Translate

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Ponto de Encontro-Francisco Cândido Xavier

 

Índice do Blog 

clip_image002

Ponto de Encontro

Chico Xavier

Jair Presente

Agitação

Nosso irmão Silva Teixeira

Pediu-nos fraternalmente

Dar-lhe atenção e assistência

Na viagem que faria em visita ao pai doente.

Não vacilamos no assunto,

Fui ao nosso diretor:

-“Algum apoio ao amigo?

Vai, sim!... – nos disse o mentor.”

Encontrei-me com Teixeira

Junto à esposa Dona Alcina,

Num ônibus que largava.

Vencendo a chuva mofina.

A máquina em movimento

Formava rajadas frias...

A viagem do casal

Seria apenas dois dias.

Às onze da noite em ponto,

Com biscoitos a granel,

A dupla desceu, entrando

Em velho e pequeno hotel.

A luz se fez no aposento

Que lhes fora reservado...

Acomodaram-se os dois,

Deitando-se, lado a lado.

Instantes depois, um grito

Ressoava estranho e feio...

Dona Alcina retirara

Uma barata do seio.

Teixeira não descansou,

Pois a esposa reclamava,

Xingando a roupa do hotel,

Em pranto se lastimava.

No outro dia, Teixeira

Observou, tristemente,

A morte rondando a casa

Na face do pai doente.

À noite, foi novo trampo;

Dona Alcina, num berreiro,

Clamava que muitas pulgas

Mordiam-lhe o corpo inteiro...

Gritava, humilhando o esposo:

-“Não tens o berço que julgas,

Esta casa em que nasceste

É um pardieiro de pulgas...”

Manhã seguinte, o irmão Silva

Encomendou condução,

Voltariam para casa,

Sem qualquer baldeação.

Chegaram ao lar, à noite;

Dona Alcina, muito ativa,

Falava: - “Agora estou salva!

Agora, sim, estou viva...

Nem pulgas e nem baratas,

Quero somente o que é meu,

Bendita seja esta casa,

A casa que Deus me deu...

Meu sogro? Que Deus o cure,

Não tomarei nova estrada,

Desejo a paz do meu canto...

Tranqüilidade e mais nada.”

Mas passadas duas horas,

A pobre rolou no chão,

Seguindo para o hospital,

Picada de escorpião!...

Ante o Lado Melhor

À frente daqueles que talvez consideres por inimigos, procura fixar-lhes passes recibo às supostas agressões.

Prossegue, em paz, no caminho

Que a Sabedoria Divina te oferece a percorrer.

Carnaval

Irmã, você nos consulta

Se, acaso, existe algum mal

Em ver por fora e por dentro

A festa do carnaval.

Nunca esperei tal pergunta

Nem sei dizer sim ou não,

Porquanto, estando entre os homens,

Quis sempre ser folião.

Ir ver a festa somente,

Acompanhar a arrelia,

Pode ser refazimento

Na carência de alegria.

Carnaval? De modo algum

Importa que você vá;

Apenas é bom saber

O que você quer por lá.

Conselhos

Você me pede conselhos,

Meu caro Joaquim Belém,

Mas ainda estou mambembe,

Não posso guiar ninguém.

A morte não é prodígio,

É tão-só ato de lei.

Continuo a ser Jair;

Apenas desencarnei.

Notando a sinceridade

Que o seu pedido traduz,

Peçamos, nós dois, ao Céu

Equilíbrio, paz e luz.

Fujamos da esnobação

Que vem de cabeça oca,

Conservemos com cuidado

Muita cautela na boca.

Para fazer bem aos outros,

Cultivemos ação pronta,

Esquecendo tudo aquilo

Que não é de nossa conta.

Eu não posso dar conselho...

Estou criando juízo;

Qualquer conselho que eu dê,

Estou dando o que preciso.

Ensinamentos da Vida

João perdera muita terra

Para um antigo agiota;

Ninguém continha a expansão

Do Coronel Mendes Mota.

João provara ser o dono

Das terras surripiadas,

Cem alqueires de pastagens

Com excelentes aguadas.

Mendes Mota comprou ágil,

Muitas dívidas de João.

Fez cobrança, a prazo curto,

Depois fez a execução.

Notando-se espoliado,

O moço reclama e berra,

Mas não teve outro recurso

Senão entregar a terra.

Revoltado e entristecido,

Falava contra a mentira

E jurou matar um dia

O homem que o perseguira.

O pai dizia-lhe: “Filho,

Perdoe!... Nós somos cristãos,

O terreno quando é nosso

Volta sempre às nossas mãos.

Não tente matar ninguém...

Escute os conselhos meus,

Sabemos que a morte é certa,

Mas deve chegar de Deus.”

João ouvia com desprezo

A palavra paternal,

No entanto ficava o mesmo

De pensamento no mal.

Surgiram complicações.

Junto da esposa Mariana,

Mendes Mota recolheu-se

A doce vida praiana.

No tato que possuía,

Comprou formosa mansão,

Vivia de juros altos,

Com muito dinheiro à mão.

Depois de dezoito meses

É que João foi procurá-lo;

Após seis dias de busca,

Conseguiu vê-lo, de estalo.

Mendes jantava entre amigos,

No maior prazer do mundo,

Bebia vinha, à vontade,

Comendo no prato fundo.

Em seguida às saudações,

João lhe pediu o endereço;

Mendes com alto requinte,

Convidou-o a visitá-lo.

Na própria manhã seguinte.

No outro dia, muito cedo,

João, com raiva e desconforto,

Atingiu-lhe a casa cheia...

Ali, velava-se um morto.

Muito pálido, guardava

A arma pronta e engatilhada;

Soube, então, que Mendes Mota

Morrera de madrugada.

Fofocagem

O Centro da Caridade

Prosseguia eficiente.

Muito serviço prestado,

Atraindo muita gente.

A médium da direção

Era Emília Sabugosa;

Trabalhava com prazer,

Missionária generosa.

Fosse qual fosse o problema

De doutrina ou de família,

Na hora do justo acerto,

Chamava-se Dona Emília.

Certa noite, veio a médium,

Discretamente a chorar...

Todo o grupo fez silêncio,

Respeitando-lhe o pesar.

Em afastado recanto,

Amiga atenta lhe fala,

Era Dona Conceição;

Procurando confortá-la.

“Emília, que tem você?”

Pergunta-lhe Conceição;

Em pranto reponde a médium:

-“Não sei viver sem Janjão!...”

Conceição nada mais disse.

Chocada, tomou assento;

O esposo de Dona Emília

Chamava-se Antônio Bento.

Quem era aquele Janjão?

Algum amante escondido?

Aquele choro da médium

Não encontrava sentido...

Começou a fofocagem...

Conceição falou com Joana,

Joana falou com Jandira,

Jandira com Tatiana.

Tatiana, impressionada,

Transmitiu tudo ao marido

E, o marido em confidência,

Falou da ocorrência a muitos,

Mostrando-se confundido...

O assunto estendeu-se longe,

O clima fez-se de brasa,

Quase todos os amigos

Abandonaram a casa.

Com ofício ou sem ofício,

Exigiram demissão,

Retirou-se, compungida,

Até Dona Conceição.

No Centro da Caridade,

Sempre cheio e luzidio,

Pregava-se, agora, às moscas,

No salão triste e vazio...

Inteirando-se do caso,

O senhor Antônio Bento,

Convidou muitos amigos.

A fim de falar a todos

Do estranho acontecimento.

Noite marcada, vieram

Adolescentes e adultos.

Muitas jovens enfeitadas,

Senhoras e amigos cultos.

No momento do discurso

Para a justa explicação

A médium desapontada

Ergue-se e mostrou Janjão;

Era um cachorro doente,

Seu fila de estimação.

História de João Coco

O sitiante João Côco,

Na Roça do Sapecado,

Certo dia, amanheceu

Francamente obsedado.

Ele era solteirão,

Tão sóbrio quanto esquisito,

Pois João acordou aos pulos

Dando berros de cabrito.

Aquela perturbação,

Dolorosa e repentina,

Não aceitou tratamentos,

Zombou da própria morfina.

Levado a um grupo de preces,

Pelo médium, veio um Guia...

João explicou-lhe, chorando,

Tudo aquilo que sentia.

O protetor ouviu, calmo,

E depois falou-lhe: - “João,

Você ficará curado,

Porém, sob condição!...”

“Qual é?” – perguntou, aflito,

O pobre amigo João Coco –

Ouço vozes que me acusam,

Vejo monstros, vivo louco!...

O Guia expressou-se amigo

Com palavras meditadas:

“Todos temos inimigos

Das existências passadas...

Já plantamos sobre a Terra

Muita luta e sofrimento...

Colhemos os resultados

Nas provações do momento.

Se você quer se curar;

Busque novas esperanças...

Dê tudo quanto tiver

Em socorro das crianças...”

Totalmente renovado,

João fala, exalta, elucida;

As crianças sem amparo

Cederia a própria vida.

No grupo dos companheiros

Começou logo a sonhar:

Faria uma casa grande

Para os meninos sem lar.

Cinco anos se passaram,

Mas João Coco nada fez,

Se questionado a respeito,

Dizia apenas “talvez”...

A irmã, senhora Cecina,

Veio a ele interrogar:

“João, e a casa das crianças

Quando é que vai começar?

Replicou-lhe o sitiante:

“Espero o auxílio do Além,

A obra é de capital

E as cousas não andam bem.”

Em resposta ao questionário

Do jornalista Aristeu,

Disse João: “a seca é grande,

Todo o meu gado morreu.”

Logo após, veio a pergunta

De Dona Clara Maria;

Apertado, falou João

Que a casa demoraria.

Relacionando o problema,

Confessou ao Nicolau:

Estou pobre e sem recursos,

Vivo à laranja e mingau...”

Trinta janeiros se foram...

João Coco, em vida folgada,

Não atendeu ninguém,

Nem procurou fazer nada.

Mas, um dia, a obsessão

Voltou a João e ele, aflito,

Pulava sem direção,

Berrando que nem cabrito.

O caso se complicou,

O enfermo sempre tremendo

Viu chegar outra doença

E João acabou morrendo...

Depois de muitos estudos,

Vieram as conclusões:

João Coco deixou ao léu

Setenta e cinco bilhões.

História de João Gandola

Era um problema difícil

O caso de João Gandola,

Não desejava trabalho,

Vivia pedindo esmola.

Diziam os moradores

No Roçado da Carriça,

Que João era, quando moço,

O retrato da preguiça.

Perdera os pais muito cedo,

E dizendo-se doente,

Rogava de porta em porta,

Pão guardado ou caldo quente.

Pediam-lhe bons amigos:

- João, procura trabalhar.

Ele apenas respondia:

- Quando eu puder, vou pensar.

Dona, Maria das Dores,

Amiga sincera e justa,

Dizia-lhe: - João devemos

Caminhar à nossa custa.

Após ouvi-la, Gandola

Entrava na choradeira:

- Sou pobre e ando doente,

Sofrendo de batedeira.

De quando em quando, ia à porta

Do médico Lino França

E o diálogo entre os dois

Nunca sofria mudança.

- João, você quer um prato?

- Eu aceito, sim senhor...

- E um copo de vinho raco?

- Bebo, sim, quero doutor.

- Você quer a sobremesa?

- Um pouquinho para mim...

- João, você toma café?

- Bebo sempre, tomo sim...

Depois de ligeira pausa,

Eis o amigo a perguntar:

- Gandola, você precisa,

Da benção de trabalhar.

Eu pude examinar,

Você tem o corpo são...

Por que fugir do serviço

Esmolando sem razão?

-

João chorava e esclarecia:

- Muito triste é a minha sorte...

Sou fraco, vivo doente,

Trabalho? Prefiro a morte.

Passa o tempo e João agora

A ninguém pede, nem chama,

Todo esticado em lençóis,

Nunca mais saiu da cama.

O povo na caridade

Levava-lhe leite e pão,

Chá, café, comida pronta

Que às vezes queria ou não...

Um dia, corre a notícia,

Do catre quebrado e torto,

João descambara no chão

E todos acreditaram

Que Gandola estava morto.

Vendo a penúria de João,

O amigo Antônio Gualberto

Deu-lhe um caixão de presente,

Mas um caixão descoberto.

O médico estava ausente.

Quinze horas de velório.

A ordem para a saída

Partiu de Neca Gregório.

O cortejo ia seguindo,

Quando um amigo da roça,

Falou a Neca em voz baixa,

Mesmo encostada à carroça:

- Neca, peça a aparada

Do povo, no funeral.

Mas, explicou-se, solene,

Não faço isso por mal.

Aproximou-se do corpo,

E falou, amais para ver:

Gandola, se você vive,

Escute o que vou lhe dizer:

O sitiante Leonardo

Da Fazenda Fonte Limpa,

Mandou-lhe uma doação,

Um saco de arroz supimpa.

Ante a surpresa do povo,

Falou João, com certo enfado:

Primeiro, eu quero saber,

Se esse arroz está pilado...

- Esse arroz está com casca...

Disse Neca descontente.

E João ainda exclamou

Não quero! Vivo doente.

O povo estava aterrado

Ante aquele quadro sério

E Gandola acentuou:

A ter de socar arroz

Quero estar no cemitério...

Muitos amigos fugiram,

Com grande medo de João...

Poucos ficaram nas alças,

No transporte do caixão.

Esses poucos colocaram

Gandola na terra fria

E eu que me punha de lado,

Pensando em tudo o que via,

Fui olhar o amigo João

Muito cedo outro dia.

O pobre, fora do corpo,

Chorava e se maldizia,

E eu mesmo muito espantado

Achei João desencarnado,

Sofrendo paralisia.

Lembranças de Companheiro

Não te amarrotes por nada.

Guarda calma a vida sã;

Se tens queixas para hoje

Espera por amanhã.

Muito se fala em coragem,

Mas, passando no atoleiro,

É que a pessoa conhece

Quem, de fato, é cavalheiro.

Amor infeliz? Esquece

Quem te despreza ou te escacha;

Dinheiro, fumo e burrice

Em qualquer parte se acha.

Uma lição de verdade

Que muita gente não manja:

Não há varada no galho

Que amadureça a laranja.

Recorda esta, na vida:

Em matéria de afogar,

Morre mais gente no copo

Do que nas águas do mar.

Lição de Vida

Nos estudos do Evangelho,

Estava Joaquim Sarmento,

Que falava à grande turma

Em torno ao desprendimento.

“Dinheiro – dizia ele –

É a causa de muitas provas,

Somos almas devedoras

E quando o dinheiro é muito,

Fazemos dívidas novas.

Estamos em paz, às vezes,

Contentes na obrigação,

Mas se há, moeda de sobra,

Lá vem atrapalhação...

Conservemos nossas almas

Humildes e desprendidas,

A fortuna é mais trabalho

E um perigo em nossas vidas.”

Nisso, um telefone toca...

Chamado para Joaquim.

Ele fala, gesticula,

E depois do entendimento

Regressa para a cadeira

Em que se senta por fim...

Encerrada a reunião,

Anuncia, calmamente,

A morte do avô materno,

Antônio Joaquim Sarmento.

Mas Joaquim estava outro,

Tinha a cabeça aprumada,

Parecia até mais moço,

Iria para o velório,

Sorrindo e falando grosso.

Explicou aos companheiros:

-“A notícia está no rádio,

Contou-me antigo vizinho,

Agora, sim, vejo claro

A mudança em meu caminho...

De lutas, ando cansado,

A vida não é moleza,

Adeus, oficina velha!...

Renasci!... Adeus, pobreza!...

Meu avô deixa-me, inteira,

A fazenda de Pilões

E depósitos bancários

No valor de cem milhões!

Após o sétimo dia

De enterro do falecido,

Quero comprar a mansão

Do coronel João Garrido...

Tenho vizinhos gatunos,

Muita gente de má fé;

Não merecem tolerância,

Mas desprezo e pontapé...

Tenho um tio detestável,

Inimigo de meu lar;

Agora, com meu dinheiro

Saberá me respeitar;

Os colegas que me tratam

A coices e palavrões,

Agora, vão conhecer

Minha terra de Pilões...

Repreensões em trabalho,

Não mais quero nada disso,

Não mais aceito conselhos

Dos meus chefes de serviço...

Quero várias governantas,

Tomarei um jardineiro,

Terei minha indústria própria,

Ganharei muito dinheiro...”

E disse, num gesto largo:

-“Por qualquer um não me tomem!...

O homem faz o dinheiro,

O dinheiro faz o homem!...”

O grupo ficou pasmado

Com a mudança do orador

Que, antes, pregara a bondade,

Vida simples, paz e amor...

Joaquim, muito envergonhado,

Voltou na noite seguinte;

A morte do rico avô

Não passara de boato.

Falecera outro Sarmento,

De outro bairro e de outra gente

Homem rico e respeitado

Que tombara de repente.

Naquela assembléia amiga,

Dada ao respeito comum,

Ninguém lhe pediu notícias

Nem fez comentário algum.

Quando o Guia veio às falas

Ao fim da reunião,

Joaquim perguntou a ele :

-“Que desengano o que eu tive

Que prova foi essa, irmão?”

Mas o Guia esclareceu:

-“Joaquim, eleva ao Senhor

A luz do seu pensamento,

Há muita vida esperando

O rico vovô Sarmento.

Na sua prosa de ontem,

Notamos o seu progresso,

A sua contradição

Foi um primor de insucesso!

Enquanto você pensar

Na importância do dinheiro,

Seja em papel ou metal,

Por instrumento de dor

Ou por agente do mal,

Qual se você fosse louco,

Do dinheiro necessário,

Você terá muito pouco...”

Mudança de Opinião

Comerciante abastado,

Era Sizino Vicente,

Cidadão morigerado

E filho de boa gente.

A esposa, Dona Zenite,

Já lhe dera dois petizes;

Os quatro eram quatros amores

Sempre unidos e felizes.

Era Sizino homem sério

Mas vivia de “olho vivo”;

No entanto, era um companheiro,

Moralista e prestativo.

Andando em compras e vendas,

Em tudo fazia o bem,

Mas segundo matrimônio

Não suportava ninguém.

Se algum amigo viúvo

Buscasse o novo regalo

De um segundo casamento,

Eis Sizino a espinafrá-lo:

“Em problemas de família,

Comigo não tem talvez,

Não tolero homem viúvo

A se casar, outra vez.

Homem de nova união,

A meu ver, nunca se apruma,

Há mulheres e mulheres,

Mulher-esposa é só uma...

Nesta matéria da vida,

Nunca achei quem me conteste;

De segundo matrimônio

Não surge cousa que preste.”

No entanto, após algum tempo,

A esposa Dona Zenite,

Morreu quase, de repente,

Num caso de meningite.

Novo tempo de trabalho

Começou para Vicente;

Estrada rude e espinhosa

De uma vida diferente.

Era o negócio a zelar,

Era a panela a ferver,

Meninos choramingando,

Gente gritando a valer;

Os erros de toda hora

De uma emprega recruta,

Vicente vivia tonto,

Cansado de tanta luta.

Certo dia, olhou a casa

De uma senhora vizinha,

Cuja filha, bela jovem,

Tinha o nome de Quinquinha...

Vicente não vacilou

Na decisão de um momento,

Foi falar à linda moça

E pedi-la em casamento.

Após o ajuste bem feito,

Notando-lhe o novo passo,

Velho amigo veio vê-lo

A fim de dar-lhe um abraço.

O amigo disse : “Vicente,

Você mudou, desde quando?“

Ele apenas respondeu:

- “Eu, agora, só casando...”

O outro lado

Na terra, se via um quadro

Do suplício de Jesus,

Perguntava o que haveria

No outro lado da cruz.

Lado avesso? O que seria?

O esconderijo de alguém?

Alguma espada a esperar

O Mestre do Eterno Bem?

Passei no mundo guardando

Na ocupação mais travessa,

Essa estranha inquisição

Que me agitava a cabeça.

Perdi o corpo na morte...

Nova estrada, novo abrigo,

E a pergunta sem resposta

Ficou vibrando comigo.

Um dia, ouvindo um mentor

Em generosa lição,

Transmiti-lhe, de repente,

Minha antiga indagação.

Ele medisse : “Jair,

Reflita, busque pensar...

O outro lado das cruz

É o nosso próprio lugar.”

E acentuou: “quem quiser

Sair do plano comum,

Sofrer e servir com o Cristo

É o ponto de cada um.”

Painel da Terra

A sua pergunta é clara,

Meu caro Altino Segundo:

De que modo sinto aqui

Os sofrimentos do mundo?

Recorde você: a morte

Nenhum prodígio me traz,

Desencarnado me vejo

O mesmo pobre rapaz.

Sondo a imensa luta humana...

Será ela a dor dos povos,

No parto longo e difícil

Dos sonhados tempos novos?

Em toda parte, é a pressão

Da chamada “guerra fria”

E a violência lembrando

Treva densa que se amplia...

Adultos desesperados,

Delinqüência juvenil

E o tóxico caminhando

De forma oculta e sutil.

As mortes por acidentes

Sejam na terra ou no Ar.

Pelos irmãos que nos chegam

Ninguém consegue contar.

Anoto as calamidades:

Terremotos e vulcões,

Ciclones e tempestades,

Abortos e provações.

A dor é a justa resposta

Do que já se fez de mal

E os problemas nos atinge

Na Vida Espiritual.

Você não queira “morrer”

Na idéia de descansar,

Serviço aqui onde estamos

É pedreira de amargar.

Petição não muito própria

Dos companheiros de grupo,

Era ele o pedinchão,

Solteiro, aos trinta, seu nome:

Benedito Salomão.

Quando chegava o momento

Do Guia comunicar-se

Ei-lo a rogar, compungido,

Sem reserva e sem disfarce:

- “Irmão Pinheiro, recorda

Os assuntos de meu caso,

O meu problema difícil

Vem sofrendo grande atraso...”

O guia escutava, atento,

Ao modo de homem antigo...

Depois, falava, sereno:

- “Muita calma, meu amigo!...”

No entanto, em sessão seguinte,

Eis Salomão no clamor:

- Irmão Pinheiro, relembra!...

Ampara-me, por favor.”

O Guia fitava as mães

E os pobres de olhar aflito,

Em seguida, replicava:

- “Mais calma, Irmão Benedito...”

Pinheiro era servidor

Da tarefa semanal;

E Salomão prosseguia:

- “Irmão, estou muito mal...”

O Guia explicava a todos

Que a provação quando vem,

É socorro antecipado

Para o nosso próprio bem!

Entretanto, Benedito

Em gemidos, sempre iguais,

Clamava: - “Pinheiro amigo,

Tem dó! Não agüento mais!...

Em uma sessão tranqüila,

Revelou-se o Irmão Pinheiro:

- “Bendito, eu fui na Terra

Pequenino sapateiro...

Agora, estou aprendendo

Sobre o socorro e doença.

Não tenho a telepatia,

Não percebo o que se pensa...

O que sofres, assim tanto?

Enfermidade, tristeza?

Há professores no Além,

Amparando a natureza...”

Mas Salomão respondeu:

- “Eu não tenho um mal qualquer!...

Quero a cura de meu corpo,

Não sei passar sem mulher...”

Preço Alto

O Coronel Arquimino,

Abastado fazendeiro,

Dispunha de muitas glebas,

De dinheiro e mais dinheiro.

Era, porém, avarento

Em tão extensa medida,

Que conservava em sacolas

Qualquer resto de comida.

Fizera-se conhecido

Por homem mau e seguro,

Sempre citado no povo

Por “Arquimino Pão Duro”.

Quatro fazendas no campo,

Bela mansão na cidade,

Detestava dar esmolas,

Criticava a caridade.

Certo dia, na varanda,

Alegrava-se entre amigos,

Dizendo quanto odiava

Os pedinchões e os mendigos.

Nisso, estaca junto à escada

Que dava acesso à varanda,

O aleijado Joaquim Bola,

Que se arrasta e diz que anda...

- “Seu” Coronel Arquimino

Falou Joaquim com respeito:

- Peço ao senhor algum pão,

Minha fome não tem jeito...

Já procurei na cidade

As casas, uma por uma,

Rogando auxílio e socorro,

Não achei comida alguma...

Arquimino, enraivecido,

De cima, disse a Joaquim:

- Saia já de minha porta

Ou eu mesmo lhe do fim.

Você se faz de aleijado

Pedindo dinheiro e pão,

No entanto, você não passa

De vagabundo e ladrão.

- Ah! Coronel, não me afronte,

Clamou o pobre Joaquim

- Não minto... sou aleijado,

Desde o berço, eu sou assim...

- Você inda me responde?

- Gritou o dono da casa

- Meu pontapé dá lições...

Você vai ver minha brasa.

Em fúria, espantando a todos

Passou a descer a escada,

Mas logo, ao segundo lance,

Caiu, de perna quebrada.

Abeiraram-se os amigos...

As cenas ficaram feias;

Toda a perna estava em sangue,

No rompimento de veias.

Carregado, em altos gritos,

Foi levado a um hospital,

Sofreu longa operação

E anestesia geral.

Foi assim que o Coronel

Que negou alguns tostões,

Sarou e voltou à casa,

Mas pagou trinta milhões.

Pregação Inútil

O pregador Adão Silva,

Em certa reunião,

Tratava só de virtude

Com rigorismo e paixão.

Enfileirava palavras

Nas imagens nebulosas,

Condenando o que chamava

Por vidas pecaminosas.

-“O sexo, meus irmãos,

Dizia com voz segura,

É lasca acesa do inferno

No corpo da criatura.

Todo cuidado é preciso,

Mesmo em nota mais à toa,

No contato natural

Com toda e qualquer pessoa.

Numa frase pequenina,

Aparece tentação

E com ela surge logo

O fogo da perdição”.

Velho amigo lhe dizia:

-“Adão não use rigor,

Em tudo o que você diga

Sobre a vida e sobre o amor.

Perdoe-me se assim lhe falo,

Mas ouça, meu companheiro,

Neste mundo, com freqüência,

Tenho encontrado o feitiço

Contra o próprio feiticeiro.”

Adão falava, pedante:

- Meu trabalho levo a cabo,

Hei de provar sobre a Terra

Que o corpo é obra de Deus,

Mas sexo é do diabo.”

Sucede o que apareceu

Entre os ouvintes de Adão,

A morena Graziela.

Vinte anos de beleza,

De elegância e distinção.

Ao vê-la da vez primeira,

O pregador assustado,

Balançava sem controle,

Inquieto e baratinado.

Desde esse dia, Adão Silva

Revelou-se com mais fúria,

Sobre o poder do pecado.

De soslaio, via, às vezes,

Graziela a acompanhá-lo...

Para enxergá-la, a contento,

Ei-lo em pequeno intervalo.

Logo após, esbravejava

Comentando Lúcifer,

E dizia que a paixão Era assunto de mulher.

Destacava exortações

Com sadismo estranho e cru,

Afirmando que os encantos

Que nasciam da mulher

Provinham de Belzebu.

Por fim, gritava orgulhoso

Que não tinha verbo errôneo,

Que ele clamava por Deus

Para afastar o demônio.

Um dia, porém, chegou

Em que o choque aconteceu,

O pregador rigoroso

Nem de longe apareceu...

A assembléia surpreendida

Procurou por Graziela...

Nesse instante, é que soube

Que, no trem da madrugada,

Adão fugira com ela.

Por enquanto não

Trouxe-me o ano passado

A última e linda prova:

Pois completei dez janeiros

À luz da existência nova.

Sou enfermeiro de jovens,

Que foram “pinta travessa”,

Com muita preocupação

E muita dor-de-cabeça.

Surgiram, porém, amigos

Com bonita tentação:

Desejavam voltar ao mundo

Em nova reencarnação;

E convidaram-me, atentos,

De modo claro e gentil,

A partilhar-lhes a empresa,

Marcada para o “dois mil”.

Formarão equipe nobre

De paz, amor e união,

Doando ao progresso humano

Mais luz e renovação.

Não lhes dei pronta resposta,

Deixei o assunto no ar...

Para um pedido a mentores

Era justo mediar.

Não queria decisão

Apressada ou discutida;

Precisava ver a Terra

Em novo padrão de vida.

Desci pelo fio forte

De minha grande saudade

Para a terra generosa,

Que é sempre “minha cidade”.

Vaguei por ruas e praças...

Tudo beleza seleta...

Mas vendo a lista de preços,

Fiquei um tanto pateta.

Apartamento pequeno,

Mais de cem mil no aluguel,

Quantia de mês, contada

Em compromisso e papel.

Gasolina, cada litro,

Quase quatro mil cruzeiros;

Cafezinho, uma fortuna,

Se tivermos companheiros

Seis mil, o preço do arroz,

Preço do óleo enlatado;

Três mil, o preço do açúcar,

Que se mostre refinado.

O leite, sempre subindo,

Parecia tal “barato”

Que se a vaquinha soubesse,

Fugiria para o mato.

Vendo tanto carestia,

Concluí, pensando mais:

O que seria de mim?

Que seria de meus pais?

Busquei os caros amigos,

Falando-lhes sem alarme

Que, em vista da carestia,

Não queria reencarnar-me.

-“Que é isto, Jair?” – disseram.

“Preços mudam a cada hora,

Com tempo, tudo evolui,

No tempo, tudo melhora.”

-“Nosso grupo de trabalho

Completa-se com você...”

Falou Vitório, um amigo

-“Agora, fazer o quê?”

-“Então” – respondi tranqüilo

A meu amigo Vitório:

-“Vocês voltam para a Terra,

Eu fico no Purgatório.”

Teoria e Prática

João Cota chamou o filho,

Conhecido por Joãozinho,

E passou a prepará-lo

Para as lutas do caminho.

Estava perto, na mesa,

Uma garrafa aprumada,

Com líquido claro e leve

Sobre toalha bordada.

O pai falou ao rapaz:

- “Ouça o que vou lhe dizer:

O líquido à nossa frente

É o veneno do prazer.

Foi garapa açucarada

De cana que se cultiva,

Passou por transformações

E agora é uma “cousa viva”.

Foi muito doce, mas hoje

E fogo na vida humana,

Tem o nome de aguardente,

Cachaça, pinga, umburana...

Dizem que vem de mandraca,

É vapor de algum feitiço,

Tomba a pessoa na rua,

Tira o homem do serviço.

Creio que vem do demônio

Que anda em canaviais,

Furta a mulher do marido,

Separa os filho dos pais...”

O pai calou-se um momento,

Mas voltou com voz segura:

- “Prometa, meu filho, agora,

Não beber essa loucura.”

Joãozinho explicou-se, humilde:

Dessa praga na garrafa

Não quero, nem beberei...”

Houve silêncio entre os dois,

Mas o pai de mão alçada

Baixou-a, certa na pinga,

E engoliu à talagada.

O moço aflito, pergunta:

“Meu pai, o que vejo eu?

Esse líquido é veneno

E, acaso, o senhor bebeu?

O velho desapontado

Falou, de cara amarela:

- “Sim, filho, a pinga é um veneno

- Mas não sei passar sem ela.”

Traíras

É uma história de ficção,

Que atiro hoje no ar,

Um simples caso de peixes

E uma lição de pensar.

Traíra bastante idosa

Nadava forte e serena,

Fazendo-se acompanhar

Por uma filha pequena.

A mãe-traíra dissera

Para a traíra-menina:

- “Filha, é preciso aprender

As lições que a vida ensina.

Hoje, vamos rio abaixo,

Evite lixo e barrela,

Siga sempre junto a mim,

No máximo de cautela.”

Depois falou da lembranças

De queridas companheiras,

De excursões em que dias claros,

De flores e cachoeiras.

O passeio ia tranqüilo

E eis que a dupla se apoquenta,

Vendo um pedaço vermelho

De carne sanguinolenta.

A traíra mais idosa

Mostrou-se muito assustada,

Pedindo, porém, a filha

Que ficasse acomodada.

Em seguida, lhe falou:

- “Ouça, calma e fique arisca!...

A carne que estamos vendo

Tem nome : chama-se isca.

Dentro dela, existe um chuço

Que tem o nome de anzol.

Um punha; curvo e cruel

Que se vê, à luz do sol.

Atrás dele fica um homem

Que o governa com mão forte,

Espalhando em nossas águas

Terríveis quadros da morte.

Já vi muitos companheiros

Pelo anzol, sendo arrancados

E há quem diga que depois

São eles estraçalhados.

Agora, fuja, filhinha,

Cheiro de carne extravasa...

Seja traíra correta,

Vivendo dentro de casa.”

Em seguida, foi à isca...

Disse à filha : “Saiba disto:

Esta carne em sangue é linda!...

Sou traíra e não resisto.”

Passou a comer isca,

Bocada por bocada,

Mas quando caiu no anzol

Logo, logo, foi pescada.

A filha voltou a sós,

A recordar mãe-traíra,

Pensando no que escutara

E meditando o que vira.

Porquês

Releio as suas perguntas,

Meu amigo Rivarol:

-“Por que o Planeta é uma esfera,

Girando em torno do Sol?

Por que o mundo é dividido

Em diversos continentes?

E as raças? Como entender

As línguas e as outras gentes?

Porque Deus criou a cobra,

A pulga, a mosca e o leão?

Porque há homem doente

Ao lado do homem são?

Por que Deus criou a rosa

Em meio de tanto espinho?

O que faz a tartaruga

Avançar devagarinho?”

Meu prezado Rivarol,

Eu não sei. E é uma pena...

Embora desencarnado,

Tenho a cabeça pequena.

Pergunta ainda você:

-“Por que há crentes e ateus?”

-Mas, um amigo Rivarol,

Quem sabe tudo é só Deus.

Votos de Irmão

Meu irmão, aqui te exponho,

Sem pretensão de ensinar,

Alguns perigos do mundo

Que nos compete evitar.

Deus te livre das propostas

De criatura matreira,

De palavrão desatado,

De pessoa alcoviteira.

De cachaça onde ela esteja,

Seja no bar ou na festa,

De peixe deteriorado,

De comida que não presta;

De conversa atravessada,

De discussão ou querela,

De carro na contramão,

De caminhão na banguela;

De qualquer promessa mole,

De todo ajuste que empaca,

De paixão pelo baralho,

De sombras da urucubaca...

Contra os males que te aponto,

Nunca vi qualquer vacina;

Só vejo a prece com fé

Na Providência Divina.