a b
3 - A Surpresa
Jair Presente
Aberta a reunião,
O amigo Joaquim Lucena
Exortou aos companheiros,
No garbo de quem ordena:
-“Meus irmãos, muito cuidado!
Evitem ficar na cola
Da lembrança lamentável
Do Coronel João Marçola.
Há um século, mais ou menos,
Esse horrendo Coronel
Foi dono destes sítios,
Homem mau, bruto e cruel.
Depravado ele trazia
Veneno dentro das veias,
Fez muitas mortes e furtos,
Tomando terras alheias.
Esse infame era decerto
Um lobo, em forma de gente,
Aniquilou muitos lares
Qual terrível delinqüente.
Não podemos recebê-lo,
Em nossa reunião,
O Coronel João Marçola
Foi criminoso e ladrão.”
Alguns momentos passados,
O guia Adão Serafim
Tomou o médium Silvano
E dirigiu-se a Joaquim:
-“Meu amigo, não condene,
Use bondade e razão;
Aquele que foi Marçola
Precisa de compaixão.
O Coronel referido
Encontra-se renovado;
Ele agora é um companheiro,
Novamente reencarnado...”
-“Que ouço? – clamou Joaquim-
Renasceu de que raiz?
Como voltou? Como está?
Quem será esse infeliz?...
O guia falou: - “Joaquim,
Recorde que o Céu nos vê...
O Coronel reencarnado
É justamente você.”
a b
4 - Atração
Jair Presente
Você deseja o sentido
Daquela lição segura:
-“Cada pessoa na vida
Acha aquilo que procura.”
O ensino vem do Evangelho
Com tamanha singeleza
Que para ser explicado
Basta ver na Natureza.
No belo mundo das aves,
A andorinha persevera,
Buscando incessantemente
O lugar na Primavera.
A mosca se movimenta
Com diligência incontida,
Tentando refugiar-se,
Nessa ou naquela ferida.
A abelha deixa a colméia
E, sempre ativa e fiel,
Acha a flor que lhe garante
As substâncias do mel.
O abutre, sisudo e firme
Voa, alto, mas, no fundo,
Quase sempre, só se farta
Nos excrementos do mundo.
Assim somos nós também...
Segundo a questão exposta,
Somente achamos nos outros
Aquilo que a gente gosta.
a b
5 - Atualidade Terrestre
Jair Presente
Escutem, caros amigos,
Minha irmã e meu irmão,
Na Terra, estamos agora,
No mar da tribulação.
O mundo – lar flutuante –
Que nos resguarda e comporta,
Esculturado em grandeza,
É a nave que nos transporta.
A embarcação não tem brechas
Nas bases em que se assenta,
Mas navega sob as nuvens
De tempestade violenta.
A direção vai correta
Mas, por muito se capriche,
A aflição nos passageiros
Alcança todo o beliche.
O navio ringe e estala
Suportando a gritaria,
Tubarões rondam mais perto,
Esbraveja a ventania.
Nos viajores, há rixas,
Brandam ânimos azedos
Todos sabem que há perigo
Em disfarçados rochedos.
Por cima, trovões ribombam
No furor do cataclismo,
Por baixo da maré grossa,
Agita-se o grande abismo.
Entretanto, muito embora,
Pareça a nave ranger,
Qual ninho que se estraçalha
Ninguém precisa temer.
Ninguém receie naufrágio,
Nem se inquiete, quanto a isto,
O barco segue na luz
Do farol de Jesus Cristo.
a b
6 - Cartaz de Aviso
Jair Presente
Se zebra significa
Estado de negação
Conheço muitos rebanhos
De zebras em profusão.
Conheço as zebras do jogo
Que chegam com o lobo mau,
Do grude e da marginália
Que vem com cara de pau.
Já vi a da bananosa,
Entendo a do bolso liso,
Noto a da cuca grilada,
Da bronca e do prejuízo.
As duas mais perigosas
São a pinga e o fumacê,
De garrafa, copo e prisa,
Que surgem não sei por quê.
E a turma de Jesus Cristo
Mostra este aviso na estrada:
- A força da paciência
É o que espanta a zebralhada.
a b
7 - Caso Sério
Jair Presente
Amigo, você comenta
E comenta com razão:
-“Tenho um amigo excelente
Que não quer religião.
Ele diz que crê em Deus,
É um cérebro aberto em luz,
Crê na vida além da morte,
Mas não aceita Jesus.
Não deseja ensinamentos,
Apenas discute e lê,
Nem orações ele aprova...
É um caso sério... Por quê?”
Respondo sem pretensão,
Sem grilos, como se diz,
O companheiro, a meu ver,
É um homem forte e feliz.
Certamente, está seguro,
No campo da profissão,
Jamais terá conhecido
Doença e tribulação.
Com certeza, nunca soube
De espinhos nos próprios passos,
Até agora não teve
Um filho morto nos braços.
Reside num lar tranqüilo,
Sem ter maiores problemas,
Por certos, traz a cabeça
Cheia de sonhos e esquemas.
Mas deixe o tempo correr,
O tempo é que nos conduz,
Em tempo certo, esse amigo
Precisará de Jesus.
Recorde o antigo provérbio
Que não se sabe de quem:
- Vara que bate em Maria,
Bate em Joaquina também.
a b
8 - Caso Vulgar
Jair Presente
João comia. João dormia.
Tinha pouco o que fazer.
Passeava, andava e ria,
Mas João queria morrer.
Dizia que o mundo é falso,
Despenhadeiro traidor,
Senzala de crueldade,
Toda cravada de dor.
Por mais que o guia buscasse
Despertá-lo para o bem,
Tudo inútil. João clamava
Xingando como ninguém.
O mentor rogava calma
No serviço meritório,
João respondia que o mundo
É um horrendo purgatório...
Afirmava ouvir apenas
Pragas, lamentos e ais.
E rematava: - “meu guia,
Agora não posso mais...
Quero a sua companhia,
Preciso mudar de sorte,
Colaborar, ao seu lado,
Na vida depois da morte...”
E tanto pediu repouso
Na chorança sem limite
Que o pobre desencarnou,
A toque de meningite.
Sob os cuidados do guia,
João acordou, foi tratado...
O mentor, ao vê-lo forte,
Anunciou-lhe, afobado:
-“João amigo, eis o momento!...
Você queria morrer,
Agora venha comigo,
Servir é o nosso dever.”
O moço que detestava
Disciplina, horário e prova,
Começou desapontado
A imprevista vida nova.
Seguindo os passos do guia,
Entre surpresas crescentes,
Passava, dias e dias,
Doando forças aos doentes;
Amparava hansenianos,
Balsamizava feridas,
Corria sempre em socorro
De crianças desvalidas.
Gastava nos hospitais,
Às vezes, noites inteiras,
Garantindo a vigilância
De enfermeiros e enfermeiras.
O protetor sem repouso
Parecia não ter paz,
Onde surgisse em auxílio,
João devia vir atrás.
Certo dia, João, cansado,
Disse aos guia: - “não agüento,
Não mais agüento a pedreira
De prisão e sofrimento...”
Pede o guia: - “Fala, filho!...”
E chorando gritou João:
-“Eu quero viver na Terra,
Prefiro a reencarnação...”
a b
9 - Conversa de Gente Moça
Jair Presente
Paz e amor na reunião,
Coração calmo e contente...
Isto me faz escrever
À mocidade presente.
Irmãos, a vocês aí,
Que formam na juventude,
Desejo possam fazer
Tudo aquilo que não pude.
Não acreditem na morte
Em que o pijama se estraga,
A vida – benção de Deus –
É a luz que nunca se apaga.
Conservem saúde e força
Na paz do trabalho são...
Todo destino começa
Por dentro do coração.
Futuro? Pensem agora
Na idéia melhor que há...
Aquilo que a gente planta
É aquilo que surgirá.
Assunto de casamento,
Anotem como se cria,
O lar não pode nascer
Em jogo de loteria.
Tóxico é tempo perdido,
Guardem juízo apurado;
Dinheiro gasto em bolinha
É furto ao necessitado.
O esquente não auxilia
Mesmo nas horas de festa;
Há muita pinga enfeitada
Mas para vida não presta.
Quanto ao mais, busquem Jesus
E esqueçam exemplos maus!...
Mocidade para o bem
É a senda que leva a Deus.
a b
10 - Anotação de Paz
Jair Presente
Atende ao próprio dever,
Não te digas incapaz
E, cumprida a obrigação,
Não peças fama ou cartaz.
Não exijas condições,
Procura o bem, onde estás
Não vales pelo que tens,
Mas por tudo quanto dás
Não penses mal de ninguém,
Cala a crítica mordaz,
Amparo, socorro e bênção,
Podes ser por onde vás.
Olha o serviço a fazer,
Não aquilo que te apraz,
O melhor que se constrói
Vem do esforço pertinaz.
Age, edifica e prossegue;
Não te voltes para trás.
Trabalha e confia em Deus,
Se queres viver em paz.
a b
11 - Estudo da Obsessão
Jair Presente
Ouço dizer que as pessoas
Desencarnadas no mal,
Muitas vezes, continuam
Em treva espiritual.
Perturbam aqui e ali,
Demonstrando esforço inglório,
Para levar muita gente
Às furnas do purgatório.
No entanto, antigo instrutor
Disse-me, há tempos: -“Jair,
Não é ao campo infernal
Que tentam impelir.
Obsessores já sabem
Que Deus é o Eterno Bem,
Que nunca nos desampara
E nunca fere a ninguém.
Inclinam muitos irmãos,
De espírito desatento,
Ao erro e, depois do erro,
À dor do arrependimento.
O objetivo não é
Atirar alguém no abismo
Mas induzir as criaturas
À sombra do pessimismo;
Pois pessoa com remorso,
Triste, azeda e amargurada,
Foge do bem como pode
E acaba em descrença e nada.”
a b
12 - História de João
Jair Presente
Depois de desencarnado,
João Maria do Amaral
Procurou uma das portas
Da Vida Espiritual.
Logo veio um mensageiro
Que o saudou e disse: - “João,
Que fez você para vir
Aos planos de elevação?”
- Que fiz?” – ele respondeu-
“Que poderia fazer?
Tive mulher, tive filhos,
Trabalhei até morrer.”
Cortês, o amigo aduziu:
- “Disso sabemos, porém,
Desejamos apurar
O que fez você no bem...
Que plantou, quando na Terra?
O que andou a espalhar?
Perdão e paz? Sacrifício?
Amou aos irmãos sem lar?”
João explicou, entretanto,
- “Vivi sempre em compromisso,
Do serviço para a casa,
Da casa para o serviço.”
E acentuou: - “Além disso,
Quero dizer-lhe, à vontade:
Nunca tive vocação
Para tal caridade.
Mostrando-me sem rebuços,
Como agora me convém,
Eu nunca tive o desejo
De auxiliar a ninguém...
Vi tanto pobre em cachaça
E tantas mulheres vis,
Que agir na beneficência
Foi trabalho que eu não quis...”
O mentor falou: “No entanto,
Trabalho em casa, no fundo,
É lugar comum da vida,
Na vida de todo mundo;
Família e prova, na Terra,
São tarefas, de hora a hora,
Que fez você, além disso?
Auxiliou a quem chora?
- “Nada fiz...”- disse o coitado-
“Somente lama é o que vi...”
O mentor falou: - “Então,
Nada tem você aqui...
Volte a Terra!... Lute e sirva,
Sempre com Deus, como espero,
De vez que seu nome aqui,
Por enquanto é só João Zero.”
a b
13 - Imprevisto
Jair Presente
A sessão seguia calma.
Harmonia e precisão.
Antonico orientava
A justa doutrinação.
Pelo médium Gabriel,
Um espírito incorporado,
Demonstrando imensa dor,
Passou ao próprio recado:
-Meus irmãos, sou um infeliz,
As culpas me custam caro,
Os meus erros foram muitos,
Imploro perdão e amparo...
Prejudiquei muitos órfãos,
Muitas viúvas lesei,
Fui um ladrão, às ocultas,
Tentando enganar a lei...
Mandei matar inimigos,
Não sei como agi assim,
Agora, desencarnado,
Minha angústia não tem fim...
Ante a pausa que se fez,
Disse Antonico, à vontade:
- E você queria o Céu
Depois de tanta maldade?
A vida que você conta
É tão imunda e tão feia,
Que não quero vê-lo aqui,
Ladrão mora é na cadeia...
O espírito, em choro alto
Desfez-se em longo lamento:
- Meu amigo, tenha dó
Do meu grande sofrimento!...
Antonico replicou:
-Não me venha rogar prece;
Quem é você que procura
Aquilo que não merece?
Clamou o comunicante:
-Infeliz do homem que cai...
Você pergunta quem sou?!...
Antonico, eu sou seu pai.
a b
14 - Lição Do Poço
Jair Presente
O Sol descia de manso.
Poente. Calor no ar,
O aprendiz e o professor
Estavam à beira-mar.
Ante as sentenças ouvidas,
O jovem, com atenção,
Falou ao mentor amigo
No término da lição:
- O que me dói, professor,
Ante a luz de tanto ensino,
É ser um cara “manjado”
Tão errado e pequenino.
Oro. Medito. Prometo.
Busco em Deus o meu abrigo,
Mas sofrendo tentações,
As quedas estão comigo...
Sei o que devo seguir
E faço o que não convém...
Deus é tão grande e eu “fracóide”,
Serei obreiro do Bem?
O professor disse: - “Filho,
O problema é começar...
Deus nos deu a cada um
O poder de auxiliar”.
Veio o silêncio. Fitavam
Um homem lançando rede...
Depois, o jovem clamou:
-Professor, estou com sede!...
O amigo sorriu, bondoso,
E respondeu, de alto senso:
-“Veja, filho!... Estamos sós,
Diante do mar imenso!...
Tanta água!... Tanta água!...
Que o Céu cobre com carinho!...
E agora necessitamos
Do poço de algum vizinho...”
Não longe, uma casa pobre
Deu-lhes acesso ao quintal;
O poço pequeno e limpo
Apareceu, afinal.
Terminara para os dois
A inesperada procura;
O moço fartou-se de água,
Água simples, água pura...
E disse o mentor contente,
Ao desligar-se de um jarro:
-“Cada qual pode ser poço,
Mesmo que seja de barro.”
a b
15 - Petição e Luta
Jair Presente
- Irmão Jair – explicava
Linda moça em oração-
- Preciso de seu amparo
Não posso viver sem João.
Ser mãe... Abraçar um filho,
Contente assim qual me vejo!...
Dar razão à própria vida!...
Isso é tudo o que desejo...
Peça por mim aos seus guias,
Socorra-me, caro irmão!...
E retomava o estribilho:
- Já não posso estar sem João!...
Impressionado, fui ver
O moço que ela queria;
Chamando-a “minha Maria”.
Voltei a ela e esperei-a
À noite, logo dormisse.
Fitando-a, fora do corpo,
Fraternalmente, eu lhe disse:
- Irmã, você quer um filho
E ser feliz, já se vê...
Se você gosta de João,
João é gamado em você.
Por que a separação
Com tanto anseio violento?
Vocês podem ter um filho...
Ataquem o casamento!...
Ela, então, me respondeu,
Mostrando tristeza extrema:
- Nesse ponto, meu amigo,
É que está o eu problema...
Depois, falou-me a clamar,
Com tremenda choradeira:
- Ah! Jair, ampare o João!...
Ele só me quer solteira.
a b
16 - Mais Calma
Jair Presente
Girei hoje procurando
Uma prece por abrigo,
Sem achar pessoa alguma
Que pudesse estar comigo.
Encontrei unicamente,
Sob tensão que não cessa,
Gente de idéia esquentada,
Gente correndo com pressa.
É o guarda preocupado,
É o nervo do motorista,
É o caminhão fonfonando
É o motoqueiro trocista;
É a moça buscando a feira,
É um homem fazendo as contas,
É o grito do pipoqueiro,
É um ciclista vindo às tontas;
É a patrulha vigiando,
É um rapaz em correria,
É uma senhora com criança,
É o homem da loteria;
É o camelô em voz alta,
É um bebum na camoeca,
É a fala do entregador,
É o tan-tan da discoteca;
É o apito de um gaiato,
É o carro do verdureiro...
Gente correndo e gritando,
Foi assim o dia inteiro.
Eis porque a cada amigo
Rogo pensando no bem:
- Meu irmão, tenha mais calma,
Não embanane a ninguém
a b
17 - Lição da Mariposa
Jair Presente
A mariposa de longe
Nota a chama que a seduz,
Ante a fina vela acesa,
Ela deseja mais luz.
A princípio, voa incerta,
Sobe ao teto e desce à mesa,
De perto, a luz lhe parece
Um lar de amos e beleza.
Aproxima-se encantada,
Sente-se forte e aquecida,
Não mais o frio da sombra,
Ali, é calor e vida.
Embriagada de sonhos,
Atende a impulsos fatais,
Quer a doce labareda,
Abordando-a mais e mais...
Por fim, penetra na chama
Que a fascina e reconforta,
Crê achar felicidade,
Entra na luz e cai morta.
Somos assim... Se buscamos
Somente o que nos agrade,
Queimamos o tempo e a vida,
Em nome da liberdade.
a b
18 - O Conselho do Guia
Jair Presente
Era um problema difícil
O Joaquim da Piedade,
Tão – logo lhe fora entregue
A própria mediunidade.
Fosse o assunto qual fosse
De tristeza ou de alegria,
Conclamava os companheiros:
-“Busquemos saber do guia.”
O grupo se congregava
E as perguntas de Joaquim
Surgiam encadeadas,
Qual inquérito sem fim.
Queria saber, as certo,
O porquê da luta humana,
Qual influência dos astros
No horóscopo da semana.
Indagava sobre as rosas
Que lhe floriam no lar,
Se devia transferi-las
De posição ou lugar.
Quanto à esposa, quase mãe,
Tinha sempre um caso a ver
E questionava o mentor
Sobre a criança a nascer.
Comprara um sítio não longe,
Pensando em veios de mica,
Queria saber se a terra
Era mesmo pobre ou rica.
Inquiria sobre tudo
O que lhe dava na telha,
Até se devia usar
Camisa branca ou vermelha.
Toda a equipe acompanhava
Ora serena, ora fula,
As perguntas infindáveis
Do companheiro especula
Até que chegou o dia
Em que o mentor da sessão
Falou-lhe: -“Joaquim, agora,
Já chega de indagação.
Um amigo desencarnado
Vive na ação e no estudo,
Só porque saiu da Terra,
Não é doutor sabe-tudo.
Se você quer colher frutos
Celestiais ou terrenos,
Estude sem descansar,
Sirva mais, pergunte menos.
Para todos nós aqui
Se quisermos melhorar,
Ante a lei justa de Deus,
O caminho é: - trabalhar.”
a b
19 - O Melhor do Melhor
Jair Presente
O que faz de melhor
Em meio a tantas crises?
Eis, irmão, todo o resumo
De tudo quanto me dizes.
E você me expõe à mente
O que se passa na Terra:
Contínuas calamidades
E os tristes quadros da guerra;
Os acidentes cruéis
No mundo desajustado;
As provações a varejo
E as mortes por atacado;
Ações da vida selvagem
Que o próprio homem celebra;
O machismo e o feminismo
Com vários crimes de quebra;
As procissões dos protestos,
As ambições incontidas;
A revolta anuviando
O clima de muitas vidas;
Os corações desolados,
Ontem crentes, hoje ateus,
Formando grupos rebeldes
A perguntarem por Deus...
O que fazem de melhor
Para o cultivo do bem?
Pensar muito e falar pouco,
Sem desprezar a ninguém.
Mas o melhor do melhor
É caminhar, meu irmão,
Seguindo as lições do Cristo
Na vida e no coração.
a b
20 - O Recurso
Jair Presente
Confirmo, prezado amigo.
Recebi o seu recado,
Entretanto, o seu bilhete
Deixou-me baratinado.
Você me fala de angústia,
De tempo hostil e violento,
De males e dificuldades,
De aflição e sofrimento;
De promessas não cumpridas,
De rixas e desenganos,
De ocorrências infelizes,
De delitos desumanos;
De frustrações e fracassos,
De palavras sem ação,
De crises e de problemas
Que surgem sem solução.
Afinal, você me escreve
Amargoso relatório,
Como se a Terra lhe fosse
O fundo de um purgatório.
O que posso responder
Aos seus informes extremos
É que nós todos estamos
Nas estradas que fizemos.
Das existências passadas,
Temos dívidas em bando...
Quantas são? Isso não sei;
E a quitação? Não sei quando...
Mas sei que para nós todos,
Ai e em qualquer lugar,
Para a melhora de vida
O recurso é trabalhar.
a b
21 - Prazer e Fé
Jair Presente
Muitos amigos na sala.
O grupo estava a fé,
Quando um rapaz galhofeiro
Ergueu-se e falou de pé:
- Meus irmãos, estamos nós
Num tempo que avança e pensa...
Para que religião?
Ninguém precisa de crença.
Já voamos para a Lua
Tudo é progresso a crescer...
Para que alma e oração?
A vida é instinto e prazer.
Meditação, serminário,
Renúncia e filosofia?
A eletrônica nos mostra
Que isso tudo é velharia.
Altruísmo é boa bola,
Caridade é uma ilusão...
Prazer é a força que anima,
Dinheiro é a dominação
Vida íntima? Bazófia,
Bobagem ultrapassada,
Larguemos questões de fé,
A vida é corpo e mais nada.
Mas um velho levantou-se,
Aproveitando o intervalo
E respondeu: Meu amigo,
Não posso contraditá-lo.
No entanto, rogo ao senhor
Que nos mostre, se possível
Um de seus carros modernos,
Andando sem combustível.
a b
22 - Prece de um Rapaz que a Morte Mudou
Jair Presente
Agradecemos Senhor,
Nossa vida tal qual é,
A nossa busca de paz,
A bênção de nossa fé;
O apoio dos companheiros
Que nos estendem as mãos,
Pelos quais reconhecemos
Que todos somos irmãos;
Os próprios adversários
Agradecemos também,
Nossos benditos fiscais
Na Terra e no Mais Além;
Auxilia-nos, Senhor,
A suportar a topada,
O golpe, o tropeço e o tranco
Que nos esperam na estrada;
Por toda desilusão
Que o tempo nos ofereça,
Pela força do problema
Que nos esquente a cabeça;
Por tudo quantos nos dás,
Em forma de espinho e dor,
Melhorando-nos a vida,
Louvado sejas, Senhor!...
a b
23 - Não Se Queixe
Jair Presente
Se você tem os pés livres
Para agir e caminhar,
Movendo-se como quer
Por dentro e fora do lar;
Se dispõe de mãos seguras
Para assumir compromisso,
Na rotina abençoada
Que assinala o serviço;
Se você consegue ver,
Com clareza de atenção,
Ouvir e compreender
Ante a própria obrigação;
Se tem a palavra fácil
Em que o verbo se condensa,
Expressando para os outros
O que deseja e o que pensa;
Se consegue alimentar-se
Mesmo com pobre iguaria,
Garantindo o próprio corpo
Pelo pão de cada dia;
Então, de nada se queixe...
Com trabalho, bem se vê
Que a luz da felicidade
Já reside com você.
a b
24 - Queria Ser Médium
Jair Presente
Ele queria ser médiuns...
Pôs-se então a procurar
O que fosse de melhor
Em companhia e lugar.
Exigia equipe culta,
Queria um grupo, a preceito,
Em que o trabalho, de pronto,
Surgisse claro e perfeito.
E começou a jornada
Para a exata descoberta,
Andou, suou, pesquisou...
Sem achar a casa certa.
Aqui, notava ciúme,
Ironia e desapreço,
Nessa ou naquela pessoa
Que o feriam de começo;
Ali encontrava um médium
Que conhecera na praça,
Com quem, há tempos, bebera
Muito copo de cachaça.
Além, vira um conhecido
Que tivera luta feia...
Fora rapaz de mão grande
Com passagem na cadeia.
Mais além, ouvia queixas
E lindas notas em vão,
Orgulho, rixa, revolta,
Barulho e condenação.
Certa noite, repousou,
Cansado de insegurança,
Estava desanimado,
Perdera toda esperança.
Mas desligado do corpo,
No mesmo quarto em que estava
Notou-se à frente de um guia:
-O mentor que mais amava...
- Ah! Meu guia!... – ele exclamou-
Trago a mente em desalinho,
Quero servir a Jesus
Mas não encontro caminho...
Que fazer, amigo amado?
Por onde a luta me leva?
Qualquer grupo que visito
Demonstra sinais de treva!...
O Guia disse, bondoso,
Depois de estender-lhe as mãos:
-Filho, recorda!... Jesus
Não veio curar os sãos.
Cala-te e volta ao serviço,
De coração satisfeito;
Quem segue o Divino Mestre
Não vê mancha, nem defeito.
Só queres irmãos no mundo,
Sem o mínimo labéu!...
Isso é no grupo dos anjos
E os anjos moram no Céu.
a b
25 - Recado de Irmão
Jair Presente
Amigo, no Mais Além,
Distante do antigo passo,
De modo a ver-te contente,
Eis os votos que hoje faço.
Que a paz te resguarde nesta:
Mais sentir do que saber,
Deus te livre da paúra
De ficar no que fazer.
Que saibas correr, a tempo,
Da lábia de qualquer bicho
E o Céu te arrede das bocas,
Seja do luxo ou do lixo.
Procura viver alegre,
Sem galho, briga ou lembrança,
Deus te livre do perigo
Da parada em maré mansa.
Deus te livre de pessoa
Que te aperta ou desanima,
De homem passarinheiro,
De mulher sem roupa em cima.
Conserva a boca distante
De bicaria e trapaça,
Que a vida te guarde longe
Da erva, grude e cachaça.
Que naquilo que não saibas
Nunca metas o nariz
-Eis os meus votos de irmão,
A fim de ver-te feliz.
a b
26 - Recado de Amigo
Jair Presente
Não se amedronte. Prossiga
Em seu trabalho no bem.
Prestando serviço a todos
Não menospreza a ninguém.
Cultive perdão e amor
Esqueça qualquer espinho...
Tribulações e problemas
Isto é de todo caminho.
Se você caiu em falta,
Para erguer-se, volte atrás.
Só não erra neste mundo
Aquele que nada faz.
a b
27 - Seguir a Jesus
Jair Presente
Quem queira seguir Jesus,
Em seus ásperos caminhos,
Não há de fugir-lhe à cruz,
Toda formada de espinhos.
Alguém talvez interrogue:
-“Esses espinhos quais são?”
E os entraves da jornada
Fornecem explicação.
É a lágrima de quem pede,
É o sarcasmo do descrente,
É o logro do obsessor,
É a vaia de muita gente;
É a doença imaginária,
Sem trato que nos atenda,
É a tentação enfeitada
Que parece de encomenda;
É a crítica do inimigo,
É o tapa do ignorante,
É a tesourinha das trevas
Que nos corta a todo instante;
É o vinagre da conversa
De quem não deseja a paz,
É o cochicho venenoso
De quem censura e não faz;
É o irmão desesperado
Que nos procura, a berreiro;
É a discussão agitada,
É a fuga de companheiros;
É a briga na parentela,
Criando desilusão;
É a hora do desalento
É o dia da solidão.
Meditemos nesse assunto:
Observar é dever.
Quem queira seguir Jesus
Tem muito espinho a vencer.
a b
28 - Trânsito
Jair Presente
Já não me vale este rolo
Que me nasce do bestunto,
Agora desencarnado
Não mais estou neste assunto.
É uma amigo que me escreve
Na bondade a que se aferra,
Solicita que eu lhe escreva
Sobre o trânsito na Terra.
Do que enxergo no problema
Não tenho dica que agrade,
Movimento muito grande
Aumenta a dificuldade.
Guiar máquinas demanda
Muito cuidado e carinho,
Basta lembrar o pampeiro
Dos entraves do caminho...
Em toda e qualquer parada,
Buzina grita em geral,
É a pessoa irrefletida
Que não atende a sinal.
É o passante distraído,
Meninos jogando bola,
É um bebum cambaleante,
Doentes pedindo esmola.
É o buraco escancarado
Que se aprofunda e se amplia,
São ciclistas no balé,
São motos em correria.
Aqui, respondo ao amigo
Que esta consulta me faz:
- Não cochile no volante,
Nem largue o freio, rapaz!...
a b
29 - Zebras
Jair Presente
Em nossa terra de agora,
Por força da loteria,
A zebra é que representa
Os fracassos de hoje em dia.
De minha parte, ignoro
Qual a razão do sinal
Com que se marcou assim
O pobre desse animal.
Mas, já que estamos no assunto
Que não sei de onde provém,
Posso dizer com certeza
Que há muita zebra no Além.
Uma delas é a preguiça
Que nos atira na fossa,
Outra á carango sem freio,
Outra ainda é a farra grossa.
Temos aqui outras tantas,
Capim mimoso, trapaça,
Mão grande, conversa mole,
Bolinha, erva e cachaça.
Para contar tantas frias
Preciso verbo mais forte,
São piores que as do mundo
As zebras depois da morte.
a b
fim