Ponto de Encontro
Chico Xavier
Jair Presente
Agitação
Nosso irmão Silva Teixeira
Pediu-nos fraternalmente
Dar-lhe atenção e assistência
Na viagem que faria em visita ao pai doente.
Não vacilamos no assunto,
Fui ao nosso diretor:
-“Algum apoio ao amigo?
Vai, sim!... – nos disse o mentor.”
Encontrei-me com Teixeira
Junto à esposa Dona Alcina,
Num ônibus que largava.
Vencendo a chuva mofina.
A máquina em movimento
Formava rajadas frias...
A viagem do casal
Seria apenas dois dias.
Às onze da noite em ponto,
Com biscoitos a granel,
A dupla desceu, entrando
Em velho e pequeno hotel.
A luz se fez no aposento
Que lhes fora reservado...
Acomodaram-se os dois,
Deitando-se, lado a lado.
Instantes depois, um grito
Ressoava estranho e feio...
Dona Alcina retirara
Uma barata do seio.
Teixeira não descansou,
Pois a esposa reclamava,
Xingando a roupa do hotel,
Em pranto se lastimava.
No outro dia, Teixeira
Observou, tristemente,
A morte rondando a casa
Na face do pai doente.
À noite, foi novo trampo;
Dona Alcina, num berreiro,
Clamava que muitas pulgas
Mordiam-lhe o corpo inteiro...
Gritava, humilhando o esposo:
-“Não tens o berço que julgas,
Esta casa em que nasceste
É um pardieiro de pulgas...”
Manhã seguinte, o irmão Silva
Encomendou condução,
Voltariam para casa,
Sem qualquer baldeação.
Chegaram ao lar, à noite;
Dona Alcina, muito ativa,
Falava: - “Agora estou salva!
Agora, sim, estou viva...
Nem pulgas e nem baratas,
Quero somente o que é meu,
Bendita seja esta casa,
A casa que Deus me deu...
Meu sogro? Que Deus o cure,
Não tomarei nova estrada,
Desejo a paz do meu canto...
Tranqüilidade e mais nada.”
Mas passadas duas horas,
A pobre rolou no chão,
Seguindo para o hospital,
Picada de escorpião!...
Ante o Lado Melhor
À frente daqueles que talvez consideres por inimigos, procura fixar-lhes passes recibo às supostas agressões.
Prossegue, em paz, no caminho
Que a Sabedoria Divina te oferece a percorrer.
Carnaval
Irmã, você nos consulta
Se, acaso, existe algum mal
Em ver por fora e por dentro
A festa do carnaval.
Nunca esperei tal pergunta
Nem sei dizer sim ou não,
Porquanto, estando entre os homens,
Quis sempre ser folião.
Ir ver a festa somente,
Acompanhar a arrelia,
Pode ser refazimento
Na carência de alegria.
Carnaval? De modo algum
Importa que você vá;
Apenas é bom saber
O que você quer por lá.
Conselhos
Você me pede conselhos,
Meu caro Joaquim Belém,
Mas ainda estou mambembe,
Não posso guiar ninguém.
A morte não é prodígio,
É tão-só ato de lei.
Continuo a ser Jair;
Apenas desencarnei.
Notando a sinceridade
Que o seu pedido traduz,
Peçamos, nós dois, ao Céu
Equilíbrio, paz e luz.
Fujamos da esnobação
Que vem de cabeça oca,
Conservemos com cuidado
Muita cautela na boca.
Para fazer bem aos outros,
Cultivemos ação pronta,
Esquecendo tudo aquilo
Que não é de nossa conta.
Eu não posso dar conselho...
Estou criando juízo;
Qualquer conselho que eu dê,
Estou dando o que preciso.
Ensinamentos da Vida
João perdera muita terra
Para um antigo agiota;
Ninguém continha a expansão
Do Coronel Mendes Mota.
João provara ser o dono
Das terras surripiadas,
Cem alqueires de pastagens
Com excelentes aguadas.
Mendes Mota comprou ágil,
Muitas dívidas de João.
Fez cobrança, a prazo curto,
Depois fez a execução.
Notando-se espoliado,
O moço reclama e berra,
Mas não teve outro recurso
Senão entregar a terra.
Revoltado e entristecido,
Falava contra a mentira
E jurou matar um dia
O homem que o perseguira.
O pai dizia-lhe: “Filho,
Perdoe!... Nós somos cristãos,
O terreno quando é nosso
Volta sempre às nossas mãos.
Não tente matar ninguém...
Escute os conselhos meus,
Sabemos que a morte é certa,
Mas deve chegar de Deus.”
João ouvia com desprezo
A palavra paternal,
No entanto ficava o mesmo
De pensamento no mal.
Surgiram complicações.
Junto da esposa Mariana,
Mendes Mota recolheu-se
A doce vida praiana.
No tato que possuía,
Comprou formosa mansão,
Vivia de juros altos,
Com muito dinheiro à mão.
Depois de dezoito meses
É que João foi procurá-lo;
Após seis dias de busca,
Conseguiu vê-lo, de estalo.
Mendes jantava entre amigos,
No maior prazer do mundo,
Bebia vinha, à vontade,
Comendo no prato fundo.
Em seguida às saudações,
João lhe pediu o endereço;
Mendes com alto requinte,
Convidou-o a visitá-lo.
Na própria manhã seguinte.
No outro dia, muito cedo,
João, com raiva e desconforto,
Atingiu-lhe a casa cheia...
Ali, velava-se um morto.
Muito pálido, guardava
A arma pronta e engatilhada;
Soube, então, que Mendes Mota
Morrera de madrugada.
Fofocagem
O Centro da Caridade
Prosseguia eficiente.
Muito serviço prestado,
Atraindo muita gente.
A médium da direção
Era Emília Sabugosa;
Trabalhava com prazer,
Missionária generosa.
Fosse qual fosse o problema
De doutrina ou de família,
Na hora do justo acerto,
Chamava-se Dona Emília.
Certa noite, veio a médium,
Discretamente a chorar...
Todo o grupo fez silêncio,
Respeitando-lhe o pesar.
Em afastado recanto,
Amiga atenta lhe fala,
Era Dona Conceição;
Procurando confortá-la.
“Emília, que tem você?”
Pergunta-lhe Conceição;
Em pranto reponde a médium:
-“Não sei viver sem Janjão!...”
Conceição nada mais disse.
Chocada, tomou assento;
O esposo de Dona Emília
Chamava-se Antônio Bento.
Quem era aquele Janjão?
Algum amante escondido?
Aquele choro da médium
Não encontrava sentido...
Começou a fofocagem...
Conceição falou com Joana,
Joana falou com Jandira,
Jandira com Tatiana.
Tatiana, impressionada,
Transmitiu tudo ao marido
E, o marido em confidência,
Falou da ocorrência a muitos,
Mostrando-se confundido...
O assunto estendeu-se longe,
O clima fez-se de brasa,
Quase todos os amigos
Abandonaram a casa.
Com ofício ou sem ofício,
Exigiram demissão,
Retirou-se, compungida,
Até Dona Conceição.
No Centro da Caridade,
Sempre cheio e luzidio,
Pregava-se, agora, às moscas,
No salão triste e vazio...
Inteirando-se do caso,
O senhor Antônio Bento,
Convidou muitos amigos.
A fim de falar a todos
Do estranho acontecimento.
Noite marcada, vieram
Adolescentes e adultos.
Muitas jovens enfeitadas,
Senhoras e amigos cultos.
No momento do discurso
Para a justa explicação
A médium desapontada
Ergue-se e mostrou Janjão;
Era um cachorro doente,
Seu fila de estimação.
História de João Coco
O sitiante João Côco,
Na Roça do Sapecado,
Certo dia, amanheceu
Francamente obsedado.
Ele era solteirão,
Tão sóbrio quanto esquisito,
Pois João acordou aos pulos
Dando berros de cabrito.
Aquela perturbação,
Dolorosa e repentina,
Não aceitou tratamentos,
Zombou da própria morfina.
Levado a um grupo de preces,
Pelo médium, veio um Guia...
João explicou-lhe, chorando,
Tudo aquilo que sentia.
O protetor ouviu, calmo,
E depois falou-lhe: - “João,
Você ficará curado,
Porém, sob condição!...”
“Qual é?” – perguntou, aflito,
O pobre amigo João Coco –
Ouço vozes que me acusam,
Vejo monstros, vivo louco!...
O Guia expressou-se amigo
Com palavras meditadas:
“Todos temos inimigos
Das existências passadas...
Já plantamos sobre a Terra
Muita luta e sofrimento...
Colhemos os resultados
Nas provações do momento.
Se você quer se curar;
Busque novas esperanças...
Dê tudo quanto tiver
Em socorro das crianças...”
Totalmente renovado,
João fala, exalta, elucida;
As crianças sem amparo
Cederia a própria vida.
No grupo dos companheiros
Começou logo a sonhar:
Faria uma casa grande
Para os meninos sem lar.
Cinco anos se passaram,
Mas João Coco nada fez,
Se questionado a respeito,
Dizia apenas “talvez”...
A irmã, senhora Cecina,
Veio a ele interrogar:
“João, e a casa das crianças
Quando é que vai começar?
Replicou-lhe o sitiante:
“Espero o auxílio do Além,
A obra é de capital
E as cousas não andam bem.”
Em resposta ao questionário
Do jornalista Aristeu,
Disse João: “a seca é grande,
Todo o meu gado morreu.”
Logo após, veio a pergunta
De Dona Clara Maria;
Apertado, falou João
Que a casa demoraria.
Relacionando o problema,
Confessou ao Nicolau:
Estou pobre e sem recursos,
Vivo à laranja e mingau...”
Trinta janeiros se foram...
João Coco, em vida folgada,
Não atendeu ninguém,
Nem procurou fazer nada.
Mas, um dia, a obsessão
Voltou a João e ele, aflito,
Pulava sem direção,
Berrando que nem cabrito.
O caso se complicou,
O enfermo sempre tremendo
Viu chegar outra doença
E João acabou morrendo...
Depois de muitos estudos,
Vieram as conclusões:
João Coco deixou ao léu
Setenta e cinco bilhões.
História de João Gandola
Era um problema difícil
O caso de João Gandola,
Não desejava trabalho,
Vivia pedindo esmola.
Diziam os moradores
No Roçado da Carriça,
Que João era, quando moço,
O retrato da preguiça.
Perdera os pais muito cedo,
E dizendo-se doente,
Rogava de porta em porta,
Pão guardado ou caldo quente.
Pediam-lhe bons amigos:
- João, procura trabalhar.
Ele apenas respondia:
- Quando eu puder, vou pensar.
Dona, Maria das Dores,
Amiga sincera e justa,
Dizia-lhe: - João devemos
Caminhar à nossa custa.
Após ouvi-la, Gandola
Entrava na choradeira:
- Sou pobre e ando doente,
Sofrendo de batedeira.
De quando em quando, ia à porta
Do médico Lino França
E o diálogo entre os dois
Nunca sofria mudança.
- João, você quer um prato?
- Eu aceito, sim senhor...
- E um copo de vinho raco?
- Bebo, sim, quero doutor.
- Você quer a sobremesa?
- Um pouquinho para mim...
- João, você toma café?
- Bebo sempre, tomo sim...
Depois de ligeira pausa,
Eis o amigo a perguntar:
- Gandola, você precisa,
Da benção de trabalhar.
Eu pude examinar,
Você tem o corpo são...
Por que fugir do serviço
Esmolando sem razão?
-
João chorava e esclarecia:
- Muito triste é a minha sorte...
Sou fraco, vivo doente,
Trabalho? Prefiro a morte.
Passa o tempo e João agora
A ninguém pede, nem chama,
Todo esticado em lençóis,
Nunca mais saiu da cama.
O povo na caridade
Levava-lhe leite e pão,
Chá, café, comida pronta
Que às vezes queria ou não...
Um dia, corre a notícia,
Do catre quebrado e torto,
João descambara no chão
E todos acreditaram
Que Gandola estava morto.
Vendo a penúria de João,
O amigo Antônio Gualberto
Deu-lhe um caixão de presente,
Mas um caixão descoberto.
O médico estava ausente.
Quinze horas de velório.
A ordem para a saída
Partiu de Neca Gregório.
O cortejo ia seguindo,
Quando um amigo da roça,
Falou a Neca em voz baixa,
Mesmo encostada à carroça:
- Neca, peça a aparada
Do povo, no funeral.
Mas, explicou-se, solene,
Não faço isso por mal.
Aproximou-se do corpo,
E falou, amais para ver:
Gandola, se você vive,
Escute o que vou lhe dizer:
O sitiante Leonardo
Da Fazenda Fonte Limpa,
Mandou-lhe uma doação,
Um saco de arroz supimpa.
Ante a surpresa do povo,
Falou João, com certo enfado:
Primeiro, eu quero saber,
Se esse arroz está pilado...
- Esse arroz está com casca...
Disse Neca descontente.
E João ainda exclamou
Não quero! Vivo doente.
O povo estava aterrado
Ante aquele quadro sério
E Gandola acentuou:
A ter de socar arroz
Quero estar no cemitério...
Muitos amigos fugiram,
Com grande medo de João...
Poucos ficaram nas alças,
No transporte do caixão.
Esses poucos colocaram
Gandola na terra fria
E eu que me punha de lado,
Pensando em tudo o que via,
Fui olhar o amigo João
Muito cedo outro dia.
O pobre, fora do corpo,
Chorava e se maldizia,
E eu mesmo muito espantado
Achei João desencarnado,
Sofrendo paralisia.
Lembranças de Companheiro
Não te amarrotes por nada.
Guarda calma a vida sã;
Se tens queixas para hoje
Espera por amanhã.
Muito se fala em coragem,
Mas, passando no atoleiro,
É que a pessoa conhece
Quem, de fato, é cavalheiro.
Amor infeliz? Esquece
Quem te despreza ou te escacha;
Dinheiro, fumo e burrice
Em qualquer parte se acha.
Uma lição de verdade
Que muita gente não manja:
Não há varada no galho
Que amadureça a laranja.
Recorda esta, na vida:
Em matéria de afogar,
Morre mais gente no copo
Do que nas águas do mar.
Lição de Vida
Nos estudos do Evangelho,
Estava Joaquim Sarmento,
Que falava à grande turma
Em torno ao desprendimento.
“Dinheiro – dizia ele –
É a causa de muitas provas,
Somos almas devedoras
E quando o dinheiro é muito,
Fazemos dívidas novas.
Estamos em paz, às vezes,
Contentes na obrigação,
Mas se há, moeda de sobra,
Lá vem atrapalhação...
Conservemos nossas almas
Humildes e desprendidas,
A fortuna é mais trabalho
E um perigo em nossas vidas.”
Nisso, um telefone toca...
Chamado para Joaquim.
Ele fala, gesticula,
E depois do entendimento
Regressa para a cadeira
Em que se senta por fim...
Encerrada a reunião,
Anuncia, calmamente,
A morte do avô materno,
Antônio Joaquim Sarmento.
Mas Joaquim estava outro,
Tinha a cabeça aprumada,
Parecia até mais moço,
Iria para o velório,
Sorrindo e falando grosso.
Explicou aos companheiros:
-“A notícia está no rádio,
Contou-me antigo vizinho,
Agora, sim, vejo claro
A mudança em meu caminho...
De lutas, ando cansado,
A vida não é moleza,
Adeus, oficina velha!...
Renasci!... Adeus, pobreza!...
Meu avô deixa-me, inteira,
A fazenda de Pilões
E depósitos bancários
No valor de cem milhões!
Após o sétimo dia
De enterro do falecido,
Quero comprar a mansão
Do coronel João Garrido...
Tenho vizinhos gatunos,
Muita gente de má fé;
Não merecem tolerância,
Mas desprezo e pontapé...
Tenho um tio detestável,
Inimigo de meu lar;
Agora, com meu dinheiro
Saberá me respeitar;
Os colegas que me tratam
A coices e palavrões,
Agora, vão conhecer
Minha terra de Pilões...
Repreensões em trabalho,
Não mais quero nada disso,
Não mais aceito conselhos
Dos meus chefes de serviço...
Quero várias governantas,
Tomarei um jardineiro,
Terei minha indústria própria,
Ganharei muito dinheiro...”
E disse, num gesto largo:
-“Por qualquer um não me tomem!...
O homem faz o dinheiro,
O dinheiro faz o homem!...”
O grupo ficou pasmado
Com a mudança do orador
Que, antes, pregara a bondade,
Vida simples, paz e amor...
Joaquim, muito envergonhado,
Voltou na noite seguinte;
A morte do rico avô
Não passara de boato.
Falecera outro Sarmento,
De outro bairro e de outra gente
Homem rico e respeitado
Que tombara de repente.
Naquela assembléia amiga,
Dada ao respeito comum,
Ninguém lhe pediu notícias
Nem fez comentário algum.
Quando o Guia veio às falas
Ao fim da reunião,
Joaquim perguntou a ele :
-“Que desengano o que eu tive
Que prova foi essa, irmão?”
Mas o Guia esclareceu:
-“Joaquim, eleva ao Senhor
A luz do seu pensamento,
Há muita vida esperando
O rico vovô Sarmento.
Na sua prosa de ontem,
Notamos o seu progresso,
A sua contradição
Foi um primor de insucesso!
Enquanto você pensar
Na importância do dinheiro,
Seja em papel ou metal,
Por instrumento de dor
Ou por agente do mal,
Qual se você fosse louco,
Do dinheiro necessário,
Você terá muito pouco...”
Mudança de Opinião
Comerciante abastado,
Era Sizino Vicente,
Cidadão morigerado
E filho de boa gente.
A esposa, Dona Zenite,
Já lhe dera dois petizes;
Os quatro eram quatros amores
Sempre unidos e felizes.
Era Sizino homem sério
Mas vivia de “olho vivo”;
No entanto, era um companheiro,
Moralista e prestativo.
Andando em compras e vendas,
Em tudo fazia o bem,
Mas segundo matrimônio
Não suportava ninguém.
Se algum amigo viúvo
Buscasse o novo regalo
De um segundo casamento,
Eis Sizino a espinafrá-lo:
“Em problemas de família,
Comigo não tem talvez,
Não tolero homem viúvo
A se casar, outra vez.
Homem de nova união,
A meu ver, nunca se apruma,
Há mulheres e mulheres,
Mulher-esposa é só uma...
Nesta matéria da vida,
Nunca achei quem me conteste;
De segundo matrimônio
Não surge cousa que preste.”
No entanto, após algum tempo,
A esposa Dona Zenite,
Morreu quase, de repente,
Num caso de meningite.
Novo tempo de trabalho
Começou para Vicente;
Estrada rude e espinhosa
De uma vida diferente.
Era o negócio a zelar,
Era a panela a ferver,
Meninos choramingando,
Gente gritando a valer;
Os erros de toda hora
De uma emprega recruta,
Vicente vivia tonto,
Cansado de tanta luta.
Certo dia, olhou a casa
De uma senhora vizinha,
Cuja filha, bela jovem,
Tinha o nome de Quinquinha...
Vicente não vacilou
Na decisão de um momento,
Foi falar à linda moça
E pedi-la em casamento.
Após o ajuste bem feito,
Notando-lhe o novo passo,
Velho amigo veio vê-lo
A fim de dar-lhe um abraço.
O amigo disse : “Vicente,
Você mudou, desde quando?“
Ele apenas respondeu:
- “Eu, agora, só casando...”
O outro lado
Na terra, se via um quadro
Do suplício de Jesus,
Perguntava o que haveria
No outro lado da cruz.
Lado avesso? O que seria?
O esconderijo de alguém?
Alguma espada a esperar
O Mestre do Eterno Bem?
Passei no mundo guardando
Na ocupação mais travessa,
Essa estranha inquisição
Que me agitava a cabeça.
Perdi o corpo na morte...
Nova estrada, novo abrigo,
E a pergunta sem resposta
Ficou vibrando comigo.
Um dia, ouvindo um mentor
Em generosa lição,
Transmiti-lhe, de repente,
Minha antiga indagação.
Ele medisse : “Jair,
Reflita, busque pensar...
O outro lado das cruz
É o nosso próprio lugar.”
E acentuou: “quem quiser
Sair do plano comum,
Sofrer e servir com o Cristo
É o ponto de cada um.”
Painel da Terra
A sua pergunta é clara,
Meu caro Altino Segundo:
De que modo sinto aqui
Os sofrimentos do mundo?
Recorde você: a morte
Nenhum prodígio me traz,
Desencarnado me vejo
O mesmo pobre rapaz.
Sondo a imensa luta humana...
Será ela a dor dos povos,
No parto longo e difícil
Dos sonhados tempos novos?
Em toda parte, é a pressão
Da chamada “guerra fria”
E a violência lembrando
Treva densa que se amplia...
Adultos desesperados,
Delinqüência juvenil
E o tóxico caminhando
De forma oculta e sutil.
As mortes por acidentes
Sejam na terra ou no Ar.
Pelos irmãos que nos chegam
Ninguém consegue contar.
Anoto as calamidades:
Terremotos e vulcões,
Ciclones e tempestades,
Abortos e provações.
A dor é a justa resposta
Do que já se fez de mal
E os problemas nos atinge
Na Vida Espiritual.
Você não queira “morrer”
Na idéia de descansar,
Serviço aqui onde estamos
É pedreira de amargar.
Petição não muito própria
Dos companheiros de grupo,
Era ele o pedinchão,
Solteiro, aos trinta, seu nome:
Benedito Salomão.
Quando chegava o momento
Do Guia comunicar-se
Ei-lo a rogar, compungido,
Sem reserva e sem disfarce:
- “Irmão Pinheiro, recorda
Os assuntos de meu caso,
O meu problema difícil
Vem sofrendo grande atraso...”
O guia escutava, atento,
Ao modo de homem antigo...
Depois, falava, sereno:
- “Muita calma, meu amigo!...”
No entanto, em sessão seguinte,
Eis Salomão no clamor:
- Irmão Pinheiro, relembra!...
Ampara-me, por favor.”
O Guia fitava as mães
E os pobres de olhar aflito,
Em seguida, replicava:
- “Mais calma, Irmão Benedito...”
Pinheiro era servidor
Da tarefa semanal;
E Salomão prosseguia:
- “Irmão, estou muito mal...”
O Guia explicava a todos
Que a provação quando vem,
É socorro antecipado
Para o nosso próprio bem!
Entretanto, Benedito
Em gemidos, sempre iguais,
Clamava: - “Pinheiro amigo,
Tem dó! Não agüento mais!...
Em uma sessão tranqüila,
Revelou-se o Irmão Pinheiro:
- “Bendito, eu fui na Terra
Pequenino sapateiro...
Agora, estou aprendendo
Sobre o socorro e doença.
Não tenho a telepatia,
Não percebo o que se pensa...
O que sofres, assim tanto?
Enfermidade, tristeza?
Há professores no Além,
Amparando a natureza...”
Mas Salomão respondeu:
- “Eu não tenho um mal qualquer!...
Quero a cura de meu corpo,
Não sei passar sem mulher...”
Preço Alto
O Coronel Arquimino,
Abastado fazendeiro,
Dispunha de muitas glebas,
De dinheiro e mais dinheiro.
Era, porém, avarento
Em tão extensa medida,
Que conservava em sacolas
Qualquer resto de comida.
Fizera-se conhecido
Por homem mau e seguro,
Sempre citado no povo
Por “Arquimino Pão Duro”.
Quatro fazendas no campo,
Bela mansão na cidade,
Detestava dar esmolas,
Criticava a caridade.
Certo dia, na varanda,
Alegrava-se entre amigos,
Dizendo quanto odiava
Os pedinchões e os mendigos.
Nisso, estaca junto à escada
Que dava acesso à varanda,
O aleijado Joaquim Bola,
Que se arrasta e diz que anda...
- “Seu” Coronel Arquimino
Falou Joaquim com respeito:
- Peço ao senhor algum pão,
Minha fome não tem jeito...
Já procurei na cidade
As casas, uma por uma,
Rogando auxílio e socorro,
Não achei comida alguma...
Arquimino, enraivecido,
De cima, disse a Joaquim:
- Saia já de minha porta
Ou eu mesmo lhe do fim.
Você se faz de aleijado
Pedindo dinheiro e pão,
No entanto, você não passa
De vagabundo e ladrão.
- Ah! Coronel, não me afronte,
Clamou o pobre Joaquim
- Não minto... sou aleijado,
Desde o berço, eu sou assim...
- Você inda me responde?
- Gritou o dono da casa
- Meu pontapé dá lições...
Você vai ver minha brasa.
Em fúria, espantando a todos
Passou a descer a escada,
Mas logo, ao segundo lance,
Caiu, de perna quebrada.
Abeiraram-se os amigos...
As cenas ficaram feias;
Toda a perna estava em sangue,
No rompimento de veias.
Carregado, em altos gritos,
Foi levado a um hospital,
Sofreu longa operação
E anestesia geral.
Foi assim que o Coronel
Que negou alguns tostões,
Sarou e voltou à casa,
Mas pagou trinta milhões.
Pregação Inútil
O pregador Adão Silva,
Em certa reunião,
Tratava só de virtude
Com rigorismo e paixão.
Enfileirava palavras
Nas imagens nebulosas,
Condenando o que chamava
Por vidas pecaminosas.
-“O sexo, meus irmãos,
Dizia com voz segura,
É lasca acesa do inferno
No corpo da criatura.
Todo cuidado é preciso,
Mesmo em nota mais à toa,
No contato natural
Com toda e qualquer pessoa.
Numa frase pequenina,
Aparece tentação
E com ela surge logo
O fogo da perdição”.
Velho amigo lhe dizia:
-“Adão não use rigor,
Em tudo o que você diga
Sobre a vida e sobre o amor.
Perdoe-me se assim lhe falo,
Mas ouça, meu companheiro,
Neste mundo, com freqüência,
Tenho encontrado o feitiço
Contra o próprio feiticeiro.”
Adão falava, pedante:
- Meu trabalho levo a cabo,
Hei de provar sobre a Terra
Que o corpo é obra de Deus,
Mas sexo é do diabo.”
Sucede o que apareceu
Entre os ouvintes de Adão,
A morena Graziela.
Vinte anos de beleza,
De elegância e distinção.
Ao vê-la da vez primeira,
O pregador assustado,
Balançava sem controle,
Inquieto e baratinado.
Desde esse dia, Adão Silva
Revelou-se com mais fúria,
Sobre o poder do pecado.
De soslaio, via, às vezes,
Graziela a acompanhá-lo...
Para enxergá-la, a contento,
Ei-lo em pequeno intervalo.
Logo após, esbravejava
Comentando Lúcifer,
E dizia que a paixão Era assunto de mulher.
Destacava exortações
Com sadismo estranho e cru,
Afirmando que os encantos
Que nasciam da mulher
Provinham de Belzebu.
Por fim, gritava orgulhoso
Que não tinha verbo errôneo,
Que ele clamava por Deus
Para afastar o demônio.
Um dia, porém, chegou
Em que o choque aconteceu,
O pregador rigoroso
Nem de longe apareceu...
A assembléia surpreendida
Procurou por Graziela...
Nesse instante, é que soube
Que, no trem da madrugada,
Adão fugira com ela.
Por enquanto não
Trouxe-me o ano passado
A última e linda prova:
Pois completei dez janeiros
À luz da existência nova.
Sou enfermeiro de jovens,
Que foram “pinta travessa”,
Com muita preocupação
E muita dor-de-cabeça.
Surgiram, porém, amigos
Com bonita tentação:
Desejavam voltar ao mundo
Em nova reencarnação;
E convidaram-me, atentos,
De modo claro e gentil,
A partilhar-lhes a empresa,
Marcada para o “dois mil”.
Formarão equipe nobre
De paz, amor e união,
Doando ao progresso humano
Mais luz e renovação.
Não lhes dei pronta resposta,
Deixei o assunto no ar...
Para um pedido a mentores
Era justo mediar.
Não queria decisão
Apressada ou discutida;
Precisava ver a Terra
Em novo padrão de vida.
Desci pelo fio forte
De minha grande saudade
Para a terra generosa,
Que é sempre “minha cidade”.
Vaguei por ruas e praças...
Tudo beleza seleta...
Mas vendo a lista de preços,
Fiquei um tanto pateta.
Apartamento pequeno,
Mais de cem mil no aluguel,
Quantia de mês, contada
Em compromisso e papel.
Gasolina, cada litro,
Quase quatro mil cruzeiros;
Cafezinho, uma fortuna,
Se tivermos companheiros
Seis mil, o preço do arroz,
Preço do óleo enlatado;
Três mil, o preço do açúcar,
Que se mostre refinado.
O leite, sempre subindo,
Parecia tal “barato”
Que se a vaquinha soubesse,
Fugiria para o mato.
Vendo tanto carestia,
Concluí, pensando mais:
O que seria de mim?
Que seria de meus pais?
Busquei os caros amigos,
Falando-lhes sem alarme
Que, em vista da carestia,
Não queria reencarnar-me.
-“Que é isto, Jair?” – disseram.
“Preços mudam a cada hora,
Com tempo, tudo evolui,
No tempo, tudo melhora.”
-“Nosso grupo de trabalho
Completa-se com você...”
Falou Vitório, um amigo
-“Agora, fazer o quê?”
-“Então” – respondi tranqüilo
A meu amigo Vitório:
-“Vocês voltam para a Terra,
Eu fico no Purgatório.”
Teoria e Prática
João Cota chamou o filho,
Conhecido por Joãozinho,
E passou a prepará-lo
Para as lutas do caminho.
Estava perto, na mesa,
Uma garrafa aprumada,
Com líquido claro e leve
Sobre toalha bordada.
O pai falou ao rapaz:
- “Ouça o que vou lhe dizer:
O líquido à nossa frente
É o veneno do prazer.
Foi garapa açucarada
De cana que se cultiva,
Passou por transformações
E agora é uma “cousa viva”.
Foi muito doce, mas hoje
E fogo na vida humana,
Tem o nome de aguardente,
Cachaça, pinga, umburana...
Dizem que vem de mandraca,
É vapor de algum feitiço,
Tomba a pessoa na rua,
Tira o homem do serviço.
Creio que vem do demônio
Que anda em canaviais,
Furta a mulher do marido,
Separa os filho dos pais...”
O pai calou-se um momento,
Mas voltou com voz segura:
- “Prometa, meu filho, agora,
Não beber essa loucura.”
Joãozinho explicou-se, humilde:
Dessa praga na garrafa
Não quero, nem beberei...”
Houve silêncio entre os dois,
Mas o pai de mão alçada
Baixou-a, certa na pinga,
E engoliu à talagada.
O moço aflito, pergunta:
“Meu pai, o que vejo eu?
Esse líquido é veneno
E, acaso, o senhor bebeu?
O velho desapontado
Falou, de cara amarela:
- “Sim, filho, a pinga é um veneno
- Mas não sei passar sem ela.”
Traíras
É uma história de ficção,
Que atiro hoje no ar,
Um simples caso de peixes
E uma lição de pensar.
Traíra bastante idosa
Nadava forte e serena,
Fazendo-se acompanhar
Por uma filha pequena.
A mãe-traíra dissera
Para a traíra-menina:
- “Filha, é preciso aprender
As lições que a vida ensina.
Hoje, vamos rio abaixo,
Evite lixo e barrela,
Siga sempre junto a mim,
No máximo de cautela.”
Depois falou da lembranças
De queridas companheiras,
De excursões em que dias claros,
De flores e cachoeiras.
O passeio ia tranqüilo
E eis que a dupla se apoquenta,
Vendo um pedaço vermelho
De carne sanguinolenta.
A traíra mais idosa
Mostrou-se muito assustada,
Pedindo, porém, a filha
Que ficasse acomodada.
Em seguida, lhe falou:
- “Ouça, calma e fique arisca!...
A carne que estamos vendo
Tem nome : chama-se isca.
Dentro dela, existe um chuço
Que tem o nome de anzol.
Um punha; curvo e cruel
Que se vê, à luz do sol.
Atrás dele fica um homem
Que o governa com mão forte,
Espalhando em nossas águas
Terríveis quadros da morte.
Já vi muitos companheiros
Pelo anzol, sendo arrancados
E há quem diga que depois
São eles estraçalhados.
Agora, fuja, filhinha,
Cheiro de carne extravasa...
Seja traíra correta,
Vivendo dentro de casa.”
Em seguida, foi à isca...
Disse à filha : “Saiba disto:
Esta carne em sangue é linda!...
Sou traíra e não resisto.”
Passou a comer isca,
Bocada por bocada,
Mas quando caiu no anzol
Logo, logo, foi pescada.
A filha voltou a sós,
A recordar mãe-traíra,
Pensando no que escutara
E meditando o que vira.
Porquês
Releio as suas perguntas,
Meu amigo Rivarol:
-“Por que o Planeta é uma esfera,
Girando em torno do Sol?
Por que o mundo é dividido
Em diversos continentes?
E as raças? Como entender
As línguas e as outras gentes?
Porque Deus criou a cobra,
A pulga, a mosca e o leão?
Porque há homem doente
Ao lado do homem são?
Por que Deus criou a rosa
Em meio de tanto espinho?
O que faz a tartaruga
Avançar devagarinho?”
Meu prezado Rivarol,
Eu não sei. E é uma pena...
Embora desencarnado,
Tenho a cabeça pequena.
Pergunta ainda você:
-“Por que há crentes e ateus?”
-Mas, um amigo Rivarol,
Quem sabe tudo é só Deus.
Votos de Irmão
Meu irmão, aqui te exponho,
Sem pretensão de ensinar,
Alguns perigos do mundo
Que nos compete evitar.
Deus te livre das propostas
De criatura matreira,
De palavrão desatado,
De pessoa alcoviteira.
De cachaça onde ela esteja,
Seja no bar ou na festa,
De peixe deteriorado,
De comida que não presta;
De conversa atravessada,
De discussão ou querela,
De carro na contramão,
De caminhão na banguela;
De qualquer promessa mole,
De todo ajuste que empaca,
De paixão pelo baralho,
De sombras da urucubaca...
Contra os males que te aponto,
Nunca vi qualquer vacina;
Só vejo a prece com fé
Na Providência Divina.