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BAZAR DA VIDA
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
ESPÍRITO DE JAIR PRESENTE
CORTA ISSO
Quem deseja o dom da paz
Que auxilia e reconforta,
Ouça o conselho da vida:
-“Corta isso, corta, corta...”
É que a paz simples e viva
Para instalar-se na mente,
Nenhuma ilusão aceita,
E peso nenhum consente.
É por isso que cortar
Significa o dever
De buscar-se o necessário
E quanto ao resto: “esquecer”.
Olvida as rixas de casa;
A incompreensão do vizinho;
O amigo que se afastou;
Os entraves do caminho;
Qualquer desgosto passado;
A provação já vencida;
O parente atrapalhado;
A fala mal- entendida;
A camisa fuchicada;
O paletó sem botão;
A parede descascada;
O conserto do portão;
A poeira desatada;
A fogueira do sol quente;
O vento do temporal
Que desabou de repente;
O copo de jeribita;
O café antigo e morno;
O bolo queimado e cru;
Os desarranjos do forno;
As promessas de mandraca;
Qualquer serviço mal-feito;
A condução atrasada;
A conversa sem proveito...
Se você procura paz,
Que o tranqüilize, a contento,
Não carregue bagatelas
No campo do pensamento.
Por isso, é que a vida, quando
A nossa idéia se entorta,
Está sempre repetindo:
- “Corta isso, corta, corta!...”
2
UMA FRASE AMIGA
Não prossiga descuidado
No passo com que vai indo...
Veja ao redor de você
Os tristes que vão seguindo...
A quem lhe peça consolo
Nunca recuse a esperança,
É muita gente sofrendo
Nas trevas da insegurança.
Aquele homem robusto,
Que empina a cabeça erguida,
Não poderia contar
As mágoas que traz na vida.
Aquela mulher bonita...
Quem sabe? É a bela doente,
Que procura por socorro
De algum médico eminente.
Cada pessoa se ocupa
Do que se lhe faz preciso;
Demonstre a própria bondade,
A começar do sorriso.
Siga sempre auxiliando,
Na escola viva do Bem,
Não sonegue o seu concurso,
Nunca despreze a ninguém.
Se você não crê na força
Da frase amiga em ação,
Olhe o pedaço de vela
Acesa na escuridão.
3
PARA SERVIR E AMAR
Amigo, você me pede
Para que o livre das crises,
Queixando-se amargamente
Dos momentos infelizes;
Diz haver chorado tanto
Que hoje é um pobre sofredor,
Arrastando a dura carga
De desenganos do amor.
Decerto, você julga em mim
Um companheiro eminente,
Mas sou apenas Jair,
O amigo Jair Presente;
Um pequeno servidor,
Procurando sem alarme,
Entre as pedreiras da vida
O processo de encontrar-me.
Você sabe: a evolução
Não aparece de estalo...
Sinceramente, não sei
O modo de consolá-lo.
Sabendo, porém, que a dor
É disciplina de lei,
Anoto para conversa
Um caso que acompanhei.
Junto a uma estrada de barro
Em que eu fazia ida e vinda,
Via sempre admirado
Uma cana nobre e linda.
Dava gosto vê-la enorme
A balançar-se no vento
E pensava: “o que seria
Do seu tronco suculento?”
Certo dia, veio um homem
E atacou-a de facão,
Depois, cortou-a aos pedaços
Sem que eu soubesse a razão.
Ao valente cortador
Que estava de boa veia,
Supliquei para segui-la
E, atônito, acompanhei-a.
Ela foi largada a um canto,
Depois, levada à moenda,
Foi triturada, de todo,
Para o açúcar na fazenda.
A cana altaneira e bela
Tinha um dever a cumprir:
Submeter-se à moenda
Para a missão de servir.
A vida é assim, meu caro,
Para ter o dom de amar,
Qualquer pessoa no mundo
Há de sofrer e chorar.
Se você chora, recorda
Que Deus cuidará de si.
Lembra o episódio da cana;
Amar é sempre isso aí.
4
ANOTAÇÃO
Era um dia de saudade...
Na mágoa que me afligia,
Intentava minorar
A minha melancolia...
Para isso, demandei
Sem aflição, sem alarme,
Antigos afetos meus
A fim de reconfortar-me.
Primeiro, quis abraçar
Os meus queridos parentes,
Estavam todos cansados,
Tão tristes, quanto doentes.
Busquei prezado colega...
Achei-o... Encontro irrisório,
Tinha um filhinho com febre
E a esposa num sanatório.
Lembrei-me de um companheiro
Que era forte, qual um touro...
Ao fim de uma cirurgia
Estava de sonda e soro.
Quis ver uma namorada
Dos meus caminhos de moço;
Casara-se... Tinha filhos,
O corpo era pele e osso.
Visitei um companheiro
Que muito me distraía,
Depois de duro acidente
Caíra em paralisia.
Procurei outro cupincha
De distração e cinema;
Dos pés até a cabeça,
Todo ele era eczema...
De tantos dos meus colegas,
As provas vinham a rodos,
Dentre quantos procurara,
Eu era o melhor de todos.
Orando, rememorei
Muitas lições de Jesus;
Cada qual de nós na vida
Vive atado à própria cruz.
Então pensei: nosso mundo
Não está fora da Lei.
Deus que o fez, Deus que o conserve,
Que eu, por mim, de nada sei.
5
SEQÜESTRO
No sentido de ampliar
Os pensamentos do Bem,
É que ouso comentar
A lição que vi do Além.
A viúva nobre e rica,
Dona Cecília Trindade,
Tinha um filho e duas filhas
Com destaque na cidade.
Certo dia, junto ao filho,
Tão pálida quanto a cera,
Mostra-lhe Dona Cecília
A carta que recebera.
Era um texto repulsivo
De cruel seqüestrador
Que lhe falava na escrita
Com menosprezo e rancor.
Que ela atendesse sem falta,
No que se punha a intimá-la
Cinqüenta milhões, não menos,
Ou, então, a morte à bala...
Que colocasse o dinheiro
Por entre jornais em monte,
Certa noite, em certa hora,
Debaixo de antiga ponte.
Nada dissesse à polícia,
Que agisse de “lábio mudo”,
Nada falasse a ninguém,
Se não mudaria tudo...
Rogava ao filho conselho
Contra o esperto marginal,
Esperando recorrer
Ao tato policial.
Mas o moço respondeu:
-“Escute, mamãe querida,
Nisso tudo, apenas vejo
A bênção de sua vida.
É preciso resguardar
Seus santos cabelos brancos,
Essa quantia é migalha
Do que já possui nos bancos.
Convém se evite a polícia,
Ponha o dinheiro em jornais
E fique livre de vez
Da mira de marginais”.
Mas a senhora, ao contrário,
Foi à polícia em segredo,
Pediu providências claras,
Falando firme e sem medo.
Orientada, a capricho,
Por antigo delegado,
Colocou todo o dinheiro
Sobre o terreno indicado.
A nobre dama, à distância,
Ficou serena, a contento,
Queria ver o desfecho
Do triste acontecimento.
Em hora escura da noite,
Um mascarado chegava,
Sem ver os homens atentos
Da guarda que o vigiava.
Quando tomou do pacote,
Eis que a polícia o esfacela...
Descobriu-se, então, que o morto
Era o próprio filho dela.
6
VIBRAÇÕES
Buscando maior proveito
Em nossas reuniões,
Falemos, mesmo de leve,
Na força das vibrações.
Quem desejar saúde
No mais seguro alicerce,
Tenha sempre a caridade
No que interfira ou converse.
Sentimento cria a idéia,
A idéia entra em questão,
Articulando a palavra
E o fato surge em ação.
Nas discussões e conflitos,
Se o nosso verbo injuria
Teremos logo conosco
Herpes, coceira, alergia...
Se reprovamos alguém
De forma infeliz e avessa,
Sofreremos, muitos dias,
Moleza e dor-de-cabeça.
Se a queixa é contra parentes,
Eis que essa queixa nos liga
À sombra da urucubaca,
Ao banzo e à dor-de-barriga.
Frase, atitude e expressão
Que se irradiem da gente,
De imediato, produzem
Vibração correspondente.
Palavra de luz e treva
Tem esta nota sensata:
A vibração nos eleva,
Mas vibração também mata.
7
RECADO
Você que deseja a paz,
Receba esta nota amiga:
Conserve muito cuidado
Em tudo o que você diga.
Procure evitar presença
Em queixume ou desacato,
Despeje silêncio e prece
Sobre o fogo do boato.
O trabalho é obrigação,
A caridade é dever.
A falar, buscando o mal,
É melhor nada dizer.
Se alguém, porventura, afirma
Que a fofoca está na onda,
Faça um sorriso fraterno
No entanto, nada responda.
As praças estão repletas
E há muita conversa oca.
Recorde: peixe no anzol
Acha a morte pela boca.
8
BARRAS
Noutras épocas, a barra
Era armação de metal
Para exercícios de força
Ou peça de tribunal;
Também a barra de saia
É indagação permanente
Criando complicações
Que enlouquecem muita gente.
A barra, porém, agora
Alcançou nova expressão:
Vem a ser “peso-pesado”
Na vida ou no coração;
Temos a barra do emprego
Quando o salário balança,
A barra da violência
E a barra da insegurança;
Vemos a barra da carga
Dos conflitos atuais;
A barra do sofrimento
Que avança cada vez mais;
A barra dos namorados
É a mais pesada de todas,
Porque muitos querem filhos
Antes do tempo das bodas;
Pela barra dos protestos,
Que se ampliam, de hora em hora,
É que aparecem problemas
E o trabalho vai-se embora.
Em meio de tantas barras,
Vivamos fazendo o bem,
Assim, não seremos barras
Para atrasar a ninguém.
9
ENCABULADO
Você me pergunta em carta,
Meu caro Antônio Garcia,
Sobre o amor livre na Terra,
No sexo de hoje em dia.
O que dizer, meu irmão?
Eis neste assunto o que sei:
O sexo sem controle
Inventa o amor sem lei.
Recorde o antigo provérbio:
“Na casa em que não há pão,
Todos reclamam comida
E se agitam sem razão.”
Exalta-se em toda parte
O corpo por nobre centro
Com muito sexo por fora
E muito chulé por dentro.
Tanto o homem pulou cercas,
Nas cercas em derredor,
Que a mulher quis imitá-lo
E a luta ficou pior.
Tanto a mulher se descobre,
Que o homem fica a pensar,
Se deseja estar na rua
Ou mesmo se quer um lar.
Sexo livre? Amor livre?
Garcia, não falarei,
Diga aos nossos que sou morto
E por isso nada sei.
10
O CASO LIBÓRIO
Libório, depois da festa,
Chegou, reclamando em casa,
Cambaleava e gemia,
Mostrando os olhos em brasa...
Despejou-se numa cama,
Desvestiu-se sem cautela
E passou a vomitar
Saliva grossa e amarela.
Gritava com dor no ventre,
Dizia-se com tonteira,
O coração disparava
Com tremenda batedeira.
Excedeu-se na festa,
Devorando peixe assado,
Com batida de limão
Num grande copo de lado.
Depois comera cabrito,
Torresmo, chouriço e frango,
Sentindo-se entusiasmado,
Caiu, feliz, no fandango.
Cantou, danço, batucou,
Tocando antiga viola,
Que trouxera resguardada
Por dentro de uma sacola...
Agora, clamava aos berros,
Ele, o touro e amigo forte,
Que não agüentava as dores,
Que via, de perto, a morte...
À noite, foi à sessão
Com apoio de enfermeiro,
Queria ouvir o Irmão Júlio,
Seu guia e seu companheiro.
No momento da consulta
Disse o Libório: “Ah! Irmão,
A doença me apanhou,
Vivo agora em provação...
Que diz o meu caro Guia?
Pois creio em sua virtude,
Necessito, quanto antes,
Retomar minha saúde!...”
O Amigo Espiritual
Respondeu com gentileza:
-“Vi você, ontem, na festa,
Gostei de sua destreza.
Tenha calma, irmão Libório,
Guarde a Fé, pense no Bem,
Deus é um Pai que nunca dorme,
Nem abandona a ninguém.
Mas escute este rifão
Que ofereço ao seu amparo:
Quem a paca caro compra,
Pagará a paca caro.”
11
LIÇÃO IMPREVISTA
O irmão Joaquim Benevente
Justamente nesse dia,
Amanhecera, animado,
Mostrando grande alegria.
Finalmente, ia encontrar
O prezado benfeitor
Que lhe escrevia, de longe,
Renovando-lhe o vigor.
Estava fazendo um lar
Que desse a toda criança,
Sozinha ou desamparada,
Paz, amor e segurança.
Pois, esse amigo distante
Faria do longe o perto;
Prometera visitá-lo
Em data e horário certo.
Além disso, o benfeitor,
Sempre ativo e sempre irmão,
Dissera-lhe em carta amiga
Que lhe traria um bilhão;
Um bilhão que o amparasse,
No serviço em andamento,
E Joaquim se organizara
Para abraçá-lo, a contento.
De ônibus, ia às compras...
Sentou-se, notando ao lado
Um homem de grande porte,
Idoso, forte e pesado.
Após minutos de calma,
Em aspirando o rapé,
O companheiro de banco,
Sem querer, pisou-lhe o pé...
Mas Joaquim trazia um calo
Com minguada paciência,
Um calo que lhe amargurava
Cada dia da existência.
Ao sentir-se machucado,
Entregou-se à irritação
E gritou, atarantado:
-“Tire o pé, “seu” gordalhão!...
Infeliz, saia daqui,
Saia e vá adiante,
Não quero ter, ao meu lado,
O seu corpo de elefante...”
O homem rogou desculpas
E afastou-se, incontinenti,
Cambaleou e seguiu,
Sentando-se mais à frente.
Joaquim comprou doces finos
Em nobre confeitaria,
Aguardando o benfeitor
Que, logo, o visitaria...
No horário, alguém bate à porta;
Joaquim corre a ver quem é...
Era o homem alto e forte
Que lhe pisara no pé.
O visitante sorriu,
Joaquim pediu-lhe perdão
Recebendo, envergonhado
A dádiva de um bilhão.
Mantendo nas próprias mãos
O cheque pleno de ensinos,
Pensava no grande ensejo
De serviço aos pequeninos.
Moral da historia: quem queira
Obras de amor e valia,
Que cultive a tolerância
E cuide da cortesia.
12
O COFRE
A viúva Dona Adélia
Fora linda e muito rica,
Ajaezada de jóias
Na Fazenda de Benfica.
Mas tudo via em mudanças,
Desde a morte do marido,
Fazendas, granjas e terras,
Tudo ela havia perdido.
Tinha dois filhos adultos,
Liberato e Consentino,
O primeiro - jogador,
O segundo - libertino.
Gastavam dinheiro, a rodos,
Sob avais e mais avais;
Quando a viúva acordou,
Tinha assinado demais.
Perdera fazenda e terras,
As jóias que possuía,
Todo o credito bancário,
E a casa de moradia...
Os dois filhos lhe arranjaram
Duas estreitas salinhas,
Onde moravam com ela
Um gato e duas galinhas.
Comiam do que lhes dessem,
Por simpatia e bondade,
As pessoas de visita,
Em nome da caridade.
Os filhos, porém, notaram
Que ela guardava com gosto,
Um cofre, sob disfarce,
Num travesseiro bem posto.
Certo dia, com malícia,
Perguntou-lhe o Liberato:
-“Mãezinha, o que há no cofre,
Que recebe tanto trato?”
Ela apenas respondeu,
Mostrando certo cuidado,
-“Neste cofre, tenho o resto
Do meu dinheiro guardado”.
Desde esse dia, a viúva
Teve os filhos, ao redor,
Ela, as galinhas e o gato
Comeram muito melhor.
Vários anos se passaram
Com melhoria e regalo:
Os filhos, olhando o cofre
E ela sempre a resguardá-lo.
Em luminosa manhã,
Os moços, abrindo a porta,
Estremeceram de susto,
Dona Adélia estava morta.
Guardaram o cofre, às pressas,
Trouxeram médico e gente...
E ao fim do dia lhe deram
Funeral sóbrio e decente.
Ambos sozinhos, à noite,
Abriram o cofre, enfim...
O cofre só tinha conchas
E um bilhete escrito assim:
-“Filhos do meu coração,
Meus filhos que tanto amei,
Perdoem se nada tenho...
Tudo o que eu tinha, eu lhes dei...
Mas, agora, se desejam
Ouro e mais ouro a rolar,
Aceitem o meu conselho:
Cada um vá trabalhar!...”
13
PEQUENA HISTÓRIA DE JOAQUIM
Curado em pequeno grupo
Pela bondade de um Guia,
Fez-se mudado e contente
O amigo Joaquim Faria.
Negociante otimista,
Sempre afável, prazenteiro,
Prometeu servir aos pobres,
Se Deus lhe desse dinheiro...
O dinheiro desejado,
Em certa hora, o alcança,
Era agora um homem rico,
Através de enorme herança.
Desencarnado, um avô
Deixara-lhe grandes rendas,
Apólices e seguros,
Minerações e fazendas.
Falou Joaquim que ergueria
O amparo aos necessitados,
Num lar de paz e conforto,
Em muitos metros quadrados.
Parou nisso muito tempo,
Depois, tornou-se notório,
Que em vez de lar, alçaria
Majestoso ambulatório.
Montava esquemas e esquemas,
Dizia reter os cobres
Para a assistência precisa
A muitos enfermos pobres.
Os janeiros se ajuntavam...
Joaquim, com espalhafato,
Da idéia de ambulatório
Passou para a de orfanato.
No entanto, tempos após,
Disse o grande gabarola,
Que não queria orfanato,
Queria uma linda escola.
De plano em plano, Joaquim
Viveu e gozou, em suma,
Caminhando em vida mansa,
Sem construir obra alguma.
Desencarnado, por fim,
Dormiu, dormiu e, depois,
Notou junto dele, um anjo,
Estavam, a sós, os dois...
Joaquim pergunta: “anjo amigo,
Você sempre me acompanha...
Decerto, sabe o meu nome
Ante a vida escura e estranha?...”
Disse o anjo: “ andei consigo,
Dia a dia e mês e mês...
Você é o Joaquim Faria,
Que faria, mas não fez.”
14
TIA E SOBRINHO
Eis-me a trazer-vos a história,
Estranha como se diz,
Do fato que sucedeu
A um amigo- o Téo Muniz.
Ele chegara aos quarenta...
Morava com garbo e graça
Com velha tia, contando
Noventa e lá vai fumaça.
Ela, viúva, fizera
Testamento em pergaminho,
Sem outros quaisquer parentes,
Deixara tudo ao sobrinho.
O moço, olhando o futuro
Pela ambição desmedida,
Dava-lha os nomes mais ternos:
- “Meu tesouro”, “mãe querida...”
Ele adulava a velhinha,
Ela adorava o rapaz,
Unidos, constantemente,
Viviam em doce paz.
Mas veio um dia difícil...
A tia surgiu doente,
O rapaz fez-se-lhe apoio
No carinho permanente.
Exames. Medicamentos.
Inquietações. Agonias.
Problemas multiplicados
Chegavam, todos os dias.
A velhinha, certa noite,
Em silêncio, estremeceu...
Notando-o imóvel, de todo,
Disse a enfermeira: “morreu...”
O sobrinho desolado
Debruçou-se sobre a tia;
Chorando, viu-a parada,
O coração não batia.
Veio o médico. No exame,
Faz testes, explica, exorta...
Num colapso profundo
A doente estava morta.
Entretanto, quis mais provas,
Um companheiro traria;
Então, daria o atestado
De óbito no outro dia...
A casa, de imediato,
Transformou-se num velório,
Testemunhos de pesar,
Condolências. Falatório.
Téo chorava na aparência,
Pois, ganhando o paparico
De quantos vinham a ele,
]sabia-se muito rico.
A herança era muito grande.
A tia deixava rendas,
Muitas lojas de aluguel,
Terras, galpões e fazendas.
Entretanto, ao dia claro,
A morta estava a mexer,
Aquele corpo cansado
Começara a reviver.
Veio médico. Auscultou-a,
Dizendo com alegria
Que ela somente sofrera,
Grave catalepsia.
Desiludido e assustado,
Téo caiu, em desconforto...
Dando entrada no hospital,
O coitado estava morto.
15
PEDACINHO
Uma queixa descabida,
Uma fofoca qualquer,
Seja nascida de homem,
Seja feita por mulher;
Uma frase de ironia,
Uma anedota travessa
Que ponha o ouvinte aloprado,
Com minhocas na cabeça;
Um grito disparatado,
Um gemido sem razão;
Uma conversa comprida
Para dizer “sim” ou “não”;
Uma resposta infeliz,
Um gesto de desacato,
Uma nota de azedume,
O gosto pelo boato...
Tudo isso é um pedacinho
Da treva posta em ação,
Provocando a nossa queda
Nas tramas da obsessão.
16
O PRESENTE
Já se fizera mania
Em Joaquim Serapião...
Vivia rogando auxílio
Em toda reunião.
Na sessão de voz direta,
Usando calma sem fim,
A entidade na cabine
Reconfortava Joaquim.
O irmão Quintino Elentério,
Ali materializado,
Estava sempre disposto
Para incessante recado.
A declarar-se doente,
Embora a mostrar-se forte,
O moço pedia amparo,
Guardando o medo da morte.
Queixava-se de bronquite,
De tosse e inchaço na goela,
De desânimo e tontura,
Batedeira e erisipela...
Em cada reunião,
Lá se encontrava Joaquim,
Acabrunhado e choroso,
Dizendo-se assim, assim...
Passados mais de oito anos,
Depois de curta oração,
O irmão Quintino Elentério,
Avisou ao pedinchão:
-“ Joaquim, agora é que eu trouxe,
Com minha grande alegria,
O seu remédio seguro,
Para uso, dia-a-dia.
Deixarei nesta cabine
O meu singelo presente,
Não quero vê-lo abatido,
Nem cansado, nem doente...”
Finda a sessão, eis que surge
A cabine iluminada...
Joaquim correu ao remédio
E achou uma linda enxada.
17
O IRMÃO CONSELHEIRO
Servindo de auxiliar
Para um mentor enfermeiro,
Entrei no lar confortável
Do irmão Genésio Pinheiro.
O instrutor que me levava
É um prestimoso atendente
Que declarava Pinheiro
Necessitado e doente.
Qual não foi o meu espanto,
Ao notar no visitado
Um quarentão alto e forte,
Notavelmente trajado.
O mentor recomendou-me
Silêncio, calma e atenção...
Sentado, o dono da casa
Escrevia ao próprio irmão.
Postados à retaguarda,
Sem querer, eu mesmo lia
Tudo aquilo que Pinheiro
Fraternalmente escrevia:
-“Prezado mano Jojota
-dizia, na carta amiga-
Conforme os tempos de hoje,
É preciso que eu lhe diga...
Para guardar a saúde,
Você, que é moço educado,
Conserve os nossos princípios
E tenha muito cuidado.
Durma cedo. Evite farras.
Não busque dor-de-cabeça,
Nem procure a companhia
De moças que não conheça.
Nada de álcool na boca,
Nem mesmo vinho ou licor,
Fuja do ar poluído
De qualquer rua a transpor.
Não fume, porque o cigarro
Parece trama ou feitiço,
A pessoa quer deixá-lo,
Depois não pensa mais nisso.
Não coma carne de porco,
Nem beba água qualquer...
Lembre sempre os três perigos:
Fumo bebida e mulher...”
Nesse tópico da carta,
Pôs-se a ler o texto feito,
Mas sentiu, desconcertado,
Uma forte dor no peito.
Fitando a carta na mesa,
Sob enorme desconforto,
Ergueu-se e saiu gritando...
Em seguida, estava morto.
18
DINHEIRO TEM MUITAS FACES
Recebi seu questionário,
Meu prezado companheiro.
Você quer saber, ao certo,
O que penso do dinheiro.
O assunto é muito difícil,
Porquanto, falando as claras,
Em qualquer parte do mundo
Dinheiro tem muitas caras.
Dinheiro ganho em trabalho,
No suor de cada dia,
Para quem cumpre o dever
E uma fonte de harmonia.
Entre amigos generosos,
Dinheiro que se arrecade,
Para socorro aos que sofrem,
É uma luz de felicidade.
Dinheiro distribuído,
Em forma de ensino e pão,
É musica de alegria
Por dentro do coração.
Mas dinheiro para o mal,
É um tema que não governo,
Porque vira passaporte
Para as jogadas do inferno.
19
PROMESSAS
O homem desencarnado
Apareceu abatido...
Queria o nosso mentor
Para fazer-lhe um pedido.
O pobre recém- chegado,
Começou dizendo assim;
- Ampare-me, nobre amigo,
Tenha piedade de mim...
Sei que já fui afastado
De meu corpo deprimente,
Mas vivo de déu-em-déu
Vagando, constantemente.
É que ando preso aos cuidados
De uma promessa que fiz,
Promessa que não paguei,
O que me faz infeliz.
Fui rico... Tive fortuna,
Hoje invadida de herdeiros...
Mas fiquei devendo aos pobres
Setecentos mil cruzeiros.
São pobres de Santo Antônio
Que os protege das Alturas...
Viúvas abandonadas
Em choças tristes e escuras...
Que devo fazer agora,
Em meu remorso insistente.
Se meu dinheiro não vale
No câmbio aqui diferente?
O mentor se resguardava,
Em silêncio singular,
E o homem continuou
Em lágrimas de pasmar...
Por fim, o mentor falou
Em voz amiga e pausada:
-Meu amigo, sinto muito
A sua conta atrasada...
Aquilo que se promete
À caridade de alguém
Tem força de promissória
Na Terra e no Mais Além...
O Bem é negócio urgente,
Não se entristeça, entretanto,
Volte ao mundo, volte e sirva
Aos protegidos do Santo.
E o meu débito, em dinheiro?
Necessito de ação pronta.
Posso assinar promissória,
A fim de pagar a conta?
Disse o mentor: “meu amigo,
Escute com atenção:
O seu resgate, em dinheiro,
Só em outra encarnação...”
20
VIVER EM PAZ
Se queres viver em paz,
Segue os princípios do bem.
Atende ao próprio caminho,
Não penses mal de ninguém.
Ama a tarefa que tens
E o dever que ela te aponta;
Sobre os problemas dos outros,
Não formam em nossa conta.
Não guardes idéias tristes
Entre as lembranças que levas,
O Sol atravessa a noite
Sem alterar-se nas trevas.
Se alguém te ofende, perdoa,
Seja na rua ou no lar,
Todos nós, perante a vida,
Somos capazes de errar.
Quanto ao mais, confia em Deus
E anota esta lei segura:
Cada pessoa se vira
Sob aquilo que procura.